sábado, 30 de junho de 2012



01 de julho de 2012 | N° 17117
MARTHA MEDEIROS

Afogando-se num pires

A vida não é bolinho, quem não sabe? Mas é impressionante a quantidade de pessoas que conseguem complicá-la ainda mais. Acreditam que só erros enormes geram consequências, sem perceber que as pequenas bobeadas é que desgastam. Nem se dão conta da quantidade de facilitações que poderiam aplicar no dia a dia, tornando a vida bem mais producente.

Exemplos, exemplos.

Ligar-se minimamente num troço chamado relógio, pra começar. Se você tem hora marcada para uma consulta, hora marcada para fazer uma prova, hora marcada para pegar um avião, qual é a dificuldade de planejar o tempo que vai levar até lá? Chega de colocar a culpa no trânsito.

É claro que você pode prever se vai levar meia-hora ou 50 minutos para deslocar-se – o pior que pode acontecer é chegar antes, e aí nada como ter um livrinho à mão enquanto aguarda (já dizia Gabriel García Márquez: se cada um levasse um livro dentro da mochila, o mundo seria bem melhor).

“As pessoas se afogam num pires”, costuma sentenciar uma psicanalista amiga minha, confirmando que a maior parte das pessoas poderia simplificar suas vidas, mas são especialistas em se atrapalhar, e o pior: transformam essas pequenas atrapalhações em crises existenciais. Ó, nada dá certo pra mim.

Se alguém tem que ir até um endereço que não conhece, é tão fácil consultar o Google Maps antes de sair. No caso de gamar por uma blusa na vitrine, seria prudente saber se o saldo no banco comporta essa compra extra. Se a última garrafa d´água da casa foi aberta, não custa passar num mercadinho e renovar o estoque pra não ser surpreendida por uma sede absurda no meio da noite.

Se vai ter um big festão na sexta, não convém chegar ao cabeleireiro sem hora marcada. Se ofendeu um amigo, melhor pedir desculpas antes que se transforme numa mágoa séria. Se o filho tem dificuldades na escola, não esperar o último mês do ano letivo para tomar providências. Planejou uma viagem ao exterior?

Confira o prazo de validade do passaporte (não no dia do embarque, gênio). Se o seu santo não cruza com o de um fulano, para que sentar à mesma mesa que ele? Se agendou uma entrevista de emprego, confira antes se a camisa está limpa e passada. Marcou um compromisso para as 16h, não marque outro para as 17h no outro lado da cidade.

Se está em guerra com a balança, ok, é difícil perder peso, mas continuar comendo uma caixa de Bis por noite não vai operar milagres. É claro que sua cunhada vai se chatear se você expor na sala as fotos do seu irmão com a ex-mulher dele. Pô.

Você deve ter lembrado de mais uns 200 exemplos da série “se posso complicar, por que facilitar?”. São essas pequenas besteirinhas do cotidiano que, mal administradas, fazem com que nosso dia seja mais encrencado que o dos demais, mas quem vai se dignar a planejar um dia satisfatório se a ordem é deixar rolar?

E lá vai você rolando para dentro do pires, se afogando numa pocinha de nada.



30 de junho de 2012 | N° 17116
NILSON SOUZA

Aos quietos

A batalha final (Scliar sempre me socorre na largada das crônicas difíceis) talvez seja entre os extrovertidos e os introvertidos. Tenho lado nessa, evidentemente, pois dou uma boiada para não falar em público e meu lazer preferido é um bom livro. O Poder dos Quietos, da americana Susan Cain, pode ser classificado nesta categoria, não apenas por liderar listas de mais vendidos, mas também, e principalmente, por tocar numa ferida da sociedade moderna: a extroversão compulsória.

Ai de quem não curte festas, não tem boa oratória ou não mostra propensão para trabalhar em grupo. Logo será rotulado de antissocial e condenado à terceira suplência no time dos pretendentes à liderança. A autora do livro denuncia o preconceito coletivo contra as pessoas reservadas e o culto exagerado aos carismáticos num mundo em que se convencionou que só os ousados são bem-sucedidos e só os sociáveis são felizes.

Na solidão da madrugada, que é onde se refugiam os introvertidos, acompanhei dia desses uma palestra da escritora no sistema TED (Tecnologia, Entretenimento, Design), fundação cultural que divulga “ideias que merecem ser disseminadas”. Pois dona Susan entrou no palco com uma maleta fechada e falou durante 20 minutos antes de abri-la.

Só no final, depois de defender respeito aos quietos e de afirmar que líderes introspectivos tendem a ouvir mais seus liderados e a aproveitar melhor suas sugestões, ela abriu a mala para mostrar o que carregava. Eram livros que pertenceram ao seu avô e que representam para ela o momento mais gratificante de sua infância, quando podia ler em silêncio na companhia do homem que a ensinou a valorizar quietude.

Escolas, escritórios e outros ambientes de trabalho privilegiam obsessivamente o coletivo e a convivência, quando algumas pessoas – um grande número delas, na verdade – se tornam mais criativas na solidão e no silêncio. Claro que é preciso considerar os dois lados: extrovertidos também podem ser produtivos e criativos. Aliás, a própria autora da tese lembra que todas as pessoas são as duas coisas, com maior ou menor predominância numa das características. E há ainda os ambivertidos, com metade e metade.

Antes de encerrar sua instigante conferência, a escritora norte-americana deu três conselhos ao público: 1) Parem com a loucura de só trabalho em grupo; 2) Busquem a natureza e a contemplação de vez em quando; 3) Abram suas próprias malas e, seja qual for o conteúdo, mostrem-nos e assumam seu gosto por elas.

Faz sentido. Certamente vamos perder a batalha, pois o mundo multimídia favorece os alegres, os expansivos e os festeiros.

Mas é um consolo saber que não estamos sozinhos na nossa introspecção.


30 de junho de 2012 | N° 17116
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Homo fictus

Tem aquela superstição da estatística: se a gente colocar um macaco por tempo suficiente diante de um teclado de computador, em algum momento ele será capaz de escrever, palavra por palavra, o Hamlet, de Shakespeare.

Alguns limites dessa hipótese já são conhecidos, especialmente o fato de macacos serem mortais, e portanto não disporem de tempo suficiente – mil anos? Um milhão? – para a tarefa. É sério: tem gente que já testou essa especulação. O resultado não foi muito animador: saíam linhas como sssssssssssssssssstssssssssm,,m, ou algo assim.

O caso é que a concepção e a redação do Hamlet são mais do que acerto casual. Há algo de muito profundo na prática de conceber e contar histórias. Mais profundo do que o abismo das implicações psicológicas e sociais, para indivíduos e grupos.

É bem possível que contar e ouvir histórias, viver de ficção, seja resultado de um processo adaptativo: em algum momento-chave de nossa trajetória sobre as duas patas traseiras, os ancestrais contadores de história e seus ouvintes atentos devem ter levado vantagem sobre os sem-imaginação. E eis-nos aqui, vivendo intensamente o mundo da ficção, no romance ou na telenovela, na canção ou na propaganda de margarina.

O autor desse argumento é Johnathan Gottschall, norte-americano, professor de literatura. Li a notícia na edição de fim de semana do jornal Valor Econômico e me fui atrás da conversa dele, no site com seu nome. Ali, se pode ler de e sobre seu livro The Storytelling Animal – How Story Make us Human, ou seja: O Animal Contador de Histórias – Como a Ficção nos Torna Humanos. (Ele usa story, e não ficção, que adotei porque sou inimigo pessoal do termo estória.)

Diz um trecho da apresentação (em tradução rápida): “Este livro é sobre o primata Homo fictus (Homem Ficcionalizador), o grande símio com mente contadora de histórias. Você pode não perceber, mas você é uma criatura do imaginário reino chamado Terra do Nunca. Ela é sua casa, e antes de morrer você vai passar décadas lá. Se você não se deu conta antes, não se desespere: ficção é para os humanos como água para os peixes – totalmente envolvente e não muito perceptível. Enquanto seu corpo está sempre fixado em um ponto particular do espaço-tempo, sua mente é sempre livre para circular por terras de faz de conta. E consegue”.

Isso tudo reforça a convicção de que vale a pena insistir com a literatura. Tanto que esbocei mais uma lista de argumentos a favor dela, lista nascida de uma conversa pública na Feira do Livro de Canoas, em que estive ao lado do amigo Sergius Gonzaga.

Seis teses

1. PROFUNDIDADE. A literatura faz parte da nossa vida de modo essencial. Gottschall fala da narrativa, termo que engloba romance, conto, teatro, memória etc., mas creio que podemos incluir o território da poesia, que não tem compromisso necessário com o relato de histórias. Poesia tem outra têmpera essencial: o poeta (no poema mesmo, ou em qualquer texto em que possa expressar-se a índole poética) não passa correndo sobre a linguagem-ponte de modo a alcançar logo a outra margem, mas pelo contrário, fica pisando e repisando sobre a linguagem-ponte, fazendo-a balançar.

E o que a literatura nos dá, em primeiríssimo lugar? Profundidade, experiência vertical da vida. Nos dá notícia de que somos muito mais do que sabemos ser, porque somos capazes de entender dramas, tragédias, comédias, percursos os mais variados, isso tudo sem viver diretamente nenhuma das histórias lidas. Aliás, Gottschall nos diz que o provável motivo de ter havido este processo adaptativo foi a vantagem de experimentar situações fortes (participar de uma guerra, conquistar a mulher de um homem poderoso etc.), sem precisar vivê-las diretamente.

2. AGILIDADE. Quem lê tem agilidade mental; quem lê literatura tem ainda mais presteza, velocidade, capacidade de estabelecer relações de todo tipo. Aí está um valor indiscutível da leitura e da literatura. A prova desse ganho pode ser feita em negativo: converse com quem não lê e confira. Bem, há exceções; há pessoas interessantíssimas que não leram, talvez nem soubessem ler, ou mal e mal dominassem a técnica básica. Mas no mundo de hoje essas figuras são cada vez mais raras.

E se for o caso de estabelecer uma regra geral, é certo que a regra desejável será a de ensinar a ler e a escrever, como caminho mínimo para o acesso ao aprendizado, à novidade. Ensinar a ler todo tipo de texto, do mais singelo como uma notícia ao mais complexo como um poema, passando pela bula de remédio, pelo panfleto político, por qualquer modalidade de texto. De todos os ambientes letrados possíveis, porém, o mais relevante é o da literatura, porque ele concentra as várias modalidades de uso da linguagem utilizadas intensamente e carrega a vantagem da longa tradição, que permite ao leitor exercitar uma verdadeira aeróbica mental. Enfim, mas não por último, a leitura tona-nos mais hábeis no manejo da língua, que medeia todas as relações sociais, afetivas e políticas.

3. VARIEDADE. A literatura tem o extraordinário mérito de acolher qualquer experiência humana, em qualquer parte, época e situação. Faça o teste: na literatura, não há o que não haja. Vidas de santos e canalhas, nobres e plebeus, reacionários e revolucionários, remediados e sem-remédio, ricos e pobres, todas cabem na literatura.

A melhor literatura brasileira foi concebida na luta contra a trivialidade, a indiferença, a exclusão. Pense Simões Lopes Neto, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa botando o “sertão” nas primeiras filas da qualidade. Ou Vieira e Machado, escritores classicizantes. A crônica, que não respeita limites; a canção, forma semiliterária (e semimusical) que não tem como ser mais acolhedora das variedades dialetais.

Quer dizer: já foi cumprido na literatura aquele ideal que os sociolinguistas postulam para o ensino de língua, de que a escola acolha todas as variedades dialetais da vida diária, sem exclusão, como forma de acolher os falantes delas, muitas vezes gente que não conheceu jamais formação letrada. Se os alunos forem expostos a ela, terão como se encontrar e poderão então ver que maravilhas os grandes artistas já fizeram com este patrimônio compartilhado por todos, a língua portuguesa.

4. CONCENTRAÇÃO. A leitura de textos de qualidade impõe exigências, e uma delas é a concentração. Não basta sentar por poucos minutos para vencer o desafio de um texto profundo, e isso costuma ser obstáculo duro para os leitores inexperientes. Essa característica se salienta mais ainda em nossos tempos, tão pródigos em diversões com satisfação imediata.

Mas ocorre que essa imediatez é diretamente proporcional à profundidade: quanto mais rápida a satisfação, mais raso é o prazer estético e o proveito intelectual. O romance exige muito tempo de leitura, mas a intensidade da satisfação nem se compara. O preço para ler bem é a concentração, poderíamos dizer “o foco”, como está na moda. E é bem isso: quem lê boa literatura aprende a ter foco, aprendizado que pode ser repassado para as outras áreas da vida, com ganhos objetivos, da preparação para uma prova à dedicação a objetivos de longo prazo na vida.

5. IMAGINAÇÃO. Um dos dois valores mais importantes para a leitura é a imaginação. Ocorre sempre essa verdade geral aos que fazem comparação entre um romance lido e a adaptação desse romance para o cinema ou a tevê: a transposição para meios audiovisuais costuma decepcionar os leitores do livro original porque na leitura o poder daquela história foi muito superior, devido exatamente ao fato de que a leitura exige imaginação.

Nada contra as adaptações, em todos os sentidos e para todas as linguagens: elas são uma porta de acesso que deve ser incentivada. Mas o caso é que o original faz nossa mente funcionar com mais vigor: ali onde o escritor sugere um castelo ou uma praça, nossa imaginação entra em funcionamento para realizar tais lugares, ao passo que no audiovisual nós já vemos o castelo e a praça que o diretor imaginou, restando pendurar a nossa leitura na dele, o que é sempre menos do que poderia ser.

E qual o valor da imaginação? Incalculável, sem dúvida. Imaginamos novas formas de organização social, tanto quanto novos usos e tecnologias, para nem dizer as novas formas de sermos nós mesmos.

6. LIBERDADE. Talvez o mais potente valor da literatura seja o de proporcionar o exercício da liberdade. Quem lê passeia por rotas desconhecidas que no entanto estão dentro de cada um, bastando ativá-las. São incontáveis os exemplos de leitura proveitosa feita em condições precárias, até mesmo quando faltam as liberdades elementares.

Com crianças, nem se fala: compare o antes e o depois dos livros. Pergunta Michèle Petit: as crianças se exprimem mais do que antes, ou não? Estão mais à vontade para falar delas mesmas? A relação delas com os outros se transforma? Parece haver pouca dúvida das respostas.

Se entendermos liberdade como a infindável conquista da autonomia, então a leitura de literatura pode ser qualificada como o caminho talvez mais significativo que a família, a escola, as instituições públicas de cultura devem proporcionar.

QUATRO LEITURAS SOBRE LEITURA

Lições dos Mestres, de George Steiner. Rio de Janeiro: Record, 2005.

 A Arte de Ler, ou Como Resistir à Adversidade, de Michèle Petit. São Paulo: Ed. 34, 2009.

A Espécie Fabuladora – Um Breve Estudo sobre a Humanidade, de Nancy Huston. Porto Alegre: L&PM, 2010.

Voltar a Ler – Propostas para Ser uma Nação de Leitores, de Mempo Giardinelli. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2010.

domingo, 24 de junho de 2012


DANUZA LEÃO

No hotel Ritz

Ficou a lembrança do fim de semana que passou no quarto mais bonito em que já dormiu na vida

Foi uma paixão como costumam -e devem- ser as paixões: intensa e breve.

A primeira vez que se viram foi no Rio, e houve logo uma faísca. Para isso, ajudou muito o fato de ele ser comprometido, digamos assim, e seu comprometimento estar bem longe. Não demorou muito tempo para se apaixonarem, mas nunca fizeram juras de amor eterno; viveram um louco amor durante duas semanas, quando ela viajaria para Paris. Ele deu um jeito -sempre se dá, quando se quer-, disse que ia encontrá-la.

Ela chegou primeiro, para ter tempo de reconhecer a cidade, fazer o que as mulheres mais gostam, umas comprinhas (o que não é possível, com um homem perto), e ir a um bom cabeleireiro; quando ele chegou -hotéis separados, devido às circunstâncias-, ela estava ainda mais apaixonada, e ele também. Qualquer paixão passando por Paris só faz aumentar, claro.

Como estavam fazendo a linha discreta, tomaram os devidos cuidado e não foram a nenhum dos lugares a que estavam habituados, para não correrem o risco de encontrar amigos.

Decidiram ir ao restaurante da Torre Eiffel, o Jules Verne, onde só vão turistas, eles achavam; lá não encontrariam nenhum conhecido, justamente por ser lugar de turista. Mas ela, quando viu lá de cima as luzes da cidade se acenderem -como era maio, só anoiteceu por volta das nove-, quase se emocionou.

Já estava combinado que passariam oito dias juntos, não mais, e o romance estava tão bom, mas tão bom, que no terceiro dia ele fez uma proposta: que ela escolhesse qualquer lugar do mundo para passarem o que seria o último fim de semana juntos. Mais romântico, impossível.

Ela pensou, pensou, pensou. Marrakech? Uma ilha grega? Como mulher vivida e prática, imaginou o tempo que levaria um táxi do centro de Paris até o aeroporto, o trânsito, o check-in, a chegada em outro país, desarrumar a mala, mandar passar o vestido para jantar, todas essas coisas. Sugeriu então ficarem em Paris e passarem o fim de semana no Hotel Ritz, o mais emblemático e luxuoso da cidade, onde ela não havia, jamais, se hospedado.

Era primavera; ele passou de táxi para buscá-la, o quarto onde dormiriam juntos pela primeira vez era lindo, com o teto todo pintado, com a janela dando para a Place Vendôme; se esqueceram de sair para jantar, pediram champanhe e cerejas e brindaram à vida e ao amor.

Sabiam que esses seriam os últimos dias que passariam juntos e, sabiamente, não disseram uma só palavra sobre isso, nem falaram sobre se reverem.

Já sabiam que seria inútil e impossível ir adiante, que a graça daquela paixão era ser perfeita até o último segundo sem um só desgaste, um só momento ruim, e nem uma vez foi pronunciada a palavra futuro, já que ele não ia acontecer mesmo. Ela pegaria um avião na segunda às 10h, ele pegaria o dele -para outro destino- às 2h da tarde.

Nessa manhã, ela fez tudo para que ele não percebesse, em nenhum momento, que estava um pouco triste, mas ele percebeu. Ela se deu conta disso quando entrou no táxi, olhou para a janela do quarto e viu que ele estava na sacada, olhando ela sair de sua vida para sempre. Se acenaram e nunca mais se viram.

Os anos passaram, mas ficou a lembrança; a lembrança do fim de semana que passou no quarto mais bonito em que já dormiu na vida.

E hoje pensa -acha- que todas as paixões deveriam ser assim.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 23 de junho de 2012



24 de junho de 2012 | N° 17110
Martha Medeiros

Duelos Verbais

Corri pra assistir a Deus da Carnificina, temendo que não ficasse muito tempo em cartaz. O filme, adaptação de uma peça de Yasmina Reza, é dirigido por Roman Polanski e traz no elenco Jodie Foster, Christoph Waltz, Kate Winslet e John C. Reily. Uma ficha técnica de respeito, mas mesmo fichas técnicas de respeito podem não resultar no esperado.

Pois Deus da Carnificina foi além do que eu esperava. É econômico em muitos sentidos (80 minutos de duração, cenário único e puro texto), mas em humanidade, é farto à beça.   A história: dois garotos de 11 anos brigam por bobagem num parque, e um deles acaba atingindo o outro fisicamente.

O filme mostra, do início ao fim, a visita que os pais do agressor fazem aos pais do menino agredido. Tudo muito cordial e civilizado, até que as máscaras da hipocrisia vão caindo uma a uma, e o barraco se instala. E que barraco, senhoras e senhores. Dois casais que nãose conhecem, fechados num apartamento.

Uma chatonilda politicamente correta, um viciado em trabalho que não desgruda do celular, uma mulher controlada que muda de personalidade após dois goles de uísque e um desencanado que gostaria de estar em qualquer outro lugar, menos ali – com qual deles você se identifica? Um pouco com todos, não há escapatória.

Assim que o filme termina, fica evidente: como somos patéticos, tanto na civilidade quando na baixaria, tanto sóbrios quanto alcoolizados. E contraditórios: julgamos mal uma pessoa por causa de uma única frase, e dali a minutos voltamos a simpatizar com ela por ter concordado com algo que dissemos.

Fazemos uma dramalhão por pequenas coisas, expomos carências infantis, perdemos a co postura, fazemos confissões intimas a estranhos – que meleca. Lá pelas tantas, um deles pergunta: porque as coisas  não podem ser mais simples? Ah, é tudo que se quer. Foco, objetividade, ir direto ao ponto. Mas quem consegue? Á medida que o filme avança, a situação torna-se tão sem controle que a plateia começa a rir, e é essa a reação que deveríamos ter dentro de nossa própria sala, não só na sala do cinema.

Rir do nosso delírio de evar a ferro e fogo situações banais, de nossa insistência em querer causar uma boa impressão, de nosso comportarmos como se estivéssemos num tribunal. Qual o propósito de tamanho desgaste, se as coisas solucionam-se quase sempre por si mesmas?

Na saída do filme acompanhei sem quere a conversa de um casal: ela havia amado o filme, o marido havia odiado. E instalou-se a discussão pelos corredores do shopping. Ela tentando convencê-lo da genialidade das cenas, ele se permitindo achar tudo uma aporrrinhação. Ela frustrada com a falta de concordância dele, ele cansado da ladainha dela, sem reparar que estavam. Ambos, dando continuidade ao roteiro.

Patéticos, nós todos. Cada um defendendo suas razões como se disso dependesse a nossa sobrevivência. Ninguém se conforma com sua solidão interna.

quarta-feira, 20 de junho de 2012



20 de junho de 2012 | N° 17106
MARTHA MEDEIROS

Nada é suficiente

Geralmente, quando uma peça está completando sua primeira hora de duração, as pessoas começam a se movimentar na cadeira, numa linguagem corporal que avisa: tempo esgotado. Já fizemos nossa parte, viemos ao teatro, então, por gentileza, não abusem da nossa paciência, que estamos com fome e queremos jantar. Pois quem assiste a A Primeira Vista, com Drica Moraes e Mariana Lima, além de não se inquietar na cadeira, tem vontade de perguntar assim que o espetáculo termina: “Já?”.

Eu, pelo menos, lamentei não ficar até meia-noite assistindo a essas duas incríveis atrizes num levíssimo exercício de atuação que envolve tudo o que mais prezo na vida: a simplicidade, o bom humor, o afeto e a poesia – não necessariamente o poema em verso, mas o olhar poético que deveríamos resgatar todos os dias para viver com menos embrutecimento e mais ternura.

Falou em leveza, falou em bom humor: ah, só pode ser abobrinha. Longe disso. A peça, a que assisti cerca de um mês atrás no Rio (e que estará em Porto Alegre no próximo fim de semana e em Pelotas na terça, 26), é sofisticada em sua economia, refina os sentidos e faz um convite à reflexão: “Nada é suficiente”. É a frase que norteia o texto do canadense Daniel MacIvor : “Nada é suficiente”. Que leitura você faz disso?

Que nada nos serve? Que queremos sempre mais? Para muitas pessoas, é assim. Elas mantêm a angústia da perseguição. Nem sabem o que estão perseguindo, só sabem que não conseguem se satisfazer com o que têm.

Pois a frase pode ser lida de outro modo: o nada basta. Não precisamos de tanta racionalização, de tantos planos, de intermináveis discursos e indiscrições para ocupar nosso vazio. O nada é o silêncio. O nada é o sentimento pelo sentimento. O nada é a contemplação da natureza. O nada é a paz. Essa paz que tanto desejamos, sem saber o que fazer com ela quando a alcançamos.

Cada um entende a frase conforme o momento que está vivendo. Mesmo reconhecendo que a segunda leitura é meio odara para estes tempos frenéticos, é com ela que ando comungando atualmente. Menos blá-blá-blá, mais ukelelê – o instrumento usado pelos havaianos cujo som é quase infantil e que tem na peça sua função enternecedora. Uma vida unplugged, não é um sonho?

Pra mim, foi. Foi um sonho ver duas atrizes afinadíssimas entre si, dirigidas pelo competente Enrique Diaz e extremamente bem iluminadas – em todos os sentidos. Drica e Mariana simplesmente interpretam a inutilidade de ficarmos interpretando tudo. Genial.

Aliás, melhor mesmo nem interpretar a atitude do Lula ao se aliar com o Maluf para garantir 1min35seg a mais de propaganda eleitoral na TV. Decência, dignidade, tudo escorrendo pelo ralo, e o Brasil mais uma vez tendo que assistir ao pior tipo de teatro, esse horror show da nossa política.

sábado, 16 de junho de 2012



17 de junho de 2012 | N° 17103
MARTHA MEDEIROS

Coragem

A pior coisa do mundo é a pessoa não ter coragem na vida.” Pincei essa frase do relato de uma moça chamada Florescelia, nascida no Ceará e que passou (e vem passando) poucas e boas: a morte da mãe quando tinha dois anos, uma madrasta cruel, uma gravidez prematura, a perda do único homem que amou, uma vida sem porto fixo, sem emprego fixo, mas sonhos diversos, que lhe servem de sustentação.

Ela segue em frente porque tem o combustível que necessitamos para trilhar o longo caminho desde o nascimento até a morte. Coragem.

Quando eu era pequena, achava que coragem era o sentimento que designava o ímpeto de fazer coisas perigosas, e por perigoso eu entendia, por exemplo, andar de tobogã, aquela rampa alta e ondulada em que a gente descia sentada sobre um saco de algodão ou coisa parecida.

Por volta dos nove anos, decidi descer o tobogã, mas na hora H, amarelei. Faltou coragem. Assim como faltou também no dia em que meus pais resolveram ir até a Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de pescador. No momento de subir no barco, desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu irmão, e eu retornei sozinha, caminhando pela praia, até a casa da vó.

Muita coragem me faltou na infância: até para colar durante as provas eu ficava nervosa. Mentir para pai e mãe, nem pensar. Ir de bicicleta até ruas muito distantes de casa, não me atrevia. Travada desse jeito, desconfiava que meu futuro seria bem diferente do das minhas amigas.

Até que cresci e segui medrosa para andar de helicóptero, escalar vulcões, descer corredeiras d’água. No entanto, aos poucos fui descobrindo que mais importante do que ter coragem para aventuras de fim de semana, era ter coragem para aventuras mais definitivas, como a de mudar o rumo da minha vida se preciso fosse. Enfrentar helicópteros, vulcões, corredeiras e tobogãs exige apenas que tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina.

Coragem, mesmo, é preciso para terminar um relacionamento, trocar de profissão, abandonar um país que não atende nossos anseios, dizer não para propostas lucrativas porém vampirescas, optar por um caminho diferente do da boiada, confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente, coragem para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano.

Não subi no barco quando criança – e não gosto de barcos até hoje. Vi minha família sair em expedição pelo mar e voltei sozinha pela praia, uma criança ainda, caminhando em meio ao povo, acreditando que era medrosa. Mas o que parecia medo era a coragem me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário, quando aprendi que toda escolha requer ousadia.

IVAN MARTINS

Os traficantes do amor

Estamos cercados por uma indústria que explora a nossa carência

Na minha mesa de trabalho há uma rosa amarela do dia dos namorados. Entraram aqui um fortão e uma loirinha, vestidos de anjo, e deixaram o presente em nome de uma marca de cerveja. Achei engraçado, mas, assim que eles saíram, bateu certa melancolia. Como é fácil banalizar as coisas que nos comovem. Como é simples transformar em clichê – ou babaquice – os sentimentos terríveis que definem a nossa humanidade.

Olhe em volta: estamos cercados pela palavra amor. 

Há um milhão de livros com esse título, dez milhões de músicas com esse refrão, centenas de filmes e um batalhão diário de novelas que trata do assunto. Pela quantidade de produtos amorosos que nos oferecem, é inevitável concluir que consumimos mais amor do que cerveja, chocolate e televisores de tela plana. Talvez um pouco menos que celulares.

Nosso apetite por amor não tem limites. Nossa sede de amor jamais acaba. Somos carentes insaciáveis. Sonhamos com o amor todas as noites. Acordamos encharcados de imagens doloridas. Dentro de nós se agita um mar de memórias que tem como centro as nossas experiências de afeto. Velhas, remotíssimas, e recentes. Elas nos movem de forma inconsciente. Somos filhos, somos irmãos, somos amigos, somos amantes, somos pais e mães. Todos nós. A cola que liga todas essas situações é o amor. 

Começamos a receber amor ainda minúsculos, nos braços da mãe, e nunca mais paramos. Ele nos constitui emocionalmente, como os músculos e os ossos nos formam fisicamente. É parte essencial de nós e precisa ser reposto, realimentado, revivido a cada dia, a cada momento, em um processo que, a rigor, nunca tem fim. 

Um alienígena que chegasse à Terra iria perceber, em dois minutos, nossa abissal vulnerabilidade. Além de água, alimento, abrigo, precisamos desesperadamente de amor - em várias formas, em qualquer forma na verdade. Somos viciados nele. Erguemos nossa vida em torno dele. Do erotismo violento da adolescência aos sentimentos suaves da velhice, nossa existência é uma longa experiência amorosa – ou uma busca desesperada, e muitas vezes cega, muitas vezes infrutífera, pelo amor.

É por isso que me incomoda a banalização comercial do sentimento. Ela me parece uma covardia, quase uma canalhice. Algo como oferecer luz a um cego. Diante do amor, somos todos ingênuos, frágeis, facilmente enganáveis. É simples nos vender qualquer coisa, nos iludir com qualquer promessa. Estamos, desde crianças, atrás da próxima dose dessa droga – e, às vezes, tenho a sensação de estarmos cercado de traficantes que não entregam a mercadoria. Nem poderiam.

O que tem o bumbum da Scarlett?

Nossos verdadeiros sentimentos são obscuros e sombrios, quase impossíveis de serem saciados. Eles não cabem nos formatos pré-moldados da indústria do amor. Pegue o caso da mulher que matou e destrinchou o marido uns dias atrás. Havia amor ali. Amor na forma de ciúme. Amor próprio. Amor de mãe que temia ser separada da filha. Mas não é disso que a marca de cerveja quer falar no dia dos namorados.

A história de Elize Matsunaga precisa de um filme europeu pesado, triste, não comercial, daqueles que nos expulsam da sala de cinema com a mesma força com que mergulham dentro de nós. 

Diante do tamanho das nossas necessidades, e da nossa imensa complexidade, a indústria do amor está fadada a nos desapontar. Ela oferece música para um momento de dor, mas mil músicas são incapazes de nos consolar quando acabamos de ser abandonados. Ela nos dá lindas histórias de amor, mas quem pode com elas quando está coberto por um manto intransponível de medo e tristeza?

O paradoxo do amor público, industrial, feliz, multiplicado nas redes sociais e nas salas de Multiplex, é que as nossas experiências realmente importantes são incomunicáveis e intransferíveis. Apesar do estardalhaço social, estamos sozinhos frente ao amor.

Cabe a cada um de nós encontrá-lo, vivê-lo ou perdê-lo intimamente. É inevitável gemer sozinho no escuro, cercado de silêncio. O pessoal da rosa amarela não estará disponível se você precisar deles. 
Ivan Martins escreve às quartas-feiras


16 de junho de 2012 | N° 17102
NILSON SOUZA

O espelho do tempo

Num certo dia de junho do ano da graça de 1991, o colega Pedro Chaves, editor da página reservada aos leitores neste jornal, ingressou na Redação com uma filmadora nas mãos. Como uma criança com o seu brinquedinho novo, foi passando entre as mesas de trabalho e, em silêncio, registrando imagens dos colegas.

Todos fomos pegos de surpresa, pois estávamos concentrados em nossos afazeres. Alguns fingiram que não era com eles, outros enfrentaram a câmera com um olhar desafiador, os brincalhões deram a clássica abanadinha para o cinegrafista e teve até uma jovem, mais saidinha, que aproveitou o momento de visibilidade para um improvisado desfile.

Tudo gravado para a posteridade. Agora, 21 anos depois, o nosso Steven Spielberg relançou no YouTube a sua obra, e todos, com exceção dos enviados especiais à outra dimensão, pudemos apreciá-la em nossos monitores. Foi um choque de espanto e de saudade. Como é desconcertante a gente se ver no espelho do tempo, com gestos, movimentos e aquele rosto familiar que os anos insistem em redesenhar!

Entre risos fartos e discretas lágrimas, vimos colegas que perderam cabelo e ganharam peso nessas duas décadas, outros que incrivelmente rejuvenesceram e também aqueles que se despediram sem saber – e sem que soubéssemos – na despretensiosa filmagem. Como tudo passa rápido e hoje os recursos tecnológicos são abundantes, principalmente no que se refere à captação de imagens, fica até difícil de explicar à garotada por que nos emocionamos com uma simples visão do pretérito de nossas existências.

Um dia, lá no ponto futuro, eles vão entender.

Ainda mais agora, que a holografia está ressuscitando ídolos desaparecidos e colocando-os no palco em três dimensões, como se ainda estivessem entre nós. A tecnologia aperfeiçoa o espelho do tempo e dá vida ao passado, tornando um pouco mais consistente a ilusão de que um dia viveremos para sempre.

Nossas imagens, agora circulando pelo mundo virtual, talvez já estejam condenadas à eternidade. E devemos essa à persistência do nosso cinegrafista amador, que não ligou para constrangimentos e caras feias, levando o seu trabalho até o final. Precisamos, pelo menos, filmá-lo, pois naquele dia especial de junho ele estava escondido atrás de sua câmera e não se apresentou para a posteridade.


16 de junho de 2012 | N° 17102
CLÁUDIA LAITANO

Monet e o HD

“É como ver o mundo pela primeira vez em HD”, ela me disse, saindo da óptica com o primeiro par de óculos sobre o nariz e um horizonte de possibilidades subitamente estendido a sua frente.

Comecei a usar óculos ainda mais cedo do que a minha filha, que tem 13 anos, mas lembro bem da sensação de descobrir uma nitidez na paisagem que eu nem sequer suspeitava que fosse possível: linhas borradas virando retas, manchas difusas revelando-se formas e até o chão parecendo ocupar outra distância em relação ao corpo, obrigando o míope recém-corrigido a aprender a caminhar alinhando-se a uma nova perspectiva.

Sim, é como ver tudo pela primeira vez – e a imagem em HD é a metáfora tecnológica que os míopes esperaram durante todos esses anos, ou pelo menos desde que as lentes foram inventadas.

Hoje, muitas pessoas têm em casa a chance de comparar uma boa imagem com uma imagem perfeita. É só trocar o canal, e a novela das oito ganha novos contornos. A mulher bonita continua bonita, mas já não é perfeita – e a mulher perfeita, ou quase, salta da dela como uma deusa em meio aos mortais. Aparecem as rugas, as manchas na pele, o desalinho do cabelo.

É como se toda aquela gente agrupada com o único e inescapável objetivo de iludir tivesse perdido um dos seus principais truques: o de encenar uma versão mais caprichada do real, onde os poros não aparecem e as pequenas imperfeições podiam ser cobertas com uma simples camada de maquiagem comum. A tecnologia do disfarce foi menos ágil do que a tecnologia da multiplicação dos pixels, e o Olimpo das estrelas de TV tornou-se um pouco menos divino aos olhos comuns.

Diante da possibilidade de escolher entre a imagem perfeita do HD e a imagem comum a que estávamos acostumados, não é de todo improvável que muitos espectadores acabem optando pela versão com menos qualidade – por mais paradoxal que isso possa parecer.

Às vezes, vê melhor quem enxerga um pouco menos e imagina um pouco mais. Ou talvez essa seja apenas a lógica a que nós, os míopes, estamos acostumados, habitando desde sempre um mundo em que eventualmente somos obrigados a preencher certas imagens com a imaginação ou o puro chute.

Quis a natureza que o momento em que a minha filha adolescente, corrigindo uma leve miopia, passasse a ver o mundo em HD coincidisse com o momento em que eu começo a enxergar menos. Como os míopes têm a vantagem de nunca perderem a visão do que está bem próximo, cada vez mais tenho optado por não corrigir a miopia o tempo todo.

Resulta que o que está bem perto continua nítido e límpido – livros, páginas de jornal, o rosto das pessoas mais queridas – enquanto o que está longe se perde na mancha borrada da indefinição. Sim, eu poderia usar um multifocal ou ficar botando e tirando os óculos, mas, por enquanto, estou preferindo olhar o mundo distante como quem admira um quadro de Monet: aproveitando a visão do conjunto sem sofrer muito com a perda dos detalhes. E tem sido como voltar a ver o mundo como ele sempre foi.

quarta-feira, 13 de junho de 2012



13 de junho de 2012 | N° 17099
MARTHA MEDEIROS

Passe adiante

Tenho vários DVDs de shows, e houve uma época em que assistia a eles atenta, ou então deixava rodando como som ambiente enquanto fazia outras coisas pela casa. Até que os esqueci de vez.

Conhecedor do meu acervo, meu irmão outro dia pediu: posso pegar emprestado uns shows aí da tua coleção? Claro! Ele escolheu quatro e levou com ele. E subitamente me deu uma vontade incontrolável de voltar a assistir àqueles shows. Aqueles quatro, não é estranho?

Logo a vontade passou, mas fiquei com o alerta na cabeça. Me lembrei de uma amiga que uma vez disse que havia comprado um vestido que nunca usara, ele seguia pendurado no guarda-roupa.

Um dia ela me mostrou o tal vestido e intimou: “Pega pra ti, me faz esse favor. Jamais vou usar”. Trouxe-o para casa. Muito tempo depois, ela me confidenciou, às gargalhadas, que não havia dormido aquela noite. Passou a ver o vestido com outros olhos. Por que ela não dera uma chance a ele?

Maldita sensação de posse, que faz com que a gente continue apegada ao que deixou de ser relevante. Incluindo relacionamentos.

Uma outra amiga vivia reclamando do namorado, dizia que eles não tinham mais nada em comum e que ela estava pronta para partir para outra. E por que não partia? “Porque não quero deixá-lo dando sopa por aí.” Como é que é?

Ela não terminava com o cara porque não queria que ele tivesse outra namorada, dizia que não suportaria. Reconhecia a mesquinhez da sua atitude, mas, depois de tantos anos juntos, ela ainda não se sentia preparada para admitir que ele não seria mais dela.
DVDs, roupas, amores: claro que não é tudo a mesma coisa, mas o apego irracional se parece. É a velha e surrada história de só darmos valor àquilo que perdemos. Será que existe solução para essa neura? Atribuir ao nosso egoísmo latente talvez seja simplista demais, porém não encontro outra justificativa que explique essa necessidade de “ter” o que já nem levamos mais em consideração.

É preciso abrir espaço. Limpar a papelada das gavetas, doar sapatos e bolsas que estão mofando, passar adiante livros que jamais iremos abrir. É uma forma de perder peso e convidar a tão almejada “vida nova” para assumir o posto que lhe é devido. Fácil? Bref. Um pedaço da nossa história vai embora junto. Somos feitos – também – de ingressos de shows, recortes de jornal, fotos de formatura, bilhetes de amor.

Isso sem falar no medo de não reconhecermos a nós mesmos quando o futuro chegar, de não ter lá na frente emoções tão ricas nos aguardando, de a nostalgia vir a ser mais potente do que a tal “vida nova”.

Qual é a garantia? Um ano para geladeiras, três anos para carros 0km, cinco anos para apartamentos. Pra vida, não tem. É se desapegar e ver no que dá, ou ficar velando para sempre os cadáveres das vontades que passaram.



13 de junho de 2012 | N° 17099
INTERNET RÁPIDA

Vencedores de leilão adiantam que tecnologia 4G será mais cara

Executivos de operadoras reclamam de restrições de prefeituras para a instalação de mais antenas

Assim que venceram o leilão da internet móvel 4G, as operadoras adiantaram que o cliente vai pagar mais pela nova tecnologia. Os executivos das companhias aproveitaram para cobrar colaboração dos municípios, cada vez mais rígidos a respeito da instalação de novas antenas, e avisaram: sem novas torres, não será possível fornecer o serviço.

Claro e Vivo ficaram com as faixas de maior capacidade de transmissão de dados com cobertura nacional no leilão 4G para a internet móvel. Oi e TIM também arremataram faixas com abrangência em todo o país, mas com metade da capacidade.

O primeiro dia do leilão das faixas 4G terminou com arrecadação parcial de R$ 2,72 bilhões, ágio médio de 34,37% em relação aos valores mínimos dos lotes colocados em disputa. A Sky arrematou 12 lotes regionais e a Sunrise (empresa de TV por assinatura do interior de São Paulo), dois lotes. Dos 268 lotes regionais disponíveis, 24 foram vendidos, 33 serão oferecidos hoje e 36 passarão por nova rodada.

Com a quarta geração da telefonia móvel, a transmissão de dados terá velocidade até 10 vezes maior do que a oferecida atualmente pela tecnologia 3G. Será possível baixar vídeos, fazer videoconferências e enviar arquivos com mais rapidez, mesmo em movimento. Na América Latina, três países têm redes desse padrão: Porto Rico, Colômbia e Uruguai.

O funcionamento das redes começará em abril do próximo ano pelas cidades que sediarão a Copa das Confederações. Porto Alegre deverá ter as redes 4G até dezembro de 2013, já que é uma das cidades-sede da Copa do Mundo.

Como não houve interesse na aquisição da faixa destinada ao serviço de telefonia móvel para áreas rurais, as vencedoras do leilão terão de oferecer serviços de voz e dados 3G nessas áreas. A oferta de internet móvel na zona rural do Rio Grande do Sul ficará sob responsabilidade da Oi.

terça-feira, 12 de junho de 2012



12 de junho de 2012 | N° 17098
FABRÍCIO CARPINEJAR

Carta para minha namorada

Eu decorei suas fraquezas, acalmei seus pesadelos.

Conheço histórias de sua infância, dores e repulsas.

Sou sua caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede.

Poderia imitar sua caligrafia, poderia escrever sua biografia, listar o material escolar da 5ª série, recordá-la da capa de bichinhos coloridos da cartilha Alegria de Saber.

Você não escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha curiosidade.

Nunca se revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem amava, quais as gafes e as covardias que experimentou na escola.

Confidenciou aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu fundo.

Não tem anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência.

Se você me escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o triplo de responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer um desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou seus pontos fracos e o lugar de suas veias.

Perdi a desculpa do acidente, a vantagem do lapso.

Sou o mais perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que ouvi a seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me confiou não serve para nada, a não ser para amá-la.

Não tem finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto, sorrio e consolo.

Não ouso soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos.

Quem ama mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e cumplicidade, de zelo e compromisso.

Intimidade é um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em chantagem emocional, em sequestro moral.

Suas confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos. Aquilo que você me disse não é para ser devolvido. Todo o segredo é um sino sem pêndulo.

Não importa o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.

Não posso rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.

Minha namorada, minha noiva, minha mulher, meu amor.

Eu prometo cercar seu silêncio com meu silêncio.

Não nasci para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.



12 de junho de 2012 | N° 17098
CLÁUDIO MORENO

Para durar mais que o bronze

Écom uma ponta de inveja que Aulo Gélio, um dos mais pitorescos cronistas da Antiguidade, registra o amor extraordinário de uma mulher por seu marido – segundo ele, “superior àquelas paixões que a literatura imortalizou, superior a tudo aquilo que se possa esperar da ternura humana”.

Por 25 anos, na cidade de Halicarnasso, capital de uma das províncias do império Persa, Mausolo levou uma vida feliz ao lado de sua rainha, Artemísia. Além de esposo dedicado, era amado por seu povo e temido pelos inimigos – as duas qualidades essenciais dos bons reis de antigamente.

Em perfeita harmonia, o casal se dedicou a embelezar sua cidade, enchendo-a de esculturas famosas e de templos e edificações de mármore polido.

Quando Mausolo morreu, Artemísia mandou emissários à Grécia para contratar os arquitetos, escultores e artesãos de renome que quisessem participar da construção de um túmulo grandioso para o marido, ao qual esperava se juntar em pouco tempo – um monumento que eternizasse o amor de um pelo outro e a dedicação de ambos à arte e à beleza.

A construção tinha quase 50 metros de altura e ostentava elegantes colunas em toda a volta, entremeadas com relevos assinados pelos mais célebres artistas gregos. Mas como nem mesmo o sólido mármore resiste ao implacável desfile dos anos e dos séculos, Artemísia resolveu construir outro monumento, desta vez com o material mais duradouro de todos, e promoveu um concurso literário.

O prêmio, uma elevada soma em ouro, atraiu a Halicarnasso oradores e filósofos tão famosos quanto Isócrates e seu discípulo Teopompo, que celebraram, por escrito, a memória de Mausolo.

Pois ela tinha razão; o túmulo, apesar de aclamado pelos historiadores como uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, não chegou a nossos dias. Mil e quatrocentos anos depois, já abalado por sucessivos terremotos, foi descoberto por cruzados da ordem dos Cavaleiros de São João, que entraram no sepulcro e, depois de admirarem por algum tempo as belíssimas colunas e as cenas representadas nos relevos, quebraram tudo, moendo o mármore para alimentar os fornos em que faziam cal.

Artemísia, no entanto, tinha conseguido romper para sempre a barreira do esquecimento, legando para todas as línguas do Ocidente a palavra “mausoléu”, que imortalizou o nome de Mausolo – agora sim, um monumento imperecível de uma rainha apaixonada por seu rei e do amor que os uniu.

Lembrete – Nesta quinta, dia 14, começa meu curso Os Mitos de Troia, na Casa de Ideias, no Shopping Total. Detalhes pelo fone 3018-7740 ou em www.casadeideias.com.

sábado, 9 de junho de 2012



09 de junho de 2012 | N° 17095
CLÁUDIA LAITANO

Pais & filhos

Os bebês invadiram o mundo – ou pelo menos o mundo virtual. Eles são onipresentes nas redes sociais: bebês sorrindo, bebês chorando, bebês de roupa nova, bebês tomando banho. Nunca participamos tanto da primeira infância alheia ou fomos tão detalhadamente informados sobre rotinas que pouco ou nada interessam a quem não é próximo da criança. Sua majestade, o bebê, é provavelmente o ser vivo mais filmado e fotografado do planeta – seguido de perto por gatos fofinhos e a realeza britânica.

Bebês talvez sejam mesmo a face mais luminosa da existência. Onde mais, seja você o Steve Jobs ou o vendedor de maçãs da esquina, seria possível encontrar uma combinação tão magnífica de amor incondicional, possibilidades ilimitadas e futuro a perder de vista? Não é à toa que os pais exibem as fotos de seus filhos nas redes sociais como antigamente se compartilhavam cartões-postais das pirâmides ou da Torre Eiffel.

Sim, eles são lindos, sim, eles são amados, mas, mais do que isso, eles são um instantâneo de um momento de plenitude em meio à inevitável imperfeição de todo o resto. Quem tem um bebê em casa não está pensando no que ele já foi nem sabe ainda o que ele será. O bebê muito desejado é um doce e prolongado presente, nos dois sentidos. E estar “presente no presente”, dizem, é o mais perto da felicidade que a gente consegue alcançar.

No outro extremo desse presente sorridente e absoluto, encontram-se os filhos encarregados de cuidar dos pais no fim da vida. Aqui é o peso do passado, tenha ele sido feliz ou nem tanto, e a angústia em relação ao futuro que tomam conta do dia a dia. O presente torna-se precário – e, em muitos casos, fisicamente doloroso.

Perder os pais, ou a sua lucidez, nos torna órfãos não apenas da companhia deles, mas da alegre inconsequência de nunca pensar muito a sério na própria finitude. (Imaginem que experiência transcendente essa que viveu a filha do Niemeyer, que morreu esta semana, aos 82 anos, deixando o pai vivo e lúcido chorando por ela.)

Ao contrário dos bebês, pais e avós não são exatamente um hit nas redes. Talvez essas cerimônias privadas de adeus não caibam mesmo na superficialidade de um tweet ou de um retrato de celular – embora experiências de dor, por mais diferentes que sejam da nossa própria realidade, nos ensinem muito mais sobre a condição humana do que os momentos de felicidade e plenitude alheios.

Nos últimos dias, foram publicados dois belos textos sobre o assunto – dois relatos corajosos e tocantes de filhos que perderam os pais. O primeiro, na capa da revista Time desta semana, assinado pelo jornalista Joe Klein: “Como Morrer: o que aprendi dos últimos dias dos meus pais”, em que o autor narra como enfrentou a responsabilidade de ter que decidir sobre a vida e a morte dos pais.

O outro, “O Cérebro do Meu Pai”, publicado na revista Piauí de junho e assinado pelo escritor americano Jonathan Franzen – um dos grandes autores da minha geração –, é provavelmente o texto mais comovente e profundo sobre a experiência de conviver com um paciente de Alzheimer que eu já li.

Entre outras coisas, Franzen revela que a excruciante experiência de ver o pai indo-se aos poucos, paradoxalmente, o fortaleceu: “Tornei-me, no geral, um pouco menos medroso. Uma porta ruim se abriu, e descobri que era capaz de atravessá-la”.

RUTH DE AQUINO

O cinismo de Ronaldinho Gaúcho

Não sei se foi a perda precoce do pai, afogado na piscina de casa quando o garoto Ronaldinho driblava as cadeiras e tinha 8 anos. Não sei se foi a influência calculista do irmão Assis, dez anos mais velho, que se tornou seu empresário e o verdadeiro dono de seu passe. Mas o grande Ronaldinho Gaúcho se apequena quando fala sobre suas trapalhadas. Sempre foi assim. Ele não vai mudar. “O Flamengo faz parte do passado”, diz o atacante que já encantou o Brasil e o mundo.

Para quem critica a entrevista que ele deu ao Fantástico depois de rescindir o contrato com o clube, é bom saber que Ronaldinho Gaúcho apenas repetiu sua performance. O rapaz é um santo. Nunca houve problemas no Flamengo com treinadores, colegas. Nunca faltou a seus compromissos. Nunca dormiu mais que os outros. Nunca bebeu na véspera de um jogo ou comemorou com festança uma derrota. Nunca levou mulher para a concentração. Sempre deu seu melhor. Ele teria sido mais honesto se tivesse feito como o bicheiro lobista Cachoeira e o senador Demóstenes Torres: “Nada a declarar”.

Conversei com Ronaldinho em sua casa no subúrbio de Paris, em 2002. Ele estreava na Europa pelo PSG (Paris Saint-Germain). Tinha deixado em Porto Alegre uma torcida enfurecida com ele, a do Grêmio. Na entrevista, disse que seria gremista “para o resto da vida”. Seus únicos problemas tinham sido “as mentiras da direção do clube”.

Falava como autômato. “Nunca tive problemas fora de campo. Nunca fui vaiado em boate.” Os gremistas criaram um site chamado “Dentuço Pilantra”. Sobre o técnico Vanderlei Luxemburgo, que não o escalara para um jogo alegando que estava gordo, afirmou: “Grande treinador. Tenho uma amizade grande por ele”.

O camisa 10 tinha 22 anos, começava a deixar o cabelo comprido e já não assumia vontades ou desafetos. Não olhava no olho, mas para baixo. Parecia um autista. Quando perguntei quanto ganhava no PSG, respondeu sem piscar: “Mamãe é que sabe. Não me preocupo com dinheiro”. Pensei: é muita cara de pau. Talvez fosse o sucesso meteórico na tenra idade. Muito dinheiro, endeusado antes do tempo. Tem atleta que lida bem com isso. Outros não.

Ele teria sido mais honesto se tivesse feito como Cachoeira ou Demóstenes e dito: “Nada a declarar”

Não sou flamenguista, mas entendo como a torcida se sente. O cara parou o Rio em janeiro do ano passado. Vinte mil torcedores se espremeram em ônibus, trens e metrôs para saudá-lo na Gávea. Ele proclamou: “Tô realizado. Vivendo um sonho”. No Carnaval, deu seu único espetáculo.

Agora, o Flamengo – depois de se omitir passando a mão na juba do ex-craque, ignorando a indisciplina extracampo e a preguiça em campo – quer proibi-lo de jogar em outro clube. E briga na Justiça para não pagar os R$ 40 milhões devidos até o fim do contrato, em dezembro de 2014 (eu também brigaria). Os atrasados se referem especialmente a direitos de imagem. Qual é mesmo a imagem que Ronaldinho Gaúcho reforçou no Flamengo? A de baladeiro feliz e craque decadente.

O clube com mania de megalomania (“o maior do mundo”) prepara um dossiê e quer exibir tudo o que já tinha mas abafava. Vídeo da noite do jogador com uma mulher no hotel em Londrina, na concentração em janeiro (ooohhh...). Exame de sangue com álcool. Depoimentos de colegas e de Luxemburgo desmascarando a cantilena de bonzinho injustiçado. É uma baixaria só.

Ronaldinho saiu do Flamengo porque nunca entrou. Mesmo indisciplinado, se tivesse decidido as partidas, o clima não azedaria assim. Demitiu um técnico, passou a ser vaiado, deixou de ser atraente para patrocinadores. O clube fingia que pagava, ele fingia que jogava. E o torcedor se sentia vítima de bullying duplo: do Flamengo e de Ronaldinho.

O irmão Assis deu uma de esperto. Roubou camisas do R10 da loja do Flamengo, na Gávea, antecipando-se à revolta da torcida. Agora, rubro-negros colam esparadrapo em cima do nome do ex-ídolo. Há um vídeo na blogosfera ensinando a descolar da camisa as letras do nome de Ronaldinho, com ajuda de álcool.

O autor sugere que os torcedores usem cachaça. “Para os milhares de brasileiros que, como eu, tinham vergonha de envergar o manto sagrado por estar com o nome de Ronaldinho abaixo do 10 que um dia foi de Zico, de Pet e mesmo de Adriano”, diz o torcedor.

Ronaldinho, não deve ser bom deixar ódio para trás. Você saiu por onde não queria sair. Pela porta dos fundos. Esses 505 dias na Gávea podem já fazer parte do passado para você, que agora beija a camisa do Atlético-MG. Mas nosso passado nos condena ou nos redime.

Não é preciso ser jogador de futebol para saber que problemas dentro e fora de campo transformam um ídolo em vilão. Um médico estrela, um executivo estrela, um político estrela, um jornalista estrela. Quanto mais competente, mais visado é. Não dá para atrasar, dormir no ponto, beber demais, causar problemas na equipe, violar regras de conduta, não brilhar no expediente. E achar que só os outros têm culpa.