sábado, 24 de junho de 2023


23/06/2023 - 09h00min
Martha Medeiros

Para gostar, seja do que for, é preciso respeitar a maturação do prazer

Excelência é algo que se revela devagar, e não de imediato, o que explica a frustração da atual geração de apressados. O primeiro cálice de vinho da minha vida ficou pela metade, não consegui chegar até o fim.

Gilmar Fraga / Agencia RBS

Em alguma fase da vida, você acendeu um cigarro, só para experimentar. E odiou. Sentiu a garganta queimar, tossiu, detestou o cheiro e não viu graça nenhuma naquilo. Ótimo, um fumante a menos. Já quem, contrariando o bom senso, consome uma carteira por dia, viveu também a sua primeira tragada. E odiou. Sentiu a garganta queimar, tossiu, detestou o cheiro e não viu graça nenhuma naquilo, mas queria muito parecer adulto e, de quebra, ocupar as mãos. Deu uma segunda tragada naquele treco fedorento. E uma terceira. E está aí, até hoje, devoto, sem conseguir largar o maldito. 

O primeiro gole de Coca. Posso imaginar a careta. Ainda criança, foi introduzido ao xarope amargo e escuro em uma festinha de aniversário. Os pais cederam à pressão dos parentes: “deixa ele provar para ver como suco é melhor”. De fato, que troço repugnante. Mas você deu um segundo gole, para mostrar que era valente, e um terceiro gole, para ter certeza. Bastou. Mais um colonizado feliz. 

O primeiro beijo, vamos lá. O encaixe levou uns minutos. E você talvez tenha achado meio nojenta aquela história de roçar uma língua na outra. Não chegou a fazer a careta que fez diante do primeiro gole de refrigerante, a educação manda respeitar o próximo, que não é um copo, e sim uma pessoa com sentimentos. E foi por ser tão educado que você permitiu que viesse o segundo beijo, o terceiro e o quarto – depois do quarto, viciou. 

A primeira transa não foi de cinema. É mais provável que tenha sido um enrosco humilhante. Tanto barulho por isso? Não acreditou que o universo estivesse conspirando contra suas ilusões e insistiu mais um pouco. Hoje entende por que sexo é assunto popular. 

É possível que, no primeiro encontro, você tenha achado seu marido meio arrogante. Ou sua mulher tão ansiosa a ponto de pensar em não ligar para ela de novo. Já ouvi uma garota dizer que não viu nada de mais em Paris na primeira vez em que lá esteve. Levei dois dias até acostumar meus ouvidos com o tom de voz da Amy Winehouse. Só consegui engatar na leitura de Grande Sertão: Veredas na terceira investida. 

O primeiro cálice de vinho da minha vida ficou pela metade, não consegui chegar até o fim. Para gostar, seja do que for, é preciso respeitar a maturação do prazer. Excelência é algo que se revela devagar, e não de imediato, o que explica a frustração da atual geração de apressados. Apenas bicar em breves amostras de felicidade, sem se demorar um pouquinho, é que é perda de tempo. Aliás, vale o reverso: se ainda não conseguiu deixar de fumar, continue tentando. 



17/06/2023 - 09h00min
Claudia Tajes

Outro dia me vi em um espelho e quase não acreditei que era eu no reflexo

A maturidade, ou algo próximo disso, acabou me fazendo ver que, mesmo com todos os percalços, não havia me faltado privilégios. Esse foi mais um tapa na cara que a vida me deu

Eu estava feliz naquele quentinho um tanto apertado, mas suficiente para eu me movimentar para todos os lados. Gostava particularmente de um tum-tum-tum que ouvia o tempo inteiro, mas não um tum-tum-tum de reforma no apartamento do vizinho ou de loja de surfe. Era um som bom, compassado, e parecia que o meu coração batia no mesmo ritmo dele. Então veio uma luz e a minha vida virou de cabeça para baixo – ainda que eu não conhecesse muito bem esse conceito, a vida. 

Em seguida me senti em um (essa associação só fiz bem mais tarde) açougue: pesa, mede, apalpa, olha a gordurinha, que coxa mais grossa, meu Deus! Impossível não chorar, ainda que eu não soubesse que o ato de gritar enquanto as lágrimas escorrem fosse isso, chorar. Só parei quando me levaram para os braços de alguém e, pelo tum-tum-tum, adivinhei no mesmo instante que ali era o lado de fora do quentinho de onde me arrancaram. 

Depois disso, a vida – não que eu já entendesse esse conceito, a vida – foi uma sucessão de primeiras vezes. A primeira mamada, a primeira cólica, a primeira vacina, a primeira febre, a primeira fruta, a primeira papinha, a primeira palavra, o primeiro passo, o primeiro tombo, a primeira arte, a primeira palmada, o primeiro dia na creche. Nada do que aconteceu até ali me preparou para o primeiro dia na creche. Foi quando eu senti que o quentinho e o tum-tum-tum tinham ficado definitivamente para trás. 

Agora eu estava por mim. 

Sem proteção, a vida – e enfim eu começava a entender esse conceito, a vida – passou a me apresentar suas armas. A menina que me encheu de socos porque eu peguei a borracha da Peppa Pig dela. A diarreia na frente dos coleguinhas. Os sete pontos na testa e os dois dentes de leite quebrados na queda do trepa-trepa. As letras que eu tentava juntar, mas que não faziam sentido. As crianças que tinham o que meus pais não podiam me dar. As crianças mais bonitas que eu, ou seja, todas, na minha opinião. No futuro, meu psiquiatra encontraria no Jardim B as origens das minhas frustrações. 

De lá para cá, a vida – agora eu brigava com esse conceito, a vida – nem sempre esteve do meu lado. Por exemplo: 

• Quando eu não decorei as Capitanias Hereditárias e rodei e perdi as férias de verão por castigo. 

• Quando eu gostava de alguém, e o alguém me ignorava. 

• Quando eu mandei um nude e o destinatário vazou para a turma toda. 

• Quando eu tive apendicite e perdi a viagem de formatura. 

• Quando me roubaram o primeiro celular bom que comprei, e faltavam 23 prestações de 24. • Quando eu noivei com festa para os parentes e, duas semanas depois, tomei um pé na bunda. • Quando a construtora faliu antes de me entregar o apartamento que comprei na planta. 

A maturidade, ou algo próximo disso, acabou me fazendo ver que, mesmo com todos os percalços, não havia me faltado privilégios. Esse foi mais um tapa na cara que a vida me deu. Só que dessa vez, contrariando meus métodos, não me chateei com ela. 

Outro dia me vi em um espelho e quase não acreditei que era eu no reflexo. Se ainda ontem eu não me conformava com a minha acne juvenil! Como passou tão rápido? No fim das contas, era fácil entender o conceito: era só viver. 

Sorte que ainda deu tempo.


24 DE JUNHO DE 2023
CARPINEJAR

Desocupando o apartamento dos pais

É uma das tarefas mais complexas de desapego ter que desocupar um imóvel quando pai ou mãe morre. Pois é uma limpeza terceirizada e intrusa. Você não tem o olhar de quem partiu para selecionar o que é importante. O que está lá, se não foi descartado em vida, é fundamental para aquele que morava ali.

É um desmoronamento de objetos, uma avalanche de detalhes, que você não tem ideia de como dar conta ou onde colocar.

Abre os armários e vêm livros anotados, diários, cadernos de estudos, diplomas, certificados de cursos, passaporte, correspondências trocadas entre amigos, postais, fotografias.

Nunca passou pela sua cabeça e pelo seu coração que existia tanta tralha, tanto acúmulo de vivências. Nunca sofreu assim com seus próprios fretes e mudanças. Neles, poderia jogar algo fora sem dó nem piedade. Aqui, agora, de modo nenhum. Não se trata de suas escolhas: cada item geme ao seu toque, como se, dentro dele, houvesse dobradiças enferrujadas.

Não percebe que já se encontra sentado no chão durante horas, analisando folha por folha, tentando se encaixar naquela biografia, tentando esperar o momento de seu nascimento.

Não pode desovar as gavetas e fazer uma fogueira. Está mexendo nos sonhos e nas esperanças de uma pessoa predileta. É o seu pai, é a sua mãe, não é qualquer um. A triagem exige paciência para não descartar injustamente um fato marcante, um talismã, uma preciosidade individual.

Existe uma curiosidade para ler tudo e descobrir informações novas do falecido ou falecida. Ao mesmo tempo, arca com a pressa característica da dor para não se prender ao passado, para não se afogar nas lembranças e despertar traumas e medos.

É capaz de reservar 10%, 20% do material encontrado para sua casa, aquilo que combina com o seu gosto ou com o seu temperamento. Diante do resto, você ficará desorientado para decidir um destino. Há um violão e você não toca, há um teclado e você não usa, há aparelhos de glicose e de pressão de que você não tem necessidade, há uma decoração de vasos e cristais que são do século passado e você não tem noção do valor.

Para ser fiel ao inventário e definir um fim digno àquele conjunto infinito de peças, conquistado à base do suor e do trabalho de alguém, deveria largar o emprego e se transformar num brechó, pesquisando preços e anunciando na internet.

Essa opção não é viável. Não desfruta de tamanha liberdade de horários. E também dói vender uma relíquia emocional. Dói se desfazer do que já foi essencial a uma existência. Experimenta uma confusão de sentimentos, um emaranhado de emoções, um novelo perdido nas patas do caos.

Você separa o radinho de pilha que servia para ouvir futebol e notícias, separa o gravador retrô, separa o três em um fora de linha e, de repente, começa a achar que está roubando-os de seu ente querido. É uma sensação estranha, hostil, de pegar o que não é seu, mesmo que seja seu por direito de herança.

Fogão, geladeira, micro-ondas e sofá, o que forma o mobiliário comum não lhe provoca constrangimento de passá-lo adiante aos mais necessitados. A doação elimina a culpa.

O embargo decorre do legado emocional do acervo: da caligrafia, da devoção por trás da aparência, do amor escondido na usura. Como se você estivesse matando seus pais pela segunda vez. Por isso, as múmias no Antigo Egito eram enterradas com os seus pertences.

CARPINEJAR

PARA VOLTAR AOS TRILHOS

Merece avançar e ser amplamente discutida a ideia da proposta de emenda à Constituição (PEC) das ferrovias, apresentada na quinta-feira durante o Congresso Estadual de Infraestrutura, realizado na Federasul, na Capital. A intenção é fazer com que o governo gaúcho também possa permitir a exploração do serviço, utilizando o modelo de autorização para construção de ferrovias. É uma norma já aprovada no Mato Grosso e no Paraná. Dá aos executivos locais o poder de liberar vias férreas, desde que não sejam ligadas a portos ou outras unidades da federação. Estas ainda precisam do aval federal.

Há uma série de razões que apontam para a conveniência dessa iniciativa. Em primeiro lugar, seria positivo o Rio Grande do Sul ter um instrumento próprio para incentivar uma maior diversificação à matriz de transporte de carga, hoje dependente demais das rodovias (cerca de 90%). A logística sobre trilhos, em regra, é mais competitiva, especialmente para granéis. É ainda menos poluente do que caminhões. Dividir mais as cargas entre os modais também retira veículos pesados das estradas, o que se traduz em melhor segurança no trânsito e deterioração menor dos pavimentos.

Outro problema específico do Rio Grande do Sul é que a movimentação de cargas por ferrovias vem caindo nos últimos anos, enquanto cresce no país. Os dados disponíveis não são tão recentes, mas ilustram bem o quadro. Em 2011, a companhia que opera a malha federal no território gaúcho, concedida em 1997, movimentou 14 milhões de toneladas de produtos. Em 2021, foram apenas 3 milhões de toneladas. A empresa recebeu 3,15 mil quilômetros de trilhos, mas aos poucos foi desativando trechos e, em 2021, utilizava somente 1,6 mil quilômetros.

Sabe-se que investimentos em infraestrutura são caros e têm um longo tempo de maturação até se materializarem. São muitos os obstáculos burocráticos e de licenciamento que precisam ser vencidos. A ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho, que esperou mais de 20 anos, é um exemplo. A duplicação de rodovias é outro. Mas é uma discussão necessária e que só terá um desfecho satisfatório se existir disposição e engajamento político e empresarial para levar a ideia adiante. A proposta da PEC das Ferrovias protocoloda na Assembleia Legislativa, que tem à frente o deputado estadual Felipe Camozzato (Novo), teve a adesão de outros 28 parlamentares e foi protocolada na quinta-feira.

Especialistas presentes no evento da Federasul reforçaram que o modelo de autorização, lançado pelo governo federal em 2021, é mais ágil do que o de concessões. À época, surgirem dezenas de projeto com esta modelagem pelo país, mas nenhum no Rio Grande do Sul. Suas regras, no entanto, são voltadas a facilitar o investimento privado, especialmente em trechos menores. 

O objetivo foi dar mais segurança jurídica para viabilizar novos ramais e extensões, gerenciados por um ou mais operadores, elevando a competição. Pode ser cogitada ainda a revitalização e o uso de ferrovias existentes. Mato Grosso e Paraná, por exemplo, sancionaram legislações semelhantes no final do ano passado. O governo de São Paulo também tem nova lei para revitalizar ferrovias, para cargas e transporte de passageiros. Se o trem da história está outra vez passando, é melhor o Rio Grande do Sul embarcar também.  


24 DE JUNHO DE 2023
ALMANAQUE GAÚCHO - Ricardo Chaves

A criança que não tinha nome

O texto a seguir é uma colaboração do jornalista Márcio Pinheiro. Márcio é filho do também jornalista, advogado, e político, ex-presidente da Câmara dos Deputados durante o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, Ibsen Pinheiro (1935-2020) e da jornalista Laila Pinheiro (1935-2013).

O colorado Ibsen Pinheiro teve também expressiva atuação no Sport Club Internacional.

"Ibsen Valls Pinheiro foi único, mas não foi o primeiro. Em 1933, minha avó, Lília Pinheiro - uma uruguaia nascida em 1909 - ficou grávida. Ela estava casada desde a primeira metade dos anos de 1920 com meu avô, Ricardo, um espanhol nascido em Moaña, município da província de Ponte Vedra, na comunidade autônoma da Galiza, na Espanha, em 1895. O primeiro filho do casal, Ofir, havia nascido em março de 1925, em São Luiz Gonzaga.

Nove anos depois, o quinto filho de Lília e Ricardo nasceria em janeiro de 1934, em São Borja. Um bebê fraco e com problemas de saúde, o pequeno Ibsen morreria pouco depois de completar um ano, já com Lília grávida do sexto filho.

O novo filho, nasceria em 5 de julho de 1935, também em São Borja. Seria o último do casal. O meu avô Ricardo defendia que a criança fosse novamente registrada com o mesmo nome como uma homenagem ao irmão morto. Minha avó, ainda abalada pela traumática perda, não queria prolongar a própria dor da lembrança e, tampouco, dar ao bebê uma carga tão forte com o nome marcado por um drama.

Houve um impasse e, por três anos, a criança, filho caçula, não foi registrada, sendo chamado por todos pelo apelido que o acompanharia pela vida afora junto aos irmãos e primos mais velhos: Nenê.

A situação iria se modificar apenas em setembro de 1938, quando meu avô Ricardo morreu.

Minha avó, então, como forma de homenagear a memória do marido falecido, decidiu, finalmente, registrar a criança com o nome que ele queria: Ibsen.

Lília morreria em Porto Alegre, em janeiro de 1983. Seu filho Ibsen também morreu (foi cremado) no mesmo mês e na mesma cidade 37 anos depois, em 2020, aos 84 anos.

Quem for atualmente ao cemitério de São Borja encontrará lá algo surpreendente - uma lápide com o nome de Ibsen Valls Pinheiro, o primeiro, mas que não foi o único."

Dia 24 na história

Nasce, em 1987, o jogador de futebol argentino Lionel Messi.

Em 2010, John Isner, dos Estados Unidos, derrota Nicolas Mahut, da França, na partida mais longa da história do tênis profissional, que durou 11 horas e 5 minutos.

Dia 25 na história

Em 1947, é publicado o Het Achterhuis, na Holanda, conhecido como Diário de Anne Frank.

Começa, em 1950, a Guerra da Coreia, com a invasão da Coreia do Sul por tropas da Coreia do Norte.

Mãe - nilda melo cezar

Mãe, primeiro e último refúgio

luz no túnel, sempre

porto seguro

não importa as desventuras

que o filho enfrente

encontrará sempre

o colo para o acalanto.

Piada

O professor percebe que Joãozinho não está prestando atenção na aula e pergunta: - Fale uma palavra que comece com a letra D. E o menino responde: - Ontem, professor. - Errado! Ontem não começa com D. Então, Joãozinho diz: - Ontem foi domingo!

dia 24 é

Dia Nacional da Araucária

santo do dia 24 - João Batista

dia 25 é dia Mundial do Vitiligo, Dia do Imigrante

santos do dia 25 - Guilherme de Vercelli, Máximo de Turim, Próspero de Aquitânia

Médicas do passado

A mensagem a seguir nos foi enviada pelo leitor Vilson Mendes, 65 anos, comerciante aposentado, de Rio Pardo.

"Li com atenção sua coluna, como sempre faço, mais precisamente sob o título ?Gaúchas, médicas e pioneiras?, na ZH do último final de semana. Foquei a minha atenção mais precisamente sobre Rita Lobato, que clinicou em Porto Alegre durante alguns anos, mas depois decidiu se radicar aqui em Rio Pardo, onde exerceu a profissão de 1910 até 1935. Passou a ser adorada pela população e também se elegeu vereadora de 1935 a 1937, quando Getúlio Vargas fechou as Câmaras Municipais. Passou os últimos anos de vida na localidade de Capivari, até então interior de Rio Pardo. Faleceu aos 87 anos, em 1953.

Aqui em nossa cidade, temos praça, rua e escola com seu nome.

Acho que esse registro, sem tirar o brilho de sua narrativa, merece ser incluído, a bem de homenagear essa médica que muito fez por essa cidade histórica e pela medicina. Abraço." Fica o registro.

Há 30 anos

Quinta-feira, 24 de junho de 1993

Um dia após ter obtido uma vitória com a aprovação do IPMF, o governo Itamar sofreu sua maior derrota no Congresso. Por 384 votos a favor e dois contra, a Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto que estabelece reajustes mensais dos salários.

Há 40 anos

Sexta-feira, 24 de junho de 1983

A prefeitura de Porto Alegre vai oferecer emprego a todos aqueles que estiverem interessados e provarem que estão desempregados. A medida foi decidida pelo prefeito João Dib em parceria com o governador Jair Soares, em reunião realizada ontem no Palácio Piratini.

Há 50 anos

Domingo, 24 de junho de 1973

No início do ano, o presidente Emilio Garrastazu Médici e seus ministros fixaram em 12% a meta para a inflação anual. Um dos setores mais importantes da economia brasileira parece ter ficado de fora do controle: a construção civil. A inflação do semestre chegou a 18%.

ALMANAQUE GAÚCHO

24 DE JUNHO DE 2023
POLÍTICA +

Supremo pode colocar fim a pensão de ex-governadores Auxílio aos atingidos

Foi retomado na sexta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de uma ação que pede o fim do pagamento de pensões vitalícias a ex-governadores do Rio Grande do Sul e de outros Estados. A análise do caso no plenário virtual da Corte tem conclusão prevista para o dia 30 de junho.

A ação foi protocolada em setembro de 2020 pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O julgamento chegou a começar no ano passado, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Antes, a relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, proferiu voto que cassa as aposentadorias pagas a ex-chefes do Executivo de Santa Catarina, Acre, Paraíba, Amazonas, Rio Grande do Sul e Sergipe, mas sem determinar a devolução do que foi pago até o momento. O voto havia sido acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Em julgamentos anteriores, o Supremo já anulou a concessão de benefícios vitalícios a ex-governadores de outras unidades da Federação, como Pará e Bahia. Diante disso, a tendência é que o mesmo entendimento seja aplicado a este caso.

No Rio Grande do Sul, uma lei sancionada em 2021 pelo governador Eduardo Leite acabou com o pagamento. No entanto, a norma não afetou quem já havia adquirido o direito de receber o benefício.

O próprio Leite chegou a solicitar a pensão em 2022, depois de renunciar ao mandato, mas recebeu por apenas dois meses e abriu mão do benefício, diante da repercussão negativa.

Atualmente, recebem a pensão nove ex-governadores: José Ivo Sartori (MDB), Tarso Genro (PT), Yeda Crusius (PSDB), Germano Rigotto (MDB), Olívio Dutra (PT), Antonio Britto (eleito pelo MDB), Alceu Collares (PDT), Pedro Simon (MDB) e Jair Soares (PP).

O montante também é pago a Neda Mary Eulalia Ungaretti Triches, viúva de Euclides Triches, Nelize Trindade de Queiroz, viúva de Sinval Guazelli, Marilia Guilhermina Martins Pinheiro, ex-companheira de Leonel Brizola, e Mirian Gonçalves de Souza, viúva de Amaral de Souza.

Prefeituras de municípios que sofreram danos com o ciclone que atingiu o Estado na semana passada preparam o pagamento de auxílios financeiros para a população atingida.

Em Novo Hamburgo, a prefeita Fátima Daudt (MDB) anunciou o envio de projeto à Câmara Municipal para pagar uma ajuda financeira de R$ 1 mil por família.

- Vamos utilizar informações da Defesa Civil, de satélites e de georreferenciamento da cidade para chegar a essas residências - disse a prefeita, após participar de uma ação de entrega de cestas básicas (foto).

Em Montenegro, o prefeito Gustavo Zanatta (PTB) mandou para a Câmara um projeto semelhante, que prevê pagar R$ 1 mil para famílias com renda per capita de até R$ 218,00 que tiveram perdas com a enchente.

Em Esteio, os vereadores aprovaram nesta semana um projeto enviado pelo prefeito Leonardo Pascoal (PP) que também destina R$ 1 mil a famílias afetadas pelos alagamentos.

PAULO EGÍDIO INTERINO

24 DE JUNHO DE 2023
CHAMOU ATENÇÃO

Flagrante de El Niño no mar

A Agência Espacial Norte- Americana (Nasa) divulgou imagens de satélite que mostram uma mancha de calor no Oceano Pacífico, indicando a presença do El Niño em plena atuação, na quarta-feira.

Segundo a Nasa, a interpretação da imagem deve considerar que os tons de azul indicam níveis do mar abaixo da média, enquanto o branco representa condições normais do nível do mar. Já as áreas vermelhas indicam locais onde o oceano estava mais alto do que o normal.

Nas captações feitas ainda durante o outono, de 1º a 10 de junho, é possível perceber nos pontos vermelhos o aumento do nível do mar. Isso ocorre, pois, com o fenômeno, as águas aquecem e se expandem.

Após a interpretação dos focos captados pelo satélites Sentinel-6 Michael Freilich e Sentinel-3B, os cientistas do laboratório de propulsão a jato concluíram que o Hemisfério Sul estava sendo atingido pelas alterações do El Niño antes mesmo de o inverno começar. A estação teve início na quarta-feira.

Sob a influência do El Niño, o verão é mais intenso e o inverno menos rigoroso, em termos de temperatura, já que as frentes frias não conseguem atuar com a mesma força para gerar frio por maior número consecutivo de dias. Para a região sul do Brasil, o fenômeno El Niño deve provocar chuva acima da média nos próximos três meses.

Probabilidade

A divulgação da Nasa cita as estimativas publicadas em abril pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa), que é referência para meteorologistas, e apontavam 62% de chances de início do fenômeno até julho, com probabilidades crescentes de começo para durante o inverno. Em junho, no entanto, o El Niño não estava tão avançado quanto os eventos anteriores do El Niño na mesma época do ano, de acordo com Josh Willis, oceanógrafo e cientista do projeto Sentinel-6 Michael Freilich no JPL. O que mudou depois e alterou a perspectiva.

"Provavelmente terá alguns impactos globais, mas ainda há tempo para esse El Niño desapontar", disse Willis, no comunicado da Nasa.


24 DE JUNHO DE 2023
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA Apontar caminhos

Mais de uma semana após a passagem do ciclone extratropical pelo Rio Grande do Sul, que provocou a morte de 16 pessoas e afetou, direta ou indiretamente, a vida de mais de 2 milhões de pessoas, os efeitos do fenômeno ainda repercutem devido à extensão dos prejuízos. Situações como a que ocorreu no dia 16 exigem uma resposta rápida das redações para tentar entender a dimensão do ocorrido.

Desde a tarde do dia anterior ao ciclone, quando chegaram os primeiros alertas, a Redação Integrada de ZH, GZH, Rádio Gaúcha e Diário Gaúcho já estava mobilizada para acompanhar a tempestade que se avizinhava, receber as mensagens que inevitavelmente chegariam de moradores e entrar em contato com prefeituras, Defesa Civil e demais órgãos públicos. Nas primeiras horas da manhã do dia 16, mesmo com informações ainda parciais, já sabíamos que o fenômeno não tinha precedentes na história recente do Estado. O que foi fundamental para rever nosso planejamento para aquela sexta-feira e formar uma força-tarefa.

Foram mais de cem profissionais envolvidos no trabalho de mapear os locais atingidos com maior intensidade e, para lá, designar equipes, fazer entrevistas com autoridades e, o mais importante, dar voz a quem havia sido afetado diretamente com os ventos e a chuva.

Coberturas jornalísticas atípicas como esta costumam passar por etapas. A primeira é a de entender a situação, dimensioná-la com dados históricos, relatar e ouvir. A segunda é a de divulgar a mobilização das comunidades e do poder público para ajudar os atingidos - e o jornalismo tem papel fundamental na divulgação dessa rede de solidariedade. A terceira é a de olhar para frente: que lições tiramos com esse tipo de situação.

A reportagem que ilustra a capa desta edição, de Vinicius Coimbra, com colaboração de André Malinoski, mostra quais são os caminhos para evitar mortes e reduzir o prejuízo material quando algo parecido voltar a ocorrer. O debate se torna ainda mais oportuno porque já se sabe, de acordo com as previsões, que teremos pela frente um período de chuva acima da média devido ao fenômeno El Niño.

A reportagem está nas páginas 16 e 17. A cobertura completa da passagem do ciclone extratropical pelo RS pode ser acessada pelo link ao lado.

DIONE KUHN

24 DE JUNHO DE 2023
PORTO ALEGRE

Prefeitura proíbe bebida alcoólica na Orla de madrugada

A prefeitura de Porto Alegre publicou, na sexta-feira, decreto que, entre outras medidas, proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas da 0h às 8h nos trechos 1, 2 e 3 da orla do Guaíba e no Parque Marinha do Brasil. A proibição passa a valer na madrugada deste sábado.

Conforme o Executivo, a vedação também vale para distúrbios sonoros causados por qualquer tipo de equipamento de som, das 22h às 8h do dia seguinte, e a venda por meio de telentrega de bebidas alcoólicas e alimentos a quem esteja em via pública.

De acordo com o decreto, excluem-se da vedação "os eventos devidamente autorizados e licenciados" pela prefeitura. O texto também prevê que, caso necessário, a Guarda Municipal poderá, de acordo com as normas de "uso progressivo da força", dispersar aglomerações que perturbem a convivência no local.

- A Orla não pode ser dos bagunceiros, mas tem de ser das pessoas que respeitam a lei, querem o bem- estar social e a boa convivência. É isso que devemos garantir - disse o prefeito Sebastião Melo.

Ao justificar a publicação do decreto, a prefeitura cita o recente assassinato de dois homens mortos a tiros, na madrugada de 10 de junho, no trecho 3 da Orla, na área das quadras esportivas.

Após o crime, Brigada Militar e Guarda Municipal determinaram a ampliação do policiamento e do monitoramento em toda a extensão da orla do Guaíba. Conforme as autoridades, houve presença de forças de segurança durante 24 horas no local, além de aumento das operações de abordagem.

Bairros

Na Cidade Baixa, o regramento foi feito pelo Decreto nº 21.409, de 7 de março de 2022. O texto proíbe o funcionamento de loja e minimercado de bebidas, bem como o comércio de ambulantes, da 0h às 7h - exceto quando autorizados pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Bares e restaurantes devem restringir atividades ao consumo em suas áreas internas após as 2h.

A medida que entra em vigor na Orla é similar à que foi aplicada no Moinhos de Vento a partir de novembro de 2021, quando foi proibido o consumo de bebidas na via pública durante a madrugada.

ROGER SILVA


24 DE JUNHO DE 2023
FLÁVIO TAVARES

PERIGOS DO DESDÉM

O ciclone extratropical que se abateu com fúria sobre o sul do Brasil e se transformou em tragédia em nosso Estado talvez nos convença do horror das mudanças climáticas.

Nada disso, no entanto, ocorre ao acaso. Tudo é obra do nosso descaso pela natureza. Os religiosos podem chamá-lo de funesta antecipação do Apocalipse bíblico destruindo a obra do Criador. Os agnósticos podem simplificá-lo, chamando-o de hecatombe.

Seja a classificação ou nome que tenha, tudo é obra nossa, em uma acumulação de anos ou séculos que, se não cortarmos de imediato, destruirá a vida no planeta. Tudo se agravou a partir da Revolução Industrial, mas devido ao desdém de todos nós.

O volume da poluição aumenta a cada dia em terra, na água ou no ar, mas nos fazemos de cegos. O avanço tecnológico beneficiou a todos em todo o mundo, mas nos esquecemos de ver e remediar as consequências que poderia trazer ao planeta.

Os cientistas lembram aos leigos que "não há planeta B", numa metáfora tão realista como "dois e dois são quatro". Direta ou indiretamente, tudo é culpa nossa.

Agora no Brasil, o governo federal propagandeia como "grande feito" a redução do preço dos automotores movidos a gasolina ou diesel. Nas grandes ou pequenas cidades, ou campo afora no interior, os veículos são os grandes responsáveis pela poluição.

Mas o governo federal insiste demagogicamente na rebaixa do preço, sem nada anunciar como estímulo à produção de veículos elétricos. Não há sequer um pio de Lula da Silva sobre isso? Reconheço que progredimos no atual governo quanto ao tratamento da Floresta Amazônica, entregue ao desmatamento e à poluição dos rios por mercúrio nos tempos do governo Bolsonaro.

Não basta só esse progresso, porém. É preciso ir adiante e adotar medidas concretas para que não nos afoguemos mutuamente na contaminação. Talvez a mais importante experiência sobre como reagirá o planeta tenha começado agora na Amazônia. Cientistas ingleses e brasileiros começaram a construir "anéis de carbono" na maior floresta tropical do mundo para "simular o futuro" e agir a tempo.

A 80 quilômetros de Manaus, erguerão torres de alumínio, em forma de anéis, para bombear dióxido de carbono e, assim, transformar a área num experimento sobre o futuro do planeta.

FLÁVIO TAVARES

24 DE JUNHO DE 2023
ARTIGO

CONEXÃO PARA CRESCER E PROSPERAR

Toda conexão depende de uma relação de troca e cumplicidade. Nenhum elo é solitário: são diversas partes que formam o todo. Vale para uma família, para um grupo de amigos, para um negócio - e, sobretudo, para uma instituição que foi formada a partir dos sonhos e das ambições de um povo.

Quando assumi o desafio de liderar o Banrisul, há quatro anos, sabia que esse compromisso não seria trilhado sozinho. Havia, ao meu lado, muitas pessoas - milhares de colaboradores, milhões de clientes e acionistas. E, acima de tudo, a comunidade do Rio Grande do Sul, que sempre viu no banco uma extensão do próprio Estado. Nesse período, ele se transformou tendo as pessoas no centro. Nos momentos mais desafiadores - como na pandemia e nos períodos de estiagem -, estendeu a mão a quem precisava e ampliou suas conexões, impactando positivamente a comunidade em que está inserido.

Para além disso, o banco se inseriu cada vez mais em pautas importantes para o futuro. Passamos a integrar ainda mais o hub de tecnologia do Rio Grande do Sul, com presença no Instituto Caldeira e interação constante com startups por meio do BanriTech. Os canais digitais chegaram à marca de 141,6 milhões de acessos somente no primeiro trimestre de 2023, 11,9% a mais do que no mesmo período de 2022, média de 1,57 milhão de acessos diários.

Soubemos aliar a inovação à sustentabilidade - e prova disso é o novo Data Center Margarete Venzke Fenner, que reúne o que há de mais atualizado em tecnologia da informação e infraestrutura verde. Avançamos, ainda, na neutralização de carbono das emissões diretas e energia e iniciamos o processo de transição energética em prédios e agências, o que, além de contribuir na pauta climática, deve poupar R$ 47 milhões até 2031. Tudo isso sem se esquecer do nosso capital humano. O mais recente concurso público, por exemplo, contemplou aspectos como diversidade e equidade de oportunidades.

O novo posicionamento do Banrisul atualizou nosso sentimento e nosso propósito: "Nossa conexão transforma". Mais do que um slogan, um conceito que queremos congregar em sintonia com os gaúchos. Somos um banco que busca aliar tecnologia e inovação com tradição e solidez. Ao encerrar minha gestão à frente do banco, desejo sucesso ao novo presidente e a toda a instituição. O Banrisul segue em sua missão de promover o desenvolvimento sustentável, conectado com a comunidade para fazer crescer e prosperar. 


24 DE JUNHO DE 2023
INFORME ESPECIAL - Juliana bublitz

Envelhecer é privilégio

Maria Bethânia sabe das coisas. "Envelhecer é privilégio", sim. A frase é dela, a baiana da voz de trovão que na última semana completou 77 anos e que estará outra vez nos palcos de Porto Alegre no mês de agosto. Em um desses vídeos que viralizam nas redes, a filha de Dona Canô diz mais:

- Gosto dos meus cabelos brancos, das minhas rugas. Gosto. São minhas. O tempo me deu.

Bethânia fala isso com aquela calma só dela, sorrindo, ciente do efeito que a declaração causará em um mundo no qual todos querem ser jovens e belos - tão obsessivamente jovens e belos, que acabam ficando irreconhecíveis. Não é por acaso que estamos testemunhando o que parece ser uma epidemia de deformação facial.

Posso estar exagerando, mas o que vejo é um surto coletivo ditado por selfies e filtros digitais, movido a ácido hialurônico e botox em excesso. São procedimentos estéticos que, em situações extremas, nada têm de "harmonizadores".

No caso das mulheres, o pacote inclui ainda cílios estendidos, unhas de fibra de vidro tipo Zé do Caixão, boca grande & sexy, peitos e bunda siliconados. Há um desejo de mudar para, no fim das contas, ficar igual a todo mundo que segue a mesma receita. Só que, às vezes, a mudança é para pior. Vá entender.

A inteligência artificial, claro, já captou a tendência. Se você pedir a um desses aplicativos para que crie a imagem da mulher ideal, verá o que Vanessa Rozan, expert no tema, definiu como "uma mistura de 50% da boneca Barbie, 35% de super-heroína, 10% de princesa da Disney e 5% de uma atriz pornô sueca". Cruzes.

O problema é que muita gente está buscando uma perfeição que não existe. Ou melhor, que só existe nas redes sociais, com ferramentas que apagam linhas de expressão, engrossam lábios, reformulam sobrancelhas e elevam maçãs do rosto. Tem gente chegando aos consultórios com foto editada a partir desses filtros, dizendo: "Quero ser assim, não importa como. Faça."

Em 2018, pesquisadores da Universidade de Boston, nos EUA, já alertavam para o que, na época, foi chamado de "dismforia do Snapchat". A rede social citada saiu de moda, mas o termo, não. Foi substituído por "dismorfia do Instagram". O fenômeno afeta a autoestima e tem causado preocupação entre especialistas, porque pode desencadear transtornos psíquicos.

Talvez seja hora de parar e refletir. Não se trata de rejeitar toda e qualquer forma de cuidado estético, mas de compreender que pequenas imperfeições e marcas do tempo - se não forem limitadoras ou prejudiciais à saúde - nos fazem seres únicos. Em tempos de pasteurização em massa e de robôs tomando o lugar de humanos, nada pode ser mais belo do que a autenticidade, do que ser quem se é. Bethânia sabe das coisas.

arte - Pássaro Magnífico

As criações em tapeçaria estão em alta outra vez. E a boa notícia é que o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), em Porto Alegre, está exibindo algumas dessas preciosidades em seus salões, com entrada franca. Uma delas é a obra ao lado, chamada Pássaro Magnífico. Bordada com lã e talagarça em 1973, a peça em cores vivas é assinada pelo paulista Minor Tomita e integra a mostra Acervo em Movimento. Francisco Dalcol, diretor do Margs, conta que o boom da arte têxtil no Brasil foi nos anos de 1970 e 1980 e que o museu, à época, adquiriu uma série de itens, que agora voltam a ganhar destaque. Além do trabalho de Tomita, o Margs conta com a exposição individual de uma notória tapeceira gaúcha, Liciê Hunsche. Vale muito a visita.

Festejos Farroupilhas

Setembro se aproxima, e a Comissão dos Festejos Farroupilhas já definiu a nova identidade visual do evento máximo do gauchismo. Em 2023, a festa terá como tema o centenário da revolução de 1923, que dividiu chimangos e maragatos. Criado por Cintia Matte Ruschel, o símbolo escolhido destaca dois lenços entrelaçados (veja a imagem). A mensagem é a seguinte: apesar das divergências, o respeito à diversidade e às diferenças deve estar acima de tudo.

Contestar o sistema de votação é fácil, mas e as provas de fraude? em entrevista à rádio gaúcha, ontem, o ex-presidente jair bolsonaro voltou a questionar a urna eletrônica. De novo, sem comprovação alguma.

Detox de celular

No último final de semana, escrevi aqui sobre a nomofobia (medo de ficar sem o telefone celular) e o desafio lançado pelo teórico da mídia Douglas Rushkoff (de ficar longe do smartphone por pelo menos 24 horas). Pois não é que nesta semana o canal de notícias Euronews publicou uma reportagem sobre a primeira ilha turística de "desintoxicação digital" do mundo? Ulko-Tammio, no golfo da Finlândia, se declarou "zona livre de telefones". A ilha, segundo a reportagem, ainda tem uma rede móvel em funcionamento, mas o conselho de turismo local decidiu pedir aos visitantes que desliguem os aparelhos durante as férias deste verão.

INFORME ESPECIAL

24 DE JUNHO DE 2023
+ ECONOMIA - marta sfredo

No caso do submersível, riscos privados e resgate público

A "implosão catastrófica" - ou seja, não controlada - do submersível Titan custou cinco vidas. Para chegar a essa triste constatação, foi necessário despender recursos públicos, porque essas cinco pessoas decidiram correr riscos privados, a um custo de cerca de US$ 250 mil (cerca de R$ 1,1 milhão) cada. No país que há pouco mais de 20 dias passou pelo desconforto de elevar o teto da dívida pública, que exigiram cortes em despesas públicas - apesar de ser rico e ter a máquina de imprimir dólares -, é o debate que se seguiu à tragédia.

Além dos Estados Unidos, que mobilizou a Marinha e a Guarda Costeira - dois órgãos sustentados pelos contribuintes -, o Canadá também contribuiu nos esforços que exigiram submarino, aeronaves e sonares em miniatura, além de pessoal de operações, controle e comando.

Ao jornal The New York Times, o diretor-executivo da Associação Nacional de Busca e Resgate, Chris Boyer, disse que tudo isso "provavelmente custou milhões" de dólares. Até a França enviou um robô capaz de mergulhar a grandes profundidades.

É bom lembrar que, nos EUA, não há sistema universal de assistência à saúde, como em Brasil, Canadá e Reino Unido. Ou o cidadão tem plano de saúde, geralmente corporativo, ou tem de pagar pelo atendimento. Ou seja, não se usa recursos públicos para salvar vidas facilmente localizáveis, a maioria das quais não se engajou em uma atividade de altíssimo risco para necessitar de cuidados.

Os cinco passageiros do Titan assinaram um termo de responsabilidade para entrar em um cubículo cuja porta só abria pelo lado de fora e era dirigido por um sistema pouco diferente do controle de um videogame - para não citar outras condições imprudentes. Ao menos três eram bilionários.

Outros acreditaram que era uma forma de saber mais sobre o naufrágio do Titanic. Seguiam mais uma obsessão pessoal do que uma busca de conhecimento para melhorar tecnologias atuais ou futuras, caso das viagens ao espaço. Agora, o que é preciso saber é se fizeram, também, algum seguro capaz de devolver ao menos parte dos gastos financiados por quem não tem fortunas para fazer aventuras extremas.

É uma boa lição para o Brasil: há risco imenso em tolerar - ou incentivar - atividades privadas que só socializam prejuízo ou ineficiência. E por aventuras extremas não se deve entender apenas mergulhos a quatro quilômetros de profundidade. É uma discussão pertinente enquanto avança a tramitação da reforma tributária.

Bolsonaro foi muito além de contestar

Especialistas em pesquisas de opinião costumam dizer que a memória do eleitorado dura seis meses. Mesmo quem aposta na capacidade humana de esquecer momentos históricos dramáticos teria pudor de proclamar, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira, em Porto Alegre, que ele apenas "contestou o sistema de votação".

Da forma que o fez, já seria muito, mas foi muito além. Retomando a produção diária de ultrajes, fez de conta que não havia uma "minuta de golpe" no arquivo de seu ex-ministro da Justiça Anderson Torres, nem um roteiro para a intervenção que só não foi seguido, como escreveu seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, porque "o PR não confia no ACE (Alto-Comando do Exército)".

Faz parte do jogo democrático ouvir todos os seus atores, de todos os espectros políticos, da extrema direta à extrema esquerda. Mas ouvir um ator que mina a essência do jogo democrático requer também lembrar que esse personagem não tem compromisso com essas regras.

Como está claramente desenhado a essa altura - o que obrigou a coluna a admitir erro ao chamar de bravata as sucessivas, reiteradas e constantes ameaças de intervenção - foi por muito pouco que o Brasil não assistiu a uma nova tentativa de ruptura institucional.

E como já disse um colega mais sábio, não é porque um crime não deu certo que não deve ser punido, vide as previsões penais para tentativa de homicídio e outros. É o que pode ocorrer ainda na próxima semana no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), caso o plano de ganhar tempo com o pedido de vista ao processo que deve tornar Bolsonaro inelegível também fracasse.

o substitutivo do deputado reginaldo lopes já era para ser a "reforma da reforma" tributária. Mas depois de lido, o material deixou mais dúvidas do que certezas em entidades empresariais. A Câmara pretende aprovar em modelo trator até 7 de julho.

0,25

ponto percentual, em banco-centralês, seria a tradução de "parcimônia" - usada no comunicado da quarta-feira que frustrou até o mercado. A expectativa de quem ainda aposta em corte de juro em agosto é de que, com a expressão, o BC quisesse sinalizar poda simbólica.

Ex-presidente do BC aponta "ataque"

Em meio a uma discussão técnica sobre inflação e juro, o ex-presidente do Banco Central Afonso Celso Pastore se exasperou. Ao comentar a situação de conflito entre o governo Lula e o BC, disse que o nível das críticas "colocam a instituição sob ataque". Na sexta-feira, ainda sob o ruído provocado pelo comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), a Fundação Getulio Vargas realizou seu nono Seminário Anual de Política Monetária.

Pastore falava sobre a taxa neutra de juro - teoricamente, o nível que não favorece nem freia o crescimento da economia - quando trocou o tom professoral para outro mais agudo:

- O Banco Central é uma instituição sob ataque. Quando o presidente da República se refere a seu presidente como "aquele cidadão", faz um ataque à instituição. Os economistas precisam ter coragem de dar um grito em defesa da instituição que vem fazendo exemplarmente seu trabalho e denunciar o governo que a vem atacando. Não é uma conduta que um estadista deveria ter.

Conforme Pastore, o que chamou de "denúncia" é uma forma de reconhecer que o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, não tem a mesma liberdade para reduzir a taxa básica de seu antecessor, Ilan Goldfajn, que criou as condições para o corte à mínima histórica de 2%.

O motivo, justificou, é porque não tem o conforto da política fiscal determinada pelo teto de gastos. Para lembrar, Pastore chegou a ser anunciado como coordenador das propostas econômicas de Sergio Moro, antes da retirada da candidatura do ex-juiz à Presidência.

ESG na prática - Selo de sustentabilidade na orla

O primeiro selo de sustentabilidade Aqua-HQE, certificado internacional de construção de qualidade ambiental, para uma edificação multiuso de Porto Alegre, foi para a torre do Pontal. O prédio à beira do Guaíba abriga hotel, 230 consultórios, clínicas, salas comerciais e centro de eventos.

A chancela desenvolvida a partir da certificação francesa Démarche HQE é aplicada no Brasil apenas pela Fundação Vanzolini, e cobra práticas eficientes e de cuidado ambiental que vão do projeto à execução. Para receber o selo, a obra precisa cumprir exigências de controle de compra de materiais, consumo de água, energia elétrica e geração de resíduos, além de comprovar boas práticas de sustentabilidade no canteiro de obras e seu entorno, que incluem conforto acústico, olfativo e visual.

+ ECONOMIA

sábado, 17 de junho de 2023


17 DE JUNHO DE 2023
MARTHA MEDEIROS

Veredito inatingível

Observe um casal discutindo. Melhor: recorde-se das suas próprias brigas de casal. A mais recente, por exemplo. Não um desentendimento bobo qualquer, mas alguma conversa em que nenhum dos dois tenha conseguido provar que estava com a razão e acabou indo dormir emburrado, certo de que o cabeça-dura era o outro, que quem estava errado era o outro, que quem agiu de forma indigesta foi o outro.

Sempre que me pego envolvida em alguma discussão (nem precisa ser uma briga de casal, pode ser com qualquer pessoa que seja importante para mim), eu, como todo mundo, acho que a razão está do meu lado, mas adoraria ouvir a opinião de um juiz celestial que tivesse assistido não só a discussão, mas os fatos que a precederam, e pudesse decretar quem, afinal, estava certo.

É um desejo bem compreensível, ainda que delirante.

Uma vez um ex-namorado me disse: "Existe a sua versão, existe a minha versão e existe a verdade". Não sei se ele estava citando algum filósofo. Na hora fiquei tão impactada que não dei o crédito a nenhum grego ou alemão, e sim a ele próprio. A partir daquele dia, nunca mais acreditei que, durante uma briga, há um único culpado e um único inocente. Encerrei a busca por vereditos, desisti de bater martelos e minha onipotência baixou a bola.

Em todo conflito pessoal existe a minha versão, amparada não apenas pelo meu ponto de vista, mas pelos anos transcorridos, desde os mais recentes até os mais remotos - infância incluída. Minha versão vem avalizada não só pelo que fiz e disse durante o episódio que promoveu a briga, mas por todos os meus pensamentos secretos que o outro nunca soube que eu tinha, por todas as fantasias que o outro nunca soube que eu cultivava, por recalques e medos que, vai ver, nem eu mesma percebia em mim. Minha versão é formada não apenas por um critério, um princípio, uma observância racional, mas pela história inteira da minha vida - a objetiva e a subjetiva.

A versão do outro, que a nós sempre parece meio alucinada (no caso de ser diferente da nossa), está amparada também por silêncios, traumas e heranças que desconhecemos, mas que estavam ali presentes durante o duelo verbal. A razão de um versus a razão do outro é uma luta de exércitos invisíveis. Com alguns golpes baixos: uma mentirinha aqui, um exagero ali, omissões providenciais. Até que, nas primeiras horas da manhã seguinte, um pedido de desculpas vindo de um dos lados, ou de ambos, surge para sossegar os ânimos. E o amor pode, enfim, seguir seu curso.

Uma verdade pura, absoluta, real, sem interferência das nossas neuras? É inatingível. Jamais a conheceremos. Nossas versões que se entendam sem um juiz celestial - cuja sentença seria a meu favor, com certeza.

MARTHA MEDEIROS

17 DE JUNHO DE 2023
CLAUDIA TAJES

Passa muito rápido

Eu estava feliz naquele quentinho um tanto apertado, mas suficiente para eu me movimentar para todos os lados. Gostava particularmente de um tum-tum-tum que ouvia o tempo inteiro, mas não um tum-tum-tum de reforma no apartamento do vizinho ou de loja de surfe. Era um som bom, compassado, e parecia que o meu coração batia no mesmo ritmo dele. Então veio uma luz e a minha vida virou de cabeça para baixo - ainda que eu não conhecesse muito bem esse conceito, a vida.

Em seguida me senti em um (essa associação só fiz bem mais tarde) açougue: pesa, mede, apalpa, olha a gordurinha, que coxa mais grossa, meu Deus! Impossível não chorar, ainda que eu não soubesse que o ato de gritar enquanto as lágrimas escorrem fosse isso, chorar. Só parei quando me levaram para os braços de alguém e, pelo tum-tum-tum, adivinhei no mesmo instante que ali era o lado de fora do quentinho de onde me arrancaram.

Depois disso, a vida - não que eu já entendesse esse conceito, a vida - foi uma sucessão de primeiras vezes. A primeira mamada, a primeira cólica, a primeira vacina, a primeira febre, a primeira fruta, a primeira papinha, a primeira palavra, o primeiro passo, o primeiro tombo, a primeira arte, a primeira palmada, o primeiro dia na creche. Nada do que aconteceu até ali me preparou para o primeiro dia na creche. Foi quando eu senti que o quentinho e o tum-tum-tum tinham ficado definitivamente para trás.

Agora eu estava por mim.

Sem proteção, a vida - e enfim eu começava a entender esse conceito, a vida - passou a me apresentar suas armas. A menina que me encheu de socos porque eu peguei a borracha da Peppa Pig dela. A diarreia na frente dos coleguinhas. Os sete pontos na testa e os dois dentes de leite quebrados na queda do trepa-trepa. As letras que eu tentava juntar, mas que não faziam sentido. As crianças que tinham o que meus pais não podiam me dar. As crianças mais bonitas que eu, ou seja, todas, na minha opinião. No futuro, meu psiquiatra encontraria no Jardim B as origens das minhas frustrações.

De lá para cá, a vida - agora eu brigava com esse conceito, a vida - nem sempre esteve do meu lado. Por exemplo:

 Quando eu não decorei as Capitanias Hereditárias e rodei e perdi as férias de verão por castigo.

 Quando eu gostava de alguém, e o alguém me ignorava.

 Quando eu mandei um nude e o destinatário vazou para a turma toda.

 Quando eu tive apendicite e perdi a viagem de formatura.

 Quando me roubaram o primeiro celular bom que comprei, e faltavam 23 prestações de 24.

 Quando eu noivei com festa para os parentes e, duas semanas depois, tomei um pé na bunda.

 Quando a construtora faliu antes de me entregar o apartamento que comprei na planta.

A maturidade, ou algo próximo disso, acabou me fazendo ver que, mesmo com todos os percalços, não havia me faltado privilégios. Esse foi mais um tapa na cara que a vida me deu. Só que dessa vez, contrariando meus métodos, não me chateei com ela.

Outro dia me vi em um espelho e quase não acreditei que era eu no reflexo. Se ainda ontem eu não me conformava com a minha acne juvenil! Como passou tão rápido?

No fim das contas, era fácil entender o conceito: era só viver.

Sorte que ainda deu tempo.

CLAUDIA TAJES