sábado, 31 de janeiro de 2009



01 de fevereiro de 2009 | N° 15866
MARTHA MEDEIROS


O papel higiênico da empregada

Quando a gente é criança, acha que todo mundo é legal, que todo mundo é da paz, e de repente começa a crescer e vai descobrindo que não é bem assim.

Eu lembro que, ainda menina, foi um choque descobrir que as pessoas mentiam, enganavam, eram agressivas. Porque aquelas pessoas não eram bandidas: eram colegas de aula, gente conhecida. Eu ficava confusa.

Fulana era generosa com os amigos e, ao mesmo tempo, extremamente estúpida com a própria mãe. Beltrana ia à missa todo domingo e nos outros dias remexia na mochila dos colegas para roubar material escolar.

Sicrana era sua melhor amiga na terça-feira e na quarta não olhava pra sua cara. Eu chegava em casa, pedia explicações pra família e recebia como resposta: bem-vinda ao mundo.

Eu queria o impossível: olhar para uma pessoa e saber o que poderia esperar dela. Seria uma pessoa do bem? Do mal? Viria a me decepcionar? Todas as pessoas decepcionam, todas cometem erros, mas eu queria encontrar alguma espécie de comportamento que me desse uma pista segura sobre com quem eu estava lidando.

Até que certo dia fui na casa de uma colega. De repente, precisei ir ao banheiro. Só havia um no apartamento, e ocupado. Eu estava apertada. Apertadíssima. Minha amiga sugeriu que eu usasse o banheiro da empregada, topei na hora.

E lá descobri que o papel higiênico da empregada era diferente do papel usado pelos outros membros da família. Era mais áspero. Parecia uma lixa. Muito mais barato.

Era um costume, e talvez seja até hoje: comprar um tipo de papel higiênico para a família e outro, de pior qualidade, para o banheiro de serviço. Eis ali a pista que eu inocentemente buscava para descobrir a índole das pessoas.

Hoje, adulta, sei que descobrir a índole de alguém é um processo muito mais complexo, mas ainda me surpreendo que algumas pessoas façam certas diferenciações.

O relacionamento entre empregados e patrões ainda é uma maneira de se perceber como certos preconceitos seguem bem firmes. Não é por economia que se compra papel higiênico mais barato pra empregada, por mais que seja este o argumento usado por quem o faz.

É para segmentar as castas. É para manter a hierarquia. É pela manutenção do poder.

As pessoas querem tanto acabar com as injustiças sociais, e às vezes não conseguem mudar pequenas regras dentro da sua própria casa. Cada um de nós tem um potencial revolucionário, que pode se manifestar através de pequenos gestos.

Comprar o mesmo papel higiênico para todos, quem diria, também é uma maneira de lutar por um mundo melhor.

A colunista Martha Medeiros está de férias. Esta crônica foi publicada originalmente em 30 de novembro de 2003


O FÓRUM SOCIAL DE DAVOS


O espírito do velho Karl Marx deveria ter ido a Belém cantar para Che Guevara junto com Chávez, mas preferiu a Suíça, onde o capitalismo foi mais atacado
Montagem sobre foto Virginia Mayo/AP e Alfredo Dagli Orti/Corbis/Latinstock

UM ESPECTRO Marx aparece nesta montagem pairando sobre debatedores em Davos, onde o "modelo" e o "sistema" foram os vilões



Diz a lenda que uma vez por ano Karl Marx recebe autorização para abandonar sua tumba no cemitério de Highgate, em Londres, onde ele desde 1883 descansa – se é que comunista descansa –, para participar do Fórum Social. Neste ano seu destino natural seria Belém, no estado brasileiro do Pará. Ele até chegou a dar as caras, mas por ali não encontrou nada muito parecido com o que esperava das classes trabalhadoras.

Viu alguns índios e seus líderes invocando entidades incorpóreas que regeriam a vida em um continente chamado Abya Yala, como é politicamente correto se referir na língua indígena kuna ao que conhecemos como América Latina. Pensou em ficar um pouco mais quando o presidente brasileiro Lula chegou ao microfone. Finalmente, alguém mais sério. "Deus escreve certo por linhas tortas, porque o deus mercado quebrou", decretou Lula.

Foi a gota d’água para o velho Karl. Lula também estava mais para fenomenologia do espírito do que para o materialismo histórico. Pegou as malas mas, antes de voltar a Highgate, decidiu ver o que seus tradicionais detratores, os altos dirigentes das democracias capitalistas ocidentais, líderes de empresas e seus agregados nas artes e na academia, estavam discutindo na suíça Davos, na versão 2009 do Fórum Econômico Mundial, sob a temática geral "Dando forma ao mundo pós-crise".

Ali, sim, tinha gente articulada, brandindo dados e pondo a culpa da crise econômica no "sistema capitalista". A socialização das falhas que levaram à atual crise financeira mundial – uma das mais, se não a mais, severas e complexas da história contemporânea – foi a tônica em Davos.

Ninguém pode ser apontado como culpado. Nem George W. Bush nem Alan Greenspan, o mago do banco central americano que se transformou em bruxo ao reconhecer, candidamente, que ficou "chocado" ao descobrir que os bancos estavam emprestando fortunas a quem assumidamente não podia nem pretendia pagar. Nada de nomes. O culpado é o sistema. Um espectro ronda a Europa e o mundo.

Trabalhadores do mundo, unam-se. Tudo que vocês têm a perder é o crédito. Mas, se ele secou para todos, empresas, governos e os próprios bancos, qual é o grande problema? Resumiu Bill Gates, o terceiro homem mais rico do mundo, mais uma vez estrela em Davos: "Acho que nunca acharemos um culpado, um vilão para quem possamos apontar e dizer: Aha... ele fez toda a lambança".

Harry Truman, o 33º presidente dos Estados Unidos, dizia que para um estadista não existem novidades, "mas capítulos da história dos grandes homens que ele não leu". Pois o que mais faltou em Davos foram justamente coragem e lucidez para dar nome aos bois, dizer quem errou, por que errou e como evitar que esse mesmo tipo de gente volte a ter poder de decisão. De modo geral, os conferencistas e panelistas adotaram a visão tão cara aos marxistas de ver as falhas incontornáveis sistêmicas do "modelo" e do "mercado".

Teria sido bem mais interessante se cada participante, para obter inscrição em Davos, fosse obrigado a escrever um ensaio sobre "O que EU fiz de errado que ajudou a nos colocar nessa encrenca". Antes de voltar para casa, seria uma boa ideia cobrar deles também um depoimento de despedida com o tema "O que EU farei para que a crise seja menos cruel do que se anuncia e não mais se repita".

Como o EU sumiu de Davos, a visão sistêmica e coletivista do determinismo histórico marxista se instalou, mesmo que pouca gente tenha se dado conta disso.

Alguém poderia ter tido a lucidez de lembrar duas coisas que adiantariam muito os debates. Primeiro, a crise atual não foi prevista por Marx.

Nem em sonho ele poderia ter imaginado o estágio de desenvolvimento e complexidade que os mecanismos de crédito atingiriam nestes primeiros anos do século XXI. Marx achava que o capitalismo encontraria seu fim ao cabo de cada vez mais fortes crises recessivas clássicas – aquelas ocasionadas por excesso de produção e falta de demanda, com a crescente insatisfação dos proletários produzindo a energia revolucionária para que se passasse de forma violenta ao comunismo.

Nenhuma dessas condições está presente na atual crise. O que se observa é o estouro de uma bolha financeira que atingiu em primeiro lugar os ricos e a classe média investidora, com a evaporação de 10 trilhões de dólares em riqueza das famílias só nos Estados Unidos.

Segundo, as contradições e injustiças que embalaram politicamente as teorias de Karl Marx na Europa da segunda metade do século XIX e por quase todo o século XX praticamente não existem mais nos países avançados e foram minoradas em quase todo o mundo.

O capitalismo deu condições extraordinárias de habitação, saúde, conforto e aposentadoria a milhões de habitantes de países onde se instalou. Só nos anos que antecederam a crise atual, tirou da miséria centenas de milhões de famílias no Brasil, China e Índia.

É esse progresso que está sendo colocado em risco pela corrente de destruição de riqueza deflagrada pela crise financeira. Foram necessários grandes homens e grandes mulheres para chegar até esse estágio de progresso.

É de indivíduos formidáveis, e não de críticas ao "sistema capitalista" emanadas do cemitério de Highgate, que virá a solução para impedir que a crise destrua tudo o que se conquistou e para avançar ainda mais.

Monica Weinberg - mweinberg@abril.com.br

Mude, mas leve tudo com você

A palavra portabilidade ingressou no vocabulário das empresas para definir algo de grande valia para as pessoas: menos burocracia na troca de operadora de celular, banco e plano de saúde.

A simplificação de tais processos significa, na prática, que quando alguém decide mudar de companhia telefônica pode carregar consigo o número do celular. Ou que um funcionário consegue transferir seu salário de um banco a outro sem que isso lhe consuma muito trabalho.

Daí a ideia da portabilidade. Em abril, passa a valer no Brasil uma lei que pode facilitar a troca de plano de saúde. Seu principal efeito será dispensar a carência, que pode chegar a dois anos.

Com as restrições para usufruir do benefício, a nova lei se aplicará a 13% dos brasileiros, segundo cálculos de especialistas. A seguir, eles chamam atenção para possíveis obstáculos nas três situações às quais se aplica o novo jargão e dão sugestões de como, afinal, fazer o melhor uso da portabilidade.

Situação: TROCA DE OPERADORA DE CELULAR OU DE
TELEFONIA FIXA - Ilustrações Stefan

O que diz a lei: quem já possui um número de telefone – fixo ou celular – tem direito a permanecer com ele quando muda de operadora. Não é possível levar a linha referente a um aparelho fixo para um móvel nem manter o número no caso de mudança de DDD

Quem se beneficia: moradores de 85% dos municípios em 22 estados. Rio de Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal, além da cidade de São Paulo, ainda estão de fora. As empresas têm até março para estender a todos o serviço

O que fazer: é preciso preencher um formulário e apresentar RG e CPF. No caso da telefonia móvel, o processo requer uma visita à loja da operadora para a qual se pretende migrar. As empresas de telefonia fixa aceitam a documentação via e-mail ou fax. Além do número, pode-se manter o aparelho antigo – mas será necessário comprar um chip da nova operadora

Quanto tempo leva o processo: até cinco dias úteis, como determina a lei. Mesmo assim, há eventuais atrasos
O que pode ser um problema...

• Deixar contas pendentes com a antiga empresa. O primeiro erro é achar que a dívida passará à nova operadora. Outro é considerar que ela será cancelada

Dica: antes de mudar de operadora, checar se há alguma fatura atrasada ou multa a pagar
• Ligações de telefones fixos não chegarem ao celular depois da mudança de empresa. Isso ocorre por uma falha técnica na base de dados da antiga operadora

Dica: testar o celular para saber se ele está recebendo tais ligações. Do contrário, o melhor a fazer é acionar as duas operadoras em questão

Montagem sobre foto de Xando Pereira



"CADÊ AS MINHAS LIGAÇÕES?"

Em dezembro, o estudante baiano Raphael Teixeira, 25 anos, trocou de operadora de telefonia fixa e conseguiu, "com facilidade", manter o número que usava havia cinco anos. O processo levou apenas quatro dias. Mas restou um problema: o aparelho não recebe ligações de alguns fixos. "Já acionei a antiga empresa e a atual. Estou à espera de uma solução"

Situação: TRANSFERÊNCIA DO DINHEIRO DA CONTA-SALÁRIO
PARA OUTRO BANCO

O que diz a lei: o salário depositado pela empresa em determinado banco pode ser transferido automaticamente, a pedido do funcionário, para qualquer outra instituição financeira. Uma das exigências é que ele seja um dos titulares da conta para a qual irá o dinheiro. Outra é que se transfiram 100% do salário. Só dá para movimentar a conta-salário por meio do cartão magnético

Quem se beneficia: funcionários de empresas privadas. Em 2012, a lei se estenderá aos servidores públicos

O que fazer: é preciso entregar ao gerente do banco em que se recebe o salário uma carta com o pedido de transferência para outra instituição financeira. Se não houver imprevistos, o depósito seguinte já aparecerá na nova conta. Um detalhe: a migração pode demorar até doze horas

Quanto tempo leva o processo: até cinco dias úteis - O que pode ser um problema...

• O prazo vencer, mas o salário não estar na conta combinada com o gerente

Dica: fazer uma cópia da carta com o pedido de transferência. É a única garantia de que não será preciso recomeçar do zero. Outra medida prudente é iniciar o processo com antecedência de pelo menos dez dias do pagamento. Mesmo com algum atraso, haverá tempo suficiente para que a mudança se realize

• Como os bancos não cobram taxas pela conta-salário, o cliente passará a pagar tarifas das quais estava isento

Dica: como a conta-salário se presta ao único fim de receber o pagamento mensal, a transferência é inevitável para quem quer usar outros serviços do banco, como, por exemplo, aplicar o dinheiro. Nesse caso, vale a pena pesquisar o valor das diversas taxas cobradas. Elas variam até 80% de um banco para outro

Situação: MUDANÇA DE PLANO DE SAÚDE

O que diz a lei: a partir de abril, quando ela entra em vigor, será permitida a migração entre empresas dispensando a carência. O novo plano, no entanto, deverá ter valor equivalente ao do antigo ou menor

Quem se beneficia: 13% da população. São todos os que possuem planos individuais ou familiares feitos depois de 1999, quando passou a valer uma lei que permite a comparação entre o serviço oferecido por diferentes empresas. Outro pré-requisito é ter completado pelo menos dois anos no plano anterior

O que fazer: apresentar uma carta pedindo a mudança à empresa para a qual se deseja migrar. A maioria exigirá também comprovantes de pagamento do antigo plano e algum documento que ateste o tempo de permanência nele. A transferência só poderá se realizar entre o primeiro dia do mês de aniversário do velho plano e o último dia útil do mês seguinte

Quanto tempo leva o processo: para obter uma resposta do novo plano – seja ela positiva ou não –, até vinte dias úteis, como prevê a lei. Mas ele só começará a valer dez dias úteis depois. Enquanto isso, a pessoa estará ligada ao antigo plano
O que pode ser um problema...

• Passados os vinte dias previstos, a empresa não dar resposta sobre o pedido de transferência

Dica: protocolar no correio a carta enviada à operadora, para saber quando ela foi recebida. Isso pode ser útil na hora de cobrar a empresa – ou num eventual processo contra ela. A multa nesse caso pode chegar a 50 000 reais e é aplicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, onde as reclamações devem ser registradas

• Perceber que o novo plano de saúde é pior que o anterior. Como a carência só é dispensada quando os planos são de valor semelhante, há sempre o risco de pagar o mesmo por menos serviços

Dica: antes de decidir pela troca, comparar os planos em detalhes, para saber se a mudança será realmente vantajosa


O que desperta o desejo sexual feminino

Novos estudos sobre revelam um abismo entre o que as mulheres sentem e o que dizem sentir
Ivan Martins e Francine Lima. Com reportagem de Laura Lopes - Rick Gomez



Ida Bauer aparece nos textos de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, sob o nome fictício de Dora. É uma moça bonita, de 15 anos, perturbada por tosses nervosas e incapacidade ocasional de falar.

Chegou ao divã do médico vienense queixando-se de duas coisas: assédio sexual de um amigo da família e indisposição do pai em protegê-la. Freud aceitou os fatos, mas desenvolveu uma interpretação própria sobre eles. O nervosismo e as doenças se explicavam porque a moça se sentia sexualmente atraída pelo molestador, mas reprimia a sensação prazerosa e a transformava, histericamente, em incômodo físico.

Como Ida se recusou a aceitar essa versão sobre seus sentimentos, largou o tratamento. Peter Kramer, biógrafo de Freud, diz que os sintomas só diminuíram quando ela enfrentou o pai e o molestador, tempos depois. Freud estava errado; ela, certa. Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência, Freud escreveu uma passagem famosa: “A grande questão que nunca foi respondida, e que eu ainda não fui capaz de responder, apesar de 30 anos de pesquisa sobre a alma feminina, é: o que querem as mulheres?”.

Meredith Chivers, uma jovem pesquisadora da Universidade Queen, no Canadá, acredita que pode finalmente responder à pergunta. Sem os preconceitos e a ortodoxia de Freud, e com recursos experimentais que ele não tinha, reuniu 47 mulheres e 44 homens em laboratório e aplicou o mesmo teste a todos eles: viram oito filmes curtos sobre sexo, com temas variados, enquanto seus órgãos genitais eram monitorados por sensores capazes de medir a ereção masculina e a lubrificação feminina.

Ao mesmo tempo, Meredith pediu que indicassem, num sensor eletrônico, quanto estavam excitados com cada cena projetada. Essa era a parte subjetiva do teste.

Os resultados foram sensacionais. Meredith descobriu, primeiro, que as mulheres, sejam elas hétero ou homossexuais, se estimulam com uma gama muito variada de cenas. Homem e mulher transando, mulheres transando, homens transando, quase tudo foi capaz de produzir excitação física nas mulheres.

Até cenas de coito entre bonobos (os parentes menores e mais dóceis dos chimpanzés) causaram alterações genitais nas voluntárias, embora tenham deixado os homens indiferentes. Qualquer que seja a sua orientação sexual, eles parecem ser mais focados em suas preferências.

Homossexuais se excitam predominantemente com cenas de sexo entre homens ou com cenas de masturbação masculina. Heterossexuais se interessam por sexo entre mulheres, sexo entre homens e mulheres e atividades que envolvam o corpo feminino, mesmo as não-sexuais. O estudo sugere que as mulheres são mais flexíveis em sua capacidade de se interessar. Seu universo sexual é mais rico.

A outra surpresa da pesquisa de Meredith, talvez sua descoberta mais importante, foi a constatação de que existe uma distância entre o que as mulheres manifestam fisicamente e o que elas declaram sentir.

As cenas de sexo entre mulheres, por exemplo, foram as que causaram maior excitação física entre as mulheres heterossexuais – mas aparecem em segundo na lista de respostas sobre as imagens mais excitantes. Ocorre o mesmo com sexo entre dois homens.

Os sensores vaginais mostram ser esse o terceiro tipo de cena que mais excita as mulheres, mas ele aparece na quinta posição nas declarações. O fenômeno de divergência entre corpo e mente não poupa os macacos. Meredith diz que o relato subjetivo das mulheres sobre os bonobos não é coerente com a excitação física que elas demonstram.

“O que eu descobri foi que as mulheres ficaram fisicamente excitadas (com os macacos), mas não declararam se sentir dessa forma”, ela disse em entrevista a ÉPOCA. Os homens demonstram um grau de coerência mais elevado entre as medidas objetivas e subjetivas.

Eles declaram gostar daquilo que fisicamente os comove, embora também se confundam com escolhas, por assim dizer, difíceis. No instrumento em que registram suas preferências, os homens heterossexuais marcaram as cenas de masturbação femininas como as mais excitantes, vencendo por pouco o sexo entre duas mulheres.

Mas os sensores genitais mostraram coisa diferente: a vitória pertence claramente às cenas de sexo entre mulheres. A conclusão é que também entre os homens há uma diferença entre excitação mental e excitação física, mas ela parece ser muito menor do que entre as mulheres.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009



28 de janeiro de 2009
N° 15862 - MARTHA MEDEIROS


Juventude

Estive no Rio semana passada. Rio de Janeiro + chuva = cinema. Lá fui eu pra Casa de Cultura Laura Alvim, numa sala com apenas 37 poltronas, assistir ao mais novo filme do Domingos Oliveira, que eu considero o nosso Woody Allen tupiniquim, sem nenhum demérito ao termo tupiniquim.

O filme chama-se Juventude, o que é uma ironia, pois trata-se da história de três velhos amigos – todos perto dos 70 anos – que se isolam na casa de um deles para jantar e realizar um inventário da própria vida: o que fizeram de certo, o que fizeram de errado, o que valeu, o que não valeu, e o que ainda pode ser feito com o resto de futuro que há.

Parece trivial, mas é raro encontrar um roteiro que discuta a passagem do tempo sob a ótica masculina, sem mulheres no recinto. Além disso, os atores são de primeira: além do próprio Domingos, há o talento de Paulo José e do diretor de teatro Aderbal Freire Filho, ótimo em sua estreia na telona e mais charmoso que muito gurizote por aí.

A piada que ajudou a divulgar o filme no país surge logo no início (“existem três idades: a juventude, a maturidade e o ‘você está ótimo’”). Os três já entraram na fase do “você está ótimo”, o que não os livra de estarem ferrados.

Um deles vive um drama familiar e precisa de uma bolada de dinheiro, o outro está na dúvida se mantém um casamento secular ou se foge pra Veneza com um antigo amor que reapareceu, e o outro está casado com uma menina de 21 anos, mas não consegue tirar da cabeça a mulher da sua vida.

O filme é inteligente, melancólico e divertidíssimo, por conta principalmente das tiradas de Domingos Oliveira, que certamente contribuiu com muitos cacos durante a filmagem. São três seres humanos fazendo um compacto dos seus melhores e piores momentos, dando sabor às cafajestadas inerentes à raça e ao mesmo tempo demonstrando uma sensibilidade e uma propensão ao afeto que nem sempre os homens expõem.

Pensei: são três caras cultos, vividos, com um humor refinado. Como seria o encontro de três cascas-grossas? A tendência é imaginar que daria em baixaria, mas talvez não: todos os homens se apaixonam, sentem saudade, temem a morte, contam vantagem, são bons amigos.

Três cascas-grossas poderiam fazer piadas mais toscas, ter um vocabulário mais limitado, mas é provável que, diante da velhice, também se revelassem ternos, até mais ternos do que nós, mulheres, que quando nos reunimos discutimos a passagem do tempo mais pelo ponto de vista estético do que emocional, e não raro nos queixamos dos antigos amores em vez de homenageá-los.

Homens bacanas mantêm sua juventude rindo deles próprios e preservando um olhar adocicado em direção às mulheres que lhes fizeram felizes. São grandes meninos.

Estou saindo de férias, mas, antes que você dê por minha ausência, já estarei aqui de novo. Até breve.

Aproveite o dia - Uma ótima quarta-feira para você

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009



26 de janeiro de 2009
N° 15860 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Noites da infância

Em Cachoeira da minha primeira infância, as noites eram povoadas de súbitos ruídos. Eu ia cedo para o berço, mas o sono não me acompanhava. Ficava no quarto, sintonizado com os sons de minha circunstância.

Primeiro eram meus pais e seus amigos, que se reuniam no grande living da casa da Rua Sete, conversando sobre as notícias do dia, filmes, discos, livros, pequenos escândalos municipais. Mas chegava a hora em que as vozes iam se aquietando, as pessoas se despedindo e tomando seus rumos. Eram rumos de paz, porque Cachoeira desconhecia mortes, assaltos, sequestros e outros sinais de civilização que hoje a cercam, como sitiam Porto Alegre e cada cidade pequena ou média deste Rio Grande.

Mas certas épocas eu ouvia tiros. Eram foguetes – eu não tardava a reconhecer. Havia novenas na Igreja Matriz, corais de cem vozes culminavam com salvas noturnas, com fogos de artifício que transfiguravam de cores os sonhos recém-adormecidos.

E tinha o lamento dos trens. Um grito lancinante varava a escuridão e invadia de pesadelos o vestíbulo do sono. Era o apito do noturno que se aproximava da estação e escalava na gare antes de seguir viagem em direção a Santa Maria. E que preenchia de sustos cada milímetro da vigília da inconsciência.

Subia então pelas venezianas cerradas uma luz dourada. Era rápida e levemente fantasmagórica, como se fosse o avesso do reverso de si mesma. Era o farol de neblina do carro do Louco percorrendo territórios espectrais, quem sabe à procura de fogos-fátuos antes de se desfazer na vertigem da treva.

Assim eram as noites de Cachoeira da minha infância. Isso quando não tocava o sino da torre esquerda, anunciando uma morte inesperada, um desaparecimento, uma tocata e fuga. Ou simplesmente um pacto de amor que adormecia nas dobras da penumbra.

sábado, 24 de janeiro de 2009



25 de janeiro de 2009
N° 15859 - MARTHA MEDEIROS


Batalha entre duas generosidades

Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso fundamental. Está lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro?

Nem pensar? O mercado editorial já assimilou a potencialidade dos pockets books e, até onde sei, eles vendem bem. Como não venderiam? São pequenos, baratos e oferecem títulos de primeira. Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.

O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi A Felicidade Conjugal, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a discussão boba sobre diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e ao mesmo tempo, perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos: homens se sacrificam, mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial de generosidade.

Parece, mas não é uma notícia alentadora. É literariamente bonito, daria uma boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique seus desejos em detrimento dos meus, e vice-e-versa.

O que Tolstoi define elegantemente como uma “uma batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos, chamamos de “concessões”. Essa palavra mais sugere uma batalha jurídica do que de generosidade, mas é tudo a mesma coisa.

Óbvio que temos que conceder. O tempo inteiro, desde que nascemos. A começar pelo âmbito familiar, ainda que nesse ringue as regras sejam criadas coletivamente.

Mas quando casamos com o senhor fulano de tal, ou com a dona sicrana da silva, que vieram sabe-se lá de onde e amparados por quais fundamentos, a concessão vira o calcanhar de Aquiles do contrato. Ele adora dançar, você odeia música alta. Ela adora natureza, você não suporta passarinho. Mas se amam, olha que situação. Quem cede quanto?

A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho ou se tiver que passar um final de semana no sítio, isso é cláusula previamente acertada e nem comporta a rigidez da palavra “sacrifício”.

Mas e se você tiver que enfrentar uns “nunca mais” pela frente? E se os seus sonhos de juventude tiverem que ser enterrados? E se o seu trabalho ficar comprometido? E se sua vida virar um palco e você tiver que assumir um personagem 24 horas por dia?

E se sentir saudades de alguém que você já não é mais? Não pense que isso é dramatismo. É mais comum do que se imagina. Tem pessoas que renunciam a si mesmas e só percebem isso quando não há mais retorno possível.

Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você nem um naquinho assim.

Mas esse romance ainda está para ser escrito.

Adriana Dias Lopes - Octavio Bastos/Norock.com.br

Sonho interrompido

Vítima de uma infecção urinária que evoluiu para uma septicemia, modelo de 20 anos tem as mãos e os pés amputados e corre risco de vida em hospital capixaba

Luta pela vida

Desde o último dia 3, a modelo Mariana Bridi resiste a um quadro grave de infecção generalizada

A história da modelo capixaba Mariana Bridi, de 20 anos, é estarrecedora. Alegre, sorriso cativante, 1,75 metro de altura e 57 quilos, a garota tinha o mais prosaico dos sonhos. Queria se formar jornalista e casar com o namorado, o consultor de vendas Thiago Simões, de 29 anos. Para custear os estudos e ajudar no sustento da família, desde os 14 anos Mariana trabalhava como modelo.

Participou de concursos de beleza mundo afora, mas nenhum lhe dava mais orgulho do que o Face of the Universe, realizado em 2007, na África do Sul. Para ela, ter sido eleita "o quarto rosto mais bonito do mundo" era um sonho.

Hoje, Mariana está internada na UTI de um hospital público de Serra, na Grande Vitória, Espírito Santo. Em coma induzido, ela respira com a ajuda de aparelhos.

Vítima de uma infecção bacteriana rara e violentíssima, teve os pés e as mãos amputados. O caso de Mariana chocou o Brasil e o mundo. O site da rede americana de notícias CNN estampava na sexta-feira passada, em sua primeira página: "Médicos amputam mãos e pés de modelo brasileira". Até o fim da semana, o estado de saúde de Mariana era considerado gravíssimo.

O martírio da jovem começou no dia 30 dezembro. Com dor na região lombar, ela foi diagnosticada com cólica renal e medicada com analgésicos. Mariana e Thiago comemoraram o réveillon com amigos na Praia da Costa. Na volta para casa, ela reclamou com o namorado que as dores haviam retornado.

No dia seguinte, com febre, foi hospitalizada. Desde então, sua saúde deteriora a cada dia. Na última quarta-feira, por causa de uma hemorragia, os médicos foram obrigados a extrair quase todo o estômago da garota. "Mariana foi vítima de uma sucessão de azares", diz o infectologista Artur Timerman.

A hipótese mais aceita é que a cólica renal tenha deflagrado uma infecção urinária que, por sua vez, teria evoluído para uma infecção generalizada – septicemia, no jargão médico. Isso ocorre em apenas 5% dos casos. O quadro infeccioso foi provocado pela bactéria Pseudomonas aeruginosa – o que também é raro acontecer.

Confinada nos intestinos, essa bactéria participa da síntese de vitaminas. Se a infecção urinária não é tratada rapidamente, em até 48 horas, a Pseudomonas aeruginosa prolifera rapidamente e pode cair na corrente sanguínea. Uma vez no sangue, ela costuma ser devastadora.

Em poucas horas pode levar à sepse, comprometendo o funcionamento de todos os órgãos. Como mecanismo de defesa, o organismo reduz o fluxo de sangue para os vasos periféricos, de modo a garantir a oxigenação de órgãos nobres, como o cérebro e o coração. Nesse processo, os pés e as mãos de Mariana necrosaram-se – o que exigiu as amputações.

Ao mesmo tempo, o sistema imunológico libera uma série de substâncias para destruir a bactéria. Extremamente tóxicas, elas acabam por lesionar os tecidos – o que levou à remoção de parte do estômago de Mariana.

Lya Luft

A mulher e o poder

"Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos em nosso bicho de estimação ou ele nos devora"

Escrever sobre homens e poder seria de um óbvio ululante. O poder transforma, e nem sempre para melhor. É preciso saber lidar com ele, para que não nos deforme. A pergunta sobre como as mulheres exercem cargos de mando tem várias respostas, e eu já fiz o teste: desde "estão maravilhosas", "estão poderosas", até "andam muito loucas, mandonas demais".

Mulheres são gente: seres humanos, complexos e desvalidos como todos. A vida é que andou se complicando muito desde que mulheres (tão poucas, ainda!) começaram a assumir algum poder.

A velocidade com que as mudanças sociais acontecem hoje é perturbadora e, embora nossos avós também dissessem "Nossa! Como este ano passou rápido!", hoje nossa vida se transforma em mera correria se a gente não cuidar. Tudo é agora, tudo é imediato, e tudo é aqui e rapidinho. Gaza e Washington acontecem no nosso café-da-manhã.

Ilustração Atômica Studio

Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos em nosso bicho de estimação ou ele nos devora. O bicho de estimação a gente aceita, brinca com ele, gosta dele, adapta-se a ele em certas coisas, nem o ignora nem o bota fora.

Mas, se o maltratamos, se o detestamos, ele cresce, vira uma fera e nos come. Já que mulheres no poder são quase uma novidade, é sobre isso que me interessa refletir aqui. Não faz tanto tempo que começamos a assumir funções de ministra, prefeita, governadora, cientista, motorista de táxi e ônibus, reitora, e tantas outras. Não fôramos preparadas para enfrentar esse amigo/inimigo, o poder.

Sendo pioneiras, e sem modelos a seguir, a quem deveríamos recorrer, em quem nos inspirar à frente do país, do ministério, dos empregados da estância, dos colegas lidando com grandes máquinas agrícolas ou à frente de sindicatos? Restava-nos a imagem dos homens.

Algumas pensaram em igualar-se a eles, com jeitos e trejeitos de capataz furioso ou comandante carrancudo, isto é, virando a caricatura de homens poderosos. Pior que eles, por estarem inseguras, sendo prepotentes. Outras tentaram disfarçar esse poder com exageros de sedução: muitas foram educadas para agradar, não para mandar, e o espectro da mulher sozinha existe.

De um homem sozinho, dizem que está "aproveitando a vida", mas da mulher sozinha eventualmente se comenta: "Coitada, ninguém a quis". E não adianta reclamar: essa ainda é uma realidade burra, um preconceito idiota, mas não falecido. Com todo esse dilema, corre-se em busca de um "jeito feminino de exercer o poder". Isso existe? Tem de ser buscado? E o que será, afinal: um jeito delicado, doce ou cor-de-rosa?

Que os deuses nos livrem disso. Talvez seja apenas um jeito humano, pois é o que todos somos: cheios de fragilidade e força, de qualidades e defeitos, todos em última análise com medo de não ser atendidos. Um professor iniciante tinha tanto pavor de não ser respeitado pelos alunos que abusava de punições, notas baixas, gritos e até socos na mesa, que provocavam, estes sim, riso nos adolescentes.

O mais positivo pode ser as mulheres, sobre as quais aqui especialmente escrevo, tentarem ser naturais. Nem ir ao posto de comando vestidas de freira ou militar, cheias de convencionalismos, ar gélido e voz de metal, nem sedutoras por medo de perder a feminilidade (seja lá o que pensam que isso é).

Ser apenas uma pessoa a quem o poder foi dado pela sorte, pelo destino, pelo mérito (o melhor de todos), por algum concurso, enfim, pelos caminhos da profissão, e tentar fazer isso da melhor forma possível.

Para exercer o poder não é preciso nem beleza nem feiura, nem coisa alguma além de preparo e capacidade, humanidade, ética, honradez, informação, entendimento do outro, respeito pelo outro para que ele também nos respeite. Para homens e mulheres o comando é difícil, é solitário.

E, acreditem, exige cuidado: porque, se pode ajudar, pode também contaminar. Nada melhor do que agir com simplicidade, lucidez e alguma bem-humorada autocrítica, em qualquer posto e em qualquer circunstância desta nossa vida.

Lya Luft é escritora

Cristiane Segatto*

Modelo amputada está em estado gravíssimo. A culpa é nossa

O costume de recorrer a antibióticos sem necessidade ajuda a criar bactérias super-resistentes, como as que ameaçam a vida de Mariana Bridi Costa

A vida de Mariana está em risco por causa de bactérias que podemos ter ajudado a criarUma das histórias mais aterradoras produzidas pela imprensa brasileira nesta semana foi o caso da modelo capixaba Mariana Bridi Costa, de 20 anos. A moça sofreu uma infecção urinária provocada pela bactéria Pseudomonas aeruginosa.

O quadro agravou-se a ponto de provocar um desfecho trágico e incomum em casos como esse: a amputação dos pés e das mãos da bela morena que no ano passado havia conquistado o título de corpo mais bonito do mundo no concurso Miss Biquíni Internacional, realizado na China.

Mariana está entre a vida e a morte, internada no Hospital Estadual Dório Silva, em Serra, no Espírito Santo. Respira com a ajuda de aparelhos e faz hemodiálise. A família pede desesperadamente doações de sangue do tipo O negativo.

Os sonhos, a carreira e o melhor da juventude de Mariana foram interrompidos por um inimigo invisível que não pôde ser vencido. De quem é a culpa? É de todos nós.

Nosso hábito de tomar antibióticos para qualquer coisa está criando bactérias invencíveis. Elas resistem à maioria dos antibióticos ou a todos eles. São as temíveis superbactérias que vivem soltas por aí, prontas para causar estragos no corpo de quem esteja com as defesas um pouco enfraquecidas.

Quem toma antibiótico por conta própria assim que surge uma dor de garganta ou uma gripe, está fornecendo armas de alto calibre ao inimigo. Gripe, por exemplo, é causada por um vírus. O antibiótico não mata o vírus, mas pode matar as bactérias benéficas que vivem no nosso organismo.

Essas bactérias do bem competem pela sobrevivência com outras bactérias que adquirimos ao longo da vida. Se matamos as benéficas, as intrusas se multiplicam livremente e podem se tornar resistentes a todas as drogas. É o caso da Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria banal encontrada na água, no solo, nos animais.

Ela pode estar em todo lugar porque precisa de poucos nutrientes e vive muito bem à temperatura ambiente. Quando entra no corpo humano não faz nenhum mal à maioria das pessoas. Desfilamos com o bicho por aí sem ter a menor idéia de que ele existe. Basta uma pequena queda na imunidade – uma redução dos glóbulos brancos no sangue provocada por “n” coisas, até mesmo um simples estresse –, para que a bactéria comece a provocar infecções.

Internada em Serra, no Espírito Santo, a modelo luta contra uma infecção que parecia banal, mas já levou à amputação

de seus pés e mãos Na maioria dos casos, os antibióticos ainda conseguem vencer a Pseudomonas. Os médicos precisam tentar combinações complicadas de drogas, mas conseguem reverter a situação antes que ela se torne tão grave quanto a de Mariana.

Cada vez mais, no entanto, surgem cepas que não podem ser vencidas. Elas resistem até mesmo à classe das polimixinas, consideradas o último recurso.

Nem o hospital, nem a Secretaria de Saúde do Espírito Santo informam quais antibióticos foram adotados na tentativa de combater a infecção sofrida pela modelo.

Também não foram divulgados detalhes sobre a condição de saúde da moça antes de chegar ao hospital e durante a internação. Em alguns casos, a resposta do organismo à infecção é tão intensa que provoca uma cascata de consequências graves que põem o organismo em risco.

Não se sabe se foi isso que aconteceu com a modelo. De qualquer forma, o sucesso do controle da infecção depende da condição de cada organismo e do grau de resistência da cepa que o infectou.

Por enquanto, sabe-se apenas que Mariana foi vítima de uma bactéria que não pôde ser vencida. Desfechos tão graves quanto o do caso dela não ocorrem a toda hora, mas a triste história da modelo convida a uma importante reflexão.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



19 de janeiro de 2009
N° 15853 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


História sem preço

Nossa história não tem preço. Sua restauração, sim.

Leio essas duas breves frases num anúncio do caderno Cultura, de ZH, e não apenas me dou conta de sua profunda verdade, como sou revisitado por uma imagem que conheço desde 1951, o ano da graça em que, menino, vim morar em Porto Alegre. É que o reclame vem ilustrado por uma foto da Faculdade de Medicina da UFRGS, datada da mesma época, segundo se observa pelos modelos dos carros e pelos trajes das raparigas em flor.

Sempre tive uma secreta admiração pelo prédio da Medicina. Porto Alegre é dotada de belos edifícios antigos, mas nenhum outro com aquela arquitetura em arco que nos transporta a Paris ou, no mínimo, a Buenos Aires.

Ali pontificaram grandes mestres das ciências do corpo e da mente, ali celebrou-se, se não me falha a desmemória, o congresso de municípios que levou à grande aliança da Revolução de 30.

E recordo especialmente que a instituição é tema de uma das mais inspiradoras crônicas de Rubem Braga, do tempo em que ele se refugiou na mui leal e valorosa, abrigado de azares românticos e políticos.

Como estudante, eu era vizinho da Medicina. Frequentava a Faculdade de Direito, cuja sede, cópia de um palácio europeu, pouco ficava a dever à da ilustre lindeira. Se havia aliás um espaço que merecia o diploma de Campus do Centro é o formado pelas duas e por outras escolas das redondezas, dentre as quais as de Filosofia, Engenharia e Arquitetura.

Sábados à noite era uma parada difícil decidir qual delas oferecia a melhor reunião dançante, embora aí eu seja forçado, por gentilíssimas lembranças, a me inclinar pelo Direito. Os subterrâneos do Centro Acadêmico André da Rocha costumavam ser imbatíveis.

Hoje quase não há mais reuniões dançantes. As pistas no entanto continuam lá, à espera de serem redescobertas. Razão a mais para que sejam restaurados os prédios e voltem a revestir-se de seu antigo esplendor.

A UFRGS espalhou-se por distantes paragens. Seu coração, contudo, continua pulsando no lugar e no ritmo em que toda uma geração conheceu o melhor de sua juventude.

Ótima segunda-feira e uma excelente semana especialmente para você.

domingo, 18 de janeiro de 2009



18 de janeiro de 2009
N° 15852 - MARTHA MEDEIROS


As contradições do amor

Eu estava quieta, só ouvindo. Éramos eu e mais duas amigas numa mesa de restaurante e uma delas se queixando, pela trigésima vez, do seu namoro caótico, dizendo que não sabia por que ainda estava com aquele sequelado, et cetera, et cetera.

Estava planejando terminar com o cara de novo, e a gente sabia o quanto essa mulher sofria longe dele.

Eu estava me divertindo diante desse relato mil vezes já escutado: adoro histórias de amor meio dramáticas. Foi então que a terceira componente da mesa, que é psicanalista, disse a frase definitiva: Eu, se fosse você, não terminava. Às vezes ficamos mais presas a um amor quando ele termina do que quando nos mantemos na relação.

Tacada de mestre.

A partir daí, começamos a debater essa inquestionável verdade: em determinadas relações, ficamos muito mais sufocadas pela ausência do homem que amamos do que pela presença dele.

Creio que vale para ambos os sexos, aliás. Um namoro ou casamento pode ser questionado dia e noite: será que tem futuro? Será que vou segurar a barra de conviver com alguém tão diferente de mim?

Será que passaremos a vida assim, às turras? Óbvio que não há respostas para essas perguntas, elas são feitas pelo simples hábito de querer adivinhar o dia de amanhã, mas a verdade é que mesmo sem certificado de garantia, a relação prossegue, pois, além de dúvidas, existe amor e desejo.

E isso ameniza tudo. Os dois estão unidos nesse céu e inferno. Até que um dia, durante uma discussão, um dos dois se altera e termina tudo. Alforria? Nem sempre. Aí é que pode começar a escravidão.

Nossa amiga queixosa, a da relação iô-iô, perdia o rumo cada vez que terminava com o namorado. Aí mesmo é que não pensava em outra coisa. Só nele. Não conseguia se desvencilhar, mesmo quando tentava.

Todas as suas atitudes ficavam atreladas a esse homem: queria vingar-se dele, ou fugir dele, ou atazaná-lo – cada dia uma decisão, mas todas relacionadas a ele. Só quando reatavam (e sempre reatavam) é que ela descansava um pouco desse stress emocional e se reconciliava com ela mesma.

Eu nunca havia analisado o assunto por esse ângulo. Sempre achei que a sensação de asfixia era derivada de uma união claustrofóbica e a sensação de liberdade só era conquistada com o retorno à solteirice. Mas o amor, de fato, possui artimanhas complexas.

Minha amiga finalmente terminou sua relação tumultuada e hoje está vivendo um casamento mais maduro e sereno. Aquele nosso papo foi há alguns anos, mas nunca mais esqueci dessa inversão de sentimentos que explica tanta angústia e tanta neura. Por que temos urgência de abandonar um amor pelo fato de ele não ser fácil?

Quem garante que sem esse amor a vida não será infinitamente mais difícil? Às vezes é melhor uma rendição do que fugir de um amor que não foi vivido até o fim.

Foi isso que nossa amiga psicanalista quis dizer durante o jantar: não antecipe o término do que ainda não acabou, espere a relação chegar até a rapa, e aí sim.

sábado, 17 de janeiro de 2009


André Petry colunadopetry@abril.com.br

O mal do umbigo

"Pior que o silêncio é o trânsito livre do preconceito contra o estudo no exterior, uma doença que mistura antiamericanismo com o vírus do provincianismo"

Quando o professor Jorge Guimarães, presidente da Capes, a entidade que mais distribui bolsas no exterior, disse que não se devia mais investir no estudo de economia lá fora, o mundo acadêmico deveria ter desabado. A frase exata, dita em entrevista ao jornal O Globo: "Vamos continuar mandando alunos para formar doutores num modelo que faliu o mundo?

Esse modelo se mostrou totalmente anticientífico, para dizer o mínimo". Como se sabe, os acadêmicos não reagiram à enormidade do professor. Ficou subentendida a aceitação da ideia de que estudo não é aprendizado, mas doutrinação, sendo inútil estudar solução com quem cria problemas.

Pior que o silêncio é o trânsito livre do preconceito contra o estudo no exterior, uma doença que mistura antiamericanismo com o vírus do provincianismo. Tem cura, mas é contagiosa e pode matar a inteligência.

O Institute of International Education, dos Estados Unidos, informou que nunca houve tantos estrangeiros nas universidades americanas. São 620 000. O país que mais despacha estudantes para lá é a Índia, pelo sétimo ano consecutivo. São 94 000 indianos. Pode-se dizer que o domínio do inglês favorece a presença dos indianos nos EUA, mas o segundo país é a China, com 81 000.

Para fechar a lista dos campeões na era dos Brics, seria natural que, depois de Índia e China, viessem Brasil e Rússia. A Rússia não aparece. Talvez julgue lhe bastar sua Academia de Ciências, um dos maiores centros mundiais de produção científica. E o Brasil também não.

O terceiro país é a Coreia do Sul, com 70 000 estudantes. Depois, vêm Japão, Canadá, Taiwan, México, Turquia, Arábia Saudita e, completando os dez-mais, Tailândia. No segundo bloco, Nepal, Alemanha, Vietnã, Inglaterra, Hong Kong, Indonésia e – enfim! – Brasil, com 7 500 estudantes, apenas um pouco mais do que a Colômbia.

O número raquítico explica, em parte, o papelão brasileiro nas ciências. A produção brasileira, medida pelo número de artigos publicados nas
10 000 revistas científicas mais renomadas do mundo, vem crescendo, mas não é compatível com o PIB. Disputamos o 15º lugar com Suécia, Suíça, Taiwan e Turquia.

Pior que isso é o número de patentes registradas, um indicador do nível de inventividade. Também tem aumentado, mas é desanimador. Conforme dados da ONU, o Brasil registrou 585 patentes em 2006.

Para ficar nos Brics, a China cresce em ritmo fabuloso. A Rússia registrou quase 20 000. A Índia, 2 300. E o Brasil, 585. Rivalizamos com a Romênia, o ex-charco de Ceausescu.

Para chegar ao que julga ser seu destino manifesto de potência, o Brasil precisa aprender a olhar para além do próprio umbigo, sem preconceito. Em sua entrevista, o professor Guimarães só reforçou o preconceito. E deixou uma dúvida.

Ele anunciou mais investimentos para bolsas de estudo nas áreas de oceanografia e bioenergia. Mas os países ricos não são os que mais poluem os oceanos e os maiores culpados pelo aquecimento global? Vamos formar doutores nesse modelo falido...?

Claudio de Moura Castro

Educação em áreas conflagradas

"É preciso cuidar da educação e, ao mesmo tempo, de uma boa coleção de problemas no entorno da escola"

Atômica Studio

A ciência tomou corpo quando se descobriu ser mais fácil entender o mundo classificando o que se quer estudar. Aristóteles deu a partida. Muito depois, Lineu pôs ordem na biologia, separando os bichos e as plantas ("Esse de seis perninhas vai com o outro, também com seis").

Assim agrupados, fica mais fácil estudá-los e encontrar-lhes outros traços comuns. Para E. Junger, a razão encontra a sua suprema metáfora na classificação das espécies da flora. Classificamos até em um campo desconjuntado como a educação. Para entender os avanços e atoleiros do nosso ensino, proponho repensar as classificações costumeiras.

Consideremos as escolas como pertencendo a três categorias. Há as escolas dos grotões, há as escolas das cidades médias e pequenas e, finalmente, há as escolas conflagradas das periferias urbanas e favelas. (Abandonamos aqui as grandes capitais, pois não percebemos generalizações relevantes.)

Os grotões vivem no círculo vicioso da pobreza. A seu favor, são mundos fechados e estáveis, onde cada um é cada um. Mas, na maioria deles, as vantagens da educação não são percebidas. Como consequência, o ensino é ruim e poucos se importam com isso. A depender da sua própria dinâmica, nada vai mudar. Porém, com um bom empurrão de fora, transformações são possíveis.

As cidades pequenas e médias vivem em um equilíbrio instável, do ponto de vista da educação. As que são dinâmicas, e estão onde o prefeito acredita em escola, têm tudo de que precisam para progredir. Com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), sabe-se onde elas estão. Aos poucos, as mais inquietas vão aprendendo os caminhos.

Em um bom número delas há avanços consideráveis. Algumas tomaram as rédeas nos dentes e dispararam. Passaram na frente das capitais, mais ricas e com mais tradição. E isso aconteceu em todos os níveis. Em São Paulo, até os pesquisadores já publicam mais no interior do que na capital.

Finalmente, temos as favelas e periferias das grandes capitais. Esse é o enguiço mais sério. Não lhes faltam recursos nem atenção. Contudo, estão travadas e perdendo espaço para as cidades menores. Por exemplo, dos 645 municípios do estado, a cidade de São Paulo está no 565º lugar no Ideb. O nó da questão é que são regiões conflagradas.

A comunidade local teve seu tecido social dilacerado pelo crescimento atabalhoado ou foi invadida por vagas de imigrantes que não conseguiram se integrar na enorme confusão das periferias. Algumas são como praças de guerra, por seus problemas de insegurança, criminalidade, desemprego, pobreza e desintegração familiar. Nesses casos, faz sentido lembrar a hierarquia do psicólogo Abraham Harold Maslow.

Para ele, as pessoas só se fixam em certos objetivos pessoais depois que outros mais importantes já foram resolvidos. Insegurança física, desemprego e condições precárias de vida vêm antes de educação. Sem que essas questões sejam minimamente atendidas, pouquíssimos darão atenção ao ensino.

Portanto, a não ser que se "pacifiquem" essas periferias, estão fadadas ao insucesso as tentativas heroicas dos secretários de Educação de nelas agir. São outras as prioridades, tais como sobreviver às guerras de gangues do narcotráfico. Isso tudo nos leva à necessidade de políticas educativas diferentes para elas.

É preciso cuidar da educação e, ao mesmo tempo, de uma boa coleção de problemas no entorno da escola. A tarefa ultrapassa o alcance das secretarias de Educação. Porém, requer uma ação minimamente coordenada com elas. Polícia, assistência social, saúde e políticas de emprego têm de entrar em cena e agir de forma articulada.

Há boas experiências no Brasil e devemos aprender com elas. Mas citemos um caso com grande visibilidade: Medellín, na Colômbia. A cidade chamava atenção pela virulência das guerras do narcotráfico (vi soldados empunhando fuzil nas varandas da escola). Mas foi pacificada por um bom prefeito.

Em conclusão, alguns pensam que os grotões podem esperar. Mas, se for para consertar, é possível. Entre as cidades pequenas e médias, as mais dinâmicas começam a se mover. Nas outras, é cutucar os prefeitos lentos e recalcitrantes com respeito à educação.

Nas praças de guerra das periferias, só educação não resolve. Ou entramos com programas mais abrangentes, ou nada vai acontecer – além de se repetirem as explosões costumeiras.

Claudio de Moura Castro é economista
claudio&moura&castro@cmcastro.com.br

Danilo Casaletti

Ainda dá tempo de ficar em forma para o Carnaval?

A pouco mais de um mês para o feriado, academias ficam lotadas e lançam novas atividades para quem quer melhorar o próprio corpo

Sucesso garantido: estabeleça metas para o seu treinamentoTerminadas as férias de fim de ano, muita gente corre para as academias para eliminar os quilos a mais ganhos durante as festas. A meta agora é ficar com um corpo bacana para aproveitar o Carnaval.

Os homens querem perder a barriguinha e conquistar um abdome perfeito. As mulheres, além disso, ainda querem pernas e glúteos bem torneados. Mas, faltando pouco mais de um mês para o feriado, ainda dá tempo de conquistar o corpo desejado?

Depende. Se sua meta é perder cinco quilos, por exemplo, esqueça. Pode não ser impossível, mas é muito difícil perder essa quantidade de peso de uma maneira saudável e sem perder massa muscular.

Mas, para Cristian Bezerra, responsável técnico da academia Bio Ritmo, de São Paulo, eliminar de um a dois quilos até o Carnaval é uma meta totalmente possível de ser alcançada. “Não estabeleça metas muito ambiciosas para não se frustrar depois”, aconselha Bezerra.

Segundo o especialista, a busca por um corpo bacana em um curto espaço de tempo exige alguns cuidados. Primeiro, é preciso saber o que se deseja. “Alguns alunos nos procuram querendo perder peso, outros querem ganhar massa e têm aqueles que querem ficar com um abdome sarado”, diz.

Depois, é preciso manter a regularidade do treino para se obter o resultado desejado. No geral, o treino mais indicado é aquele que combina a musculação com alguma atividade aeróbica.

Para aqueles que vão enfrentar a maratona de desfilar em escola de sambas ou em blocos de carnaval, é importante uma preparação que inclua o fortalecimento de pernas, glúteos, panturrilhas e da capacidade cardiovascular. Neste caso, uma boa opção são as aulas de sppining, que simulam um percurso de bicicleta com subidas e descidas.

Para quem não está matriculado em uma academia, uma boa dica é a caminhada. Segundo Bezerra, o ‘novo atleta’ não deve forçar o corpo e, de início, sair correndo para alcançar a forma física desejada. “Comece com caminhadas de meia hora, depois aumente para 45 minutos e, por fim, para uma hora. Três vezes por semana é o é o suficiente”, garante.

Confira algumas dicas:
- Faça uma avaliação e converse com um professor de educação física para expor suas metas;
- Cuidado com os grandes objetivos em espaços curtos de tempo. Eles podem facilitar as lesões e aumentar a chance de você voltar a engordar;
- É melhor manter a regularidade do que exagerar na quantidade. Não adianta correr duas horas se isso for feito apenas uma vez por semana;
- Aumente aos poucos a intensidade dos exercícios;
- Beba muita água durante o treinamento. É muito importante manter o corpo hidratado. O mesmo deve ser feito durante a maratona de Carnaval;
- Se optar pela atividade ao ar livre, não se esqueça da garrafinha com água e do protetor solar;
- Tenha uma alimentação saudável. A academia sozinha não faz milagres.


17 de janeiro de 2009
N° 15851 - NILSON SOUZA


Alexsandro

O menino deveria ter sete ou oito anos, estava ranhento naquele dia e faltava-lhe pelo menos um dente da frente. Ainda me lembro bem daquele sorriso capenga e do comentário que me fez, cheio de orgulho, enquanto me mostrava uma carta de baralho.

– Olha só a letra do meu nome! – falou, exibindo-me um ás de copas.

Levava no peito um crachá, caprichosamente desenhado com letra de professora e caneta hidrocor, que não deixava dúvidas sobre seu nome: “Alexsandro”.

O crachá, as cartas e até a merenda escolar faziam parte do processo de alfabetização daquela turma da escola pública que eu visitava na condição de repórter de uma revista especializada em educação.

As cartas, num primeiro momento, pareceram-me uma extravagância, pois pensei que poderiam estimular as crianças ao jogo. Mas a professora me explicou, pacientemente, que usava o baralho porque era um elemento da vida real daqueles meninos e meninas de periferia. A maioria deles nunca tinha visto um livro em casa, mas as cartas eram objetos bem conhecidos.

O estalo de Alexsandro não deixava dúvidas. Ele ficou muito feliz em constatar que a primeira letra do nome escrito em seu crachá era aquele ás. Provavelmente, nunca mais iria esquecer aquilo. Estava iniciando – e bem – seu processo de alfabetização.

Mas o importante, para mim, foi ter conhecido aquela professora que se esforçava para ensinar crianças praticamente condenadas a não aprender. Aqueles alexsandros, que recebiam nomes estrambóticos de seus pais iletrados simplesmente porque eles achavam bonito o som das palavras – ninguém simboliza tão bem esta aberração quanto o folclórico jogador Odivan –, dificilmente se interessariam pela leitura e pela escrita se não encontrassem mestras compreensivas e atiladas como aquela.

Para justificar sua orientação construtivista, de partir do universo dos alunos para conquistá-los, ela citou Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura das palavras”.

Na ocasião, e lá se vão mais de 15 anos, fiquei muito impressionado com o conhecimento daquela alfabetizadora, que procurava ir além das cartilhas e buscar um caminho realmente suave para resgatar crianças excluídas do mundo das letras.

Desde então, sucessivas experiências pedagógicas têm sido feitas no ensino do Estado e nossas crianças parecem estar regredindo. Por isso, está em curso uma nova revolução na educação pública do Rio Grande do Sul.

Espero que os bons professores sejam reconhecidos e valorizados.

Mas espero, acima de tudo, que as autoridades e os trabalhadores em educação, que é a forma como gostam de ser chamados, não se esqueçam dos alexsandros.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009



12 de janeiro de 2009 | N° 15846
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Uma espécie de refúgio

Uma leitora me pergunta, com esse jeito de provocar de que só as mulheres são capazes, por que num mundo sitiado de insegurança, dilacerado por guerras, destroçado pelo terror eu perco tempo com pequenos flagrantes do cotidiano, mínimas ruas e jardins, mais a onipresente cidade de Cachoeira.

Acho que por uma espécie de refúgio, L. É bom de vez em quando exilar-se da realidade nesse território que atende por paz interior. É bom abrigar-se da parte torta do universo em outro universo, o que atende por serenidade. É bom recolher-se das pequenas e grandes catástrofes do dia-a-dia buscando esconderijo na tranquilidade de espírito.

Assim como não desconheço as tragédias deste inquieto planeta sem juízo, tenho imenso apreço pelos incidentes e lugares de que também se compõe a existência.

Considera as mínimas ruas e jardins, L. Aqui perto de casa sobrevive um parque em ruínas, legado de passadas eras de fama, alegria e fortuna. Para o comum dos mortais, aquele espaço devastado nada mais é do que um trecho esquecido do Centro. Já eu, que sou incomum por amar a vida, vejo ali toda uma longa saga de encontros, agonias e êxtases.

Também não consigo mostrar-me alheio à poesia das travessas da minha vizinhança. Não longe daqui, L., começa a Cidade Baixa e há nesses domínios trechos em que velhas casas se apoiam umas nas outras, assim como quem tem frio e sonha.

Não consigo me distanciar da poderosa dimensão humana de meias-águas e sobrados que esqueceram de dobrar-se à trajetória das idades e vivem de respirar suas memórias.

E há Cachoeira. Cachoeira é a primeira imagem de minha circunstância, é o prólogo e o índice de minha caminhada sobre a Terra, é a rosa-dos-ventos de minha jornada rumo a todos os horizontes, à paz e ao esquecimento.

Entendes agora, L., por que o mundo pode caber inteiro em flagrantes do cotidiano, em mínimas ruas e jardins e na terra em que nasci? É porque, um pouco à maneira de Pessoa, nada é trivial quando a alma é importante.

Aproveite o dia - Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.

domingo, 11 de janeiro de 2009



11 de janeiro de 2009
N° 15845 - MARTHA MEDEIROS


Competência pra vida

Tem aquelas pessoas de quem a gente é fã, mesmo não compactuando com o comportamento delas quando os holofotes se apagam.

É o caso da Amy Winehouse, por exemplo, que acabou se envolvendo com drogas de uma maneira descontrolada e que por causa disso coleciona episódios deprimentes de internações, vexames públicos e risco de vida. Se eu lesse um livro que reunisse entrevistas dessa inglesa pancada das ideias, provavelmente não me identificaria muito com ela.

Ainda assim, sua privacidade não é da minha conta, portanto nada me impede de considerá-la um dos melhores acontecimentos musicais dos últimos anos: é uma cantora de personalidade única e com um repertório classudo eu certamente estaria na fila do gargarejo se Amy fizesse um show por aqui, mesmo correndo o risco de ela cair desmaiada sobre minha cabeça e eu ter que carregá-la de volta pro camarim.

E tem aquele outro tipo de artista que nos ganha por completo: a gente admira não só sua obra, mas sua visão de mundo também, o que estabelece um caso de amor eterno, que é o que rola entre mim e Woody Allen – por enquanto, um caso de amor unilateral porque ele ainda não sabe da minha existência, mas deixe saber.

Além de muitos DVDs, tenho alguns livros sobre ele, e adicionei à minha coleção o Conversas com Woody Allen, que reúne uma série de entrevistas que ele concedeu ao longo dos últimos 40 anos ao jornalista Eric Lax, e de onde se podem extrair declarações do tipo: “Eu gostaria de fazer um grande filme, desde que isso não atrapalhe a minha reserva para o jantar”.

A despeito de sua modéstia – ele já fez dúzias de grandes filmes – o que me seduz nessa declaração é que ele revela ser do tipo que não coloca o trabalho à frente da vida pessoal, não sacrifica seus prazeres mundanos, não vira noites nem adoece por causa de um ofício que, por mais importante que seja, não vale um encontro com o namorado ou um almoço no dia do aniversário do filho. Eu desconfio muito de quem não valoriza o seu ócio predileto e acaba virando gângster de si mesmo.

Até podem ganhar prêmios com sua dedicação inumana, mas perdem todo o sabor da vida. São profissionais competentes, por um lado, mas incompetentes por não reconhecerem a importância de alcançar uma certa vadiagem responsável, que é como eu chamo o “trabalhar sem se matar”.

Quando fui publicitária, em priscas eras, meus colegas ficavam fulos ao me ver dando tchau às sete da noite e voltando pra casa sem um pingo de remorso, enquanto eles ficavam até altas horas fazendo não sei bem o quê – provavelmente o que fazem até hoje.

Tirando algumas ocasiões excepcionais, em que realmente o trabalho exige hora extra, o resto é tempo desperdiçado em reuniões inúteis e enrolação de quem não tem nada melhor pra fazer nas suas horas livres.

Nesse mesmo livro, Woody Allen aconselha todo mundo a trabalhar, claro, mas recomenda que se divirtam com o processo, que não deem bola para o que os outros dizem e que, por mais gratificante que seja ganhar dinheiro, não se deixem levar por ilusões de grandeza. Menos vaidade, mais prazer.

Não estivesse ele comprometido e ligeiramente fora do meu alcance, eu o convidaria para jantar.

sábado, 10 de janeiro de 2009


Cláudio Gradilone e Juliana Garzon

O que fazer para não ser o pato em 2009

Saiba como proteger o seu dinheiro e não ser abatido pelo tiroteio da crise financeira



No segundo semestre de 2008, uma pedra gigantesca desabou sobre as águas plácidas da economia mundial. As ondas que partiram do mercado financeiro, epicentro do desastre, devem se espraiar em círculos cada vez mais amplos em 2009. As previsões de crescimento para o Brasil, no ano que vem, falam em 2,4%.

Isso é menos da metade do que se verificou em 2008. Nesse cenário, o indivíduo que descuidar de suas finanças poderá ser abatido como o proverbial patinho na lagoa. Quem agir poderá não apenas preservar o seu dinheiro, mas também multiplicá-lo. Nas próximas páginas, o leitor encontra um guia para atravessar 2009 em segurança do ponto de vista financeiro.

A primeira reportagem enfoca os dez tipos de investimento mais comuns, analisa o impacto que a crise pode ter sobre eles e indica como escapar das armadilhas. "O tolo e seu dinheiro" aborda o "inimigo interno" de todo investidor – as inclinações naturais da espécie humana, exploradas por duas ciências jovens, a economia comportamental e a neuroeconomia, que nos levam a tomar decisões desastradas ao lidar com dinheiro.

A guerra em torno das finanças domésticas, que leva a quatro em cada dez divórcios segundo uma nova pesquisa, e a necessidade de cuidar da "alfabetização financeira", seja com leituras, seja nos cerca de 500 cursos voltados a essa finalidade no Brasil, completam o quadro.

Haja ou não crise, alguns fundamentos básicos da arte de investir não mudam. Um deles é a necessidade de diversificar as aplicações para reduzir os riscos. Nossas avós diziam para não colocar todos os ovos na mesma cesta – ditado que foi confirmado por vários prêmios Nobel de Economia. Investir, além disso, sempre será parecido com fazer uma viagem. Nada vai dar certo se o investidor não tiver um objetivo claro.

Assim como o viajante, ele pode escolher entre uma jornada rápida e arriscada e outra em que se contempla a paisagem, mas que demora mais tempo. Há, finalmente, recomendações como a de Warren Buffett, um dos três homens mais ricos do mundo: não invista em nada que você ache incompreensível. Investir é como escolher uma roupa. Além de olhar se combina, o investidor tem de se sentir confortável com o que está usando.

Nos últimos dez anos, uma mudança cultural considerável já se deu no Brasil. Há mais informação circulando, e mais gente alerta para a necessidade de planejar sua vida financeira – pois isso, no fim das contas, se traduz em capacidade para realizar as próprias aspirações.

É o que se vê com clareza na bolsa de valores. Atualmente, mais de meio milhão de brasileiros já se habilitaram a comprar e vender ações diretamente na Bovespa. As primeiras ondas da crise iniciada em 2008 machucaram esse grupo de pessoas: no segundo semestre, o índice Bovespa despencou quase 50%. Diante de tamanho prejuízo, seria de esperar que os pequenos investidores bateriam em retirada. Não foi o que ocorreu. Encerrado o ano, a bolsa contava com 80 000 novos investidores.

É sinal de que surgiu uma nova mentalidade, e de que o poupador brasileiro, especialmente o mais jovem, sabe que um pouco de ousadia e diversificação das aplicações é necessário para alcançar uma rentabilidade maior. Junte-se a ele.

10 decisões financeiras

Ilustrações Stefan

1 - POUPANÇA

É a porta de entrada para o mundo dos investimentos. Aplicação segura, isenta do imposto de renda e de taxas de administração. Mas o rendimento é pequeno.
O cenário atual: em 2008, a poupança bateu a inflação por muito pouco: rendeu 8%, contra 6% do IPCA. O ganho real, portanto, é ínfimo.

Não seja o pato: com aplicações a partir de 1 000 reais já é possível encontrar fundos de investimento tão seguros quanto a poupança – e mais rentáveis. Diz Marcelo Xandó, diretor da Verax Serviços Financeiros: "A caderneta deve ser usada para acumular um volume inicial de recursos, que depois devem ser distribuídos em outras aplicações".

2 - FUNDOS DI E DE RENDA FIXA

Aplicações lastreadas por títulos públicos e privados, são um porto seguro em tempos de crise. O rendimento fica próximo ao da taxa básica de juros definida pelo Banco Central, descontados impostos e taxa de administração.

Cenário atual: no fim de 2008, o BC deu sinais de que vai reduzir a taxa de juros, atualmente em 13,75% ao ano, na próxima reunião de seu Comitê de Política Monetária, em 21 de janeiro. É uma medida para estimular a economia.

Se a tendência de redução se mantiver ao longo de 2009, a rentabilidade dos fundos DI e de Renda Fixa poderá ser menor que os 12% alcançados em 2008 – mas ainda bastante elevada em termos comparativos: basta lembrar que países como Estados Unidos e Inglaterra derrubaram seus juros para perto do zero.

Não seja o pato: preste atenção às taxas de administração cobradas pelos bancos: elas podem devorar boa parte do rendimento da sua aplicação. Fuja de fundos DI ou de renda fixa que tenham taxas de administração acima de 2% ao ano.

3 - CDBs

São os certificados de depósito bancário, um título emitido pelas instituições financeiras para levantar capital.

Cenário atual: com o enxugamento do crédito externo causado pela crise global, os bancos passaram a pagar juros mais elevados na tentativa de atrair investidores para os seus papéis. Essa tendência deverá continuar em 2009, tornando os CDBs uma das aplicações mais atraentes do momento.

Não seja o pato: o maior risco de aplicar em CDBs é a quebra da instituição que os emitiu. O setor bancário brasileiro tem solidez para enfrentar a crise – mas não custa se precaver. Privilegie os CDBs de grandes bancos, públicos ou privados. Se aplicar volumes superiores a 60 000 reais, que são garantidos, pense na possibilidade de distribuir a aplicação em mais de uma instituição financeira. rfaa de administraç

4 - AÇÕES

Cada ação é uma parcela de participação numa empresa. O preço dos papéis reflete a expectativa de lucros futuros daquele negócio

Cenário atual: Depois de cinco anos seguidos de alta e euforia, a Bovespa teve um 2008 trágico: perdeu quase metade de seu valor. No curto prazo, a alta volatilidade torna a aplicação arriscada.

Mas a Bovespa dá sinais de recuperação e acumula alta de 11% neste ano. "As ações apresentam boas oportunidades de investimentos, especialmente no segundo semestre, com a perspectiva de retomada na economia mundial", diz Julio Martins, diretor da Prosper Gestão de Recursos. Lembre-se de que, apesar da perda do ano passado, a Bovespa acumula alta de 280% desde o início de 2003

Não seja o pato: A chave é diversificar. Mesmo os investidores mais experientes não aplicam todos os seus recursos em ações, e nunca nos papéis de uma única empresa.

Evite comprar papéis de empresas novatas na bolsa (elas até podem se provar lucrativas no futuro, mas tendem a ser apostas arriscadas). Nunca haja por impulso. Não se deixe levar pelo comportamento de manada, que conduz ao mais grave dos erros: comprar ações na euforia da alta para vendê-las (com prejuízo) no pânico da baixa

5 - FUNDOS DE AÇÕES

Como diz o nome, eles têm a maior parte de seus recursos aplicada em ações. São ideais para quem quer colocar ao menos parte do seu dinheiro na bolsa, sem a necessidade de negociar diretamente os papéis

Cenário atual: Esses fundos acompanham a oscilação vertiginosa das ações, o que os torna arriscadíssimos para quem precisa do dinheiro no curto prazo. Mas há boas chances de eles voltarem a ser um dos investimentos mais rentáveis em 2009

Não seja o pato: Antes de escolher um fundo, veja em quais papéis ele aplica os recursos. Privilegie aqueles que tenham papéis de empresas sólidas em sua carteira. Mantenha o sangue-frio em caso de desvalorização. Quando a maré virar, o capital poderá ser recuperado. Não se esqueça de que perdas e ganhos só ocorrem de fato quando o investidor decide sacar os recursos

6 - FUNDOS MULTIMERCADOS

Suas carteiras contêm vários tipos de papéis. Os conservadores concentram suas apostas em títulos públicos e ações. Mas existem os mais agressivos e até os ultra-arriscados — que não se detêm sequer diante dos famigerados "derivativos tóxicos"

Cenário atual: Com valorização média de 5%, tiveram em 2008 resultado menos desastroso que o dos fundos de ações. Mas perderam da inflação

Não seja o pato: Mais uma vez, preste atenção em que tipo de papéis o fundo aplica os recursos. Se quiser evitar surpresas desagradáveis, opte por aqueles que invistam apenas em títulos públicos e em ações de grandes empresas. Mais vale ser um conservador com dinheiro do que um especulador falido

7 - DÓLAR

A divisa dos Estados Unidos é a moeda mais negociada e mais aceita no mundo, sendo um refúgio para os investidores em momentos de turbulência. Cenário atual: Depois de cinco anos seguidos de queda, o dólar voltou a se valorizar em 2008.

Muitos investidores estrangeiros tiraram divisas do Brasil para cobrir obrigações lá fora. Se o dinheiro desses investidores voltar, a cotação da moeda deverá recuar novamente. É a aposta dos especialistas. Diz Silvio Campos Neto, economista do banco Schabin: "O movimento global de valorização do dólar deverá se reverter".

Não seja o pato: Tratar o dólar como um investimento é algo altamente arriscado. A cotação oscila muito, e rapidamente. Nenhum economista consegue prever com exatidão a cotação futura. Não especule. Isso é coisa para profissionais. Caso tenha alguma viagem programada, compre dólares aos poucos, aproveitando os movimentos de baixa

8 - PREVIDÊNCIA PRIVADA

São fundos nos quais se deposita todo mês uma parcela do salário, para garantir a renda depois da aposentadoria

Cenário atual: Há fundos compostos exclusivamente por títulos públicos e outros mais agressivos, que aplicam até 30% de seus recursos em ações. Os primeiros tiveram alta de 11% em 2008. Os segundos, queda de 10%

Não seja o pato: Tenha em mente o seu horizonte de aplicação. Quem tem mais de 50 anos e está prestes a se aposentar deve optar por fundos conservadores, não sujeitos à volatilidade das ações. Os poupadores mais jovens podem ousar e contratar carteiras carregadas de ações. "Aplicações mais arriscadas ficam bem mais interessantes quando ainda falta muito tempo para o investidor se aposentar", afirma o consultor Caio Torralvo.

9 - IMÓVEIS

A compra da casa própria é de longe a decisão financeira mais importante na vida da maioria das famílias. Costuma representar a fatia mais encorpada do seu patrimônio
Cenário atual: Com a crise, caiu o ritmo de vendas de casas e apartamentos novos.

Há uma boa quantidade de apartamentos e casas à venda. O comprador ganhou poder de barganha para obter um desconto. Além disso, há bancos que não subiram os juros do financiamento imobiliário.

Não seja o pato: Pesquise, reflita e pechinche. Analise sua condição financeira a fundo e não assuma uma dívida que comprometa mais de 30% de seu salário. Lembre-se de que se trata de um financiamento longo, em geral superior a dez anos

10 - CARROS

O carro novo é um objeto de desejo, e o principal bem de consumo durável de uma família

Cenário atual: Os estoques das montadoras estão elevados, e o governo diminuiu os impostos. O resultado é que os carros novos ficaram mais baratos – especialmente para quem não se importar em adquirir um modelo com ano de fabricação de 2008.

Mas os financiamentos ficaram mais caros e mais difíceis. Além disso, os preços dos usados, que normalmente servem de entrada na aquisição de um veículo novo, caíram bastante, o que deixou a troca mais complicada

Não seja o pato: É preciso pesquisar, e muito, em diversas concessionárias – tanto para obter o menor preço possível pelo novo a ser comprado como para conseguir a melhor cotação para o seu usado. Quem for financiar precisa comparar minuciosamente as taxas de juros cobradas. Elas variam bastante entre os bancos. Nem sempre a financeira da concessionária oferece as melhores condições

Lya Luft

As mortes poderiam ser evitadas

"Estamos tão pressionados pela vida, a política, as circunstâncias, as dificuldades, os medos e sustos, que por qualquer coisa explodimos. Penso que somos uma geração doente da alma"

Ilustração Atômica Studio

Abrimos o ano novo com a habitual lista de tragédias que poderiam ser evitadas. Talvez a gente não perceba o valor da própria vida. Talvez a gente só consiga viver porque não tem consciência disso. Parece que só diante da morte nos damos conta de que, apesar dos altos e baixos, viver é maravilhoso, viver bem é possível. Na corrida do cotidiano, não paramos para pensar: "O que estou fazendo da minha vida? Como estou tratando as pessoas que amo?

De que jeito estou cuidando delas, de mim, deste mundo em que vivemos?". Isso me ocorre especialmente lendo as primeiras notícias dos primeiros horrores: mortes nas estradas e cidades, fome e miséria para milhões de pessoas inocentes pelo mundo e, de novo, a guerra.

Ou sempre as guerras, pois o homem gosta de brincar de bandido e mocinho, trocando as armas de brinquedo por tremendas armas de verdade. Nelas incluo carro, ônibus, barcos e outros.

Pelas estradas e ruas – para começar com o doméstico e cotidiano – não é preciso esperar muito para presenciar as maiores aberrações, desde pedestres praticamente se jogando diante de carros e caminhões até motoristas que parecem alucinados. Não sei se é possível, mas valeria a pena, quem sabe, tentar contar o número de mortes burras e evitáveis no trânsito, que ocorrem por imprudência, loucura, arrogância, despreparo, futilidade.

Mortes fúteis, que mesmo sendo fúteis são tragédias. E não falo só dos assassinatos praticados pelos motoristas alcoolizados, falo também dos infantiloides e idiotas, que mesmo assim têm nas mãos as poderosas armas que são o carro, o ônibus, o caminhão.

Dirijo frequentemente em estradas, e diariamente em ruas. Boa parte dos motoristas não poderia ter carteira, não deveria dirigir. Não antes de conhecer as regras e aprender a respeitá-las, não antes de amadurecer, ter consciência e ser uma pessoa confiável. Com um veículo seguro.

O que se vê nas ruas e estradas é um espetáculo incompreensível de imprudência e loucura. Ultrapassagens incríveis, muitas vezes feitas por um pai de família com o carro cheio de crianças. Impaciência doentia, uma raiva generalizada dando a impressão de que se quer matar, atropelar, fazer sofrer o primeiro que aparecer pela frente. O verniz de civilidade que nos cobre é cada vez mais tênue.

Talvez seja mais um sinal dos tempos: estamos tão pressionados pela vida, a política, as circunstâncias, as dificuldades, os medos e sustos, que por qualquer coisa explodimos.

Penso que somos uma geração doente da alma. Ultrapreocupados, supermedicados, incapazes de relaxar e curtir a vida, de parar para pensar ("Parar pra pensar? Nem pensar! Se paro para pensar, eu desmorono!", a gente ouve com frequência).

Estamos hipnotizados por questões de saúde, sentamos à mesa só pensando em triglicérides e calorias, deitamos pensando no Viagra, acordamos apressados porque é preciso correr, caminhar, ir à academia – tudo coisas ótimas, desde que não sejam obsessão. Porém, na conduta diária, em nossas particulares vidinhas, supertensionados, nos portamos como adolescentes insensatos.

E agora, mais uma vez, a guerra. Sempre há guerrinhas neste vasto mundo estranho. Não quero nem sei discutir razões e justificativas nem desta nem de outra guerra qualquer. Mas é nas guerras – como nos campos de refugiados na África e também por aqui, onde se morre de fome, sujeira e falta de condições mínimas – que nos damos conta do pouco valor da vida para uma humanidade que se bota fora a todo momento.

No cotidiano em casa, na rua, na estrada, no campo de batalha, no corpo dos inocentes atônitos em casas arrasadas ou veículos destroçados, hospitais sem estrutura ou apenas com condições sub-humanas, a gente se porta como se a sobrevivência fosse garantida, e tivéssemos dos deuses o aval para cometer todas as imprudências assassinas e mortais futilidades que se possam inventar.

Bom Ano Novo, para os que conseguirmos sobreviver.

Lya Luft é escritora


A fórmula do amor eterno

Os avanços da genética e das técnicas para mapear o cérebro ajudam a explicar por que certas paixões duram e outras não Marcela Buscato e Martha Mendonça. Com Danilo Casaletti

O segredo da paixão eterna é a ativação de um circuito na área tegmentar ventral, uma região do mesencéfalo, no meio da cabeça. Certo, não soa nem um pouco romântico, mas essa descoberta de cientistas de duas universidades americanas, noticiada na semana passada, pode ajudar a entender por que alguns relacionamentos duram tanto e outros tão pouco. A área tegmentar ventral é acionada quando algo nos dá prazer.

Os pesquisadores das universidades Rutgers e Stony Brook, nos Estados Unidos, detectaram em imagens computadorizadas um pequeno ponto de luz, indicador desse circuito cerebral em atividade, nas pessoas que têm relacionamentos estáveis há pelo menos duas décadas. Pode ser a prova de que não é uma ilusão a paixão que permanece tão intensa quanto no primeiro dia.

“O contexto do início ajudou muito. Jovens, belos, isolados no Xingu, nadando seminus em rios límpidos. Éramos pura sensação, todos os sentidos aguçados no meio do nada, longe da cidade e do barulho. A química foi perfeita, o desejo irrefreável, aquela coisa que sai faísca. Mas o melhor é dizer que até hoje somos assim. Respeitamos a individualidade do outro, mas sentimos muita saudade quando um trabalho nos separa.

Trocamos e-mails, pegamos avião para passar um tempo mínimo com o outro. O Ri é muito generoso, o tipo de homem doador. Cada reação dele diante de coisas grandes ou pequenas é coerente, é bonita. E temos muito tesão, sem o qual nada pode seguir adiante”

Bruna Lombardi, 56 anos, e Carlos Alberto Riccelli, 61 anos, estão juntos desde 1978. Conheceram-se gravando Aritana, novela sobre uma índia do Xingu - “É difícil falar do que mais gosto em uma mulher tão linda como a que eu tenho.

Dá para dizer ‘tudo’? Na primeira vez que bati o olho, pensei, impressionado, o que qualquer homem pensaria em relação a ela. Adoro os olhos, a boca, as pernas, os pés, o jeito como ela se mexe. A lista é enorme! Mas o melhor é que não é só isso. Atrás daquilo tudo havia uma mulher inteligentíssima, brilhante, apaixonada pela vida.

O começo é importante, mas para que dê certo as pessoas precisam querer continuar acertando. Não existe um segredo. As pessoas são diferentes e a interação delas também. O Universo conspira, mas precisamos fazer a nossa parte”

Casais de longa data que se dizem tão apaixonados quanto no primeiro encontro – como alguns dos que contam a ÉPOCA, nestas páginas, como encaram o amor – não estariam, portanto, se iludindo, como apregoam os céticos e os de coração calejado – ou cérebro desligado.

Os pesquisadores compararam o cérebro de 17 homens e mulheres que relatavam sentir uma paixão intensa pelos companheiros de décadas com os de namorados há menos de um ano juntos. Um equipamento de ressonância magnética mostrou que, ao verem fotos do parceiro, os cérebros dos apaixonados veteranos reagiram da mesma maneira que os dos namorados recentes: a tal “área tegmentar ventral” foi ativada.

“Nós ainda não temos certeza quanto aos fatores que fazem a paixão durar tanto tempo em alguns casais”, diz o psicólogo Arthur Aron, um dos coordenadores do estudo.

Mas há suspeitas de que esses motivos sejam mais uma questão de “quem” em vez de “o quê”. “É preciso escolher a pessoa certa para que a paixão seja duradoura”, diz a antropóloga Helen Fisher, outra coautora do estudo e uma das mais respeitadas especialistas nas transformações cerebrais causadas pela paixão.

Os avanços da ciência nos últimos anos podem ajudar na busca pelo parceiro ideal? Ao que tudo indica, sim. As técnicas de mapeamento do cérebro já conseguem mostrar o que acontece com ele quando estamos apaixonados.

E a genética está ajudando a explicar por que nos sentimos atraídos por determinadas pessoas e por que outras que teriam tudo para nos atrair se tornarão, no máximo, bons amigos.

Já são vendidos testes genéticos com a promessa de unir casais que teriam literalmente nascido um para o outro. Pode ser um pouco precipitado, considerando o estágio atual das pesquisas.

Mas até que ponto a ciência pode determinar por quem nos apaixonamos? Os sintomas clássicos do surgimento da paixão – o frio no estômago e as mãos suando – poderiam ser trocados por um impessoal exame de laboratório?

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009



07 de janeiro de 2009
N° 15841 - MARTHA MEDEIROS


Queridos amigos, de novo

Insistindo no assunto: domingo passado elogiei a minissérie Queridos Amigos, que assisti em DVD quase um ano depois de ela ter ido ao ar. O motivo da crônica era aproveitar essa época de troca de presentes para salientar que bom mesmo é receber algo que faz a gente refletir e se emocionar, como filmes, livros, discos. Não que joias e passagens aéreas sejam desprezíveis. Crise, que crise?

Mas muitos me perguntaram: por que gostei tanto, afinal? Um dos motivos eu já disse: porque enaltece a amizade, e não estou falando de qualquer “oi, tudo bem?” que a gente troca no meio da rua, mas da amizade fundamentada em alicerces sólidos, construída com o tempo, coisa que dificilmente um orkut possibilita (admito, porém, que já iniciei três ou quatro excelentes amizades por e-mail, com desdobramentos ao vivo e a cores).

Outra razão: a história se passa em 1989, ou seja, na idade da pedra, quando ainda se usava máquina de escrever, se falava em orelhão, se ouvia disco de vinil e se era mais politizado.

É tocante ver o drama daqueles amigos que vivenciaram a ditadura tendo que se confrontar com o iminente desaparecimento do idealismo, coisa que acabou se estabelecendo em definitivo entre nós.

Qual é a nossa causa, hoje? Por quem a gente luta? Sejamos honestos: pelo nosso bem-estar e por mais nada. Viramos uns individualistas que até se comovem com o menino miserável que faz malabarismo na sinaleira, mas já não somos capazes de nos mobilizar, de brigar.

Temos consciência ecológica, torcemos pelo Obama, mas são fenômenos midiáticos que não sei até onde nos mobilizam de fato ou simplesmente nos levam de roldão.

Eu me lembro que chorei quando as diretas-já não passaram em 1984, lembro do meu desapontamento quando Tancredo morreu e da minha alegria com o impeachment do Collor, mas a partir daí meus sentimentos foram sendo neutralizados e acabei sendo absorvida por um certo desencantamento, e espero que o nome disso não seja maturidade.

Queridos Amigos é uma bofetada naqueles que chegaram a cantar com Cazuza “ideologia, eu quero uma pra viver”, mas que seguiram vivendo numa boa sem ela.

E como se essas reflexões e alertas não bastassem, a minissérie também é um tratado sobre as relações íntimas e afetivas, sobre como ficamos desarmados diante da traição, da rejeição, do abandono, não importa o quão inteligentes e modernos sejamos – assuntos do coração fragilizam a todos, e talvez esta seja, hoje, a única dor que nos unifica.

Mas quem quer saber disso em tempos de Zorra Total?

Aproveite o dia - Uma ótima quarta-feira para você.