sábado, 29 de agosto de 2009



30 de agosto de 2009
N° 16079 - MARTHA MEDEIROS


Desacorrentadas

Se você alcança uma certa longevidade e tem um parceiro bacana, mantenha-o, claro . Mas se está sozinha e já teve vários bons romances, vai procurar sarna pra se coçar a troco de quê?

O amor liberta? De certa forma, sim. Amar faz você desprender-se da razão, incorporar novos hábitos, expandir seus sentimentos, invadir recantos da sua alma nunca antes explorados. De fato, é bem poético e libertador amar.

Mas tem seus contratempos, lógico. A convivência entre duas pessoas nem sempre é um mar de calmaria, muitas concessões necessitam ser feitas, ou seja, alma gêmea não existe, é conversa. Ainda assim, é melhor estar amando do que não estar amando. Ao menos até uma determinada idade.

Circulam por aí reportagens que enaltecem o amor aos 70, 80 anos, dizendo que nunca devemos encerrar as buscas, que o amor merece ser encontrado em qualquer etapa da vida. Merece, mas tenho ressalvas a fazer.

Se você alcança uma certa longevidade e tem um parceiro bacana, mantenha-o, claro. Mas se você está sozinha da silva, já teve vários bons romances na vida e está em paz com a sua solidão, vai procurar sarna pra se coçar a troco de quê?

Há duas mulheres famosas na faixa dos 60 anos que, depois de amarem muito, já manifestaram publicamente a sua desistência em seguir procurando companhia (ainda que eu intua que esse desprendimento ainda vai lhes proporcionar novas surpresas amorosas). Mas, enfim, são mulheres inteligentes e bem resolvidas, e essa postura de “largar de mão” me inspirou: pretendo seguir a mesma cartilha. Não que eu colecione desilusões, pelo contrário. Não tenho do que me queixar.

Já vivi o lado zen e o lado tsunâmico do amor, e o saldo é de puro prazer e gratidão. Sou totalmente pró-amor, nem penso em aposentadoria agora. Mas o agora vai se transformar em depois, e depois é outra história.

Estou sem a menor pressa de que o tempo passe, mas vai passar e quando eu chegar nos meus 60 e tantos, bem saudável, independente e mantendo o espírito da juventude (estão rindo do quê?), pretendo curtir a vida mais do que já curto hoje. E não haverá problema em estar sozinha, caso estiver.

Quem tem amigos, não se aperta. Ainda mais quando são amigos de diversas tribos, diversas idades, gente com a cabeça aberta, o humor tinindo, bem informados - existe turma melhor?

Depois de uma noitada regada a ótimas conversas, você pega sua bolsa e volta pra casa, pega seu livro, se esparrama na cama e dorme até a hora que quiser, se for final de semana - e se não for, também.

Além de amigos, ter algum dinheiro é importante, lamento tocar nesse assunto desagradável. É ele que possibilitará que você viaje, vá a shows, receba gente querida em casa, se presenteie com pequenos mimos. Sim, você pode fazer tudo isso com um parceiro ao lado, mas não na hora que você bem entender e sem dar satisfações.

Tudo terá que ser negociado. E será preciso abrir espaço na agenda para os amigos dele, a família dele, as carências dele, as doenças dele, as galinhagens dele. Será que, maduríssima da silva, terei tempo e paciência para me dedicar tanto assim à manutenção de uma relação nova?

Sem falar em continuar tendo que se preocupar com o próprio corpo, com as artimanhas da sedução, com o sexo. Ai, o sexo... Sentirei saudades.

Poético e libertador é pensar que nunca estarei sem ninguém, porque chega uma hora em que a gente decide que é alguém, e basta.


A matança dos camelos

O governo da Austrália decide eliminar 650 000 do 1 milhão de animais soltos no interior do país. Até turistas são bem-vindos para a caçada

Duda Teixeira - Divulgação

AVENTURA NO OUTBACK



O americano Mike Mistelske com sua presa: caça esportiva para ajudar a reduzir o número de camelos

Não é o tipo de animal que se imagina caçado a tiros, mas já há quem viaje para a Austrália especialmente para abater camelos. O americano Mike Mistelske, que já caçou elefantes em Botsuana e cabritos selvagens nas montanhas da Nova Zelândia, participou neste ano de um safári no deserto australiano.

Durante dois dias, ele e um grupo de turistas, a bordo de duas picapes 4X4, rastrearam os animais pelo outback, o sertão australiano. Nas duas ocasiões em que localizaram bandos de camelos, os disparos foram feitos a 300 metros de distância.

"São necessárias duas ou três balas para derrubar um animal", disse Mistelske a VEJA, na semana passada. O tiro de misericórdia normalmente é dado na cabeça. Caso o caçador deseje levar o crânio como troféu, o disparo final mira o coração.

O animal abatido é abandonado ao sol e vira banquete para águias, raposas e dingos, os cães selvagens da Austrália. Em uma semana, sobram apenas os ossos.

A matança de camelos não apenas é permitida, mas tem o incentivo oficial. No fim de julho, o governo australiano lançou uma campanha para abater 650 000 animais, dois terços da população de 1 milhão.

Até destinou uma verba de 16 milhões de dólares para ajudar nas despesas dos caçadores, especialmente os profissionais que perseguem os animais de helicóptero. Importados da Arábia Saudita, foram introduzidos no país em 1840 para servir de bestas de carga na travessia dos vastos desertos do interior. Muitos animais acabaram fugindo para o outback, onde se multiplicaram até se converter na praga atual.

Eles invadem os banheiros das casas em busca de água, quebram tubulações nas lavouras, derrubam cercas, comem a grama nos jardins e os arbustos no campo, acelerando a desertificação.

A Austrália tem uma lista de 56 animais cuja extraordinária proliferação os coloca na categoria de pragas. Vários fatores facilitaram a multiplicação desses animais, que são, na maioria, espécies exóticas: a falta de predadores, de barreiras naturais, como montanhas, e os grandes espaços com escassa presença humana. Até os cangurus, nativos do país, multiplicam-se hoje como coelhos (veja quadro abaixo). O abate dos camelos provocou duas reações.

A primeira foi contra a morte de animais inocentes. A matança, contudo, visa a preservar o ambiente original. "Enquanto a caçada comercial pode extinguir espécies inteiras, a esportiva, feita sob controle, ajuda na preservação dos animais silvestres", diz o ecólogo Luciano Verdade, do câmpus da Universidade de São Paulo em Piracicaba.

A segunda rea-ção foi uma tentativa frustrada de aproveitar a carne do bicho. "Transportar um bicho de 600 quilos do meio do deserto para virar ração na cidade seria um pesadelo logístico", disse a VEJA Leszek Kosek, que presta consultoria a caçadores na Austrália. As carcaças continuarão abandonadas no deserto.

Claudio de Moura Castro

De malandros e manés

"É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também

inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas"

Rio de Janeiro (onde nasci) evoca uma imagem clássica. É a pátria do malandro. É o reino da esperteza, do "golpe", da falta de seriedade proclamada como virtude redentora. É o campo de provas da lei de Gerson, prescrevendo que é preciso levar vantagem em tudo. Não são poucos os prejuízos trazidos pela cultura da malandragem.

É alarmante o número de empresas cuja sede fugiu para São Paulo. No nosso cotidiano, é difícil não ter um calafrio ao deixar o carro para consertar em uma oficina carioca. Do lado mais ameno, é o território do bom humor, da piadinha maliciosa e da inexplicável alegria diante da desgraceira.

O malandro carioca é assunto canônico dos sambistas: "...Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio. / Sei que eles falam / Deste meu proceder / Eu vejo quem trabalha / Andar no miserê / Eu sou vadio / Porque tive inclinação" (W. Batista). Bezerra da Silva imortaliza o perfil: "Malandro é malandro e mané é mané".

Essa caracterização popular tem respaldo acadêmico e raízes históricas. Roberto da Matta intitula seu livro clássico de Carnavais, Malandros e Heróis. Segundo ele, na sua origem, "o malandro é o nobre pé-rapado, o sujeito que viu os aristocratas lendo e escrevendo, não teve educação para entender o eventual valor da escola e vive de expediente".

José Murilo de Carvalho mostra a imagem do malandro carioca emergindo como reação à alienação engendrada por confrontos políticos no início do século XX. Fala de "irreverência, de deboche, de malícia". Se digitamos no Google "malandro" junto com "Rio de Janeiro", aparecem 200 000 referências.

Ilustração Atomica Studio

Porém, há outro Rio de Janeiro, menos lembrado. Durante séculos, por ser a capital econômica e política do país, atraiu as melhores cabeças. Inicialmente, desembarcou a corte de Portugal, com seus mais destacados figurantes.

Por muito que seja criticada, é preciso reconhecer, ela criou uma aristocracia intelectualizada, que se perpetua ao longo dos anos. Desde sempre, atraiu os mais inspirados intelectuais das províncias.

Até há pouco, foi um magneto para escritores e cientistas, mesmo de São Paulo. A despeito de décadas de desgoverno, ainda tem as melhores escolas médias, um plantel de grandes intelectuais e notáveis centros de pesquisa e pós-graduação. A lei de Gerson passa longe.

Que cara tem esse outro Rio? Sugiro que tem a cara de dom Pedro II. Eis um carioca arquétipo dessa outra persona do Rio. Ao morrer, foi considerado a cabeça coroada mais culta de quantas havia na Europa.

Dom Pedro é o outro Rio: sério, digno, disciplinado, erudito. Era o caretão rematado, a figura do antimalandro. Em vez de beija-mãos na corte, promovia saraus intelectuais e trocava cartas com Victor Hugo, Humboldt, Lamartine e Jean-Louis Agassiz, notável zoólogo e geólogo suíço.

É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas.

Por anos de convivência, é um Rio incólume e vacinado contra o vírus da malandragem. O grande paradoxo é a incapacidade desse Rio intelectualmente tão sério e bem-dotado de frear o desgoverno que aos poucos foi se infiltrando.

A malandragem pitoresca virou bandidagem, com a desmoralização resultante. Inapetência dos "puros" de chafurdar na política? Talvez. Os bons são muito poucos? Acho que não. Estão por todos os lados. Mas não chamam atenção, por serem menos pitorescos e divertidos. Aliás, dom Pedro II gostava mesmo era de um papo cabeça.

Mas, se o Rio tiver alguma arma secreta para reverter sua decadência, com certeza, será esse enorme e possante segmento, estilo dom Pedro II, que representa o oposto da malandragem e possui um respeitável vigor intelectual e moral.

Vamos torcer para que decida salvar a sua cidade. "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos nem dos desonestos nem dos sem ética... (mas) o silêncio dos bons" (M. Luther King).

Claudio de Moura Castro é economista

Claudio de Moura Castro

De malandros e manés

"É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também

inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas"

Rio de Janeiro (onde nasci) evoca uma imagem clássica. É a pátria do malandro. É o reino da esperteza, do "golpe", da falta de seriedade proclamada como virtude redentora. É o campo de provas da lei de Gerson, prescrevendo que é preciso levar vantagem em tudo. Não são poucos os prejuízos trazidos pela cultura da malandragem.

É alarmante o número de empresas cuja sede fugiu para São Paulo. No nosso cotidiano, é difícil não ter um calafrio ao deixar o carro para consertar em uma oficina carioca. Do lado mais ameno, é o território do bom humor, da piadinha maliciosa e da inexplicável alegria diante da desgraceira.

O malandro carioca é assunto canônico dos sambistas: "...Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio. / Sei que eles falam / Deste meu proceder / Eu vejo quem trabalha / Andar no miserê / Eu sou vadio / Porque tive inclinação" (W. Batista). Bezerra da Silva imortaliza o perfil: "Malandro é malandro e mané é mané".

Essa caracterização popular tem respaldo acadêmico e raízes históricas. Roberto da Matta intitula seu livro clássico de Carnavais, Malandros e Heróis. Segundo ele, na sua origem, "o malandro é o nobre pé-rapado, o sujeito que viu os aristocratas lendo e escrevendo, não teve educação para entender o eventual valor da escola e vive de expediente".

José Murilo de Carvalho mostra a imagem do malandro carioca emergindo como reação à alienação engendrada por confrontos políticos no início do século XX. Fala de "irreverência, de deboche, de malícia". Se digitamos no Google "malandro" junto com "Rio de Janeiro", aparecem 200 000 referências.

Ilustração Atomica Studio

Porém, há outro Rio de Janeiro, menos lembrado. Durante séculos, por ser a capital econômica e política do país, atraiu as melhores cabeças. Inicialmente, desembarcou a corte de Portugal, com seus mais destacados figurantes.

Por muito que seja criticada, é preciso reconhecer, ela criou uma aristocracia intelectualizada, que se perpetua ao longo dos anos. Desde sempre, atraiu os mais inspirados intelectuais das províncias.

Até há pouco, foi um magneto para escritores e cientistas, mesmo de São Paulo. A despeito de décadas de desgoverno, ainda tem as melhores escolas médias, um plantel de grandes intelectuais e notáveis centros de pesquisa e pós-graduação. A lei de Gerson passa longe.

Que cara tem esse outro Rio? Sugiro que tem a cara de dom Pedro II. Eis um carioca arquétipo dessa outra persona do Rio. Ao morrer, foi considerado a cabeça coroada mais culta de quantas havia na Europa.

Dom Pedro é o outro Rio: sério, digno, disciplinado, erudito. Era o caretão rematado, a figura do antimalandro. Em vez de beija-mãos na corte, promovia saraus intelectuais e trocava cartas com Victor Hugo, Humboldt, Lamartine e Jean-Louis Agassiz, notável zoólogo e geólogo suíço.

É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas.

Por anos de convivência, é um Rio incólume e vacinado contra o vírus da malandragem. O grande paradoxo é a incapacidade desse Rio intelectualmente tão sério e bem-dotado de frear o desgoverno que aos poucos foi se infiltrando.

A malandragem pitoresca virou bandidagem, com a desmoralização resultante. Inapetência dos "puros" de chafurdar na política? Talvez. Os bons são muito poucos? Acho que não. Estão por todos os lados. Mas não chamam atenção, por serem menos pitorescos e divertidos. Aliás, dom Pedro II gostava mesmo era de um papo cabeça.

Mas, se o Rio tiver alguma arma secreta para reverter sua decadência, com certeza, será esse enorme e possante segmento, estilo dom Pedro II, que representa o oposto da malandragem e possui um respeitável vigor intelectual e moral.

Vamos torcer para que decida salvar a sua cidade. "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos nem dos desonestos nem dos sem ética... (mas) o silêncio dos bons" (M. Luther King).

Claudio de Moura Castro é economista


Cheiro da conquista

Não seria ótimo se um perfume tornasse você irresistível? A indústria cosmética está apostando nisso
MArtha Mendonça



TESTE

Mulheres participam de um experimento sobre feromônios em Manhattan. O cheiro venceuSeria perfeito: um homem toma banho e coloca perfume atrás da orelha. Quando sai de casa, várias mulheres reparam em sua presença, e à noite já tem uma fila de pretendentes.

Ele é irresistível. Há quem diga que esse dia vai chegar – ou ao menos quer convencer o consumidor disso. No fim de julho, uma empresa de cosméticos organizou um evento em Nova York: mulheres usando vendas nos olhos foram aproximadas de homens de três grupos: um deles havia tomado banho com sabonete comum; outro era de homens suados, sem banho; e o terceiro havia se lavado com um sabonete que continha feromônio sintético.

As moças deveriam dizer, apenas pelo cheiro, quais eram mais atraentes. Ganhou o grupo do feromônio. As “cobaias” não sabiam explicar o porquê da atração. Depois de tirar as vendas, se chocaram ao perceber que não se interessavam pelos escolhidos.

Gerente de marcas da Dial, empresa que fabrica os produtos e organizou o evento, Ryan Gaspar explicou ao The New York Times que o produto pode não fazer uma mulher agarrar um homem que usa um sabonete com feromônio, mas vai se sentir mais atraída do que se ele estivesse usando um comum.

Feromônios são substâncias que funcionam como mensageiros entre seres da mesma espécie, permitindo que eles se reconheçam, inclusive sexualmente. O termo foi cunhado em 1959 a partir de duas palavras gregas: féro quer dizer “transportar” e órmon excitar. Seria o leva e traz daquilo que atrai sexualmente seres da mesma espécie. O suficiente para que se pensasse em produzir essa substância em laboratório, o que começou nos anos 1990. Hoje, já são vendidos no mundo inteiro produtos com fórmulas que contêm feromônio.

O marketing dos fabricantes, da confiança e do sex appeal, é fundado na ideia de que é preciso recuperar os efeitos dessa substância, já que a pequena quantidade de feromônios em nosso corpo seria destruída pelos desodorantes e perfumes comuns e pelas roupas.

Não há nenhum estudo que confirme o efeito dos feromônios na atração humana

Os efeitos desses produtos, no entanto, são contestados por especialistas. ÉPOCA ouviu o neurocientista americano Charles J. Wysocki, do Monell Chemical Senses, na Filadélfia, autor de vários estudos sobre feromônios. “Qualquer experiência é questionável”, diz.

Segundo Wysocki, não há nenhum estudo que confirme o efeito dos feromônios na atração sexual dos seres humanos – apesar de experimentos com outras espécies sugerirem essa relação. “A substância está sendo superestimada para fins comerciais”, afirma.

Ainda assim, o feromônio ganhou o mercado. São comuns em malas diretas na internet, em sex shops e, agora, até em marcas famosas como Givenchy e Parlux, fragrâncias que prometem trazer o ser amado em três segundos. Wysocki explica que alguns odores podem causar relaxamento e sensação de bem-estar, mas isso não pode ser confundido com atração sexual.

E, afinal, o que conta mais: o que se cheira ou o que se vê? “Para nós, vale o amor à primeira vista, e não o amor ao primeiro cheiro”, diz a antropóloga americana Helen Fisher. “Nosso cérebro reage ao estímulo visual, antes de tudo.”


29 de agosto de 2009
N° 16078 - CLÁUDIA LAITANO


Uma menina chamada Susan

O diário começa assim:

“eu acredito:

a) que não existe nenhum deus pessoal nem vida após a morte;

b) que a coisa mais desejável do mundo é a liberdade de ser verdadeiro para si mesmo, ou seja, Honestidade;

c) que a única diferença entre os seres humanos é a inteligência;

d) que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz;

e) que é errado privar qualquer homem da vida.”

A autora é a ensaísta americana Susan Sontag (1933 -2004), que manteve um diário do início da adolescência até pouco antes de sua morte, registrando tanto o percurso de sua formação intelectual quanto passagens de sua vida íntima.

Organizados pelo único filho dela, o escritor David Rieff, esses textos começam a vir a público agora com um primeiro volume dedicado ao período que vai de 1947 a 1963. O trecho acima abre o primeiro diário e foi escrito quando a autora ainda não havia completado 15 anos.

Há sempre uma dose de voyeurismo na leitura de um diário, e mais ainda quando os textos não foram selecionados pelo próprio autor para publicação. No caso dos diários de Susan Sontag, essa impressão é ainda mais forte pelo fato de a autora demonstrar um talento tão precoce para escrever e, mais que isso, para pensar – uma espécie de Anne Frank sem final trágico, se substituirmos as divagações românticas pelas reflexões filosóficas (ambas tinham mais ou menos a mesma idade e origem judaica, mas Susan teve a sorte de estar do lado certo do Atlântico naquele momento).

A jovem Susan fazia listas dos livros a serem lidos, registrava passagens dos autores que estava descobrindo e traçava metas rígidas de autodisciplina para sua formação.

Os diários incluem as experiências com sexo – sexo com amor, sexo sem amor, sexo com mais ou menos prazer –, mas esse ligeiro perfume de escândalo é menos impressionante do que a monumental energia intelectual concentrada em alguém tão jovem. Estamos diante de uma menina plenamente consciente de sua inteligência e do trabalho que tinha pela frente se quisesse alcançar o grande futuro que imaginava para si mesma.

No prefácio do livro, David Rieff não esconde um certo constrangimento por ter tomado a decisão de publicar os diários sem que Susan Sontag tivesse expressado diretamente esse desejo em vida.

Em um texto anterior, Rieff já havia comentado o fato de que a mãe recusou-se até o fim a aceitar a morte, convencida de que seria capaz de vencer mais um câncer (já havia vencido dois antes). Logo, não deu orientação nenhuma sobre o destino de sua obra, assim como não encenou qualquer tipo de despedida das pessoas mais próximas.

Rieff admite que também não fez questão de abrir seus olhos sobre a gravidade da doença, preferindo embarcar com a mãe na fantasia de que em breve ela estaria em casa e trabalhando novamente.

Respeitando o que Susan Sontag já intuía aos 14 anos, David Rieff apostou que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009



26 de agosto de 2009
N° 16074 - MARTHA MEDEIROS


Águas claras e águas turvas

E ntre as várias vinhetas que divulgam o programa Irritando Fernanda Young, do canal GNT, há uma que eu acho muito engraçada: Fernanda está na cama, provavelmente numa manhã de domingo, e é acordada pelo barulho de vários pássaros. Sonolenta e indignada, reclama:

O que vocês estão fazendo aqui em São Paulo, caramba? Vocês podem voar, por que não vão pra Fernando de Noronha?

Quando se pensa em locais com natureza exuberante, Fernando de Noronha encabeça a lista. Até poucos dias atrás eu podia supor a razão, agora não suponho mais: vi com meus próprios olhos.

E me custa acreditar que não estive delirando, que aquela pequena extensão de terra isolada no meio do oceano não seja uma miragem.

A estada na ilha já compensaria pelas várias praias de mar verde-esmeralda, pela possibilidade de mergulhar junto a peixes coloridos e tartarugas gigantes, pela sensação de estar numa amostra (não grátis, diria que até cara) do paraíso. Mas Fernando de Noronha oferece um benefício a mais: a suspensão da realidade.

É como se, por poucos dias, você ficasse blindado contra qualquer má notícia. Você simplesmente é convidado a não pensar. E admita: a intervalos regulares, alienação pode ser uma bênção.

Eu estava na ilha quando arquivaram as acusações contra o Sarney. Mas não soube. Minha pousada tinha tevê, mas nunca foi ligada. Não cruzei com nenhum jornal ou revista. Levei dois livros e não abri nenhum. É um feitiço que só os nativos talvez consigam explicar: você perde o total interesse pela ativação dos neurônios.

Os substantivos desaparecem do seu vocabulário e os adjetivos, essa inutilidade, sobressaem: tudo o que você consegue balbuciar é “que lindo”, “que incrível”, “que espetáculo”, e essa será toda a sua erudição.

Nada mais interessa além do lindo e incrível espetáculo do pôr do sol, do silêncio, da rusticidade e da alucinógena paisagem que se abre a sua frente, para onde quer que olhe. Sarney? Que Sarney? É alguma espécie de peixe?

Até é.

Sarney pode ser considerado um tubarão, e dos mais perigosos, apesar da aparência de bagre. Ao regressar ao continente, é inevitável: a gente acaba lembrando. Os neurônios ressuscitam e a realidade volta a atacar. Tudo continua como antes.

Os peixes graúdos engolindo os peixes miúdos, a piranhagem, o mar de lama da política brasileira. As águas do PT, que um dia julgamos transparentes, estão tão poluídas quanto a de qualquer outro partido ao qual ele já tenha se comparado um dia. O PT, que se anunciava como a única ilha ética em meio à podridão circundante, deixou de ser nosso cartão-postal político.

Bem que eu queria continuar em Noronha, o lugar onde todos os pássaros deveriam estar, sem nos acordar para nossos problemas, sem perturbar nosso sono.

Mas, estando aqui, depois de uma breve passagem por aquele oásis ecológico, não há como não se irritar com as notícias e pensar que a saída talvez esteja mesmo em apostar em quem se dedica à consciência ambiental, já que a consciência moral sumiu do mapa.

Uma excelente quarta-feira para você. Aproveite o dia.

terça-feira, 25 de agosto de 2009



25 de agosto de 2009
N° 16073 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Praça da Alfândega

No outro sábado, uma delicada cirurgia foi feita a céu aberto na Praça da Alfândega. Guindastes, caminhões, dezenas de técnicos e operários removeram 10 palmeiras, algumas para pontos diversos do mesmo local, as sobrantes para a Avenida João Pessoa.

Segundo li, entre mortos e feridos salvaram-se todos os troncos esguios, o que garante que o transplante contribuirá para recompor a imagem do espaço segundo era no distante ano da graça de 1924.

Trata-se de uma operação que reconstrói o traçado original de um marco de referência dos porto-alegrenses e salva da deformação a fisionomia original da cidade menina. Não é pouco.

Minha mais remota lembrança da Praça da Alfândega data de 1955, quando meu pai inaugurou ali a primeira Feira do Livro da mui leal e valorosa. Tenho presente até hoje na memória a escassa dúzia de barracas e o discurso que ele pronunciou, mostrando que cultura e democracia eram irmãs gêmeas.

Depois descobri, já adolescente, que ali era a Cinelândia da Capital. Imperial, Guarani, Rio, Rex, Central, Ópera se perfilavam nas calçadas para apresentar os últimos sucessos de Hollywood, França e Bahia. Aquele foi o livre território de meus primeiros namoros e de meu encantamento com a Usina de Sonhos.

E aí foi chegando lentamente a decadência. Fecharam-se os cinemas, uma reforma mal planejada e pior aplicada pavimentou o passado com as pedras de um calçadão, chegou a violência de braços dados com a marginalidade, já não era mais possível, como fazíamos Mario Quintana e eu, visitar a Livraria da Globo perto das 10 da noite.

E então foi tudo ladeira abaixo. As pessoas começaram a atravessar aquele trecho abraçadas em suas bolsas e carteiras, prostitutas e assaltantes tomaram conta de bancos e aleias, até a Feira do Livro precisou ser cercada de barreiras de proteção e de defesa.

Agora se removem as palmeiras. Agora Porto Alegre experimenta uma meia-volta para a paisagem perdida de sua infância.

Mas nunca chegaremos até ela enquanto a Praça da Alfândega não tornar a ser um espaço de segurança, confiança e liberdade.

Bem todos os dias estou ali, vendo-a, sentindo seu aroma, cruzando suas alamedas, ela faz parte de minha vida. Uma ótima terça-feira e para quem está de folga hoje, uma ótima folga.

sábado, 22 de agosto de 2009



23 de agosto de 2009
N° 16071 - MARTHA MEDEIROS


Devolva-me

“O retrato que eu te dei, se ainda tens não sei...” Retrato? Pois é. Hoje estou aqui não para falar sobre divisão de bens graúdos, como apartamentos, automóveis, quadros, esse angu-de-caroço que casais casadésimos passam quando se divorciam, e sim para falar das separações de namoro,

aquelas em que cada um vive na sua casa, com suas coisas, nunca comprou nada em parceria, mas sabe como é, um dia ficou uma camiseta na casa de um, e um iPod na casa do outro, e um tênis na casa de um, e uma prancha na casa do outro, e uma máquina fotográfica na casa de um, e um perfume na casa do outro. Puf.

O namoro acaba. E acaba mal, com aquela mágoa de cerrar mandíbulas. Telefones mudos, nenhum sinal de vida. E a tralha que restou, devolve-se?

Os manuais de boas-maneiras certamente já tocaram nesse assunto. Deve haver algumas regras práticas e posso imaginar quais sejam. Se o ex deixou na sua casa coisas de relativo valor, como aparelhos eletrônicos, equipamento esportivo, eletrodomésticos ou uma joia de família, noblesse oblige: reúna a muamba e deixe na portaria dele ou na sua, e mande um bilhetinho avisando que o pacote está à disposição. Você não quer encrenca com a polícia, quer?

Se forem coisas mais prosaicas, como um livro, um disco, um chinelo, um biquíni, uma carteirinha de clube, um boné, convém dar um tempo e esperar o dono se pronunciar a respeito, pra não parecer que você está louco pra se livrar de qualquer lembrança ou, pior, o outro achar que você está arranjando pretexto para se reaproximar. Seja qual for o caso, não jogue nada no lixo – ainda.

Quanto às miudezas, tipo escova de dente, passador de cabelo, resto de xampu, batom gasto, isqueiro de tabacaria e aquela cueca que já nem se adivinha a cor, jogue tudo no lixo – agora.

Pronto. Assunto encerrado?

Mais ou menos. Faltou desenvolver um pouquinho aquela parte que diz: “pra não parecer que você está louco para se livrar de qualquer lembrança”. Ora, delicadeza a essa altura?

Você vai, sim, deixar na porta do infeliz até o cotonete usado que ele esqueceu na bancada do banheiro para demonstrar que você não quer nenhum vestígio da passagem dele pela sua vida, aquele vira-lata, cafajeste, sem-vergonha.

Até o resto de sanduíche que ficou na geladeira você vai mandar para ele por um motoboy, para deixar bem claro que os farelos do desgraçado não merecem frequentar a sua lixeira e que você não estava brincando quando disse que queria vida nova – mesmo que ainda não esteja bem certa se conseguirá sobreviver sem aquele vira-lata, cafajeste, sem-vergonha.

E tem aquela outra parte que fala sobre “o outro achar que você está arranjando pretexto para se reaproximar”. Ora, mas se estivermos falando do amor da sua vida, como é que você vai fazer para aguentar o sumiço, a saudade, o silêncio?

Que outra maneira de mostrar a ele que você cortou o cabelo e ficou deslumbrante? Como conferir se ele emagreceu e está com um ar de cachorro abandonado? Faça um delivery! Vim trazer pessoalmente o que você esqueceu lá em casa, viu que criatura meiga e gentil você está perdendo?

Decida-se em que time joga (o das que querem se livrar de qualquer lembrança ou o das que querem um pretexto para procurá-lo de novo), e daí sim, assunto encerrado.

Um ótimo domingo - Aproveite o dia


Denunciado, desmascarado, encarcerado

Amigo de famosos, respeitado na medicina, Roger Abdelmassih, o mais conhecido especialista em reprodução assistida do país, tem o registro suspenso e vai parar na cadeia sob a acusação de abusar de pacientes

Com reportagem de Bel Moherdaui, Laura Diniz e Suzana Villaverde

José Patrício/A



E CELA COM VASSOURA

Abdelmassih chega à delegacia, onde ficou encarregado da limpeza da cela: 39 pacientes e 56 episódios de abuso sexual, agora, com nova legislação, definidos como estupros

Roger Abdelmassih levanta-se, faz a barba, passa perfume e, depois, uma vassoura na cela. Um dos médicos mais conhecidos do país, responsável por praticamente todos os filhos de famosos gerados com auxílio da medicina, ele foi preso na segunda-feira passada e, na quinta, falou a VEJA na cela de 16 metros quadrados, com colchonetes sobre camas de cimento, uma mesinha e um vaso sanitário, que divide à noite com outro detido – durante o dia, os seis presos com formação universitária e, por isso, acomodações separadas no 40º Distrito Policial de São Paulo ficam num pátio.

"Continuo com a minha dignidade", declarou (veja a entrevista abaixo). Aos 65 anos, o homem que conseguia tirar Roberto Carlos de casa, recebia a gratidão de Pelé e dava jantares a Hebe Camargo, com vinhos faustosos e gorjetas de 300 reais aos empregados, enfrenta denúncias devastadoras. São 56 acusações de estupro contra 39 mulheres, todas pacientes de sua clínica em São Paulo, um endereço que, antes da avalanche, chegou a alcançar prestígio internacional.

A investigação contra Abdelmassih começou em maio do ano passado, veio a público em janeiro e na semana passada ganhou nova dimensão com a sua prisão preventiva. Quando aflorou, a maioria dos casos era tratada como abuso sexual.

Agora as acusações são de estupro. A mudança aconteceu em razão de uma nova legislação sobre crimes de natureza sexual, em vigor desde 7 de agosto. Segundo ela, qualquer ato sexual violento praticado contra alguém, anteriormente designado como atentado violento ao pudor, passa a ser considerado estupro (as mudanças são explicadas no quadro).

A mudança é conceitual, mas as penas previstas para os crimes, antes designados de maneira diferente e agora unificados, já eram idênticas. Por causa disso, a legislação pode ser aplicada retroativamente no caso de Abdelmassih, cujo processo criminal só foi instaurado agora e ainda deve seguir todas as etapas previstas em lei até um eventual julgamento.

Os crimes sexuais sem violência que deixe marcas explícitas são por natureza complicados. Na ausência de provas colhidas a tempo, ou mesmo de denúncias contemporâneas aos atos que lhe são atribuídos, pesam contra Abdelmassih a quantidade e a similitude de depoimentos. Algumas dessas mulheres foram ouvidas e identificadas por VEJA.

Tanto elas quanto as que preferiram continuar anônimas contam histórias parecidas. Procuraram a clínica de reprodução assistida mais famosa do Brasil, fecharam pacotes caros e foram assediadas. Contam de beijos forçados, carícias íntimas.

Às vezes, pouco depois de conhecer a paciente, ele se declarava apaixonado. Algumas falam que foram lambidas. Outras, que o médico passava o pênis por seu corpo. Uma tem certeza de que o ato sexual, com penetração vaginal, foi consumado; outra teve sangramento anal.

Os avanços menos violentos, segundo relatam, aconteciam durante consultas, os mais torpes com as pacientes ainda sob efeito da anestesia, usada no procedimento em que os óvulos são retirados para ser fertilizados em laboratório. Abdelmassih já disse que as mulheres que o acusam sofreram alucinações sexuais provocadas pelo anestésico.

Nenhum homem e poucas mulheres sabem o que é o impulso consumidor da maternidade frustrada – mas todos conseguem entender de alguma forma o processo. O desejo de ser mãe chega a queimar por dentro, de tão intenso. Nada mais importa, nada mais tem significado. Também nisso as ex-pacientes ouvidas por VEJA, entre outras, fazem relatos parecidos.

São mulheres de classe média, com bom nível de instrução, capacidade plena de distinguir o certo do errado e, hoje, de expor com lucidez o que aconteceu. Mas queriam desesperadamente engravidar e pagaram um bom preço, em dinheiro – 30 000 reais era o valor médio cobrado pela clínica Abdelmassih por três tentativas – e principalmente em investimento emocional.

"Você saía de lá se sentindo grávida. Ele te olhava nos olhos e dizia que ia dar o seu filho", conta Ivanilde Vieira Serebrenic. Sindicalista de Marília, ela narra ter acordado da anestesia sentindo o corpo do médico "em cima de mim, com a calça arriada e o pênis na minha mão, suja de esperma".

Ela engravidou de trigêmeos em outra clínica e até hoje teme que "meus filhos achem que precisei passar por isso para tê-los". Por motivos parecidos, na maioria dos casos, as ex-pacientes não interromperam o tratamento mesmo diante das investidas que denunciam.

Até os maridos a quem contavam os avanços se sentiam intimidados, tanto pelos filhos que almejavam ter com o tratamento quanto pela importância profissional e social de Abdelmassih, cuja clínica fica num casarão imponente num dos lugares mais caros de São Paulo, hoje com trinta funcionários – já chegou a ter 45 antes das denúncias – e pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

De família de imigrantes libaneses pobres, Abdelmassih nasceu no interior de São Paulo, fez medicina na Unicamp e trabalhou com o médico Milton Nakamura, responsável pelo nascimento do primeiro bebê de proveta no Brasil.

Casou-se com uma mulher de extraordinária beleza, Sonia, a quem cercava com uma levantina muralha de ciúme. Dos cinco filhos, todos com o sobrenome Abdelmassih, três são do primeiro casamento dela: o ginecologista Vicente, a reputada embriologista Soraya e a técnica em biologia Juliana. Os dois primeiros trabalham na clínica. Sonia morreu de câncer em agosto do ano passado.

Quando falava da mulher, o médico ficava de olhos marejados. Abdelmassih parecia um caso extraordinário de sucesso, produto tanto da meritocracia quanto dos contatos sociais incessantemente cultivados. Bem relacionado e bem-falante, o médico animava as conversas com segredinhos que deixava escapar aqui e ali – e quem melhor do que ele para conhecer a intimidade de famosos?

O caso contra Abdelmassih foi iniciado por uma ex-funcionária da clínica, que procurou o Ministério Público de São Paulo querendo prestar depoimento contra ele. O testemunho dela estava comprometido – a certa altura, tentou chantagear o médico.

Mas as pacientes cujo nome ela deu foram confirmando o que se configurou como uma cadeia de abusos. Com a divulgação das denúncias, mais mulheres se apresentaram espontaneamente com histórias semelhantes: achavam que haviam sido as únicas e carregavam sentimentos de culpa, ressentimento e impotência.

Algumas acabaram o casamento; outras, que conseguiram engravidar, temiam que fossem lançadas sombras terríveis sobre a geração de seus filhos. Mas, ao perceberem que havia mulheres em situação parecida, sentiram-se encorajadas a vir a público.

Não há quem tome conhecimento de seus depoimentos sem sentir asco, revolta e raiva. É da coerência e do poder de convencimento dessas mulheres que dependerá o resultado de um eventual julgamento. Caso se atrapalhem e caiam em contradição, a acusação, já sem provas materiais, pode ruir.

Abdelmassih evidentemente tem um renomado advogado, José Luis Oliveira Lima, que conta entre seus clientes o ex-banqueiro Salvatore Cacciola e o mensalista José Dirceu. A preocupação imediata dele era conseguir um habeas corpus que tirasse o médico da cadeia, o que não é improvável.

Os argumentos usados pelos promotores, e acatados pelo juiz Bruno Paes Straforini, para manter o indiciado em prisão preventiva são a quantidade de acusações, o "prolongado tempo de atividade ilícita", o uso de recurso vil para abusar de vítimas anestesiadas e a influência social de Abdelmassih.

A defesa já tem uma estratégia, claro. "Não há nenhuma prova da acusação de estupro", diz o advogado. "Doutor Roger atendeu mais de 20 000 mulheres durante sua carreira. Fez mais de 5 000 crianças.

Perto dessas cifras, o número de 56 denúncias torna-se questionável." Lançar dúvidas sobre a motivação das acusadoras também está nas regras do jogo e Oliveira Lima diz que "as acusações podem fazer parte de uma ação organizada destinada a obter indenizações do médico".

Abdelmassih também pode ser acusado de sonegação fiscal e manipulação genética. Algumas mulheres declaram que ele propôs o uso de óvulos de doadora geneticamente parecida ou de esperma igualmente anônimo para garantir a fertilização, sem o conhecimento dos maridos, o que fere a ética.

Depois que VEJA publicou a primeira reportagem sobre o caso, um empresário do Espírito Santo entrou em contato com a revista. Disse que em 1993 foi com a mulher à clínica de Abdelmassih. Relatou ter conhecimento de que a infertilidade era de sua parte, mas não queria que fosse usado sêmen de outro homem.

Desconfiou quando a mulher engravidou e, depois do nascimento do casal de gêmeos, fez um teste de DNA no qual ficou demonstrado que não era o pai biológico. Procurou o médico e afirma ter aceitado uma proposta de 600.000 reais em troca da assinatura de um documento, com data retroativa, concordando com a fertilização com esperma de doador.

O empresário diz que, ao fazer isso, destruiu a própria vida. Separou-se da mulher, rejeitou os gêmeos e passou a alimentar um ódio mortal ao médico. A ex-mulher endossou sua versão e disse ter contado aos filhos, hoje com 15 anos, a verdade sobre sua origem.

A ideia de que milhares de pessoas que tiveram seus filhos na clínica paulista possam agora alimentar dúvidas sobre o tratamento, mesmo sem que lhes tenha acontecido nada de irregular, é profundamente perturbadora.

Abdelmassih está temporariamente impedido de praticar a medicina. No dia 7, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo abriu 51 processos de assédio contra o médico – quase o número total de processos feitos pelo órgão nos últimos nove anos. De 2000 a 2008, o CRM recebeu 272 denúncias de assédio sexual, sendo que apenas 61, contra 53 médicos, viraram processos.

Desses, só 28 foram julgados por seus pares e a metade foi absolvida sem nenhuma pena. Apenas dois médicos receberam a penalidade máxima, a cassação do registro profissional. Um deles é o pediatra Eugênio Chipkevitch, que dopava meninos e abusava deles em seu consultório. Como também filmava secretamente as infâmias, teve contra ele provas irretorquíveis.

"A grande dificuldade nos casos de assédio é que não existem provas materiais", diz o pediatra Henrique Carlos Gonçalves. "Mas hoje já se admite que testemunhas, antecedentes do acusado, determinados comportamentos e postura da própria vítima podem ser elementos considerados no processo."

Como presidente do conselho paulista, ele não pode comentar o caso de Abdelmassih, exceto por reconhecer que instaurar 51 processos contra um médico é um fato sem precedentes. "O máximo que já recebemos contra um único médico foram três denúncias de assédio sexual", afirma Gonçalves.

Abdelmassih está bem recuperado da cirurgia feita no fim do ano passado em razão de um aneurisma na aorta. Namora a procuradora Larissa Maria Sacco, com quem frequentava restaurantes e shoppings antes da prisão.

"Espero que ela seja no futuro a minha mulher", disse ele a VEJA. Na entrevista, o médico chorou ao falar da noiva. Depois, demonstrou orgulho ao revelar um outro detalhe no campo das conquistas amorosas: "Tenho recebido muito apoio. Tenho de lhe dizer que há uma mulher que mandou cartas se dizendo apaixonada".

A lista de pacientes famosos de Roger Abdelmassih parece índice de revista de celebridades: Pelé e Assíria, Tom Cavalcante e Patrícia, Gugu Liberato e Rose, Luiza Tomé e Adriano Facchini, Fernando Collor e Caroline (a tentativa com a mulher anterior, Rosane, não deu certo), Carlos Alberto de Nóbrega e Andréa, Moacyr Franco e Daniela. Ter um filho – ou, em geral, dois, como é praxe na reprodução assistida – e dizer que "foi doutor Roger que fez" virou quase um atestado de status.

Amigo de celebridades como Roberto Carlos e Hebe Camargo, ele chegou a se autonomear "Doutor Vida", sem nenhuma modéstia, como é comum entre grandes médicos.

Tem em sua conta mais de 7 000 bebês. Entre os pacientes menos conhecidos, duas constantes: mulheres que esperaram demais e casais compostos de um homem mais velho e a segunda esposa novinha, que, na sua definição, vinha "garantir a herança".

Lya Luft

O Alzheimer e a luz da alma

"É dramático assistir ao abandono dos bons modos, ao isolamento social, ao desconhecimento dos familiares e amigos e, por fim, à reclusão total num aparente nada"

Ilustração Atômica Studio

Atenção aos que criticam quando retomo assuntos: é intencional, eu faço isso, seja aqui, seja na ficção ou na poesia. Todos temos dentro de nós temas que retornam, ressurgem, transfigurados, com diversas máscaras e roupagens, e insistem em aparecer: são os fantasmas de cada um.

Em geral, manifestam-se na forma de sonhos, inexplicados medos, breves euforias. O assunto que hoje retomo é a doença de Alzheimer, abordado frequentemente em reportagens, artigos médicos, palestras de psiquiatras, e experiências dramáticas da vida real.

Terrível doença que acompanhei intimamente por mais de uma década, quando foi ocupando, em minha velha mãe, tudo aquilo que antes tinha sido ela – que passou a não ser ninguém, ou a ser um enigma.

Aos poucos, de filha, fui me tornando a cuidadora, a visita e, por fim, a estranha. Seu universo fora reduzido ao próprio mundo interior: ali comemorava 15 anos, ali era noiva ou tinha um bebê, ali me tratava de "senhora", ou me entregava algum pequeno objeto invisível que para ela devia ser muito precioso. "Cuidado!", me recomendava, "cuidado com isso!", e eu o recebia com as duas mãos em concha, para que ela não se afligisse.

Foi ficando mais bem-humorada na alienação do que nos últimos anos de lucidez ameaçada, nos quais eventualmente perguntava: "Será que estou ficando louca?". E a gente respondia, tentando parecer natural: "Que bobagem, eu estou muito mais esquecida do que você!".

Um dos dramas de quem convive com isso é aprender a entrar nesse mundo, e não tentar algemar a pessoa doente ao que para nós é a "realidade", pois isso provoca angústia inútil. De alguma forma, aprendemos a acompanhar a pessoa amada para dentro dos limites de seu novo registro, procurando amenizar, não atormentar mais, até que isso se torna impossível.

Quem amamos não sabe mais de nós. É dramático assistir ao abandono dos bons modos, ao isolamento social, ao desconhecimento dos familiares e amigos e, por fim, à reclusão total num aparente nada.

Eventualmente minha mãe parecia a mulher elegante de outros tempos: "Você quer uma bebida?", perguntava dez vezes, porque ao indagar já o tinha esquecido, naquele território onde eu não era ninguém. O que se passaria naquela paisagem para mim vazia? Certamente havia cons-ciência: pois minha mãe falava, ria, cantava baixinho para alguém que ninguém mais via, cada vez mais fechada ao meu desejo de algum contato.

De mulher grande e saudável passou a uma velhinha minúscula, mas resistia à morte: essa tem lá a sua medida de tempo, que nunca entendemos. Quando é a sua hora, chega como uma faminta ave de rapina, ou aguarda como um lento animal que hiberna. Chega muito cedo, ou espera demais, às vezes.

Aconchegada na sua cápsula de fantasias, da última vez que vi minha mãe doente, ela, que havia muito não falava, entreabriu os olhos e disse nitidamente para si mesma, para alguém – para ninguém: "Que bom estar assim, tão leve e tão jovem".

Nem mais uma palavra, nem um brilho de reconhecimento no olhar quando me inclinei para ela. Logo se enrolou de novo nos lençóis e na ausência. Poucos dias depois, simplesmente não acordou mais. Fechava-se a última porta desse tão longo corredor pelo qual minha mãe tinha se perdido.

A Senhora Morte chegou, com grande atraso, e num gesto casual recolheu a lamparina em que já não havia luz. Levou consigo a velha dama que na verdade fazia muitos anos deixara o palco da sua vida, cortinas ainda abertas e, nos bastidores, algumas vezes, o que parecia ser a sua voz, seu passo enérgico, e seu riso alegre – tudo que mais recordo dela agora.

Por que de repente resolvi voltar ao triste assunto? Talvez porque essa grande peste do século, sobre a qual pouco se sabe, seja um tão duro aprendizado para quem observa do lado de cá desse mistério.

Não é preciso, aliás, haver motivo para uma crônica, pois muitas vezes elas se manifestam sozinhas: querem ser escritas, e eu assisto enquanto, neste computador, elas mesmas se escrevem.

Lya Luft é escritora


Twitter vai incluir localização nas mensagens

A informação da latitude e da longitude dos autores das mensagens pode ajudar as pessoas a encontrar um bom serviço pela vizinhança e até saber como agir em caso de um terremoto

Os tweets, como são chamadas as mensagens de 140 caracteres postadas no serviço de microblog, devem passar a conter informações sobre a localização de seu autor.

Segundo informações publicadas nesta sexta-feira (21) pelo jornal americano The New York Times, o Twitter está se preparando para lançar uma nova ferramenta que vai dizer a latitude e a longitude dos tweets, mesmo daqueles enviados do celular, por pessoas em trânsito.

O usuário vai poder escolher entre exibir ou não essa informação e a empresa está prometendo descartar os dados em um curto período de tempo.

A expectativa é de que, além de procurar os tweets por assunto, por exemplo, as pessoas usem a localização dos autores como critério. Você poderia descobrir, por exemplo, o que o pessoal do seu bairro está dizendo sobre a coleta de lixo, ou qualquer outro assunto.

A nova ferramenta foi divulgada por um dos fundadores do Twitter no blog corporativo, o Biz Stone, que sugere que esse tipo de busca pode ser especialmente útil para quem está em um grande show ou até mesmo para quem está em uma cidade atingida por um terremoto.

A localização também pode ser atrativa para as empresas, sugere o jornal. Elas poderiam usar a informação para atingir consumidores que estão nas proximidades.

"Há provavelmente muitos casos de uso em que não pensamos ainda, e esta é a parte que faz isso ser tão excitante", diz o blog. A ferramenta deve estar disponível primeiro para desenvolvedores que criam aplicações para o Twitter para, depois, chegar ao usuário comum.

Twitter é mais popular entre adultos do que entre adolescentes

Estudo mostra que adultos acima dos 25 anos são 80% dos usuários do site de microblogs. Blog americano explica o porquê

A ferramenta de comunicação faz mais sucesso entre os adultos. Por quê?A partir de uma pesquisa com 250 mil internautas americanos, a Nielsen Company, divulgou um relatório que pode causar certo desespero àqueles que julgam o Twitter um fenômeno "teen" .

A ferramenta é muito mais popular entre os adultos (de 25 a 54 anos) do que entre as crianças e os adolescentes (2 a 24 anos). Enquanto estes representavam 16% dos usuários em junho de 2009, aqueles chegavam a 64%. Até os mais velhos, com mais de 55 anos, tiveram mais participação: 20%. Segundo a consultoria, os adolescentes usam outras plataformas para estar conectados continuamente na internet.

Mas existe algum problema nisso? A mesma empresa publicou outro estudo, mostrando que o Twitter cresceu de forma extraordinária nos últimos meses, sendo uma das maiores audiências da internet – mais que o MySpace e o Facebook. O volume de citações em blogs, fóruns e emails atingiu o mesmo nível do Facebook, que é quatro vezes maior em termos de número de usuários (confira na imagem ao lado). Sinal de que não são apenas os adolescentes que comandam os pageviews da web.

De acordo com o blog Buzz Canuck, há alguns motivos que afastam os menores da mania de "twittar". Enquanto essa faixa etária representa 25% dos usuários de internet, só chegam a 16% no Twitter. Por quê?

• 1. O Twitter começou com adultos, ficou famoso pelo uso dos adultos e deseja perdurar como uma ferramenta de comunicação séria.

• 2. Um adolescente manda cerca de 440 mensagens por semana via SMS, uma ferramenta muito mais "fluida". No Twitter, são 244 por trimestre.

• 3. Nessa idade, você posta muita coisa sobre sua privacidade. Os adolescentes simplesmente não querem que seus pais saibam o que estão fazendo.

• 4. Muitas pessoas "twittam" temas profissionais e os adolescentes não estão preparados (e nem querem) levar o Twitter a sério.

• 5. Blackberry e smartphones são aparelhos de adultos: quantos adolescentes trabalham em empresas que podem oferecer esse tipo de cortesia aos funcionários? O Twitter é uma ferramenta que funciona por conta da mobilidade e instantaneidade de seus usuários.

• 6. O Twitter é amplamente divulgado por celebridades como Oprah, Demi Moore e Martha Stewart (apresentadora), o que não é tão atrativo aos adolescentes como Zac Efron e Miley Cyrus.

• 7. Normalmente os adolescentes têm uma vida ativa: praticam esportes, vão a festas, ao cinema... Com tantos afazeres, não sobra tempo para "twittar".

• 8. Adolescentes querem fazer mais na web, além de postar e digerir conteúdos. Desejam interagir, jogar, brincar e falar, às vezes tudo ao mesmo tempo.

A grande novidade do Twitter é o ritmo. Por algum motivo inexplicável, as pessoas não param de trocar mensagens. O site do Twitter tem uma pergunta básica – “O que você está fazendo?” – e todo mundo responde, várias vezes ao dia: contam que estão almoçando, dizem que o ônibus quebrou, avisam ter visto uma celebridade.

Como é possível postar do celular, os twitteiros não descansam na narração do trivial. É um fluxo contínuo de minudências que os americanos chamam de “intimidade ambiental”. A comunicação é rápida e contínua, uma pequena e organizada gritaria digital. Visto de fora parece histérico, mas para os envolvidos soa natural. E é um sucesso.

O Twitter cresce de forma explosiva. Segundo dados da consultoria americana Compete, especializada em estatísticas para a internet, o número de usuários saltou de 600 mil para 6 milhões em um ano. É a rede social que mais cresce nos Estados Unidos.


22 de agosto de 2009
N° 16070 - NILSON SOUZA


O oponente

Vem aí um concurso mundial de digitação em celular. A Vanessa Nunes, nossa especialista em tecnologia da era digital, aquela jovem que aparece na foto de apresentação da sua coluna com um laptop na cabeça, tem divulgado seguidamente as regras da competição de SMS, que é como são chamadas as mensagens de texto por celular.

Vai ser interessante ver a garotada com os polegares acelerados na busca das letrinhas. Quem diria que o dedo opositor, que nos diferencia dos outros animais, acabaria sendo tão decisivo para a comunicação moderna?

Sempre me orgulhei de digitar com os 10 dedos sem olhar para o teclado, técnica adquirida em exaustivas aulas de datilografia com as letras cobertas por uma cartolina.

Quando passei da máquina de escrever para o computador, as teclas sensíveis me possibilitaram ainda mais agilidade. Mas no celular não sou mais do que um catador de milho, como se dizia antigamente para os escribas que ficavam procurando letra por letra.
De vez em quando, respondo até alguma mensagem mais urgente, mas dificilmente vou além do OK, isso quando encontro o miserável do K. O teclado alfabético do celular sequer mantém a ordem que meu cérebro datilográfico decorou.

O dedão, decididamente, não foi feito para isso. A ele devemos a nossa capacidade de empunhar uma ferramenta, dirigir um carro, tocar um violino ou enfiar a linha na agulha. O progresso humano está diretamente relacionado com esse oponente que na verdade é o nosso maior aliado.

Chega a me parecer uma crueldade exigir do polegar mais esta tarefa de selecionar minúsculas letrinhas enquanto seus pares – os outros dedos – simplesmente seguram o equipamento.

Mas a garotada não está nem aí para esse tipo de questão filosófica. Crianças e adolescentes utilizam o dedo oponente com tanta naturalidade e frequência que já existem até estudos comprovando uma mutação importante nas novas gerações. Seus polegares são mais fortes e mais ágeis.

Estão prontos para qualquer competição. Em concurso semelhante realizado recentemente nos Estados Unidos, uma garota de 15 anos – que costuma enviar 14 mil torpedos por mês – ganhou um prêmio de US$ 50 mil, digitando mais rapidamente e com menos erros do que os demais concorrentes, todos com menos de 22 anos.

Então, a garotada que prepare os seus dedões. Pelo menos estarão escrevendo. O máximo que me cabe neste embate é emitir um OK de aprovação. Se achar o danado do K.


22 de agosto de 2009
N° 16070 - CLÁUDIA LAITANO


O melhor amigo do inimigo e vice-versa

Há anos sou perseguida por uma história que eu gostaria que me contassem. Como os personagens são reais, imaginava que um bom documentário ou uma biografia talvez dessem conta do recado. Recentemente, cheguei à conclusão de que um filme ou um livro convencional não contariam a história do jeito que eu gostaria.

Na minha fantasia, a amizade de Raul Seixas e Paulo Coelho só poderia ser narrada como tragédia, gênero que, por definição, explora o conflito de um personagem com seu destino – e poucos destinos são tão dramaticamente distintos, e de certa forma equivalentes, como os de Raulzito e Dom Paulete depois do fim da parceria.

Esta semana, os dois voltaram a dividir as manchetes dos cadernos culturais do país inteiro. Raul sendo homenageado com livros, discos e filmes pelos 20 anos de sua morte (21 de agosto de 1989), Paulo Coelho chegando ao cinema em uma grande produção internacional (o filme Veronika Decide Morrer, que estreia neste mesmo fim de semana).

Há sempre uma tensão em qualquer tipo de dupla – amigos, amantes, parceiros artísticos, sócios. De um lado, a afinidade que aproxima. Do outro, a diferença que torna a parceria estimulante para ambas as partes. Depois de estabelecido o laço, começam não apenas as trocas, mas as cobranças mútuas e as pequenas (ou gigantescas) disputas de poder. Algumas alianças encontram nessa tensão um ponto de equilíbrio que lhes dá combustível e estabilidade.

Outras se rompem ao primeiro vento contrário, sem muitos danos de parte a parte. Há ainda as duplas que terminam em uma espécie de big bang ao contrário, como se fosse impossível um rompimento sem implodir junto um pedaço da história de cada um.

Mas, mesmo quando as separações são relativamente pacíficas ou consensuais, as partes de uma dupla estão eternamente condenadas ao cotejamento. O sucesso de um aumenta o fracasso do outro, e vice-versa.

Paulo Coelho e Raul Seixas se conheceram em 1972, quando Raul usava paletó e gravata e Paulo Coelho escrevia sobre discos voadores. A empatia foi fulminante. Entre 1973 e 1976, compuseram juntos e testaram afinidades e diferenças. Reza a lenda que Raul saiu mais maluco do que entrou, e Paulo mais careta.

Raul morreu aos 44 anos, no limite da decadência física, e se tornou um ídolo talvez maior do que a própria obra. Paulo Coelho tornou-se um ídolo mundial – apesar da própria obra. Ambos definiram o período de convivência de forma muito parecida: “Éramos amigos e inimigos íntimos” (Paulo Coelho), “Eu era o melhor amigo do inimigo e vice-versa” (Raul Seixas).

Em uma de suas últimas entrevistas, no Programa do Jô, Raul narra uma cena surreal: está caminhando na rua, nos Estados Unidos, quando vê um palhaço catando comida em uma lata de lixo. O palhaço o encara e faz um gesto para que ele se sirva do banquete, e Raul aceita.

Anos depois, nem tantos assim para o tamanho da reviravolta simbólica, Paulo Coelho é convidado pela rainha Elizabeth II para um banquete no Palácio de Buckingham – e também aceita. Dava ou não dava uma tragédia?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009



19 de agosto de 2009
N° 16067 - MARTHA MEDEIROS


Pintar é uma arte rara

Também poderíamos chamar de epidemia o número de pessoas que sonham em viver de escrever. Tenho certeza de que meus colegas de profissão recebem, como eu, uma imensa quantidade de textos para avaliar e pedidos de dicas sobre como se tornar um escritor.

Com a proliferação dos blogs e as facilidades oferecidas pelos computadores, arrisco dizer que hoje há mais gente escrevendo do que lendo. E ainda que eu lamente essa inversão (ler é muito mais importante do que escrever), entendo perfeitamente por que isso acontece. Se você não entende, vá até o Margs.

Como qualquer pessoa de juízo, também estive visitando a Mostra Arte na França, que ficará na cidade só até o dia 30 de agosto, com quadros de Renoir, Van Gogh, Monet, Cezanne, Picasso, Toulouse-Lautrec, Matisse, além de representantes brasileiros como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Lasar Segall.

Não entendo nada de artes plásticas, o que não me impede de me comover. Não há como ficar indiferente diante de uma linguagem visual que encanta, deslumbra e nos faz sentir tão miúdos. Eu, ao menos, me sinto uma ameba diante de um belo quadro.

Mal sei desenhar um bonequinho com cabeça, tronco e membros numa folha de papel, então fico embasbacada ao constatar que a partir de uma tela em branco o artista consegue, com um conjunto de pinceladas, traduzir a expressão melancólica de um olhar, revelar a textura de um vestido, reproduzir um temporal, salientar a veia de um braço, criar uma situação cotidiana que bem poderia ser uma fotografia, mas não é.

Uma pintura é a elaboração da realidade a partir da combinação de luzes, sombras, cores, proporções, evocações e de uma sensibilidade rara. Quantos foram e quantos são os que conseguem nos assombrar através de traços que dão forma a uma pessoa, uma paisagem, uma atitude, uma cena?

Quantos têm o dom de desenhar uma árvore sendo vergada pelo vento com tal perfeição, que nos faz encolher o próprio corpo diante da tela, como se o vento viesse também em nossa direção? Quem consegue através de uma pequena pincelada, e outra, e mais outra, fazer surgir uma catedral diante dos nossos olhos?

Quantos homens e mulheres nasceram com o talento para, dispondo de duas ou três tonalidades, abrir um campo florido a nossa frente? Quantos você conhece, quantos são os dotados de tamanha capacidade para realizar essa mágica e nos oferecer uma imagem sublime?

Se não for por esse encantamento, vá até o Margs ao menos para entender por que tanta gente quer virar escritor. Ora, porque escrever, mal ou bem, todo mundo se sente capaz, até eu.

Uma ótima quarta-feira para você.

terça-feira, 18 de agosto de 2009



18 de agosto de 2009
N° 16066 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Em preto e branco

Tem muita gente indo embora. Não para a tranquilidade de Gramado, a agitação de São Paulo, as batalhas senatoriais da Ilha da Fantasia. Para mais longe, para o lugar de onde não se volta.

Uma noite dessas, percorrendo um álbum de formatura, me surpreendi com o número de amigos que jamais tornarei a ver. Este rapaz alto, que teria dado um notável magistrado, se foi em um acidente estúpido. Esta menina, que eu chamava de Sol, porque sua simples presença transmitia a luz que habitava seu coração, sofreu por anos de uma doença que lhe sequestrou o sorriso.

Este cara elegante e sério, que subiu a elevados postos em um país que precisa mais do que nunca de figuras dotadas de sua visão, foi apunhalado por um mal terrível e traiçoeiro.

Paro aqui. A lista é extensa. Por alguma estranha razão, a Ceifadeira, cedendo a um perverso capricho, deteve-os nestas fotos em preto e branco ao invés de cuidar de gentes que não fariam a menor falta ao mundo: terroristas, tiranos, torturadores. Não infiram disso que eu seja a favor da sentença capital.

Ao que parece, no entanto, Deus Nosso Senhor, distraído e velho, não anda escolhendo bem as suas Barqueiras.

Deve acometê-lo, em suas prolongadas insônias, o duelo entre a infinita justiça, que é um de seus atributos, com a incomensurável compaixão, com a qual foi igualmente agraciado. Para não se incomodar com as engrenagens celestes, nem pergunta o que andam aprontando as Parcas.

Me dou conta de repente de que falei na Ceifadeira, nas Barqueiras, nas Parcas. Não usei uma só vez a palavra Morte, que é o verdadeiro nome das três. Superstição, temor, senso de preservação? Não creio.

Acredito, sim, que mais proveito teria se, em lugar deste álbum, escolhesse outro livro. Ocorre que sou um leitor compulsivo e incurável. Colocava uma estante em ordem e topei com a lombada vermelha, com a capa em que há o desenho de uma balança.

Pegou-me a nostalgia, mais um de meus inúmeros maus hábitos. Foi aí que, para redimir-me de tão melancólicos pensares, voltei a folhear o álbum, desta vez atento aos que ainda não marcaram seu encontro com o Absoluto.

E, na dualidade do tempo, percebi um suave milagre. Recordei que vários de meus colegas, naquelas páginas ainda imersos em juventude, estão hoje feito ilustrações em sépia.

Já as colegas, continuam tão lindas como nas fotos antigas, como se para elas não existissem calendários ou ponteiros. Vai ver que essa é a verdadeira justiça divina, essa a sua real compaixão: aprisionar ternamente a eternidade em beleza.

sábado, 15 de agosto de 2009



16 de agosto de 2009
N° 16064 - MARTHA MEDEIROS


Batalha entre duas generosidades

Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso fundamental. Está lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro? Nem pensar?

O mercado editorial já assimilou a potencialidade dos pockets books e, até onde sei, eles vendem bem. Como não venderiam? São pequenos, baratos e oferecem títulos de primeira. Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.

O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi A Felicidade Conjugal, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão boba sobre diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e ao mesmo tempo perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos.

Conclusão dele: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.

Parece, mas não é uma notícia tão alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus, e vice-versa.

O que Tolstoi define elegantemente como uma “batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos, chamamos de “concessões”. Essa palavra mais sugere uma batalha jurídica do que de generosidade, mas é tudo a mesma coisa.

Óbvio que temos que conceder. O tempo inteiro, desde que nascemos. A começar pelo âmbito familiar, ainda que nesse ringue as regras sejam criadas coletivamente. Já quando casamos com o senhor fulano de tal, ou com a dona sicrana da silva, que vieram sabe-se lá de onde e amparados por quais fundamentos, a concessão vira o calcanhar de Aquiles do contrato. Ele adora dançar, você odeia música alta.

Ela adora natureza, você não suporta passarinho. Mas se amam, olha que situação. Quem cede quanto?

A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um final de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada e nem comporta a rigidez da palavra “sacrifício”.

Mas e se você tiver que enfrentar uns “nunca mais” pela frente? E se os seus sonhos de juventude tiverem que ser enterrados? E se o seu trabalho ficar comprometido? E se sua vida virar um palco e você tiver que assumir um personagem 24 horas por dia?

E se sentir saudades de alguém que você já não é mais? Não pense que isso é dramatismo. É mais comum do que se imagina. Tem pessoas que renunciam a si mesmas e só percebem isso quando não há mais retorno possível.

Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim.

Mas esse romance ainda está para ser escrito.

Um lindo domingo para você. Ah e aproveites. Não fiques tristinha assim. Vc é tão forte quanto aparenta ser.


As 1 001 utilidades de uma marca

O caso da Bombril é um exemplo de como uma marca sólida
pode salvar uma empresa até das mais profundas crises

Cíntia Borsato - Lailson Santos

TENTATIVA DE LIMPAR A CASA
Ronaldo Ferreira, hoje no comando: corte de custos e executivos no lugar dos amigos

A Bombril está comemorando: registrou um lucro de 84 milhões de reais no primeiro semestre de 2009. Não se trata de um resultado como qualquer outro. É a primeira boa notícia em muitos anos - e o primeiro sinal palpável de que uma crise que, muitos apostavam, obrigaria a empresa a fechar as portas pode estar se revertendo.

O processo de decadência começou na década de 80 - mas atingiu seu auge entre 2002 e 2006, quando a Bombril chegou a paralisar a produção por falta de dinheiro para comprar matéria-prima. Nesse longo período, sucederam-se episódios negativos, como a guerra por poder travada entre os herdeiros, que chegaram a trocar socos e xingamentos nos corredores da fábrica de São Bernardo do Campo, desvios de dinheiro e uma coleção de fraudes financeiras.

De 2006 para cá, teve início uma reestruturação radical, capitaneada por um dos três herdeiros, o economista Ronaldo Sampaio Ferreira, o único que ainda está lá. Nos quadros de administração, parentes e amigos foram substituídos por executivos tarimbados, que renegociaram uma dívida astronômica, frearam gastos e enxugaram custos fixos, além de trazer à Bombril novas práticas de gestão e governança corporativa.

Certamente, a empresa não teria permanecido viva se não estivesse apoiada numa marca tão forte, criada pelo comerciante Roberto Sampaio Ferreira em 1948 e até hoje sinônimo do produto que é, de longe, seu carro-chefe: a lã de aço. Diz o consultor René Werner: "Por mais trapalhadas que houvesse na empresa, elas nunca respingaram na marca".

Divulgação


O MESMO ROSTO

Carlos Moreno, na década de 70: 31 anos no ar

Marcas valiosas ajudam a explicar a longevidade de algumas das mais antigas empresas brasileiras, como, por exemplo, Hering e Lupo (veja reportagem). Mas nenhuma marca nacional, seja qual for o setor de atuação da companhia, é mais sólida do que a Bombril. Isso se vê em números. Suas lãs de aço chegam a 80% das casas brasileiras, um recorde para qualquer setor.

Trata-se ainda do segundo artigo de limpeza mais vendido no país, atrás apenas do sabão em pó Omo (da multinacional Unilever). Em nenhum outro lugar do mundo a lã de aço foi tão assimilada quanto no Brasil, que concentra dois terços do mercado mundial desse produto. A razão é cultural. Os brasileiros revelam um apreço pelo brilho na limpeza como ninguém mais, segundo mostram as pesquisas.

Além disso, conferiram vários usos à tal lã, como afixá-la à antena da televisão para melhorar a imagem e até servir de adubo para plantas. Nos anos 70, um produto parecido surgiu no Brasil - mas vinha com detergente, tal qual nos Estados Unidos, e não vingou. A antiga versão já havia sido incorporada aos hábitos locais. Conclui Alexandre Zogbi, da consultoria Interbrand: "A Bombril é um daqueles casos raros em que um vínculo emocional liga as pessoas a um produto - e à sua marca".

No ápice da crise, em 2003, foi justamente a marca que salvou a empresa do pior. Sem crédito na praça e com 570 títulos protestados, a Bombril precisou demitir 30% de seus funcionários e paralisou a produção. "Só se via gente ociosa.

O silêncio das máquinas era o maior sinal da decadência", recorda-se a gerente de novos produtos, Adelice de Moraes, há 33 anos lá. Nesse tempo, os executivos da Bombril batiam à porta das grandes redes de supermercados e atacadistas, implorando para que fizessem compras antecipadas e mais: que pagassem à vista. Em troca, concediam-lhes descontos graúdos.

Havia um detalhe peculiar nessa transação: com prateleiras abarrotadas de Bombril, os supermercados não colocavam à venda a nova mercadoria. Ela ficava armazenada em depósitos. Por que, então, essas redes seguiam comprando mais e mais lãs de aço? "Para manter a Bombril de pé", explica Hélio Mariz de Carvalho, da consultoria FutureBrand, que acompanhou o caso. "Se a empresa morresse, provavelmente desapareceria com ela uma marca que atrai gente às lojas."

Lailson Santos


MUDANÇAS NA FÁBRICA

Vendendo menos lã de aço, a saída é diversificar

A história da dívida da Bombril - de 450 milhões de reais só de impostos devidos à União, mais a quantia relativa a multas por operações financeiras irregulares, cujo valor ainda se discute na Justiça - remete a meados dos anos 80. Foi quando o governo federal incluiu a lã de aço na cesta básica. Poderia ter sido bom, caso o preço não fosse tabelado e tão baixo.

Para piorar, o valor do produto ainda se depreciava com a inflação de dois dígitos, e a empresa perdia dinheiro, o que se agravou nos anos seguintes, aí por má administração. Nesse contexto, o italiano Sergio Cragnotti, então dono da Cirio, até hoje uma das marcas mais conhecidas do ramo de alimentos na Europa, comprou a Bombril dos irmãos Ferreira. A gestão do empresário italiano foi decisiva para levar a Bombril ao fundo do poço.

Ele liderou uma série de transações financeiras duvidosas. Por algumas delas, é acusado de lavagem de dinheiro. Cragnotti retirava dinheiro da Bombril e com ele simulava, por meio de contratos falsos, comprar títulos da dívida americana. Numa outra operação, fez ainda a Bombril arrematar a Cirio - fraude em que o comprador e o vendedor são a mesma pessoa, mais conhecida no mercado como "Zé com Zé".

Mesmo assim, a Bombril continuou, por um bom tempo, a obter crédito e a captar dinheiro no mercado de ações, no qual havia ingressado em 1984. "Isso só foi possível porque, naquela época, a fiscalização das empresas na bolsa era bem menos vigilante", diz o economista Maílson da Nóbrega.

Em 2003, já com uma maior transparência do sistema e a má situação da Bombril cristalina, as ações da companhia chegaram à sua pior cotação na década - 2,80 reais. Hoje, o valor é de 6 reais.

"É um milagre a Bombril ter sobrevivido, ela era o avesso de uma empresa moderna", diz o economista José Bacellar, um dos três administradores apontados pela Justiça para gerir a companhia depois do escândalo Cragnotti. Sobre esse período, ele incluiu um capítulo no livro A Surdez das Empresas, que fala de sua experiência na reestruturação de empresas. Lançado recentemente, o livro foi alvo de uma ação legal e chegou a ser retirado das prateleiras.

O autor da ação foi Ronaldo Sampaio Ferreira .- que decidiu reassumir o comando da empresa e tem feito tudo para proteger sua imagem.

Colecionador de carros de luxo, como o Mercedes 300 SL, uma raridade, e criador de gado, Ronaldo reconhece que é capaz de atos inconsequentes. "Sou um apaixonado por novidades", comenta. Ele aprendeu a manter os pés no chão a um custo alto. A palavra do dia hoje na Bombril é diversificar a linha de produtos. Não é apenas por causa da concorrência.

A Bombril, que já teve 90% do mercado de lã de aço no Brasil, agora detém uma fatia de 70% (os outros 30% estão nas mãos da Hypermarcas, dona da Assolan). A diversificação é também necessária porque a procura pelo produto tende a encolher - caiu 10% somente no ano passado. Os hábitos de consumo estão mudando.

As panelas de hoje não precisam mais ser areadas. As televisões tampouco têm antena. Mais preocupadas em manter as unhas benfeitas, as mulheres começaram a buscar produtos de limpeza até com hidratante. Para manter sua tão valiosa marca, a Bombril tem pela frente o desafio de adequar-se aos novos tempos.


Cheque ao bispo

O Ministério Público de São Paulo acusa Edir Macedo e mais nove integrantes da Igreja Universal de usar o dinheiro de doações de fiéis para fazer negócios
e engordar o próprio patrimônio

Laura Diniz - Jose Patricio/AE



AGORA, RÉU

Fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo é acusado de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro

Há 32 anos, os templos da Igreja Universal do Reino de Deus recebem ricos e pobres, crédulos e descrentes, doentes, despossuídos e desesperados. A todos a igreja oferece consolo e, muitas vezes, também uma porta de saída para escapar do vício, do crime e da solidão.

Mas cobra caro por isso. Baseada numa particular Teologia da Prosperidade, a Universal, fundada e chefiada pelo bispo Edir Macedo, prega que a maior expressão da fé são as oferendas de dinheiro à igreja (e também de carros, casas e cheques pré-datados).

A ideia de que, "quanto mais se doa, mais Deus dá de volta", levada ao paroxismo pela eloquência dos bem treinados pastores da Universal, já fez com que almas crédulas arruinassem suas finanças, seu casamento, sua vida. O Código Penal, contudo, não alcança práticas religiosas. Em linhas gerais, se um brasileiro quiser doar tudo o que tem a qualquer igreja, estará livre para isso.

E quem receber a doação também não encontrará empecilhos na legislação. O que não se pode é tapear a lei – e é precisamente isso o que vêm fazendo Macedo e outros nove integrantes da cúpula da Universal, segundo uma peça de acusação elaborada por promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.

A partir da denúncia oferecida pelo Gaeco, e aceita pela Justiça na última segunda-feira, Macedo e seu grupo tornaram-se réus em um processo criminal sob as pesadas suspeitas de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Com base numa investigação de dois anos, o MP afirma que Macedo e seu grupo se converteram em uma organização criminosa ao usar as doações de fiéis para engordar seu próprio patrimônio – no caso do bispo, nada desprezível.

Além de dono de 90% da Rede Record, Macedo e a mulher, Ester Eunice Rangel Bezerra (ela, dona dos outros 10% da emissora, segundo aparece no contrato de concessão), têm uma coleção de imóveis que incluem, apurou VEJA, dois apartamentos em condomínios de luxo em Miami, nos Estados Unidos: o primeiro, em nome de Ester, foi comprado em 2006 e está avaliado em 2,1 milhões de dólares.

O segundo, registrado em nome do casal, foi adquirido no ano passado e custou mais do que o dobro do primeiro: 4,7 milhões de dólares. Ambos ficam na Collins Avenue, um dos endereços mais sofisticados da cidade.

Segundo a denúncia do MP, além de enganar os fiéis embolsando o dinheiro que deveria ter destinação religiosa, a Universal burla o Fisco ao aproveitar-se de sua imunidade tributária e fazer transações comerciais. A imunidade fiscal assegurada pela Constituição às igrejas baseia-se no princípio de que seu patrimônio, renda e serviços visam à atividade religiosa, e não ao lucro. Quando o dinheiro dos fiéis é usado para comprar empresas e jatinhos – caso dos pastores da Universal, segundo o MP –, a Justiça tem de ser acionada.

Em 1997, uma auditoria da Receita Federal sobre as contas da Universal já havia produzido um relatório defendendo que ela perdesse a imunidade fiscal, uma vez que vinha fazendo uso do benefício para ganhar dinheiro. Dez anos mais tarde, ao analisar a situação de cinco igrejas evangélicas, entre elas a Universal, a mesma Receita chegou a iniciar um estudo para regulamentar o uso das doações de dinheiro originário da fé (livre de tributos) em empreendimentos tributáveis.

O projeto não foi adiante. Para o advogado da Universal, Arthur Lavigne, a denúncia do Gaeco apenas reúne tudo o que já foi dito contra a igreja desde 1992. Nesses dezessete anos, diz ele, houve mais de dez processos contra a Universal, e apenas dois estão em andamento, incluindo o que foi aceito pela Justiça na semana passada.

As primeiras investigações sobre as atividades de Edir Macedo e seu grupo na Igreja Universal começaram dois anos antes da investida da Receita. Em 1995, depois da divulgação de um vídeo em que Macedo aparecia ensinando pastores a arrancar dinheiro de fiéis, autoridades federais deram início a uma varredura nas atividades da igreja, mas, até agora, poucas irregularidades haviam sido comprovadas.

A diferença entre essas investigações anteriores e o trabalho do Gaeco é que, desta vez, os promotores conseguiram mapear o caminho do dinheiro, desde as doações dos fiéis até a compra de duas emissoras de TV, um prédio e um jatinho modelo Cessna, por 2,5 milhões de reais.

Entre 2001 e 2008, a Universal, segundo os promotores, amealhou 8 bilhões de reais de seus cerca de 8 milhões de seguidores. Metade dessa dinheirama foi parar em contas bancárias da igreja por meio de 4 015 depósitos em espécie – direto das sacolinhas dos dízimos. A outra metade chegou, principalmente, por meio de transferências eletrônicas provenientes de filiais da igreja espalhadas pelo país.

A partir daí, o esquema funcionava da seguinte maneira, de acordo com a acusação: a maior parte do dinheiro era repassada, a título de "pagamentos", para empresas de fachada controladas por integrantes do grupo, a Cremo Empreendimentos e a Unimetro Empreendimentos. Ambas movimentaram, entre 2004 e 2005, mais de 70 milhões de reais, ainda que não tenham oferecido no período nenhum serviço ou produto, segundo atesta a Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Da Cremo e da Unimetro, o dinheiro dos fiéis era enviado para empresas sediadas em paraísos fiscais: a Investholding, nas Ilhas Cayman, e a CableInvest, nas Ilhas do Canal. De lá, retornava ao Brasil disfarçado de empréstimos para pessoas ligadas à Universal, que usavam os valores para transações nada religiosas. Apesar do emaranhado trajeto percorrido pelo dinheiro, ele, na verdade, nunca saiu das mãos da cúpula da Universal.

A Cremo é de propriedade da Unimetro – que, por sua vez, pertence às duas empresas sediadas no exterior. No Brasil, a Investholding e a Cableinvest são representadas por Alba Maria da Costa e Osvaldo Sciorilli, executivos da Universal, ligados a diversas empresas do grupo e réus no processo. Assim como o chefe, Alba e também Maurício Albuquerque e Silva, ex-diretor da Cremo e da Unimetro, são proprietários de imóveis em Miami.

O Gaeco sustenta que foi esse o esquema usado pela igreja para comprar, por exemplo, a TV Record do Rio de Janeiro e a TV Itajaí, de Santa Catarina. Ao todo, o império de comunicação da Universal reúne 23 emissoras de TV, 42 emissoras de rádio e várias outras empresas. O do bispo prospera na mesma medida. Em 2007, ele se esmerava na construção de uma casa de 2 000 metros quadrados em Campos do Jordão (SP), no valor de 6 milhões de reais.

Naquele tempo, já era proprietário de outra casa na mesma cidade, comprada onze anos antes por 600 000 dólares. Somem-se a isso os imóveis de Miami e não restará dúvida de que Macedo é um abençoado. Resta saber se à luz da lei tanta prosperidade também poderá ser comemorada.

Jose Patricio/AE e Marcos Fernades


CASA DE DEUS, CASA DO BISPO
Um dos templos da Universal em Belo Horizonte e a casa construída por Edir Macedo em Campos do Jordão


Meninas querem namorar mais que meninos

Aos 13 anos, elas já pensam em exclusividade, enquanto eles se preocupam com a liberdade, diz pesquisa
Nádia Mariano



As garotas brasileiras de 8 anos para cima já se preocupam com fidelidade no namoro. Cada vez mais precoces, elas têm preocupações de gente grande: querem compromisso, mas os garotos não abrem mão da liberdade. Para eles, o namoro pode prejudicar o contato com os amigos.

Aos olhos desses adolescentes, não são atitude prematuras para a idade. É uma tendência geral, constatada em uma pesquisa com mil pré-adolescentes e adolescentes brasileiros, com idades entre 8 e 14 anos, de todas as regiões do Brasil, feita pelo canal de TV Boomerang.

Para a alegria momentânea de pais e mães, apenas 13% das meninas de 13 e 14 anos dizem ter namorado. Entre os meninos da mesma idade, 23% afirmam o mesmo. Alguns começam cedo (a namorar ou a pegar mentira): na faixa dos 8 aos 10 anos, 2% das meninas e 15% dos meninos dizem namorar.

Apesar de expectativas diferentes para o amor, garotos e garotas concordam plenamente em outros pontos. Uma delas é a impossibilidade de sair de casa sem celular – pensam assim 61% das meninas e metade dos meninos. O tocador de MP3 também tem de ir junto: 26% dos garotos e 23% das garotas disseram não por o pé fora de casa sem o aparelho.

Nem só de namoro e consumismo vive esse grupo. Para 48%, o programa mais divertido que existe é bater papo online com os amigos. E, pelo menos na hora de responder a pesquisa, eles mostraram gostar da companhia dos pais: 43% consideram assistir televisão com a família o mais divertido dos programas.

O guia mundial da infidelidade

Uma jornalista americana pesquisa oito países para descobrir como e por que as pessoas traem – e como seus parceiros reagem. No Brasil...
Fernanda Colavitti

A Rússia, por várias razões, é outro país peculiar. Depois de 72 anos de comunismo, a religiosidade e o sentimento de pecado foram quase abolidos. Quando desapareceu também a repressão do regime, no início dos anos 90, a sociedade caiu na farra. Hoje em dia, os russos – homens e mulheres – se orgulham da desenvoltura com a qual traem.

“Foi o único lugar que eu visitei em que as pessoas se vangloriam de ser infiéis”, diz Pamela. O Brasil não entrou na pesquisa do livro, mas certamente teríamos algo a ensinar. Por aqui, 21% dos homens casados ou que vivem com companheiras e 11% das mulheres na mesma situação disseram ter relações sexuais extraconjugais.

O levantamento nacional foi divulgado no mês passado pelo Ministério da Saúde. Esses índices nos aproximam dos africanos e nos deixam a quilômetros de países como Estados Unidos, França e Itália, onde cerca de 3,7% dos homens e 3,1% das mulheres admitem enganar seus parceiros. No Brasil, a cultura sexual é bem mais liberal. “Se o parceiro não souber, não existe culpa.

Ela só aparece quando o caso é descoberto”, diz a antropóloga carioca Mirian Goldenberg, autora do livro Infiel. “Eu não diria nem que é culpa, mas sim arrependimento. O importante não é ser fiel, mas o outro acreditar que você é.” Nesse ponto, somos parecidos com os franceses e totalmente diferentes dos americanos.

A socióloga paulistana que prefere ser identificada como Cláudia, de 45 anos, é um exemplo dessa maneira de lidar com a infidelidade. Casada há 20 anos, ela mantém um caso extraconjugal há dez, com um colega de trabalho, também casado.

O affair começou quando ela estava na faculdade e seguiu depois do casamento dela. E dele. Ela diz que se dá bem com o marido, mas que o amante é uma história à parte: alguém com quem ela se dá bem intelectual e sexualmente e que a tira da rotina do casamento. “É o lado leve. Você está junto só para fazer coisas agradáveis.

É uma espécie de lado B meu”, diz ela. E é justamente por isso que Cláudia diz não ter conflitos internos. “Considero isso uma parte totalmente separada da minha vida oficial, que não interfere no meu casamento. Não sinto peso na consciência”, diz ela, que, inclusive, mantém um blog onde conta suas aventuras amorosas.

Outro estereótipo que não se confirma na prática é o do machão inflexível, que não perdoa jamais uma traição. “Eles são capazes de superar sim, contanto que os outros não saibam. O maior problema masculino é a imagem de corno, não a traição propriamente dita.

Eles geralmente não querem terminar a relação”, diz Mirian. Exatamente como o empresário paranaense Gustavo, de 30 anos. Ele descobriu que sua atual mulher e então namorada o tinha traído algumas vezes, inclusive com um ex-namorado de quem sempre desconfiou.

Apesar de sua reação explosiva – ele diz que, para não dar um soco na cara da namorada, esmurrou a parede e quebrou a mão –, ele continuou o namoro. “Como eu não era carinhoso, atencioso, motivos que ela alegou para me trair, e a gente brigava muito, resolvi assumir um pouco da culpa nisso tudo e segui em frente”, diz ele. Apesar das brigas e desconfianças, continuaram juntos e casaram.

Aí veio a segunda traição. Gustavo diz que foi em um período no qual ele estava trabalhando muito e não tinha tempo para a mulher, que acabou transando com um colega de trabalho.

Ele descobriu por meio da mulher do tal colega. “Dessa vez já estava vacinado. Não foi terrível, mas foi bem difícil. Pensei em me separar, mas, como ela insistiu muito, chorou, implorou, e como eu a amo, perdoei mais uma vez”, diz. Gustavo diz que não superou: “Fico com a pulga atrás da orelha, pensando que pode acontecer de novo”.

Pamela conclui seu estudo dizendo que, apesar de a monogamia ser o ideal em quase todo o mundo, as pessoas tendem a aceitar que é normal para pessoas casadas ter pequenos flertes e atrações e, às vezes, algo mais. Isso não quer dizer que a infidelidade não machuque e cause prejuízos emocionais.

Por isso ela aconselha a fazer como os franceses: “Encare a traição como uma parte desagradável do conto de fadas, não como o fim da história”.


15 de agosto de 2009
N° 16063 - NILSON SOUZA


Receita de felicidade

No meio de toda esta bronca de gripe sem cura e políticos sem vergonha, surge um brasileiro com a receita da felicidade. Isso mesmo, o homem tem 72 anos, está feliz com a idade que tem, com a vida que tem, com a família, com o trabalho e com a perspectiva de futuro.

Mais do que isso: não se importa em transmitir sua fórmula para quem quiser adotá-la. Vamos primeiro examinar sua mensagem. Depois dou o nome do santo.

Sobre envelhecer: Ele diz que, quando se chega aos 50 anos, o melhor está pela frente. Lembra que algumas pessoas ficam envergonhadas de perder algumas de suas características, de ter limitações físicas, e esquecem que estão adquirindo mais conhecimento, mais sabedoria, maior capacidade para administrar a vida e os relacionamentos.

Sobre condição física: Recomenda nunca se descuidar da musculação, para evitar a sarcopenia (que é a perda de massa muscular com o envelhecimento). Diz que não é preciso malhar loucamente. Basta caminhar, correr um pouco, evitar andar como enceradeira, pois pernas fortes previnem tombos, que são fatais para os idosos.

Sobre condição mental: Lembra que é muito importante fazer coisas novas, aprender algo novo. Ele mesmo está estudando francês para manter o cérebro ativo e conservar a capacidade mental.

Sobre a finitude: O nosso conselheiro diz que é preciso estar preparado para a vida acabar a qualquer momento, mas sentencia: “Você tem que acreditar que é eterno”.

Sobre escolhas: Sugere que se escolha sempre ser feliz, e que se balize o resto das coisas por esta escolha. Diz: balize o seu esporte, balize o seu trabalho, na medida do possível, o seu lazer e sua vida familiar.

Sobre estresse: Alerta que as pessoas devem ter noção de que não se pode evitar totalmente o estresse, mas lembra que é possível administrá-lo, controlá-lo. E garante que uma vida sem um pouco de estresse não tem graça.

Sobre comer e beber: Conta que substituiu o refrigerante pelo vinho moderado, mas que também gosta de pizza, lasanha, churrasco. Assegura que quem pratica atividade física e tem uma vida saudável não prescinde das coisas boas da vida.

Quem é este brasileiro que ousa ser feliz numa hora dessas? Ele se chama Abílio Diniz, é um dos empresários mais ricos do país, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar.
Tem fortuna, é verdade, mas jura que a felicidade chegou antes do dinheiro, pois o negócio da família já andou perto da falência e ele mesmo já viveu no Exterior sem recurso algum. De qualquer maneira, os conselhos são de graça.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009



12 de agosto de 2009
N° 16060 - MARTHA MEDEIROS


Escuta telefônica revelada

Todo ano, bem nesta época, recebo uma ligação telefônica de um representante da Câmara Rio-Grandense do Livro e o diálogo é sempre o mesmo. Sou comunicada de que meu nome foi lembrado para concorrer ao título de patrona da Feira do Livro de Porto Alegre e eu agradeço, porém recuso.

Há muito tempo que isso acontece secretamente, nos bastidores, mas hoje resolvi abrir essa escuta, em minha defesa.

– Martha, é a Jussara, tudo bem?

– Oi, Jussara!! (nesse momento, eu começo a rir e ela também, porque já sabemos o que vem pela frente).

– Você sabe por que estou te ligando, não sabe?

– Sei, Ju. E você sabe a minha posição, né?

– Mas eu não posso ficar sem te comunicar. Os livreiros admiram teu trabalho e sempre sugerem teu nome como uma das candidatas a patrona.

– Jussara, agradeça a cada um deles, diga que isso muito me honra. Todos sabem o quanto eu prezo a Feira, tenho uma afeição por esse evento que vem de muito antes de eu sonhar em ser escritora.

– Então por que você não topa?

– Vá que eu seja eleita? Antigamente, o patrono tocava a sineta, dizia meia dúzia de palavras, circulava entre as barracas de vez em quando e só aparecia de novo para o encerramento.

Agora, o patrono passou a ter responsabilidade executiva. Precisa participar de todos os debates, recepcionar convidados de fora, dar 3.642 entrevistas, prestigiar todos os lançamentos, opinar sobre a literatura do século 14, sobre o comportamento sexual da Capitu, sobre as obras publicadas no Senegal, sobre a influência do (incompreensível), enfim, o patrono tem que se esquecer da família e se mudar de mala e cuia pra Feira por 15 dias.

Eu não tenho a menor condição. E não é só por falta de tempo: é por falta de conteúdo. Não possuo conhecimento literário para assumir esse compromisso.

– Você está exagerando.

– Juro. Calhou de eu viver de escrever, mas não sei teorizar sobre esse ofício. Prefiro conversar sobre filmes, viagens, moda, música, relações amorosas. Sou mundana demais pra ser patrona, Jussara.

– Tá, um dia a gente te convence.

– Olha, quando eu não precisar mais ir ao supermercado, nem levar filha ao colégio, nem ir a sapataria, lavanderia, padaria, academia, e estiver sem namorado, prometo reconsiderar.

(ambas riem)

– Sério, Jussara, obrigada. E transmita esse agradecimento a todos os livreiros.

– Vou fazer isso, guria. Um beijo e até lá. (desligam)

Eu não pretendia quebrar esse sigilo, mas não podia continuar calada diante da suspeita de eu menosprezar a Feira. Desdém, nunca. Agora se sabe: é covardia mesmo.

Então, parabéns a Airton Ortiz, Carlos Urbim, Juremir Machado da Silva, Luís Augusto Fischer e Regina Zilberman, candidatos deste ano. Já que todos são merecedores, que vença aquele que tiver o melhor preparo físico.

Uma excelente quarta-feira para você - Aproveite o Dia Internacional do sofá e as férias compulsórias de inverno que vão chegando ao fim.