domingo, 19 de junho de 2022

A COMUNICAÇÃO

 

A comunicação é a arte de falarmos

uns com os outros, não para os outros.

É dizer o que pretendemos, o que sentimos,

de forma clara, sem ilusão ou disfarce.

 

Contrariamente à crença popular,

é uma habilidade adquirida,

e não um subproduto natural

decorrente do encontro

entre duas pessoas.

 

Tudo o que “se subentende”

ou que “não se precisa dizer”

entre duas pessoas que se amam

pode ser origem de uma enorme

 falta de comunicação.

 

Não podemos ouvir o que o outro não disse.

E ás vezes, quando por fim ouvimos,

 é tarde demais.

 

sábado, 18 de junho de 2022


18 DE JUNHO DE 2022
CAPA

"Precisamos nos olhar com mais generosidade"

Mônica Martelli elegeu Porto Alegre para a reestreia da peça Minha Vida em Marte, neste final de semana, e conversou com Donna sobre novos projetos, envelhecimento e maternidade

Quando soubemos que Mônica Martelli retornaria à Capital com a peça Minha Vida em Marte e que ela nos daria esta entrevista , ficamos em polvorosa. Com a mesma personalidade intensa, alegre e espontânea que empresta à sua personagem Fernanda no teatro, na série e nos filmes, a atriz falou conosco por telefone e atualizou as novidades aos fãs, ávidos por acompanhá-la novamente após sua saída do programa Saia Justa, do GNT, do qual participou por nove anos.

- Além de retornar aos palcos, que morro de saudade, estou preparando um novo programa de bate-papo e uma série para o streaming - revela.

Em parceria com sua irmã Susana Garcia, ela também escreve um roteiro sobre a vida do humorista Paulo Gustavo. - Era meio pai, meio irmão, me protegia - relembra, saudosa.

Com coragem e liberdade, a carioca de Macaé inspira mulheres de todas as idades ao viver suas vontades - sem medo de testar novas fórmulas e se perguntando: "O que eu quero hoje?".

Aos 51 anos posou nua pela primeira vez, celebrando uma fase "exalando alegria e felicidade". E, aos 54 anos recém-feitos, prioriza a criação da filha, Júlia, de 12 anos, e vive o amor com o empresário Fernando Altério, no qual diz ter "o melhor dos mundos".

- Depois dos 50, você coloca menos responsabilidade na mão do outro para te fazer feliz - reflete.

Como é reencontrar o público porto-alegrense após dois anos e meio de pausa pela pandemia?

Porto Alegre foi a primeira cidade que escolhi para voltar com a peça. Amo me apresentar aqui, tenho uma ligação de muito afeto com essa cidade que sempre me acolhe e recebe de forma carinhosa e respeitosa, que admira meu trabalho e que me entende. Inclusive, já abri sessão extra. É sempre um sucesso. Depois vou a Novo Hamburgo, Curitiba, São Paulo e Nordeste.

A peça mudou?

Ao assistir novamente para retomá-la me surpreendi, achei que faria muitas mudanças. A peça é tão atual, fala de todos os tipos de casamentos sobre o envelhecimento da mulher, a falta de libido, as tentativas de retomar a relação. É atemporal. A protagonista, Fernanda, de 45 anos, narra alegrias e dificuldades do casamento. Vive uma fase em que se sente invisível e tem medo de se separar. Esses e outros dilemas, como falta de tesão e acúmulo de mágoas, ela trabalha na terapia.

Você deixou o Saia Justa neste ano e os fãs ficaram chateados.

Diariamente, recebo mensagens sobre isso. Fui muito feliz sentada naquele sofá por nove anos. Aprendi muito com as pautas e debates. Me entreguei com espontaneidade, histórias e visão de vida. Ali vi o Brasil mudar, o movimento das mulheres se intensificar e avançar.

E quais os próximos projetos?

Fiz um piloto de programa só meu no GNT que se chama "Por Que a Gente é Assim?" (previsão de estreia em 2023) e agora concilio a criação com a agenda dos palcos, que estou com muita saudade e é prioridade. Será um programa de bate-papo, uma das coisas que mais gosto na vida. Além disso, estou escrevendo dois roteiros: uma do meu próprio filme Minha Vida em Marte 2, e outro de uma série para streaming que ainda não posso falar.

Sua história de sucesso inspira muita gente. Você acha que a realização da mulher hoje tem roteiro mais flexível?

Acho que sim. A mulher de 50 não é mais a que faz crochê e frango assado no domingo. Já entendemos que podemos mudar de emprego, marido e cidade. Estamos cada vez mais produtivas e ultrapassando as barreiras do machismo. O envelhecimento da mulher sempre foi visto como algo feio, uma desqualificação, e lutamos contra isso. Desde muito novas somos ensinadas a tomar decisões com pressa. É muito cruel ter que decidir tudo aos 20 anos: o que fazer da vida, a profissão e com quem casar. Ninguém tem maturidade para isso.

E você se cobrava muito?

Fui reconhecida aos 37, mas sofri muito até ali. Desde os 25 anos olhava à minha volta e via as pessoas dando certo nas carreiras e eu, nada. Me cobrava muito. Acho que hoje não tem mais isso. Cada um tem uma história, um tempo, nunca é tarde para nada. Podemos sempre recomeçar. A pior coisa é ter medo de tentar.

Você se considera corajosa?

A coragem não é a ausência de medo, é ir com medo mesmo. E não tenho medo de falhar. A sociedade nos cobra o acerto e, se você pautar sua vida nisso, fica com medo de arriscar. E aí não arrisca uma nova relação, um trabalho, pelo medo do fracasso. E o que é o fracasso? É uma nova experiência, amor.

Que passos você indica às mulheres que querem se reinventar, como sua personagem Fernanda?

O primeiro é desejar, querer muito; o segundo é ter coragem, vá com medo mesmo; e o terceiro, saber que é possível, que não há um único modelo de felicidade e de vida. Temos que testar novas possibilidades, entender o que desejamos, sair dessa prisão que são os formatos que um dia nos disseram que são certos. Não existe certo e errado. A vida oferece muitas possibilidades de felicidade.

Ter posado nua aos 51 ajudou na sua própria revolução?

Foi muito natural, tiro a roupa com facilidade. Mesmo sendo uma mulher dentro de um padrão estipulado, sempre tive questões com meu corpo, como toda mulher. Aprendemos, desde pequenas, a nos olhar no espelho e achar defeitos. Ao contrário dos homens que, aliás, como saiu naquela pesquisa recente: sete em cada 10 se acham bonitos. Se perguntar para as mulheres, sete entre 10 dirão que se acham feias. Também faço parte desse contexto.

Qual sua visão sobre transformações estéticas?

Cada um tem que se entender na própria pele, se ver com generosidade e saber se gostar. Faço tudo para ser uma mulher bonita aos 54 anos. Não posso querer ter 30 e não farei nada que me leve a isso, até porque não tem jeito (risos). Já fiz muitas coisas ligadas à dermatologia, botox, laser, mas com noção. Sempre perguntava ao Paulo Gustavo se tinha ficado bom, porque ele dizia a verdade. Agora peço à minha irmã: ??O dia que eu pirar você me fala, tá???

Você vive um grande amor. Como foi o reencontro?

As relações amorosas sempre ocuparam um lugar muito grande na minha vida, apesar da profissão ocupar um gigantesco. É muito bom se apaixonar aos 50, pois pensava: "se achar uma boa companhia, já está ok. Talvez já tenha vivido as paixões que tinha que viver...". E poder sentir de novo tanta emoção foi um presente. Mas acho que mereço, já sofri muito.

Amor tranquilo é maturidade?

É o desejo de viver isso de novo, é a sorte também - mas é você ajudar essa sorte, né, fazer acontecer. É ótimo, porque somos experientes, com filhos. Já sabemos mais quem a gente é e o que quer do outro, colocamos menos responsabilidade para te fazer feliz.

Moram juntos?

Não, nos vemos toda sexta, sábado e domingo e dá muito certo. No final de semana quero me arrumar para encontrá-lo. A gente se fala o tempo todo, troca opiniões, nos ajudamos, somos parceiros, mas o "massacre" da rotina, não temos. Estamos com o melhor que a relação pode trazer, o melhor dos mundos. Mas não é regra, no futuro pode mudar. Minha prioridade é minha filha, Júlia, que precisa mais de mim. Desejo que ela seja criada na nossa casa, no nosso mundo que amamos. É aquilo: o que desejo hoje?

Como é a relação com sua filha, Júlia?

É maravilhosa: estou entrando na menopausa e ela na puberdade, vamos ter que nos entender dentro dessa casa. Ela com a TPM dela e eu com a minha (risos).

O que você diria sobre a chegada da menopausa?

Não tenha medo dela. É um impacto, mas passa. Lembro da última vez que comprei absorventes e achei que nunca mais passaria por isso. Agora me pego pensando que logo mais estarei comprando novamente, porque minha filha de 12 anos está próxima de menstruar! São ciclos.

Como você vê o atual momento, de muitas possibilidades para as mulheres 50+?

Não temos que ter medo de envelhecer. Poder envelhecer é sorte. Não podemos deixar de fazer mudanças em nossas vidas, apesar da idade, porque viveremos muito ainda. Estamos conquistando cada vez mais espaços. Logo, que seja vivendo da melhor forma, sem arrastar dores e crises por tanto tempo. Pergunte-se "quem sou eu hoje?", "o que eu desejo?". São questões fundamentais saber o que me faz feliz e o que é ter uma vida interessante. 

O escritor Contardo Calligaris que diz: ??Mais que buscar felicidade, temos que buscar uma vida interessante". Se partirmos daí, acharemos caminhos melhores. E não precisam ser grandes revoluções. Pode ser inserir uma aula de ioga na rotina, fazer terapia, um curso. É uma portinha que você abre. E outras vão se abrir. A gente, quando quer mudar, acha que tem que ser uma grande revolução e, na verdade, são pequenas mudanças que podem gerar grandes revoluções nas nossas vidas. 

ADRIANA SIKORA

18 DE JUNHO DE 2022
CLAUDIA TAJES

Supostamente

Sinal dos tempos. Porque tudo pode virar um processo ou, no mínimo, uma bela incomodação, a palavra que mais se ouve, fala e lê nos noticiários é su-pos-ta-men-te.

O suspeito, supostamente, enforcou a namorada diante das câmeras de segurança. Se foi registrado pelas câmeras de segurança, precisaria mesmo do supostamente? Ou então: o homem teria, supostamente, atraído as crianças para sua casa e abusado delas, conforme os menores, que não se conheciam, contaram para a polícia.

Se os menores não se conheciam e deram todos a mesma versão, por que o abuso seria apenas suposto?

Não se pode acusar sem provas e tal, ainda que essa máxima não valha para todos os que são acusados. Mas se alguém viu, se a câmera gravou e se os depoimentos corroboraram, o supostamente sempre parece favorecer mais o agente da ruindade que a vítima.

O motorista fugiu após, supostamente, entrar na contramão e atingir o outro veículo. O diretor, supostamente, teria desviado milhões em contratos da empresa. A deputada, supostamente, caluniou a colega em comentários feitos no plenário.

A influencer, supostamente, cometeu crime de racismo em seus posts no Instagram.

Todos esses su-pos-ta-men-te saíram de notícias publicadas na imprensa e na internet. Os textos completos não deixavam dúvida: tinha treta. Mas o supostamente estava lá, como a proteger quem publicou.

Talvez a gente esteja exagerando na cautela. Ou não. 

No dia 1º de junho saiu uma sentença kafkaniana contra a escritora Saíle Bárbara Barreto, autora do livro Causos da Comarca de São Barnabé, que trata de uma fictícia comarca catarinense em que a Justiça não é tratada com o devido respeito, para se dizer o mínimo. Acontece que um juiz se reconheceu no principal personagem do livro, que não é lá nenhum modelo de lisura, além de ser de má bebida, impotente, misógino y otras cositas más. Caiu aqui: por que, diabos, alguém se reconhece em um personagem assim?

O tal magistrado processou a Saíle e pleiteou, além da retirada do livro de circulação, uma indenização de R$ 100 mil. O juiz responsável pela sentença reconheceu que o autor do processo não foi identificado pela escritora: "Perceba-se que as postagens difamatórias contra sujeito anônimo, indeterminado e não identificável não podem ser tomadas como capazes de macular a honra de ninguém publicamente, sobretudo porque não se mostra possível a individualização do destinatário das ofensas." Apesar disso, condenou Saíle a pagar R$ 50 mil. Cabe recurso e ela vai recorrer.

Até a entrega da coluna, os desaparecimentos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira ainda mereciam um "suposto assassinato" nas notícias de jornal. Talvez, a essa altura, todos já saibam, oficialmente, o que aconteceu. Era questão de tempo para que a invasão da Amazônia por grileiros, garimpeiros, madeireiros, pescadores ilegais e narcotraficantes rompesse os limites da floresta e horrorizasse o mundo, em uma destruição que a gente vem assistindo de mãos amarradas, junto com o desmantelamento dos órgãos de proteção aos indígenas e à natureza.

Foi um crime arquitetado ao longo dos últimos anos. E não, não é supostamente.

CLAUDIA TAJES

18 DE JUNHO DE 2022
LEANDRO KARNAL

QUEM SE LEMBRARÁ?

Minha avó paterna, Edyth Hacker Karnal, nasceu a 12 de junho de 1904, em Porto Alegre. Teria recém-completado improváveis 118 anos, caso não tivesse deixado este mundo em 1978.

É dever do cronista universalizar o que imagina para que seus textos não sejam de interesse apenas da família. O que Dona Edyth pode trazer fora do círculo estreito dos que a conheceram?

Eu sei o aniversário dos meus falecidos avós. Todos. Meus pais também sabiam. A geração depois da minha e os bisnetos da personagem em questão não a conheceram. A data morrerá comigo. O túmulo no cemitério de São Leopoldo? Lá amarela uma foto com essas informações. Duvido de que algum bisneto saiba qual o lugar do sepultamento ou esteja disposto a gastar na manutenção dos locais fúnebres da família Karnal. Sem pagamentos futuros de taxas, os ossos, talvez, sejam desalojados. Um despejo macabro de restos, com descendentes sem interesse.

Será uma característica específica dos jovens karnais? Na sua família, querida leitora e estimado leitor, quem, pleno de colágeno e usuário de TikTok, vai a cemitérios espontaneamente?

Faço profecias. Nos sistemas culturais e religiosos que permitem, deve crescer a cremação. As cinzas podem ser jogadas em qualquer lugar. Túmulos imponentes estão fadados à fadiga de material. Colocar a fotinho de vovó na lápide é condená-la a uma nova morte. A primeira é no dia do passamento; a segunda, ao longo dos anos seguintes.

Não! O tema do texto não é triste. Eu imagino a ideia libertadora. Não seremos lembrados. Haverá, claro, pranto imediato, saudades por algum tempo, homenagens e alguma melancolia. Depois? O eterno e vasto continente do esquecimento é a parada final. Do pó ao pó, como se diz em contexto similar. Porém, insisto, o tema não é triste. Por quê?

Seus medos existem. Sua ansiedade é real. Sua dor lhe acompanha. Sua fama é importante em família, no emprego e nas redes sociais. Todas essas angústias somem em um único dia. A memória de tudo some nos anos seguintes. Em poucas décadas, nem sua data de aniversário fica. Enfim: liberdade para ser feliz.

Temos de ter cuidados sim. Com o corpo, com a reputação, com as palavras emitidas. Porém, passamos meses e anos remoendo mágoas sobre coisas ditas e ouvidas. Repetimos mantras como "que vão pensar de mim se eu fizer isto?". Bem, pensarão o pior, quase sempre. Depois? Nada. Por fim, o esquecimento do que foi dito de você e até daquilo que você foi. E fofoqueiros e vítimas passarão ao olvido com minha avó. 

Minha ideia hoje é inscrever nossa vida sob o lema spinoziano de "sub specie aeternitatis". Não quero recuperar o sentido original dado pelo filósofo. Sob a perspectiva do eterno, deveríamos ficar mais tranquilos. As coisas feitas ou evitadas terão destino similar em algumas décadas. Apenas, tão somente, deveriam ter significado agora. Não se trata de "presentismo" permanente. Insisto na perspectiva da eternidade.

Quer usar aquela roupa? Quer declinar do convite chato para o almoço de domingo? Quer evitar a formatura do filho da prima com quem você tem pouco contato e que convidou por mera formalidade? Faça! Dentro da lei e da ética, construa uma vida com a consciência do presente. Não trabalhe com a permanência, ó meu irmão-pó; oh minha irmã-fogo-fátuo! "Sub specie aeternitatis", você deve ser feliz agora - antes de ser uma memória evanescente.

Imagino as coisas que minha avó citada, jovem viúva, teve de passar e enfrentar na sua época. Olho para suas fotos e imagino coisas variadas.

Já vi muita gente reclamando que idosos se tornam inconvenientes por dizerem o que pensam. Laço a hipótese de que seja um primeiro clarão de sabedoria. No momento em que acumulamos muita experiência, a opinião do mundo começa a perder importância. O adolescente acha que todos ficam observando tudo sobre ele. O idoso sabe que, se olharem ou não, tanto faz. Quase ninguém, de fato, olha.

Por que esperar pela festa de 75 anos para ser mais livre? Tente agora! Diga não ao que você realmente tem ojeriza. Passe as festas com quem desejar, ou sozinho. Evite a grosseria sempre; todavia, evite a vida como teatro social. Todos serão esquecidos. Sua nota 10 ou sete, na etiqueta do mundo, será varrida de toda lembrança. A vida é agora! Não estamos em um ensaio. Nunca cultive arrependimentos. Viva! Estimule relações genuínas. Leia o que deseje. Evite ler se lhe aborrece. Não prejudique ninguém, mas jamais viva pela cabeça de terceiros que também virarão pó absoluto. O julgamento moral de terceiros fala da dor de quem emite o juízo. Críticas, quase sempre, são construídas com pedras da inveja e argamassa da dor. 

Ouça e faça do seu jeito. Não deixe para se arrepender no leito final. Viva o momento! O futuro apagamento de tudo nos dá um poder imenso de tentar a felicidade. Você morrerá. Eu morrerei. O importante está antes disso. Depois? Quero que me esqueçam em definitivo. E os poucos que se derem ao trabalho de ir ao velório percebam em mim o sorriso de uma vida que eu considerei significativa. Nunca temi a morte. Tenho pavor da vida vazia. Minha esperança é no presente e não no próximo século. Lá, eu não existirei mais.

LEANDRO KARNAL

18 DE JUNHO DE 2022
REPORTAGEM

SÓ UMA PASSADINHA NO MOTEL

Luciane Silveira de Vasconcellos, 51, é filha de taxista e começou a dirigir com 21 anos, no mesmo ponto da Saldanha Marinho com a Getúlio Vargas. Diferentemente de Criba e Mauro, ela não escreve os causos que ouviu no período. Quem os escuta são colegas, familiares e quem entra no seu táxi.

E o rol de passageiros inclui de palhaço montado que fez sinal na rua para parar o táxi ao ator Werner Schünemann. Não se preocupe, o carro não caiu no Arroio Dilúvio.

- Mas quase fui eu que caí, com aqueles olhos lindos - ela diz. A primeira história que conta é do dia que ela foi parar no motel com os passageiros. Apressa-se para explicar:

O homem, um cinquentão, sentou no banco da frente, e ela, no de trás: "Toca pro motel". Beleza. Fomos conversando, o pessoal tri despachado, e eu contei que estava apertada pra fazer xixi.

- Quando chegarmos lá, pode entrar - disse a mulher. - Posso? - Claro, guria.

Estacionei o carro na garagem do motel e subi com eles pro quarto. Fui lá, fiz xixi e voltei pra trabalhar. Depois ninguém acreditou que eu fiz isso.

Luciane também já fez vezes de detetive particular seguindo pistas de marido infiel. A passageira desconfiava que o cônjuge, açougueiro, sairia às 14h do trabalho para ir à casa da amante na Lomba do Pinheiro, e para lá foram.

Mas, numa sinaleira, o carro do homem para ao lado do seu, janela com janela. A mulher escorregou entre os bancos para não ser vista. E o telefone dela toca. Era ele, que olha desconfiadíssimo para Luciane.

- E eu bem plena, olhando pro céu, pro sinal - rememora. Chegando ao endereço, a mulher encontrou o carro do marido e "montou no porco". Queria destruir o veículo. Luciane disse que não se envolveria em violência e acabou convencendo a mulher a voltar com ela.

Mas a taxista não esconde a preferência por outro clássico: a corrida de bêbado.

Visualiza a cena: chego no meu ponto. Sabe o Bar do Alexandre? Chegando por ali, um senhor negro de muleta sem uma perna me faz um sinal. Pede para levar num boteco da Almirante Gonçalves.

Lá, o dono do bar começa a gesticular como que tocando cachorro, gritando: - Aqui não quero esse bêbado, pode sair daqui.

O passageiro me direciona a outro bar da Almirante. Mas nisso já pensei, não vou parar na frente, vou parar antes pra não tocarem o homem de novo.

A corrida deu R$ 7. Ele tinha uma bag ecológica atravessada no peito, enfiava a mão na sacola e tirava uma nota de R$ 2. Botava de volta, puxava a mesma a nota, enfiava e puxava de novo. Isso tudo muito devagar. Virou pra mim e disse:

- Ah, não vou te pagar. - O quê? Vai, sim, senhor.

Nisso o homem conseguiu tirar uma nota de R$ 10 e eu tomei da mão dele. A piada no ponto depois era que o bêbado foi assaltado pela taxista.

Hoje dona de um Voyage branco 2019, Luciane lembra de cada carro que já usou. O primeiro foi um Passat 1985, depois o mesmo carro ano 1986, um Fiat Prêmio 1995, uma Parati quadrada 1999, depois uma Parati redonda, um Fiat Siena, outro Fiat Siena. Sempre que troca de táxi, beija a lataria e agradece por tudo que passaram juntos.


18 DE JUNHO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

PÉRICLES

Muitos chamam de Século de Péricles a era do apogeu de Atenas, no século V a.C.. Nietzsche preferia chamar aquele período de era trágica dos gregos, em alusão ao poder do teatro de Dioniso e das obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípides. Foi também a era da plenitude de um regime revolucionário, a isonomia, que nós chamamos democracia, e do esplendor de uma cidade que enriqueceu com seus produtos (óleo e vinho) e se afirmou como império marítimo. 

A riqueza e o prestígio de Atenas atraíram as melhores inteligências do mundo, e o resultado foi um momento que outros chamam de iluminismo ateniense, mercê do desenvolvimento das artes, das ciências e da filosofia. A liderança de Péricles é parte central desse quadro, e deixa para a história exemplos e questões para pensar.

A mãe de Péricles (495-429 a.C.), Agariste, pertencia a uma das famílias mais tradicionais e ricas da aristocracia ateniense, os alcmeônidas, e era sobrinha de Clístenes (570-508 a.C.), o líder que implantou o regime da isonomia em 508 a.C.. O jovem Péricles educou-se em música e filosofia, e foi amigo e discípulo do mestre sofista Anaxágoras (500-428 a.C.), uma das mentes mais brilhantes de que se tem notícia. Aos 25 anos, entrou para a vida política de Atenas como líder do movimento democrático, e avançou como general vitorioso e reformador ousado. 

A maior parte dos cargos em Atenas era distribuída por sorteio, exceto os postos eletivos de general (estratego) e de líder do colégio de generais (polemarca), posição em que Péricles construiu e consolidou uma liderança que se estendeu por mais de 30 anos, de 462 a.C. até sua morte, vitimado pela praga que atingiu a cidade no início da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). Foi nessa época, de 447 a 438 a.C., que Atenas construiu o templo de Atena virgem, o Partenon, ícone daquela era. O historiador Tucídides (460-400 a.C.) o chamava de primeiro dos atenienses, que teria governado como um rei, e o defende em suas virtudes de prudência, modernidade e espírito democrático.

Péricles integrou uma linhagem de líderes de famílias aristocráticas, ricos, cultos e, desde Sólon (630-560 a.C.), devotados a promover reformas em prol da harmonia social, beneficiando o povo mais humilde contra o egoísmo de sua própria classe. Essa é a singularidade histórica das lideranças atenienses, em contraste agudo com o quadro brasileiro, em que a oligarquia dominante não aceita ceder um milímetro e provoca, com sua alienação, preconceitos e violências, o agravamento das crises sociais. A ideologia que levou Atenas ao triunfo era em defesa da democracia e da harmonia social, como forma de dar unidade e força ao corpo de cidadãos, e promover prosperidade coletiva.

Tucídides editou a oração fúnebre de Péricles (430 a.C.), aclamada como a mais bela obra retórica, em que se leem palavras exemplares: "Não é o debate que é empecilho à ação, mas sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação". Defender e melhorar a democracia, ousar e mudar para melhor, eis nosso dever, se algo de bom queremos para todos e cada um.

FRANCISCO MARSHALL

18 DE JUNHO DE 2022
+ SAÚDE - 
Camile Cesa Stumpf (*) e Carlos Henrique Menke (**)

A NOVA MULHER DOS 50 ANOS

(*) Mastologista do Hospital Moinhos de Vento, mestre e doutora em Ginecologia pela UFRGS

(**) Professor de Ginecologia da UFRGS e ex-presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina

A expectativa de vida aumentou nas últimas décadas, mudando a perspectiva de cuidados e levando as mulheres de 50 a 60 anos a buscarem uma juventude que, por vezes, vai contra a fisiologia normal do ser humano.

Nesse contexto, vemos a busca incessante por tratamentos dermatológicos, terapias antienvelhecimento, cirurgias plásticas e reposições hormonais milagrosas.

Coincidentemente a essa fase, temos o climatério, que representa a fase entre o final da vida reprodutiva e a senilidade, período que vai entre 40-65 anos, aproximadamente. É caracterizado, no início, pela diminuição da produção de estrogênio até a falência dos ovários como fonte de estrogênio e progesterona. A menopausa é um marco do climatério (última menstruação).

Inicialmente, as menstruações começam a ficar irregulares, podemos ter pausas de três a seis meses. Mulheres começam a apresentar um cansaço maior nas atividades diárias, ondas de calor, mais irritabilidade, insônia, menos libido, dor nas relações sexuais por secura vaginal e mamas mais pendulares pela perda do tecido mamário e substituição por gordura.

Cuidado com tratamentos que se dizem milagrosos!

Não existe mágica ou um tratamento inovador que nenhum outro médico descobriu ainda. Existe, sim, uma fase de transformação fisiológica da mulher e mudanças de estilo de vida ou reposição medicamentosa que podem ajudar. Nesse período, mais do que nunca, a paciente precisa "ser paciente".

Cuidado com a venda de tratamentos inovadores com hormônios "bioidênticos". O termo bioidêntico tem sido usado indevidamente como algo novo, ou algo mais natural. Na verdade, os hormônios produzidos pela indústria há anos são bioidênticos, são seguros e sofrem um rigoroso controle de qualidade. Assim também ocorre com a "modulação hormonal", que não tem respaldo científico, ético e legal.

Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH e a Academia Sul-Riograndense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento". Uma vez por mês, até dezembro, o caderno vai publicar conteúdos produzidos por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020, conta com cerca de 90 membros e é presidida pelo otorrinolaringologista Luiz Lavinsky. De diversas especialidades - oncologia, psiquiatria, oftalmologia etc.

-, esses profissionais fazem parte do programa Novos Talentos da aSrm (coordenado pelo médico Rogério Sarmento Leite), no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.

+ SAÚDE

18 DE JUNHO DE 2022
ESPIRITUALIDADE

MIGRAÇÕES

Somos todos seres migrantes. Emigrando e imigrando sem parar. Saindo e entrando. Do útero materno ao mundo externo e querendo voltar ao estado fetal. Entrando e saindo do céu e do mar, da terra e das matas, das tabas e das casas, das tribos e das famílias, de empregos, de amigos, de relacionamentos, de escolas, de trabalhos, de vidas. Estamos sempre migrando, nos movendo e sendo movidos pelos arroubos das necessidades e dos vícios.

Viemos da África e da Oceania, viemos da Ásia e das ventanias. E antes disso, onde estávamos? Nas Europas mestiçadas por tantas invasões?

Será que nos fixaremos em algum lugar? De onde viemos e para onde vamos? Existe algum estado físico, mental, social, imutável? Ou estamos todos fluindo com a existência, sem pausa, sem começo e sem fim?

Nosso DNA contém muitas vidas, milhões de vidas passadas, futuras, presentes no agora. Caminhávamos, corríamos, cavalgávamos, navegávamos e agora voamos à procura de alimentos, de água, à procura de poder, de lucro, de vantagens, à procura de amor, de afeto, de atenção, de visibilidade e aceitação.

Insaciáveis são nossos desejos, apegos e aversões. Atravessamos mares e rios, céus e terras. Escalamos as montanhas mais altas e os muros que erguemos entre nós, como se pudessem segurar as ondas migratórias. Que nada.

Sós ou em grandes bandos, sempre migrando. Como as aves, peixes, mamíferos e vírus.

No passado e no presente, nos juntamos em tribos, grupos, partidos. Sempre partindo e repartindo sem dividir os bens, o poder, o pão. Querendo mais e mais numa ganância infinita de poder.

O que é o poder? Seria mandar? Fazer o que tiver vontade de fazer e ter seguidores, súditos, obedientemente seguindo seus mandos e desmandos?

Ditadores disfarçados de democratas, sem admitir o castigo eterno de jamais se tornar satisfeito. Biliardários incapazes de cuidar dos mais pobres e mais fracos. Querendo mais e mais. Espíritos famintos.

O que nos sacia não é fama e lucro, não é poder e força, não são armas nem exércitos, bombas e mísseis, guerras biológicas e trágicas. O que nos torna satisfeitos? Comer tanto até estourar? Beber tanto até perder a consciência? Falar tanto até perder a capacidade de juntar palavras em frases compreensíveis? Seria um estado de alegria permanente ou de tristezas incandescentes? Seria a depressão sem cura ou os estados alterados de êxtase?

Cuidado!

Assim como emigramos - saímos de nossas casas, famílias, países, culturas -, também imigramos para novas casas, famílias, países, culturas. Se fisicamente o temos feito, através dos milhares de anos, na jornada da espécie humana, também o fazemos nesta mesma jornada humana através de migrarmos entre os vários processos mentais de saber e não saber, de amar e de odiar, de procurar a verdade e falar mentiras, atraídos pelas fake news, que nos seduzem pela fome de visibilidade - mesmo que seja para abandonar os valores da verdade e do bem para migrar para o falso e perverso. Anti-heróis e anti-heroínas chamam atenção e causam tensão social. Fama e fortuna podem nos deixar vazios e sedentos de algo que desconhecemos, pois nunca havíamos buscado: a verdade.

O encontro com si mesmo é o encontro com o todo. Qualquer local é o seu reino e todos são seus irmãos e irmãs. Toda a grande natureza e tudo que existe.

Não há súditos, senhores e senhoras, escravos e servas. Há um estado mental de tranquilidade e paz, pleno de sabedoria que pode acompanhar você durante todas as vidas. Mas é preciso esforço e decisão, resiliência, paciência e doação, meditação e sabedoria com muita ternura e compaixão para que possamos migrar da negação ao despertar. Mãos em prece

ESPIRITUALIDADE

A HISTÓRIA QUE OS HUMANOS APRENDERAM

"A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam." (Erich Hartmann, piloto da Segunda Guerra Mundial)

Como bem advertiu o brilhante Rodrigo Lopes em recente coluna em ZH, a paz, sempre enaltecida, nunca passou de uma condição excepcional ao longo da história da humanidade.

Da competição mais prosaica, a luta por alimentos envolvendo caçadores-coletores, nos primórdios da civilização, descrita por Yuval Noah Harari em Sapiens, passando por grandes transformações civilizatórias, como as guerras mundiais (com o ápice da maldade no Holocausto), seguindo-se com a Guerra Fria em passado recente, avançando para a Segunda Guerra Fria que se desenha e a Guerra Cibernética que se prevê, nunca houve - e aparentemente não haverá - um dia de paz completa neste planeta dos insaciáveis e inconformados.

Então, mesmo considerando-se louvável o esforço do nosso Santo Papa (e os 265 que o antecederam) que, com seu ar sereno e benevolente, ensina-nos que devemos persistir na busca da pacificação dos filhos de Deus, parece ingenuidade imaginar a mais desacreditada das utopias modernas: a paz entre os homens.

Encanta muito mais a percepção do quanto os humanos podem ser surpreendentes em superação e generosidade diante das grandes vilanias. Há muitos anos, um aluno perguntou à grande antropologa americana Margaret Mead qual era, na sua opinião, o primeiro vestígio de civilização humana, e ela disse: "Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica. Naquela época, caça ou caçador que sofresse uma fratura estava morto. A fratura consolidada encontrada naquele fêmur significava que alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a, alimentou-a e protegeu-a, ao invés de abandoná-la à sua sorte. O que nos distingue, enquanto civilização, é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros".

Tem sido assim nos grandes conflitos. O fato de que nascemos bons explica por que tantas vezes, quando a curva do comportamento humano pendeu para o mal, como se este fosse um novo jeito de sermos, imediatamente um surto de bondade brotou de recém natos, e o equilíbrio foi restabelecido.

No 11 de Setembro, quando os EUA provaram do seu próprio veneno e se sentiram violados como nunca antes, foram coletadas histórias comoventes da mais pura solidariedade. Como: "Eu tenho 80 anos. Meu uniforme da Segunda Guerra ainda serve em mim. Ainda enxergo bem. Ainda ouço bem. Mantive meu treinamento de piloto em dia. Avise a quem você puder, que estou pronto para servir".

Ou o garoto tatuado e cheio de piercings que queria a todo custo ultrapassar as faixas de isolamento e foi barrado por um oficial, que lhe disse: "Você é menor de idade e não pode ficar aqui!". E ele respondeu: "Seu guarda, eu fiz 18 anos ontem, e quero doar sangue. Acho que é o único jeito que eu posso ajudar!".

Ou então: "Seu guarda, eu estou clandestino nos EUA, mas será que não me deixam ajudar, como voluntário?".

Ainda agora, com a fuga em massa da guerra que está devastando a Ucrânia, milhares de refugiados invadiram os países vizinhos em busca de sobrevivência, que dependia, para começar, de um prato de comida e um cobertor. Os relatos de movimentos de solidariedade oferecendo abrigo temporário em habitações antes disponibilizadas para locações de turistas no regime de Airbnb dão sentido à esperança de que o bem, de um jeito tímido e silencioso, acabe vencendo. Como o Papa acredita.

J.J. CAMARGO 


18 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR

Dança das cadeiras

Para qualquer um dos quatro filhos que visita a minha mãe e vai dormir em sua casa, há irretocável e repetida cena no quarto: uma toalha e um sabonete em cima da cama.

São as suas boas-vindas, sua assinatura da delicadeza. A toalha branca é dobrada num formato de cisne que só ela ainda sabe fazer na família. O origami de pano vem comprovar que ela se preparou para nos receber e nos aguarda muito antes de chegarmos.

Meus irmãos e eu nos sentimos desejados, como uma gravidez renovada a cada contato materno. Ela demonstra que nutre expectativa de nossa presença, que se dedica a vésperas com pequenos e inesquecíveis caprichos.

Mesmo com seus 83 anos, a mãe não renuncia ao que assimilou, durante a infância, das regras e da etiqueta de acolhimento no hotel de seu pai, o italiano naturalizado brasileiro Leonida Carpi, em Guaporé (RS).

Carpi recebia para o almoço trabalhadores e estudantes que vinham da Capital para o Interior no final de semana. Ônibus paravam no pomar da pousada, com a esperança de uma comida caseira feita na hora, preparada pela minha avó Elisa Margarida. Ela tinha o tino dos temperos, colhidos em sua horta, não errava o sal das panelas, lágrimas dos molhos, sendo capaz de comover os mais exigentes e experientes paladares e surpreender os próprios parentes já acostumados com as suas delícias.

Numa manhã gelada de junho, os passageiros que estavam indo para Carazinho desceram para a refeição do meio-dia, menos um, menos um estudante que ficou do lado da janela matando o tempo.

Carpi estranhou a imobilidade de vigília da figura introvertida e arredia, de sobrancelhas grossas. Foi lá conversar e tirar a limpo a origem do jejum. - Por que não vem? Já almoçou?

O aluno, que voltava para a sua família depois da semana de aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), de Viamão, explicou que não tinha dinheiro, gastara o que restava na passagem.

Carpi esbravejou: - Desde quando isso é motivo? Nenhum estudante passa fome em Guaporé!

Pegou o jovem pelo braço e o levou para a cabeceira da mesa coletiva, colocou a sua frente um prato cheio de macarronada com molho caseiro de tomate e bifes na chapa. De penetra, ele se tornou o centro da gentileza do refeitório, servido com requintes de convidado de honra.

- Bom proveito, é por conta da cidade.

Aquele rapaz viria a ser, alguns anos depois, o governador do Estado: Leonel de Moura Brizola, responsável por alimentação em turno integral nas escolas, muito além das módicas merendas de manhã. A inspiração para grandes projetos sempre parte da própria necessidade.

Essa história real ilustra o quanto a honestidade não pode ser passiva, pois corresponde a dar atenção sem se prender à aparência. Os olhos são guiados pelos ouvidos, não o contrário.

Devemos tratar todos sempre com respeito e igualdade. Nunca subestimar ninguém. Jamais esnobar uma presença, por mais discreta e silenciosa que seja. Jamais permitir que alguém seja invisível ao nosso lado, não importa quem é e de onde surgiu, não importa a função ou o cargo que exerce. Porque, se em algum momento você se achar melhor do que o outro, você que será invisível.

A vida é uma dança das cadeiras. Num dia, sentado; noutro, de pé. Aprenda o ritmo da cordialidade.

CARPINEJAR

18 DE JUNHO DE 2022
TELEFONIA E INTERNET

Capital pode ser referência na implantação de 5G, diz entidade

Situação favorável é fruto de antecipação da lei das antenas e da velocidade no licenciamento de novas instalações

Se porventura a liberação se der em todas as capitais de uma só vez, Porto Alegre é a que tem a melhor infraestrutura para ser a primeira capital a ativar o sinal.

Marcos Ferrari
Presidente-executivo da Conexis

(Em condomínios) que não estão em situação financeira positiva ou têm saldos devedores, poderia ser interessante (aluguel de espaço para instalação de antenas).

Rosane Diaz
Gerente de relacionamento na Auxiliadora Predial

Detalhes

O 5G é a evolução da atual rede de celulares de quarta geração. Trata-se de uma rede mais potente e veloz que, além de ser inteligente, causa menos impacto ao meio ambiente

Das 27 capitais, apenas 12 aprovaram a Lei das Antenas

Em todo o Brasil, menos de 2% dos municípios tiveram avanços na Lei das Telecomunicações

Essas cidades terão 60 dias a partir da ligação do 5G para se manifestarem sobre o tema

Com 1.072 antenas, Porto Alegre responde por 17,45% dos equipamentos do Estado e 1% do país

Pioneira no autolicenciamento, a capital gaúcha reduziu a espera de dois anos para um dia na liberação de novos equipamentos

Há alguns meses, a prefeitura da Capital divulgou que a expectativa é de que o sinal de internet de quinta geração, e mesmo o 4G, também estejam disponíveis em 42 mil esquinas da cidade por meio de estruturas instaladas na parte de cima de placas de rua (ver foto acima)

Porto Alegre reúne todas as condições de ser a primeira cidade do país a contar com a internet móvel de quinta geração (5G), após a liberação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A constatação é do presidente- executivo da Conexis Brasil Digital (entidade que representa as operadoras de telefonia), Marcos Ferrari, e se sustenta na agilidade da capital gaúcha em licenciar as novas instalações de antenas: enquanto a média nacional chega a seis meses, por aqui o processo leva menos de um dia.

- Porto Alegre é a capital que oferece as melhores condições de instalação de maneira mais rápida. É um exemplo de cidade que soube preparar o terreno para valorizar a cobertura ampla e irrestrita a sua população às redes de telecomunicações, o que inclui o 5G daqui para frente - afirma Ferrari.

No início do mês, a Anatel aprovou a extensão do prazo original (31 de julho) por 60 dias nas capitais. Assim, as operadoras devem concluir a implementação das redes até 29 de agosto para ativarem em definitivo o sinal em 28 de setembro.

O motivo da prorrogação é a necessidade de limpeza na faixa de 3,5 Ghz para evitar interferências no tráfego do sinal de 5G com os de antenas parabólicas para TV, que utilizam o mesmo espaço e serão realocadas para a faixa KU. Ferrari explica que existe a possibilidade de antecipação dos prazos, mas isso depende de cada caso.

- Se porventura a liberação se der em todas as capitais de uma só vez, Porto Alegre é a que tem a melhor infraestrutura para ser a primeira capital a ativar o sinal - acrescenta o presidente-executivo da Conexis.

Conforme o edital que regra o 5G no país, será preciso oferecer uma antena para cada 100 mil habitantes até setembro de 2022. A proporção cai para uma antena para cada 10 mil habitantes em 2025. Ou seja, existe uma escalada com a qual a intensidade do novo sinal irá aumentar ao longo do tempo.

A entidade estima que será necessário ampliar em pelo menos cinco vezes a quantidade de antenas hoje disponíveis no país: 98,8 mil em 5.484 municípios. Com 6.194 torres, o Rio Grande do Sul responde por 6,2% dos equipamentos nacionais. Porto Alegre conta com 1.072 e representa 17,45% da infraestrutura existente no Estado e 1% no país.

Diferencial

Das 27 capitais, apenas 12 possuem leis adaptadas à Lei das Antenas, que é considerada a mais adequada para o 5G. Até o final de 2021, eram apenas sete, ou seja, menos de 26% do total necessário.

Enquanto nas demais capitais a média para a liberação de novas instalações é de seis meses, Porto Alegre foi a primeira cidade a oferecer a Licença na Hora para as Estações Transmissoras de Radiocomunicação (ETRs).

A solicitação, conforme a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), é feita pelo Portal de Licenciamento, e um sistema automatizado analisa a documentação e expede a autorização.

Antes, apesar da entrada e saída do pedido serem digitais, havia análise humana. A desburocratização do processo começou em 2018, com a Lei das Antenas, que permitiu a adoção do modelo de autolicenciamento, com a declaração do responsável técnico.

Assim, o prazo de tramitação da licença na Capital caiu de dois anos para um dia, o que permitiu acabar com a demanda represada e ampliar a infraestrutura. Desde 2019, foram emitidas 272 licenças (25% do total de antenas). Entretanto, não é possível distinguir o que é específico para o 5G.

Isso acontece, conforme Eduardo Tude, presidente da consultoria de telecomunicações Teleco, porque uma mesma torre (ou os chamados sites) pode estar equipada com todas as tecnologias vigentes (3G, 4G ou 5G). Segundo ele, esses equipamentos já passam por atualização para suportar o 5G.

- Há necessidade de ampliar os sites, mas não para dar a largada na operação. Inicialmente, o que as operadoras farão é colocar o 5G nos atuais. Com o tempo, daqui a dois anos, devem acelerar o processo - comenta Tude. 

RAFAEL VIGNA

18 DE JUNHO DE 2022
DIONE KUHN

Giane Guerra em novo espaço

Na edição desta segunda-feira, ZH trará uma novidade para os leitores. A jornalista Giane Guerra, colunista e comentarista de economia dos veículos da RBS, passa a ter seu espaço diário ampliado no jornal. A coluna Acerto de Contas, que atualmente é publicada ao lado dos indicadores econômicos, ocupará uma página inteira. Com isso, ampliamos ainda mais em ZH os conteúdos relacionados a finanças, mercado, negócios, setor público, investimentos - temas que também são abordados, com um estilo diferente, pela coluna +Economia, assinada pela jornalista Marta Sfredo.

Em seus 20 anos de RBS, Giane foi aos poucos ganhando espaço na rádio, na TV e no jornal com seu conhecimento profundo sobre a área e com seu jeito peculiar de traduzir pautas complexas.

Como diz a própria Giane, é preciso desmistificar a ideia de que temas econômicos são chatos. A premissa, segundo ela, é explicar como o assunto atinge a nossa vida ou apostar na curiosidade que o leitor tem por ele.

Giane manda aos nossos leitores a seguinte mensagem:

- Vamos seguir falando de negócios e analisando a conjuntura econômica, com um pouco mais de espaço para cada pauta. Mas queremos mesmo é trazer mais assuntos, novidades, dicas de finanças pessoais, imagens bacanas e usar gráficos para deixar os números mais compreensíveis. Nosso olhar seguirá atento, claro, ao Rio Grande do Sul. Somos uma coluna bairrista, com orgulho. 

Para uma jornalista como eu, nada é mais importante do que o conteúdo. Brinco que minha foto não precisa estar sempre na capa do site, o entrevistado não precisa acertar meu nome, mas tudo fica bem se chegarem a você as informações que apuro junto com Daniel Giussani e Guilherme Gonçalves, meus parceiros da coluna. Isso envolve muito cuidado, carinho e curadoria, acreditem. O melhor retorno que podemos ter é conquistar a sua credibilidade. Não há patrimônio maior no jornalismo.

Os conteúdos de Giane Guerra também podem ser acessados pelo site e pelo aplicativo de GZH.

DIONE KUHN

18 DE JUNHO DE 2022
MARCELO RECH

Ratanabás e Ursais

As sessões do comitê do Congresso americano sobre a invasão do Capitólio por seguidores do ex-presidente Donald Trump valem uma pós-graduação para quem acompanha processos eleitorais polarizados. O que sobressai dos testemunhos - boa parte deles de antigos aliados de Trump - é que mesmo a democracia mais sólida pode ser abalada quando se juntam um chefe de Estado paranoico e populista com técnicas de desinformação destinadas a despertar a revolta de massas contra o Estado de direito.

A autópsia pública da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, revela um ritual com início, meio e fim para desmanchar a real vontade da maioria. Primeiro, desdenha-se de pesquisas de opinião em contrário e afirma-se que o que vale é o povo na rua. Num país como o Brasil, por exemplo, mesmo que 1 milhão de pessoas fossem às ruas incensar algum político, o que já seria uma enormidade, esse contingente representaria mero 0,75% do eleitorado brasileiro.

Mesmo pesquisas de opinião sérias não acertam sempre, mas não vivem de erros. São elas que, antes das urnas, captam tendências e percepções - daquele determinado momento, ressalve-se - que não se expressam ruidosamente nas ruas ou nas redes sociais. E, goste-se ou não, o voto do sujeito que segura um cartaz e grita até ficar rouco na manifestação tem o mesmo peso do da senhorinha silenciosa que sai de casa para votar no nome "menos ruim".

Como ato contínuo do manual dos derrotados inconformados, surge a denúncia do processo eleitoral. Para candidatos megalômanos, se o povo não o reconheceu é porque a máquina de votos foi manipulada. No caso americano, de acordo com os depoimentos, Trump disparava alucinações sobre votos virados por satélite a partir da Itália e conspirações que iam das Filipinas à Venezuela. O "delirante", como o definiu seu ex-secretário de Justiça Wiliam Barr, realmente acredita no que diz. O comportamento, bem mais comum do que se imagina, ocorre por um fenômeno conhecido como "viés de confirmação": em muitas pessoas, o cérebro repele as informações que contrariam convicções prévias e, como uma esponja, absorve aquelas que as reafirmam, por mais esdrúxulas que sejam.

Uma amostra de como as teorias da conspiração se disseminam facilmente pelas redes sociais é a doideira da tal civilização Ratanabá, que viralizou no Twitter e no TikTok. Um alucinado qualquer inventa que foi descoberta uma gigantesca cidade de 450 milhões de anos sob o manto verde na Amazônia e que, por isso, a região desperta a cobiça mundial. Não importa que, há 450 milhões de anos, sequer houvesse humanos e nem Floresta Amazônica. No caso da Ratanabá, como já havia ocorrido com a Ursal e a terra plana, a asneira rapidamente vira piada e gozação nas redes. O problema é quando outras sandices, bem mais sérias e graves, não têm graça nenhuma.

MARCELO RECH

18 DE JUNHO DE 2022
JR. GUZZO

Fenômeno brasileiro

Eis aqui um retrato acabado do funcionalismo inútil que infecciona áreas tão grandes da administração pública brasileira: a Funai entrou em greve. Em greve? Mas qual o trabalho que os funcionários estavam fazendo e que foi interrompido com essa greve? Em condições normais, a Funai já não faz nada: passa praticamente todo o seu tempo falando mal do governo, lançando abaixo-assinados e mantendo relações cordiais com as ONGs que tiram o seu sustento financeiro da Amazônia. Em greve, faz duas vezes nada.

A greve de agora é realmente um desses fenômenos que só acontecem no Brasil: foi decretada em protesto contra o desparecimento de um funcionário licenciado e um jornalista inglês (cujas mortes foram confirmadas pela Polícia Federal na última quarta, 15). Como assim? Duas pessoas desaparecem na vastidão da floresta e os funcionários da Funai fazem greve? O que uma coisa tem a ver com a outra? Mais: neste momento, justamente, o pessoal não deveria estar dobrando o seu trabalho para ajudar nas buscas aos desaparecidos?

Os grevistas, naturalmente, estão protestando contra "o governo" - é a sua colaboração no grande esforço da oposição para jogar a culpa pelo incidente nas autoridades federais e, é óbvio, "no Bolsonaro". Mas também nisso o presidente é culpado? De que jeito ele poderia ser responsável pelo que aconteceu a duas pessoas em viagem particular, e não autorizada pela mesma Funai, a uma das terras indígenas mais isoladas do Amazonas?

Também não dá para acusar o governo de desinteresse ou pouco empenho nos trabalhos de investigação e de busca pelos dois desaparecidos. Cerca de 250 homens do Exército, da Marinha, da Polícia Federal e das polícias militar e civil do Amazonas estão há 10 dias dedicados a essa tarefa. Há suspeitos presos. Há material apreendido. O que mais se poderia fazer?

O funcionário licenciado e o jornalista não tinham autorização válida para entrar em terra indígena - um pecado mortal para os defensores da "causa" dos índios, sempre atrás de denúncias contra "os brancos" que fazem isso. Mas a culpa, para os funcionários da Funai, a esquerda do Brasil urbano e os militantes da Floresta Amazônica, é "do Bolsonaro" - como os 600 mil mortos da covid, a inflação mundial, o preço da gasolina, a falta de componentes para a indústria, a "fome" e o resto dos problemas que estão aí. Greve em cima dele, então.

No momento em que os funcionários da Funai anunciavam a sua greve, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, baixava um decreto exigindo que o governo federal tomasse, em cinco minutos, "providências" para resolver a questão. Mas todas as providências possíveis foram tomadas, tanto na área federal como na estadual, desde que apareceram as primeiras notícias sobre o desaparecimento. Que diabo ele quer que se faça? A greve e o ministro são os dois lados da mesma moeda falsa. 

Conteúdo distribuido por Gazeta Vozes - J.R. GUZZO