segunda-feira, 31 de dezembro de 2007



31/12/2007 e 01/01/2008
N° 15465 Liberato Vieira da Cunha


Balanço de Ano Bom

No ano que findou, não compus uma sinfonia, não pintei uma tela, não construí um romance, não esculpi uma estátua, não criei uma peça teatral. Estranhamente, contudo, não me sinto arrependido.

Pois minha sinfonia seria dissonante. Minha tela seria abstrata. Meu romance não teria nem começo, nem meio, nem fim. Minha estátua seria o reverso de sua imagem. Minha peça dispensaria atores.

Mas, de novo estranhamente, não me sinto arrependido, pois, neste outro palco em que atuo, desempenhei papéis de que me orgulho.

Numa época em que o medo é a mais constante companhia das pessoas, soube sustentar um traço de coragem. Não, não enfrentei nenhum grande exército. Apenas fui valente o bastante para encarar os pequenos desafios que a vida nos apronta todos os dias.

Fui sonhador. Numa era em que estamos todos tão sitiados pela realidade, aprendi a evadir-me do cárcere do cotidiano. Não, não imergi no devaneio. Apenas fui ousado o suficiente para moldar o cenário segundo o perfil de minhas utopias sobrantes.

Fui sincero. Num tempo em que é moeda corrente a mentira, ou a fuga, disse sempre o que pensei. Não, não fui deseducado. Apenas fui franco e preciso para desenhar a verdade contra a moldura da ficção.

Talvez tudo isso não seja muito. Talvez não seja nada.

Mas estou pensando agora no dezembro em que conquistei o canudo da universidade. Estou lembrando o janeiro em que comprei o meu primeiro carro. Estou voltando ao setembro de meu vôo inaugural à Europa.

Estou me dando conta de que vai ver que compor uma sinfonia, pintar uma tela, construir um romance, esculpir uma estátua, criar uma peça não sejam assim tão relevantes.

Mais importante quem sabe seja mostrar-me guapo, sonhador, sincero.

Pois somos feitos de ilusão e argila. A arte de viver consiste não em viver muito, mas em viver segundo nossa natureza e nossa inclinação.

sábado, 29 de dezembro de 2007



30 de dezembro de 2007
N° 15464 - Martha Medeiros


Sentido único: em frente

Sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações

Faço aniversário em agosto. Quando alguém, em julho, pergunta quantos anos eu tenho, já respondo com a idade nova.

Não sei até quando terei essa coragem de me envelhecer antes da hora, mas, por enquanto, ainda arredondo pra cima. Com o ano novo, é a mesma coisa. Já estou em 2008 faz uns 20 dias.

Coloquei-o em total vigência, é um ano em curso, mergulhei de cabeça nele. 2007 já era, já deu o que tinha que dar. Aliás, foi bom pra você?

Poucas pessoas viveram grandes feitos, grandes viagens ou grandes paixões. A maioria viveu o que podia ter vivido. Foi ao cinema e adorou (ou odiou) Tropa de Elite. Leu alguns livros. Curtiu alguns churrascos.

Passou uns finais de semana fora da cidade. Reclamou da falta de dinheiro. Brigou com pais e irmãos. Fez as pazes com pais e irmãos. E depois brigou de novo.

Esperou em filas. Assistiu a pelo menos um show. Achou a Camila Pitanga linda em Paraíso Tropical. Reclamou muito do frio. Bebeu demais.

Pensou em casar. Pensou em descasar. Pensou em ter um cachorro.

"Ano da virada" é apenas força de expressão. A maioria de nós viveu um ano semelhante aos outros anos, salvo aqueles que foram colhidos por uma fatalidade - já não é fatalidade suficiente estar vivo?

Eu tive um ano muito bom e muito parecido com outros anos bons, inclusive nas partes ruins. Ainda assim, o melhor de chegar aqui, na saideira, é olhar para trás e concluir que o aconteceu de mais diferente foi eu mesma.

Entrei de um jeito em 2007 e estou saindo outra, mesmo que eu pouco perceba essa alteração.

Recentemente ouvi alguém admitir que era uma pessoa melhor anos atrás. Duvido. Não se pode dizer isso pra valer. É muito desestimulante a gente acreditar que está involuindo.

Quando olho para o meu passado, encontro uma mulher bem parecida comigo - por acaso, eu mesma - porém essa mulher sabia menos, conhecia menos lugares, menos emoções.

Ora, por mais legal que a gente tenha sido, sempre fomos mais pobres em relação ao presente - e não estou falando de dinheiro, mas de vivência.

Involuir é muito trabalhoso, exige que rejeitemos todos os aprendizados: quem faria essa maldade consigo mesmo? Evoluir é que está na ordem natural das coisas.

Portanto, tenho certeza de que em 2008 eu verei alguns filmes, assistirei pelo menos a um show, lerei alguns livros, sairei da cidade uns finais de semana, irei bater ótimos papos com os amigos, terei uns arranca-rabos em família e depois voltarei às boas, perderei tempo em filas e reclamarei do frio.

E mesmo sendo mais um ano como tantos outros - no caso de nenhuma fatalidade ocorrer - , sairei de 2008 melhor do que estou entrando, simplesmente porque é impossível desprezar conhecimentos, conversas, sensações - tudo o que parece repetitivo, mas que nos dá uma cancha necessária pra seguir adiante e viver melhor.

Então, feliz você novo, mesmo que pareça igualzinho.

Ótimo domingo - Excelente segunda-feira e FELIZ ANO NOVO.


Diogo Mainardi

Ficamos mais bestiais

Luiz Moyses perdeu a mulher na tragédia da TAM. Na tragédia do Aeroporto de Congonhas. Na tragédia do Airbus. Na tragédia da Anac. Na tragédia da Infraero. Na tragédia de Lula. Chame do jeito que quiser.

Luiz Moyses era de Porto Alegre. Depois do acidente, a TAM o acomodou no Hotel Blue Tree, em Moema, perto de Congonhas. Em 31 de agosto de 2007, à noite, ele estava no bar do hotel, acompanhado por dois outros familiares de vítimas do Airbus.

No mesmo dia, ocorrera a abertura do III Congresso Nacional do PT. Mais de 150 delegados do partido também estavam hospedados no Hotel Blue Tree. O PT sempre se deu bem com o Hotel Blue Tree. Um dos delegados petistas foi confraternizar com Luiz Moyses, imaginando que ele fosse um correligionário.

Luiz Moyses repeliu-o dizendo que Lula era o culpado pela morte de sua mulher. O delegado petista tentou agredi-lo. Insultou-o. Disse que os parentes dos mortos da TAM estavam chorando demais. O agressor só foi contido pelo deputado baiano Joseph Bandeira e pelos guarda-costas do partido.

O próprio Luiz Moyses relatou-me o episódio alguns meses atrás. Nesta semana, à procura de uma imagem que sintetizasse o ano, lembrei-me dele. Mais do que pelo acidente de Congonhas, 2007 ficará marcado pela bestialidade que deflagrou.

Da alegria indecente de Lula na posse de Nelson Jobim ao top, top, top de Marco Aurélio Garcia quando o Jornal Nacional falou sobre o reversor pifado, o Brasil desceu mais uns degrauzinhos na escala de civilidade.

Em 2005 e 2006, o conflito foi entre lulistas e antilulistas, entre achacadores e achacados, entre quadrilheiros de um bando e de outro. 2007 foi pior: o conflito passou a ser mais essencial, mais primário, entre a selvageria e a humanidade.

Os fatos do Hotel Blue Tree resumem idealmente o que aconteceu no país nos últimos tempos. Num artigo pomposo como este, em que se analisa o passado em busca de ensinamentos para o futuro, cai bem citar um autor ilustre.

É kitsch, mas cai bem. Pensando em Lula, em Marco Aurélio Garcia e no agressor de Luiz Moyses, cito o autor mais manjado de todos, Samuel Johnson: "A piedade não é natural ao homem. Crianças são sempre cruéis. Selvagens são sempre cruéis. A piedade é adquirida e aperfeiçoada pelo cultivo da razão".

A mulher de Luiz Moyses chamava-se Nádia. Foi sua primeira namorada. Eram casados havia sete anos. Quando Nádia morreu, Luiz Moyses vendeu sua empresa e mudou-se de Porto Alegre.

Atualmente, ele tenta reconstruir sua vida em outro lugar, ao mesmo tempo que coordena as atividades do grupo de parentes dos 199 mortos de Congonhas. Chegou a ser recebido por Lula no Palácio do Planalto. Perguntou o motivo do descaso do governo com a segurança nos aeroportos.

Lula respondeu, segundo ele, que "o povo brasileiro nunca pediu segurança, pediu que modernizássemos os terminais". Lula teria acrescentado que o Brasil "possui os melhores terminais do mundo, com shopping center e tudo o mais".

O ano acabou. A tragédia da TAM ficou para trás. Menos para Luiz Moyses e todas as pessoas que perderam parentes ou amigos. Eles continuam a buscar respostas para os acontecimentos daquele fim de tarde de julho. Reúnem-se, confortam-se, trocam mensagens.
A última suspeita que circula entre eles é que o piloto do Airbus teria pedido autorização para aterrissar no Aeroporto de Guarulhos, mas tivera seu pedido negado pelos controladores.

Em 2007, o Brasil pediu para aterrissar numa pista longa e segura, mas acabou numa pista incerta e escorregadia, "com shopping center e tudo o mais".


Ronaldo Soares - Oscar Cabral

O campeão do ano na Bolsa

Eike, em seu quartel-general no Rio: com uma só empresa, ganho de 6 bilhões de dólares desde 2006

A trajetória empresarial de Eike Fuhrken Batista alternou feitos memoráveis e fracassos retumbantes. Ele explorou com sucesso a maior mina de ouro e prata da América do Sul, no Chile.

Também perdeu muito dinheiro em investimentos aventureiros, como uma fábrica de jipes e uma empresa de entregas pela internet. Com a exuberância do mercado de capitais brasileiro, no entanto, esse empresário de 50 anos se reinventou.

Antes mais lembrado como o marido de Luma de Oliveira, a modelo com quem tem dois filhos, o empresário promoveu uma virada em sua imagem. De aventureiro, firmou-se como um empreendedor de peso.

Foi Eike (pronuncia-se áique) quem melhor aproveitou a onda de IPOs (oferta pública inicial de ações), que começou em 2004 e atingiu seu auge em 2007.

Ele encabeça uma lista da revista Exame com os bilionários que mais lucraram com a febre da abertura de capital. O resultado pode ser atribuído ao desempenho da maior empresa de seu grupo, a mineradora MMX.

Quando a companhia abriu o capital, em julho de 2006, seu valor de mercado era de 1,4 bilhão de dólares. No fim de 2007, a cifra atingiu 7,5 bilhões de dólares (veja o quadro). Em um ano e meio, Eike ganhou 6 bilhões de dólares.

No fim de novembro, o empresário deu mais um salto surpreendente. Investiu 1,5 bilhão de reais na aquisição de 21 áreas de exploração no leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Sua empresa, a recém-criada OGX, superou gigantes como a Vale e a Petrobras. Foi a grande vencedora do certame, com quase 75% do total arrecadado.

O dinheiro para tal aventura? Há duas semanas, a OGX captou 2,3 bilhões de reais numa operação de emissão privada de ações, conhecida como private placement. Foi a maior operação desse tipo realizada na América Latina. Ela só foi possível com a ajuda de craques recrutados a peso de ouro no mercado – preocupação característica do "novo Eike".

Ele tem a seu lado economistas do porte de Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Mendonça, cujo passe foi comprado por um salário de 200 000 reais por mês. Mendonça era gerente de exploração e produção da Petrobras. Virou diretor de exploração na OGX.

Nascido em Governador Valadares (MG), Eike é o segundo dos sete filhos de Eliezer Batista, que presidiu a Companhia Vale do Rio Doce e foi ministro de Minas e Energia. Ele passou a infância no Rio de Janeiro e, aos 12 anos, mudou-se com a família para a Europa.

Quando voltou ao Brasil, aos 23 anos, investiu numa mina de ouro na Amazônia. Expandiu seus negócios e fez fortuna com a exploração de minas também no Chile e no Canadá. Até alguns anos atrás, atribuía-se, com certa dose de maldade, seu enriquecimento a uma espécie de herança genética.

Corria à boca miúda que, por causa dos laços paternos, ele teria obtido um mapeamento do subsolo brasileiro feito pela então estatal Vale do Rio Doce. "Esse mapa nunca existiu.

Se fosse assim, eu estaria dentro de Carajás", diz Eike, referindo-se à mina da Vale no estado do Pará da qual, desde o início de suas operações, em 1984, já se extraiu 1 bilhão de toneladas de minério de ferro.

Mesmo seus desafetos, no entanto, reconhecem em Eike um talento fora do comum para atrair investidores estrangeiros para suas empreitadas.

Assim como seu pai, Eike sempre mantém bom relacionamento com o Planalto. Na administração Lula, aproximou-se de José Dirceu, contratado mais tarde por Eike como intermediário junto ao governo de Evo Morales para tentar salvar uma siderúrgica de Eike da sanha estatizante boliviana.

Como se sabe, não deu certo. Eike não desistiu da Bolívia, mas dispensou os serviços de Dirceu. No Brasil, mantém o apetite por novos negócios, cada vez mais diversificados.

Suas apostas atuais incluem uma empresa de reflorestamento e restaurantes – mantém o chinês Mr. Lam, no Rio, e pretende abrir, no Brasil, filiais do nova-iorquino Nobu, de comida japonesa.

Também cogita criar uma empresa de saneamento para despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Há duas semanas, ele inaugurou um navio de luxo para passeios na baía.

No dia seguinte à inauguração, caiu uma chuva torrencial no Rio. Mau presságio? Pouco importa. O horizonte nunca esteve tão azul para Eike Batista.

Como acabar com as lideranças negativas

MAX GEHRINGER - é comentarista corporativo, autor de sete livros sobre o mundo empresarial e escreve semanalmente em ÉPOCA.

Palavra da semana: demagogia – em grego, agogos era “liderança”. Daí veio “pedagogo”, alguém que orienta e ensina crianças. E demos era “povo”, donde derivou “democracia”, o governo do povo.

Mas, juntos, demos e agogos formaram uma palavra negativa: “demagogo”, aquele que lidera o povo de forma mentirosa ou apelativa.

Minha empresa tem líderes negativos, que convencem os colegas a boicotar qualquer iniciativa. Como neutralizar essas maçãs podres?
Célio J.P.

A liderança negativa só floresce num solo pobre em lideranças positivas. Quando os líderes formais – aqueles que possuem títulos que lhes permitem tomar decisões – se omitem ou se escondem, as lideranças informais ganham espaço para influenciar os indecisos.

Um líder positivo é:

(1) proativo. Ele convoca a equipe e passa instruções claras e precisas, antes que a falta de esclarecimentos comece a gerar boatos.

(2) Acessível. Qualquer subordinado pode procurá-lo a qualquer momento para tirar dúvidas.

(3) Confiável. Ele cumpre o que promete, e não promete o que não pode cumprir.

(4) Justo. Ele não forma panelinhas, nem trata de modo diferente subordinados com nível igual.

(5) Enérgico. Esgotados todos os meios de resolver a questão numa boa, ele não hesita em punir os que não se enquadrarem.

A aplicação dessas regras começa pela principal autoridade da empresa e se espalha pelo organograma. Quando faltam bons exemplos vindos de cima, sobram insubordinações vindas de baixo.

Tenho 34 anos, e estou desempregada pela primeira vez. Não consigo me acostumar com a idéia. Sinto-me envergonhada.
Cristiane

Não há motivo para vergonha, Cristiane, a não ser que a dispensa tenha sido por desonestidade, o que certamente não é seu caso. Nesse período de procura, acostume-se com o fato de que as horas passarão devagar, e os dias passarão depressa. Encontre algo para preencher seu tempo e sua mente, como um curso.

Há tanta gente em situação semelhante a sua que até a palavra “desempregado” deixou de ser usada. As expressões mais usuais são: “Estou entre empregos”. “Estou em uma fase de reavaliação de minha carreira”.

“Estou filtrando propostas”. “Estou passando por um hiato profissional”. Mais que um jogo de palavras, isso é uma ciência, a neurolingüística.

Através de imagens positivas, ela ajuda a transformar uma situação vexatória (a vergonha pelo desemprego) em uma situação sob controle (a busca por um emprego novo, e melhor). Tente usar esse método, Cristiane. Se não lhe fizer bem, mal certamente não fará.

Trabalho em uma empresa familiar. Sem querer, ouvi um dos donos dizer que o empregado passa e a empresa fica. E caí na real: estou na empresa há cinco anos, e não recebi nenhum aumento. Todas as empresas são assim?
Tiago

Não, Tiago, embora a frase do dono seja verdadeira (nenhum empregado é indispensável ou insubstituível, e empresas costumam durar mais que carreiras individuais). Mas as boas empresas agem com um olho no presente e o outro no futuro.

O dono de sua empresa acredita que o sistema é mais importante que as pessoas. Logo, se alguém sair, basta trocar a peça por outra de igual valor, e a engrenagem continuará funcionando.

Já empresas que acreditam que as pessoas influem diretamente no sistema reconhecem e premiam o mérito. A diferença, Tiago, não está no fato de sua empresa ser familiar.

Está no fato de que ela enxerga apenas o presente. Numa empresa assim, o funcionário não tem futuro. E, no mais das vezes, a empresa também não.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007



27 de dezembro de 2007
N° 15461 - Nilson Souza


O novo espelho de Narciso

Os cartunistas são cruéis e mais certeiros do que os mestres da acupuntura, pois costumam espetar os seus grafites nos pontos mais sensíveis da vaidade humana.

Uma vez vi um cartum em que o personagem caricaturado acabara de escrever o seu primeiro livro, depois de anos de trabalho, e exclamava exultante: - Agora vou ficar famoso!

Atrás dele, apareciam várias estantes com milhares de livros, escritos por milhões de autores igualmente condenados ao anonimato eterno.

Quando a televisão estava no auge (ainda está?), o artista norte-americano Andy Warhol prognosticou que no futuro todos teríamos 15 minutos de fama. O futuro daquela previsão já chegou. E trouxe outras ferramentas para a carpintaria da notoriedade, ofício ao alcance de todos.

A moda, agora, é o blog, que permite a qualquer pessoa expor suas preferências, suas imagens e suas idéias para o mundo. Talvez não garanta a fama imaginada pelo humorista, mas possibilita algum reconhecimento - o que, de certa forma, satisfaz a inquietude por celebridade.

O blog, que já tem 10 anos com esta denominação, é o novo espelho de Narciso da parcela da humanidade que acessa computadores.

Surgiu como um espaço para os internautas colocarem as sugestões dos endereços de internet que costumavam visitar, mas logo se transformou num canal propício à divulgação de causas absolutamente pessoais.

Hoje todo mundo é blogueiro e tem alguma coisa para dizer ou para mostrar. Pouco importa para essa gente que as estantes do mundo virtual também pareçam cheias.

Aonde vai dar tudo isto? É difícil saber. Outro dia uma companheira de caminhada me chamou a atenção para o aumento do estresse da vida moderna, lembrando que as múltiplas opções tecnológicas parecem estar elevando o grau de ansiedade das pessoas.

Ela me perguntou se eu utilizava e-mails. Diante da resposta positiva, disse que para os adolescentes isso já é coisa antiga. Eles só querem saber de comunicação instantânea, com respostas imediatas.

Esperar que alguém responda a um e-mail, diante da perspectiva de que o destinatário nem esteja conectado, seria para eles o equivalente a aguardar uma carta de papel pelo correio. Os jovens não têm mais paciência para isso.

Habitantes do futuro, somos assim, então: queremos nos expressar, queremos mostrar ao mundo quem somos, o que fazemos, como somos brilhantes.

E temos pressa, muita pressa. A tecnologia abreviou as distâncias, mas não consegue deter o inexorável relógio do tempo. E o tempo, matreiro, continua armando ciladas para os incautos.

Foi nessa armadilha que caiu Narciso, embriagado de vaidade.

Com temporais e chuvas intermitentes que tenhamos todos, ainda assim, uma ótima quinta-feira, esta que é o penúltimo dia útil de 2007.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007



26 de dezembro de 2007
N° 15460 - Martha Medeiros


Energia parada

Um novo ano está começando.

Por mais cético que você seja, por mais que você não acredite que a passagem do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro provocará alguma alteração cósmica, por mais que você considere toda essa contagem regressiva uma chatice, não dá para negar que é uma época propícia para fazer um descarrego.

Não estou sugerindo que você visite um terreiro para tomar passes de um preto-velho. Estou falando de um descarrego mais urbano, rápido e eficiente: abra seus armários e doe pelo menos metade do que encontrar.

Você tem roupas que usou uma ou duas vezes e que estão guardadas há anos. É bem provável que tenha que comprar algumas peças novas para encarar as festas que o verão vai trazer. Ou seja, irá acumular mais e mais roupa. Chega.

Desça do cabide tudo o que não usa e faça um bazar beneficente. Venda tudo baratinho e doe a renda para uma instituição de caridade, um asilo, um orfanato, uma associação - gente necessitada é o que não falta. Inunde a cidade de reuniões ao estilo garage sale.

Liquide com os excessos. Convoque os amigos, selecionem tudo o que está sobrando em casa (não vale maridos e esposas) e organize um final de semana festivo a outro modo: incentivando um consumismo de purificação. Ou seja, alivie-se das suas tralhas.

Uma amiga, outro dia, usou um termo bacana pra isso. Ela disse que tudo o que guardamos e não usamos é energia parada. Certíssima.

É necessário que a gente se desfaça desse imobilismo, que a gente movimente o estoque, que abra espaço para o novo, que propicie que outras pessoas dêem utilidade para o que não nos serve mais.

É preciso fazer a vida circular, passando adiante o que está inerte. Esse exercício de desapego também ajuda a limpar nossa aura.

E não precisa ser um desapego só de roupas. Pode ser uma doação de livros. De medicamentos com prazos ainda válidos.

De revistas antigas. Louça que você não usa mais só porque está lascada. Móveis que estão abandonados num depósito à espera de um interessado. O que mais dá em árvore no Brasil: interessados.

Aproveite e limpe também sua caixa de e-mails, renove sua agenda de telefones, peça desculpas para as pessoas com quem brigou neste ano (mágoas e rancores também são energia parada) e escancare as janelas: hora de arejar a vida.

É um outro tipo de expectoração. De esfoliação. De despacho. Sério, desfazer-se do que não precisamos ajuda até mesmo a organizar o nosso pensamento, deixa a cabeça mais leve, as idéias mais claras.

E essa movimentação toda ainda vai fazer você perder alguns gramas. Finalmente, uma anorexia do bem, uma compulsão generosa.

Resolução de fim de ano: botar a casa abaixo, libertar-se do acúmulo de tranqueiras e sair deste 2007 carregando menos peso.

Well, depois do Papai Noel que tenhamos todos uma ótima quarta-feira, mesmo com com chuva e temperaturas elevadas por aqui.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007



FERNANDO DE BARROS E SILVA

Feliz Natal, dr. Drauzio

SÃO PAULO - Drauzio Varella tem um talento incomum para contar histórias. Sabe fazê-lo como poucos jornalistas. É uma qualidade acessória para um médico com trabalhos sociais tão relevantes.

Mas não é o doutor, e sim o paciente que faz de seu novo livro, "O Médico Doente", uma pequena preciosidade. Drauzio descreve em detalhes a evolução da doença que por muito pouco não o levou à morte. O hipocondríaco que vive em cada um de nós dá pulos de satisfação.

Drauzio contraiu febre amarela no final de 2004, numa de suas freqüentes viagens ao rio Negro. Sua vacina estava vencida fazia 20 anos.

O médico tão atento à saúde dos outros e tão zeloso com a sua própria se vê traído por um descuido miserável, talvez excesso de confiança, alguns diriam por um ato falho.

Seis dias depois dos primeiros sintomas, já internado, sob doses pesadas de morfina, ele tenta pegar um copo d'água. Mal consegue sustentar o peso do braço. No domingo anterior, quando voltou a São Paulo, havia corrido 18 km no Minhocão. O vírus o destruíra.

Imaginei, escreve Drauzio, "o que pensaria se fosse o médico de alguém naquelas condições. Consegui fazê-lo com tal realismo que tive a impressão febril de estar em pé, de camisa de colarinho e gravata, olhando para mim, deitado, de pijama, trêmulo de frio, com náuseas, os olhos amarelos, o fígado aumentado, a voz fraca, a fala entremeada de silêncios involuntários. (...)

Ao olhar para mim em pé a meu lado, achei que os olhos do médico evitaram os meus. Senti vontade de perguntar se havia saída, mas recuei, porque o induziria a mentir".

A descrição da sensação de estar, à beira da morte, alheio e indiferente a tudo e a todos é um dos momentos mais fortes do livro. Tal honestidade não é para qualquer um.

Mas o médico, desta vez, foi enganado pelo paciente, que sobreviveu. Ateu convicto, Drauzio não tirou do episódio nenhuma lição metafísica. Mas nos faz refletir um bocado sobre a brevidade e a loteria da vida. Brindemos. A todos, feliz Natal.

sábado, 22 de dezembro de 2007



23 de dezembro de 2007
N° 15457 - Martha Medeiros


O anel que tu me deste

É com espírito de compartilhamento que desejo a todos os leitores um Natal com muitos presentes - mas no sentido de presença

Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora, fora do Brasil. Era a segunda vez que nos víamos. Os contatos anteriores haviam sido sempre por e-mail, nos quais tratávamos de assuntos profissionais.

De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu.

"É seu." Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram virando nossas "alianças": desde então nossa amizade só cresceu.

Meses atrás, Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no GNT quando aconteceu uma cena idêntica.

Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes e sim para trabalhar.

Mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.

Nesta era de acúmulo, egoísmo e posse, gestos de desapego são raros e transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo que deve gostar muito - ou não estaria usando - e dar de presente, numa reação espontânea de afeto.

Pessoas assim fazem isso por nada, aparentemente, mas, na verdade, fazem por tudo. Por gostarem realmente da pessoa com quem estão. Por generosidade. Para exercitarem seu senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais do que palavras.

E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um amigo é coisa que não vale perder.

Estou falando desse assunto não porque eu também seja uma desprendida. Bem pelo contrário. Já me desfiz de muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes.

Assim, de supetão, por impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia, coisa que também está em desuso, pois sei de muita gente que, ao ver gestos como o de Ivete e o da minha amiga, diria apenas: que trouxas.

Devo estar me transformando numa sentimentalóide, mas o fato é que acredito que esses pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos todos muito rudes e autofocados.

Desfazer-se dos seus bens para fazer o bem é uma coisa meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil.

E não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para ouvir atentamente a dos outros. Não seria um mundo melhor?

Bom, o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo pra ver se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal.

Mas posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que serão mais bem aproveitadas por outras pessoas.

É com esse espírito de compartilhamento que encerro essa crônica desejando a todos os leitores um Natal com muitos presentes - mas no sentido de presença.

Que na sua lista de chamada afetiva estejam todos ao seu lado, brindando o que lhes for mais importante: seja o nascimento de Jesus, ou a reunião familiar, ou apenas mais uma noite festiva de dezembro, ou um momento de paz entre tanto espanto, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore.

Um ótimo domingo, excelente fim de semana no convívio com os seus - Prepare o espírito está chegando o Natal.

Diogo Mainardi

Que matéria!

"Esse é um bom resumo de 2007. Se estivéssemos num romance de Chico Buarque, eu diria que, no instante em que cumprimentei Paulo Henrique Amorim, o ano inteiro passou diante de meus olhos. O Brasil mergulhou de vez na chanchada"


Paulo Henrique Amorim e eu no Fórum de Pinheiros, em São Paulo. Ele como acusador, eu como réu. Encontramo-nos na última segunda-feira, na ante-sala da 1ª Vara Criminal. Fui até ele, cumprimentei-o e perguntei:

– Onde está sua bota cor-de-rosa?

Eu me referia ao programa de Tom Cavalcante, na Rede Record. Duas semanas atrás, Paulo Henrique Amorim participou do quadro B.O.F.E. de Elite, que está circulando na internet com o título "Jornalista de Elite".

B.O.F.E. de Elite, segundo seus autores, é "uma tropa gay, chiquetérrima". Os soldados trajam roupas pretas e botas cor-de-rosa. No programa, Paulo Henrique Amorim desempenhou o papel de um jornalista sério.

Em primeiro lugar, perguntou o que teria de fazer para se tornar ele próprio um membro do B.O.F.E. de Elite. O aspira 011 ("Porque 11 é um atrás do outro") respondeu: "Tem de saber segurar no fuzil com carinho".

Em seguida, o cantor Tiririca, intérprete do aspira 08 ("Além de macho, ele come biscoito"), soltou o grito de guerra do B.O.F.E. de Elite ("Pochete, gilete, agasalhamos o croquete/Me bate, me arranha, me chama de pira-nha"). Paulo Henrique Amorim curvou-se de tanto rir.

Em outra cena, um ator de filmes pornográficos, Alexandre Frota, mandou o jornalista ficar de costas para poder "analisar melhor a sua matéria". Paulo Henrique Amorim obedeceu prontamente, dando um rodopio sensual e recebendo um galanteio do chamado Capitão Monumento: "Que matéria!".

Esse é um bom resumo de 2007. Se estivéssemos num romance de Chico Buarque, eu diria que, no instante em que cumprimentei Paulo Henrique Amorim, o ano inteiro passou diante de meus olhos. O Brasil mergulhou de vez na chanchada.

Os aspectos mais grotescos da nacionalidade eliminaram aquele pingo de pudor que a gente ainda fingia conservar. Consagrou-se a burrice, a obtusidade, o descaramento. O lado mais rasteiro do lulismo contaminou o resto da sociedade.

Paulo Henrique Amorim me processou duas vezes por um comentário sobre seu blog no iG. O primeiro processo eu ganhei. Na segunda-feira, apresentamos as testemunhas do segundo.

Ele argumenta que, quando eu o acuso de ser a voz do PT, trata-se de uma calúnia. Quando ele me acusa de ser fascista e caluniador, trata-se de uma simples opinião.

De acordo com ele, minha coluna afetou seriamente sua imagem. Ele disse à juíza: "A senhora confiaria num jornalista que escreve a soldo?

A senhora não deve acreditar no que eu escrevo porque eu sou um jornalista sem credibilidade". Pelo contrário: ele tem toda a credibilidade que se confere a um jornalista do B.O.F.E. de Elite.

Paulo Henrique Amorim saiu enfurecido do tribunal, berrando: "Perdi! Não vou conseguir metê-lo na cadeia". Ele tinha uma viagem marcada para Nova York. Perguntei se ele ficaria em um de seus dois apartamentos na cidade.

Ele respondeu que sim. Perguntei se os dois apartamentos haviam sido declarados ao imposto de renda. Ele respondeu mais uma vez que sim.

Enquanto Paulo Henrique Amorim se afastava, analisei-o de costas e pensei:

– Que matéria!


Brasileiros e brasilianos

"Precisamos mudar. A começar pela nossa própria identidade, pelo nosso próprio nome, pela nossa própria definição como povo"

Por 500 anos mentiram para nós. Esconderam um dado muito importante sobre o Brasil. Disseram-nos que éramos brasileiros.

Que éramos cidadãos brasileiros, que deveríamos ajudar os outros, pagando impostos sem reclamar nem esperar muito em troca. Esconderam todo esse tempo o fato de que o termo brasileiro não é sinônimo de cidadania, e sim o nome de uma profissão.

Brasileiro rima com padeiro, pedreiro, ferreiro. Brasileiro era a profissão daqueles portugueses que viajavam para o Brasil, ficavam alguns meses e voltavam com ouro, prata e pau-brasil, tiravam tudo o que podiam, sem nada deixar em troca.

Brasileiros não vêem o Brasil como uma nação, mas uma terra a ser explorada, o mais rápido possível. Investir no país é considerado uma burrice; constituir uma família e mantê-la saudável, um atraso de vida.

São esses brasileiros que viraram os bandidos e salafrários de hoje, que sonham com uma boquinha pública ou privada, que só querem tirar vantagem em tudo.

Só que você, caro leitor, é um brasiliano. Brasiliano rima com italiano, indiano, australiano. Brasiliano não é profissão, mas uma declaração de cidadania.

Rima com americano, puritano, aqueles abnegados que cruzaram o Atlântico para criar um mundo melhor, uma família, uma nova nação. Que vieram plantar e tentar colher os frutos de seu trabalho, sempre dando algo em troca pelo que receberam dos outros. Gente que veio para ficar, criar uma comunidade, um lar.

Que investiu em escolas e educação para os filhos e produziu para consumo interno. Foram os brasilianos que fizeram esta nação, em que se incluem índios, negros e milhões de imigrantes italianos, espanhóis, japoneses, portugueses, poloneses e alemães que criaram raízes neste país.

Ilustração Atômica Studio

Brasilianos investem na Bolsa de Valores de São Paulo. Brasileiros investem em offshores nas Ilhas Cayman ou vivem seis meses por ano na Inglaterra para não pagar impostos no Brasil.

Brasileiros adoram o livro O Ócio Criativo, de Domenico de Masi, enquanto os brasilianos não encontram livro algum com o título O Trabalho Produtivo, algo preocupante.

Como dizia o ministro Delfim Netto, o sonho de todo brasileiro é mamar nas tetas de alguém. Quem está destruindo lentamente este país são os brasileiros, algo que você, leitor, havia muito tempo já desconfiava. Infelizmente, o IBGE não pesquisa a atual proporção entre brasileiros e brasilianos neste país.

São as duas classes verdadeiramente importantes para entender o Brasil. Mais importante seria saber qual delas está aumentando e qual está diminuindo rapidamente, uma informação anual e estratégica para prevermos o futuro crescimento do país.

Não vou fazer estimativa, deixarei o leitor fazê-la com base nas próprias observações, para sabermos se haverá crescimento ou somente a continuação do "conflito distributivo" deste país.

O eterno conflito entre aqueles que se preocupam com a geração de empregos e aqueles que só pensam na distribuição da renda. Os brasilianos desta terra não têm uma Constituição, que ainda é negada a uma parte importante da população.

Uma Constituição feita pelos verdadeiros cidadãos, que estimule o trabalho, o investimento, a família, a responsabilidade social, a geração de renda, e não somente sua distribuição. Uma Constituição de obrigações, como a de construir um futuro, e não somente de direitos, de quem quer apenas garantir o seu.

Precisamos escrever e reescrever nossos livros de história. Em vez de retratarmos o que os brasileiros (não) fizeram, precisamos retratar os belos exemplos e contribuições do povo brasiliano para esta terra.

Um livro sobre a História Brasiliana, da qual teríamos muito que nos orgulhar. Vamos começar 2008 tentando ser mais brasilianos e menos brasileiros.

São 500 anos de cultura brasileira que precisamos mudar, a começar pela nossa própria identidade, pelo nosso próprio nome, pela nossa própria definição.

Stephen Kanitz é administrador - www.kanitz.com.br


Um novo lar para (quase) todos

No seu melhor momento em 25 anos, o crédito imobiliário farto faz com que as pessoas realizem o sonho da casa própria e possam comprar a casa dos sonhos

Por CLAUDIA JORDÃO E DANIELA MENDES

SEGURANÇA Após três anos consecutivos de crescimento na renda, as pessoas se sentiram confiantes para adquirir imóveis

Adquirir a casa própria sempre foi um dos maiores sonhos dos brasileiros, mas o dinheiro curto e a incerteza da economia eram empecilhos quase intransponíveis para a realização desse objetivo. Não mais.

O setor imobiliário vive um boom impulsionado pela estabilidade econômica, expansão na renda, queda nos juros, mais recursos disponíveis para financiamentos e maior garantia para os bancos que dão empréstimos.

Os números ainda não estão fechados, mas 2007 deverá registrar em torno de 200 mil imóveis financiados com recursos da caderneta de poupança, quase o dobro de 2006. Para 2008, o mercado prevê R$ 24 bilhões investidos no crédito imobiliário e o financiamento de mais 250 mil unidades.

"Este é o melhor momento em 25 anos", diz Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Os números impressionam. Há dois anos, o setor praticamente dobra de tamanho e a perspectiva é que o ritmo se mantenha acelerado.

A participação do crédito imobiliário na economia brasileira deverá quintuplicar. Hoje, está em torno de 2% do PIB. A LCA Consultoria prevê que em dez anos estará em 10% do PIB, mesmo patamar de países como Chile, México e África do Sul.

O que explica esta pujança? "A demanda", diz Bráulio Borges, economista da LCA. Com a queda dos juros e os prazos mais longos, as parcelas cabem mais facilmente no bolso do mutuário.

E há um fator decisivo: a segurança. "Após ver a renda crescer três anos consecutivos, as famílias começaram a ter confiança para fazer empréstimos deste porte", diz Borges.

"A partir de 2006, elas passaram a enxergar os ganhos acumulados nos últimos três anos como permanentes e não temporários. Por isso, sentiram-se confortáveis para adquirir um imóvel." Depois do celular, da geladeira e do carro, o brasileiro está conseguindo comprar a casa própria.

O publicitário Ricardo Laronga, 30 anos, aproveitou os ventos favoráveis para adquirir seu primeiro imóvel. Comprou um apartamento de dois quartos, na Mooca, zona leste de São Paulo, avaliado em R$ 89 mil em dezembro de 2006 e espera recebê- lo em julho.

Pagou apenas R$ 150 de entrada e o resto financiou pela Caixa Econômica Federal em 100 vezes. Hoje a prestação é de R$ 463. Ricardo nem planeja morar no apartamento, pensa em alugá-lo, mas não deixou a oportunidade passar.

"É uma segurança ter um imóvel em meu nome. Vejo pelos meus pais. Eles não teriam condições de pagar um aluguel hoje", conta.

Lazer Mario Brocchini gosta do espaço gourmet e Mercedes Canaldas diverte-se com o neto na pista de skate



O mercado está aquecido. Somente em novembro, os bancos destinaram R$ 2,39 bilhões ao crédito imobiliário, R$ 600 milhões a mais que em todo o ano de 2002. Em São Paulo, o número de lançamentos em 2007 cresceu em torno de 60%, segundo o Sindicato da Construção Civil. Para 2008, a expansão deve ser de até 20%.

Os bancos também ampliaram as modalidades de empréstimo. O Santander, em 2005, inovou ao instituir a parcela fixa, algo inimaginável nos tempos de hiperinflação. "Hoje, de cada dez financiamentos, quatro são com parcela fixa", diz Mauro Costa, responsável pela área de crédito imobiliário do banco.

O prazo de financiamento também foi alongado para até 30 anos. Em 2002, dificilmente passava de dez ou 12 anos. Com este cenário positivo, muita gente está realizando não só o sonho da casa própria, mas comprando a casa própria dos sonhos.

Foi o que aconteceu com Mercedes Canalda, 55 anos. Corretora de imóveis, ela suspirava todas as vezes que levava um cliente para conhecer o condomínio Vila Natura, no Jardim Marajoara, em São Paulo. Certo dia, o marido, também do ramo imobiliário, foi junto e eles resolveram fazer uma proposta de compra em um apartamento de 130 metros quadrados avaliado em R$ 500 mil.

Deram a casa onde viviam como entrada e financiaram o resto diretamente com a construtora em 120 meses.

O Vila Natura é um condomínio- clube - forte tendência do momento - que reúne salão de jogos para todas as idades, sala de massagem, fitness, várias piscinas, half pipe para skate e patins, praça com pomar, entre outros confortos.

"A minha família inteira aproveita os benefícios do condomínio", diz Mercedes, que há seis meses está no novo endereço e já vendeu dez apartamentos no local.




CONFORTO As pessoas buscam lazer e serviços nos condomínios.

Em sentido anti-horário: Spa L'Occitane, do The Penthouses Tamboré (SP), terraço do prédio da Movimento Um (SP). Espaço Alegria, para crianças, no condomínio Ventanas, da Rossi (RJ)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007



20 de dezembro de 2007
N° 15454 - Nilson Souza


Brinquedo que não tem

Descobri outro dia que Papai Noel é meu vizinho e tem dois enormes cães são-bernardos, um mais preguiçoso do que o outro. Passo seguidamente pela frente de sua casa.

De vez em quando, cruzo com ele pelas ruas do bairro. Dirige um carro comum - e não uma carruagem com renas - , mas é inconfundível por causa da longa barba e também porque gosta de se vestir de vermelho, mesmo quando usa camisas sem mangas.

Meu simpático vizinho é um Papai Noel de shopping e deve estar trabalhando muito por estes dias. Um trabalho nada fácil: além de passar o dia posando para fotos com crianças inquietas e assustadas sobre os joelhos, seguidamente ele é solicitado a fazer o papel de fiscal de chupetas e mesmo de psiquiatra infantil.

Se já é doloroso confiscar o bico de um baixinho relutante, deve ser demolidor quando ele pergunta a alguma criança o que ela vai querer de presente de Natal e ouve uma resposta que já se tornou rotineira nos tempos modernos:

- Quero que meu pai volte pra casa!

De acordo com o IBGE, o número de casamentos vem aumentando no país, mas as separações também são mais numerosas e mais rápidas. Um ou dois anos já são suficientes para alguns recém-casados perceberem que não foram feitos um para o outro.

Daí a quantidade cada vez maior de crianças que ainda acreditam em Papai Noel e já sofreram a primeira grande desilusão familiar, vendo os pais saírem um para cada lado à procura de novos rumos. Sem saber a quem apelar, elas recorrem ao velhinho de barbas brancas que, no alto do seu trono, provavelmente lhes parece muito poderoso. Como ele sai dessa?

- Com psicologia! - contou-me certa vez.

E me disse que muda o rumo da prosa, distrai a criança com outro assunto, sem precisar dizer a ela que a varinha mágica da reconciliação não foi colocada no seu saco de presentes. É bem mais fácil trocar pirulito por chupetas, as quais finge colocar no cesto dos bicos abandonados e devolve furtivamente para as mães, pensando em possíveis recaídas.

Sei que meu vizinho Papai Noel é vendedor de carros entre um Natal e outro. Trabalha, portanto, com brinquedo de gente grande.

Daí, talvez, venha o seu conhecimento intuitivo para lidar com os sonhos e desejos de seus clientes, sejam eles motoristas ansiosos por pilotar uma máquina reluzente ou crianças ingênuas que lhe pedem presentes impossíveis como a recomposição de um casamento desfeito.

Um bom vendedor jamais diz que a mercadoria não existe. Diz apenas que está em falta.

Excelente quinta-feira com muito sol por aqui, lá fora e aqui dentro.


A VIOLÊNCIA NO IMAGINÁRIO BRASILEIRO

Estou em Paris. Somente por três dias. Não ficarei para o Natal. Gosto cada vez mais das viagens rápidas. Depois de 11 invernos consecutivos na Europa, prefiro encerrar cada ano no calor.

Quanto mais o tempo passa, mais o frio me apavora. É verdade que a capital francesa não é das mais geladas.

O cinza, porém, sempre me assustou ainda mais. O céu pode ficar baixo e fechado dias a fio. A minha estréia no Velho Mundo, em 1991, foi em Berlim, onde ficamos três meses, com alguns dias de até 25 graus negativos.

Ainda sinto o cheiro de café na minha estação de metrô. A primeira neve não se esquece. Estou, portanto, de passagem em Paris. Vim participar como examinador de uma banca de doutorado na Sorbonne.

A tese de Vanderlan Francisco da Silva, orientada por Michel Maffesoli, intitula-se 'Dissonances Tropicales, la Violence dans l’Imaginaire Brésilien'. O tema é altamente pertinente. Sem dúvida. É incrível como estar no estrangeiro nos faz pensar profundamente o Brasil.

Não vou comentar agora o belo trabalho de Vanderlan. Direi apenas que é um precioso inventário dos discursos sobre a violência em nossa sociedade e também sobre as manifestações desse fenômeno que é, certamente, o mais característico do Brasil atual. Os franceses têm grande interesse pela cultura brasileira.

Oscilam entre a atração pela imagem do país tropical abençoado por Deus e cantado pela bossa nova e o medo de um lugar devastado pela miséria e pela desigualdade social. Eu me revi em cada página como estudante no exterior. Nunca o Brasil me interessou tanto.

Depois de dois anos sem pisar o solo brasileiro, numa época em que a Internet ainda não havia explodido, eu me senti emocionado ao botar o pé num avião da Varig. Pedi um guaraná como se fosse algo sagrado.

De fato, os tempos mudaram. A Varig passou por uma mutação a tal ponto que dela só resta a sombra. O guaraná mais conhecido pertence a uma empresa estrangeira. A violência cresceu. Muito.

A imagem do Rio de Janeiro no exterior atualmente é a de um lugar paradisíaco onde se faz sexo fácil e barato, mas se corre o risco de ser encontrado por uma bala perdida ou de se perder a caminho do aeroporto.

É o faroeste tropical. Vanderlan destaca alguns dados que fingimos ignorar, embora tenham sido divulgados pela ONU em 2006: de cada sete jovens entre 15 e 18 anos, assassinados, sete são negros.

As vítimas da violência têm cor, idade e classe social bem definida. Entre 1979 e 2003, segundo a Unesco, os homicídios cometidos no Brasil com arma de fogo aumentaram em 542,7%. Mesmo assim, vendemos uma imagem positiva.

Somos cínicos? Indiferentes? Hipócritas? Tudo isso e um pouco mais. Somos, porém, sinceros em nossas declarações de amor ao Brasil. Parte da classe média gostaria de deixar o país em busca de segurança. Pura afetação.

É gente que adoraria viver de papo para o ar em Miami recebendo dinheiro fácil de casa. Eu não trocaria o Brasil por país algum.

Mas aceitaria deportar nossa elite para os Estados Unidos, onde essa brava gente branca e privilegiada poderia enriquecer novamente fazendo faxina.

De minha parte, passarei o Natal em Santana do Livramento. Farei a minha visita ritual a Palomas. A virada do ano será em Santa Catarina, no Santinho. Não quero sexo fácil. Basta não ter bala perdida.

juremir@correiodopovo.com.br

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007



19 de dezembro de 2007
N° 15453 - martha medeiros


Violência no trânsito

Vesti a camiseta da campanha que a RBS inicia hoje, que pretende conscientizar os gaúchos sobre as terríveis conseqüências de um trânsito violento. Não sou tão otimista a ponto de acreditar que um dia o problema terminará de vez, mas é óbvio que o número de colisões pode ser bem menor.

Só que isso não se resolve apenas melhorando as estradas e a sinalização. O que produz essa quantidade inaceitável de acidentes é a imprudência do motorista. E aí não adianta investimento financeiro, é preciso investimento psicológico.

Até uma leiga no assunto, como eu, sabe que dirigir correndo, ziguezagueando e fazendo ultrapassagens perigosas nada mais é do que desafiar a morte. E por que desafia-se? Porque é um atitude de afirmação.

O motorista pode ser o bambambã no escritório, o supermacho dentro de casa, o melhor artilheiro do time: não basta. Ele quer provar pra si mesmo, dentro do carro, que é infalível e que não teme nada. É um prazer pessoal e difícil de controlar. Ele tem necessidade de se satisfazer através do risco.

É seu momento de mocinho do filme, de super-herói - ou de vilão, porque a agressividade também o seduz. Ou seja, uma questão tão séria como violência no trânsito está associada a uma atitude infantil, a uma fantasia de guri. Atrás do volante não existe necessariamente um mau-caráter, um irresponsável crônico.

Existe um ser humano normal que talvez até seja calmo e ponderado na sua rotina, mas que ao ligar seu brinquedo volta pros tempos do autorama. Como fazer essa criatura domesticar os seus ímpetos?

É aí que podemos fazer alguma diferença, meninas. As estatísticas dizem que a maioria dos acidentes é provocada por homens. Quem são eles? Nossos namorados, maridos, filhos, pais, amigos.

Estamos muitas vezes dentro do carro com eles, sentadas ao seu lado enquanto eles fazem barbaridades, e muitas ficam caladas para evitar uma discussão. Sem essa. Se o cara está abusando, fale: desacelera senão eu desço.

Se eles acham que somos chatas, ainda não viram nada. Vamos azucriná-los. Vamos engrossar a voz dentro do carro. Vamos abrir a porta e descer mesmo. Ou confiscar a chave e assumir a direção. O jeito é infernizar, pois nossa segurança é inegociável.

Eles não têm o direito de matar os passageiros que transportam - e aqueles com que cruzam na rua - só porque não conhecem outra maneira de se sentirem audaciosos.

Eles que saltem de pára-quedas, que escalem uma montanha, que se inscrevam no próximo Paris-Dacar, que busquem adrenalina sem envolver os outros.

Não sei se a violência no trânsito terá fim, mas bater insistentemente nessa tecla já é um começo.

Ainda que com chuva que tenhamos todos uma ótima quarta-feira.

sábado, 15 de dezembro de 2007



16 de dezembro de 2007
N° 15450 - Martha Medeiros


Ser feliz não é pecado

Felicidade é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo

A felicidade é desprezada por muita gente. A pessoa feliz sofre o preconceito de parecer uma pessoa vazia, sem conteúdo. No entanto, algo ela tem, senão não incomodaria tanto. Será que é porque ela nos confronta com nossa própria miséria existencial?

É irritante ver alguém naturalmente linda, rica, simpática, inteligente, culta, talentosa, apaixonada e, ainda por cima, magra! Essa ninfa nunca ouviu falar em insônia, depressão, dívidas, mousse de chocolate?

Os felizes ainda estão associados ao padrão "comercial de margarina", portanto, costumam ser idealizados - e desacreditados. É como se fossem marcianos, só que não são verdes. Por isso, damos mais crédito aos angustiados, aos irônicos, aos pessimistas. Por não aparentarem possuir vínculo com essa tal felicidade, dão a entender que têm uma vida muito mais profunda.

Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso. Mas também não se culpe, porque felicidade é coisa bem diferente do que ser linda, rica, simpática e aquela coisa toda.

Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez disse uma frase que sublinhei: "Ser feliz não é tão importante, mais vale ter uma vida interessante". Creio que ele estava rejeitando justamente esta busca pelo kit felicidade, composto de meia dúzia de realizações convencionais.

Ter uma vida interessante é outra coisa: é cair e levantar, se movimentar, relacionar-se com as pessoas, não ter medo de mudanças, encarar o erro como um caminho para encontrar novas soluções, ter a cara-de-pau de se testar em outros papéis - e humildade para abandoná-los se não der certo.

Uma vida interessante é outro tipo de vida feliz: a que passou ao largo dos contos-de-fada. É o que faz você ter uma biografia com mais de 10 páginas.

Se você acredita que ser feliz compromete seu currículo de intelectual engajado, troque por outro termo, mas não cuspa neste prato. Embriague-se de satisfação íntima e justifique-se dizendo que é um louco, apenas isso. Como você sabe, os loucos sempre encontram as portas do céu abertas.

Rita Lee, que já passou por poucas e boas, mas nunca se queixou de não ter uma vida interessante, anos atrás musicou com Arnaldo Batista estes versos:

"Se eles são bonitos, sou Alain Delon/ se eles são famosos/ sou Napoleão/se eles têm três carros/ eu posso voar". Também faço da Balada do Louco meu hino, que assim encerra: "Mais louco é quem me diz que não é feliz".

Eu sou feliz.

Um ótimo domingo e um Feliz Início de semana.

Meu prato de Natal

"A pena de morte é um assunto proibido, automaticamente associado aos piores brucutus da história. Mas, quando se
tem 44 663 assassinatos por ano, como no Brasil, nenhum assunto pode ser tabu. Nem na noite de Natal"

Pena de morte. É um tema perfeito para o período de Natal. Enquanto as pessoas confraternizam com parentes e amigos, distribuindo presentes e bons sentimentos, eu confraternizo com a cadeira elétrica e a forca.

A pena de morte reduz consideravelmente o número de assassinatos. Para cada criminoso condenado à morte, ocorrem de três a dezoito assassinatos a menos. A estatística consta de uma reportagem do New York Times, de onde chupei os dados publicados nesta coluna.

A reportagem apresenta o resultado de uma série de estudos realizados na última década. Os economistas citados pelo jornal compararam as taxas de homicídio nos Estados Unidos com o número total de prisioneiros executados, estado por estado, cidade por cidade.

Eles descobriram que, nos lugares em que a pena de morte foi aplicada com mais freqüência e com mais rapidez, como no Texas, a taxa de homicídios caiu de maneira mais acentuada.

Alguns especialistas contestaram os estudos. O principal argumento que eles usaram foi o seguinte: o número de penas capitais é insuficiente para determinar seu efeito. Em 2003, nos Estados Unidos, apenas 153 criminosos foram condenados à morte, para um total de 16 000 homicídios.

Um professor de direito da Universidade da Pensilvânia declarou ao New York Times que precisaria de 1 000 presos executados alea-toriamente para poder concluir algo definitivo a seu respeito. Por acaso ele aceitaria 1 000 presos brasileiros?

O fato é que os estudos mencionados pelo jornal indicam que há, sim, uma correlação direta entre a pena de morte e a queda no número de assassinatos.

Pelas contas do economista H. Naci Mocan, cada execução acaba salvando cinco vidas. Apesar disso, ele afirmou ser pessoalmente contrário à pena de morte. Porque há outros fatores em jogo: morais, religiosos, políticos.

Na ceia de Natal, entre uma fatia e outra de panetone, o assunto pode ser este: se eletrocutar um assassino realmente salva vidas, há um ponto em que a barbárie da pena de morte se torna moralmente aceitável?

Um professor de direito da Universidade de Chicago, Cass R. Sunstein, respondeu ao New York Times: "A evidência de que ela teria um efeito dissuasório significativo parece suficientemente plausível para tornar complicada a questão moral.

Eu era contrário à pena de morte, mas passei a considerar que, se ela tem um efeito dissuasório significativo, provavelmente é justificável".

O professor da Universidade de Chicago tem um bom motivo para medir as palavras. Nos meios intelectuais, discute-se ale-gremente a tese de Ste-ven Levitt, segundo a qual o aborto reduziria o número de assassinatos.

Até mesmo o governador do Rio de Janeiro embarcou nessa, uma prova de que a idéia é falsamente provocatória.

Já a pena de morte é um assunto proibido, automaticamente associado aos piores brucutus da história. Mas quando se tem 44 663 assassinatos por ano, como no Brasil, nenhum assunto pode ser tabu. Nem na noite de Natal.

Ponto de vista: Lya Luft

As coisas boas

"Acho nosso momento tristíssimo. Mas vejo muita gente fazendo coisas positivas, jovens ou velhos com esperança, pessoas espalhando o bem"

Recebo e-mail de um jovem de 16 anos reclamando, num texto lúcido e bem escrito, de que sou pessimista. Pois escrevi na última coluna que "ninguém faz nada", quando, segundo ele, eu deveria dar uma mensagem esperançosa a quem quer "mudar o mundo". De alguma forma, isso me comoveu.

Quase todos queremos melhorar o mundo na juventude, e é bom querer não ficar rançoso, amargo ou queixoso na idade adulta. Pior ainda, chato na velhice.

Sou esperançosa e otimista, por isso mesmo não posso escrever apenas sobre coisas amenas, e infelizmente não tenho mensagem nem receita para o mundo melhorar. Pois eu sou apenas mais uma pessoa que de um lado se alegra, de outro se aflige.

O número espantoso de leitores desta revista me dá uma sensação de comprometimento com a não-alienação. Escondendo a realidade é que não se vai poder mudar ou melhorar coisa nenhuma.

Acho nosso momento tristíssimo. Até jornais estrangeiros importantes, que em geral não nos dão bola, registram os fatos que andam ocorrendo no Senado e em outras instâncias solenes como "coroamento da corrupção brasileira".

A impressão que se tem, que eu tenho, é que ninguém anda fazendo grande coisa, ou pouca gente faz alguma coisa para melhorar. Escrever que "ninguém faz nada" é uma hipérbole literária, é como dizer, sem realmente querer dizer isso, "morri de ódio".

Acho, sim, que muitos responsáveis não fazem nada, ou fazem o mal: desviam ou aplicam de maneira irresponsável dinheiro destinado aos pobres, desprezam a educação e a cultura, cospem na saúde, enganam uma montanha (não, um verdadeiro Everest...) de gente que merecia coisa melhor.

Ilustração Atômica Studio

Mas também vejo muita gente fazendo muita coisa positiva, gente querendo acertar, jovens ou velhos com esperança, pessoas espalhando o bem. Cada vez que um de nós é leal com alguém, faz uma coisa boa; cada vez que respeitamos o outro com suas diferenças, seus dramas e necessidades, fazemos uma coisa boa.

Cada vez que somos decentes em vez de perversos, cada vez que cultivamos compreensão e respeito em lugar de rancor, cada vez que somos carinhosos, alegres, solidários, fazemos coisas muito boas.

Cada vez que um jovem estuda, trabalha, e se constrói como pessoa produtiva e positiva, faz algo muito bom. Cada vez que um pai presta atenção no filho, cada vez que uma mãe é dedicada sem depois cobrar isso, fazem uma coisa boa.

Cada vez que alguém fuma seu último cigarro, bebe seu copo derradeiro, cheira sua ultimíssima carreirinha e dá o primeiro passo numa nova vida, faz uma coisa maravilhosa.

Sempre que alguém recusa uma baforada de maconha, negando-se a homenagear os traficantes que amanhã vão matar seu filho ou trucidar seu amigo, está fazendo uma coisa muito boa.

Quando olhamos uma árvore na beira da estrada, a luz do sol num gramado, a chuva na vidraça, a criança observando um besouro, um bebê dormindo, um velho rodeado pelos filhos, estamos fazendo uma coisa muito boa; cada professor mal pago que atende com dedicação seus alunos, cada médico de uma saúde pública apodrecida que cuida com humanidade de seus doentes faz uma coisa muito boa.

Sempre que uma mulher aproxima os filhos do pai mostrando que ele é um ser humano, está fazendo uma coisa boa; cada filho que abraça o pai que já não o pode sustentar faz uma coisa boa. O político que rema contra a correnteza permanecendo honrado faz uma coisa muito boa.

Fazem-se muitas coisas boas neste mundo, e por isso ainda não nos matamos. Por isso ainda estamos abertos ao belo, ao bom e ao outro. Por isso vale a pena viver.

Mas, sinto muito, o ser humano é um animal predador: o desejo de destruir e arruinar coexiste em todos nós com a bondade, a decência, a dignidade. Que fazer? Somos assim. Se pudermos estar do lado do bem, querendo melhorar o mundo, viva!

As coisas não estarão perdidas, a amargura não vai nos dominar, a sombra acabará fugindo da claridade, e continuaremos sendo, mais que feras, humanos. Mesmo quando alguém escreve sobre as realidades menos bonitas, elas não precisam prevalecer. E muita gente continuará fazendo muita coisa boa, aos 16 anos, aos 68 ou aos 86.

Lya Luft é escritora
Diana, a rainha da mídia

Biografia escrita por uma veterana do jornalismo de celebridades mostra como a princesa usou a imprensa de fofocas para construir o próprio mito

Jerônimo Teixeira - Tim Graham/Getty Images


A ARISTOCRACIA DA EXPOSIÇÃO

O casamento com o príncipe Charles, acompanhado em todo o mundo: "A burrice da realeza foi não perceber o trunfo que Diana representava", diz Tina Brown


Na onda de indignação pública que se seguiu ao acidente no túnel da Pont de L’Alma, em Paris, na madrugada de 31 de agosto de 1997, foram os paparazzi que levaram a maior parte da culpa.

Se não fosse pela perseguição implacável dos motoqueiros fotógrafos, o Mercedes que conduzia a princesa Diana e seu namorado da estação, o playboy egípcio Dodi al Fayed, jamais teria se espatifado contra um pilar do túnel.

É claro que o fato de o segurança Henri Paul ter misturado bebida e antidepressivos antes de assumir o volante influiu no acidente – mas o motorista bebum, a bela princesa e seu acompanhante ainda poderiam estar vivos hoje não fosse pelos abutres da imprensa marrom.

Segundo a jornalista inglesa Tina Brown, contudo, essa avaliação negligencia a relação que Diana mantinha com os paparazzi e os tablóides para os quais eles vendiam suas fotos.

Logo no primeiro capítulo da biografia Diana – Crônicas Íntimas (tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada; Ediouro; 452 páginas; 44,90 reais), ela observa que Diana e Dodi poderiam ter evitado o cerco dos fotógrafos se houvessem optado por uma noite íntima na suíte à prova de abelhudos do Ritz, de onde partiu o carro.

O hotel, aliás, pertence ao pai de Dodi, o empresário Mohamed al Fayed, cujas doidas teorias conspiratórias são responsáveis pela reabertura dos inquéritos sobre o acidente (leia matéria). Sim, a pressão dos paparazzi precipitou a fatalidade.

Mas, argumenta Tina, se Diana saiu para a noite parisiense, é porque queria ser vista e fotografada. "A mídia era a atração fatal de Diana. Ela ao mesmo tempo provocava os jornalistas e fugia deles", disse a VEJA.

Tim Graham/Getty Images

Tina Brown é uma veterana do jornalismo de celebridades. Editou a revista Tatler, dedicada a fofocas da nobreza inglesa, nos anos 80, início do casamento de Charles e Diana, quando os ingleses começavam a se encantar com a jovem princesa.

Mais tarde, já nos Estados Unidos, onde vive até hoje, ela foi editora da New Yorker e da Vanity Fair, em que escreveu uma reportagem pioneira sobre os percalços do casamento real – e também se dedicou às celebridades mais mundanas de Hollywood. Crônicas Íntimas traz todas as fofocas que se espera de uma jornalista tão enfronhada no estranho mundo da aristocracia inglesa.

O livro é em alguns momentos reverente, quase hagiográfico quando fala da bondade de Diana. Seu forte, porém, está na análise detalhada da relação da princesa com a feroz imprensa sensacionalista britânica. Crônicas Íntimas mostra como ela administrou sua relação com a imprensa para construir o próprio mito.

"Ela própria uma aristocrata, Diana sabia que a aristocracia de berço se tornara irrelevante. Tudo o que contava era a aristocracia da exposição", escreve Tina.

Esse afã promocional, argumenta o livro, representou um sopro de ar democrático na abafada casa de Windsor – que não soube aproveitá-lo. "A grande burrice da realeza foi não perceber o trunfo que Diana representava", diz Tina.

A fotogenia ou a capacidade de encantar as multidões não estavam entre as qualidades que Charles buscara em uma noiva quando afinal decidiu se casar, sob pressão do príncipe Philip e da rainha Elizabeth, seus pais.

Ele desejava apenas uma moça da nobreza, capaz de gerar herdeiros para a coroa e, de acordo com tradições anacrônicas para aquele início dos anos 80, virgem. Doze anos mais jovem do que o príncipe de Gales, lady Diana Spencer preenchia todos os requisitos.

Com uma infância marcada pelo divórcio traumático dos pais e uma educação deficiente numa típica escola para dondocas de sangue azul, ela se viu realizando, em 1981, o antigo sonho que a leitura de romances água-com-açúcar lhe incutira: casou com um príncipe, em uma cerimônia de conto de fadas televisionada para todo o mundo.
João Silva/AP

COMPAIXÃO E DRAMA

Diana em Angola, com vítimas de minas terrestres: a dedicação autêntica às causas humanitárias casou bem com a imagem de heroína de novela

A crise conjugal precipitada pela ligação de Charles com a antiga amante – e hoje esposa oficial – Camilla Par-ker Bow-les está devidamente documentada no livro, em todos os bem conhecidos detalhes sórdidos, como a gravação telefônica em que o herdeiro do trono britânico confessa seu desejo recôndito de ser um Tampax.

Mas Tina examina outra diferença perigosa entre o casal: Diana batia Charles em popularidade. Em desfiles e eventos ao ar livre, o público tentava se aproximar dela, não do marido. Em sintonia com as massas, os fotógrafos buscavam a melhor imagem da bela princesa e quase ignoravam o príncipe orelhudo.

A dissolução do casamento foi um verdadeiro evento de mídia – conduzido, é claro, por Diana, em entrevistas escandalosas nas quais reclamava da indiferença do marido e da hostilidade da família real.

Depois da separação, em 1992, Diana viu-se livre para consolidar seu status de celebridade global, sem as restrições do protocolo real.

Empenhou-se em causas humanitárias como a campanha contra minas terrestres, que a conduziu a vilas africanas devastadas pela guerrilha. Teatro publicitário? Tina Brown garante que não foi isso. Diana, diz ela, sempre teve uma empatia genuína com o sofrimento do próximo.

Adorava circular por ambientes exclusivos – o Palácio de Buckingham, o Hotel Ritz –, mas também se mostrava uma figura surpreendentemente próxima, acessível. "Ela carregava muita compaixão e drama. E com isso sua vida foi uma permanente telenovela", afirma Tina.

Como bancar a faculdade

Metade dos alunos não se forma porque não consegue pagar a mensalidade. Bolsa e financiamento são alternativa


Por CLAUDIA JORDÃO

FUTURO Quem financia os estudos paga a faculdade depois de formado

O Brasil vive uma realidade perversa no ensino superior. Com a pouca oferta de vagas nas universidades do governo, 72% dos 3,2 milhões de estudantes estão em faculdades privadas, em geral pessoas que vieram de escolas públicas e com menor poder aquisitivo.

O que poderia ser a esperança de um futuro melhor torna-se um pesadelo por causa do alto valor das mensalidades.

Segundo a pesquisa Os determinantes da freqüência à rede particular de ensino e dos gastos com educação no Brasil, dos economistas Naércio Menezes e Andréa Curi, apenas 52% dos alunos se formam e a principal razão disso é a incapacidade de arcar com a mensalidade. Nas universidades públicas, 76% conseguem o canudo.

A boa notícia é o crescimento dos programas de crédito educativo, tanto públicos quanto privados, o que pode ajudar a reverter este quadro.

Bárbara Gonçalves, 21 anos, é um exemplo típico de estudante que precisa de ajuda. “A minha vida toda dependi de bolsa de estudos”, resume ela.

Bárbara sempre freqüentou escola particular, mas nunca pagou a mensalidade. Na adolescência tinha bolsa integral, que conseguiu através de seu ótimo desempenho nos esportes.

Hoje, no terceiro ano de jornalismo na Unisa, em São Paulo, é bolsista integral do ProUni, programa do governo federal. Ela não paga nada desde o primeiro ano de curso. Mais velha de quatro irmãos, mora com a família e só ela e a mãe trabalham.

Bárbara tem dois empregos: de segunda a sexta é estagiária em jornalismo e, nos finais de semana, faz eventos. No total, recebe R$ 685 por mês. Só a mensalidade de seu curso é R$ 700.

Criado em 2004, o ProUni oferece bolsas de 50% ou 100% da mensalidade, tem convênio com cerca de 1.400 instituições privadas de ensino superior e, em 2008, oferecerá 180 mil bolsas.

As inscrições para o programa acabam esta semana. O bolsista parcial ainda pode financiar 25% do restante do valor da mensalidade pelo Fies, outro programa do governo federal, operacionalizado pela Caixa Econômica.

A partir do ano que vem, será possível financiar a mensalidade integral em cerca de 1.500 instituições credenciadas, com taxa de juros de 3,5% ou 6,5% ao ano, dependendo do curso. Desde que foi criado, em 1999, 457 mil alunos utilizaram o Fies. Assim como o ProUni, para poder participar, o aluno precisa comprovar carência financeira.

Quem não se enquadra no perfil dos programas do governo pode recorrer à iniciativa privada. Reinaldo Barros, 24 anos, é um dos 14 mil alunos que buscaram financiamento para a faculdade no fundo Pravaler, oferecido pela empresa Ideal Invest – que tem como sócio o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

Reinaldo queria fazer o curso superior de radiologia, mas, desempregado, não tinha condições de bancar R$ 384,63. Com o pai, um empresário, como fiador, ele obteve crédito e hoje, no primeiro semestre do curso, na Estácio de Sá, no Rio, paga R$ 193 por mês.

Depois de formado, continuará pagando a mensalidade por mais dois anos e meio. “Se não fosse assim, não teria como estudar”, diz ele. O fundo para custear estudos da Ideal Invest foi criado em setembro de 2006 e oferece financiamento com taxas de juros que variam entre 0,5% e 1,5% ao mês. “Não é um programa de bolsas.

Pelo contrário, é necessário que a renda do fiador e do aluno somem no mínimo duas vezes o valor da mensalidade”, explica Oliver Mizne, sócio da empresa.

Ela não divulga a taxa de inadimplência, mas especialistas afirmam que está muito longe dos 23,7%, índice nas faculdades do Estado de São Paulo, por exemplo.

AUXÍLIO Bárbara cursa jornalismo com bolsa do ProUni: a mensalidade é maior que o salário dela

Há também bolsas das próprias universidades, que cobram do aluno formado uma parcela do valor da mensalidade. Reinaldo Moura de Souza se beneficiou de um programa desses, oferecido pela Universidade São Francisco, em São Paulo.

Enquanto trabalhava como motorista do Tribunal de Justiça de São Paulo, ele fez o curso de direito e hoje é o juiz substituto de Ribeirão Preto, em São Paulo. Formado, ainda deve 24 parcelas à instituição de ensino e paga R$ 312 por mês.

“Graças a incentivos como esse que pessoas de classes inferiores conseguem estudar e realizar seus sonhos”, diz Reinaldo. É por histórias como essas que investir em educação vale a pena.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007



12 de dezembro de 2007
N° 15446 - martha medeiros


Já não vale tudo

Estava passando por uma rua, de carro, quando vi um cartaz anunciando o show do cantor Belo. Um pensamento me veio à cabeça: "Pô, o cara foi preso por tráfico de drogas, é um marginalzinho, e agora está aí fazendo show?

Eu jamais iria!". Durou 10 segundos esse meu pensamento totalitário. Logo reavaliei. Ora, seria o mesmo que eu achar que um ex-presidiário não tem direito de trabalhar depois de cumprir sua pena. O cara não é obrigado a se retirar de cena para sempre.

Então retifico: eu jamais iria ao show do Belo porque não gosto do repertório dele, não faz meu gênero, nunca fez. Quem gosta, tem mais é que curtir o retorno do moço aos palcos.

O mais curioso dessa minha esnobação instantânea é que eu estou lendo Vale Tudo, a biografia do Tim Maia, um cantor que também já viu o sol nascer quadrado por causa de envolvimento com roubos e drogas, e eu nunca assisti a um show dele por pura falta de oportunidade, pois iria numa boa.

Assim como também já assisti Rita Lee várias vezes, Gilberto Gil, Cazuza, Elis, e iria faceira a um show do James Brown, se vivo ainda fosse. Sempre me lixei para o que essa turma fumou ou deixou de fumar, nunca me ocorreu boicotar o show de ninguém, então o que mudou?

O mundo mudou.

Antes, a visibilidade da droga estava nas areias, nos palcos, nas festas - não se olhava pro morro. Consumo e tráfico pareciam duas coisas muito distintas. Um artista fumar unzinho era totalmente aceitável, fazia parte do folclore do showbiz.

Os Beatles eram uns frangotes quando foram apresentados à rainha da Inglaterra totalmente chapados, e o que isso rendeu? Um nota de rodapé na biografia deles. Janis Joplin, Jimi Hendrix, Mick Jagger, Eric Clapton, Robert Plant: existe algum anjo no rocknroll?

Sempre se soube que as drogas tinham passe livre nos camarins, era uma espécie de rebeldia "paz e amor" que infelizmente resultou em algumas baixas, mas nada que exigisse crucificação pública do usuário.

Hoje, Tim Maia seria considerado uma criança inocente se comparado ao Belo. Não há mais espaço para a malandragem poética, o baseadinho redentor. Droga virou assunto de segurança pública. O tráfico produz violência urbana e, com tantos assaltos e assassinatos diários, a tolerância se foi.

Abriu-se um canyon entre aqueles tempos em que a maconha era festiva e não comprometia o talento de ninguém, e os tempos de agora, em que drogar-se deixou de ser uma atitude de relaxamento e de inspiração para se tornar, no mínimo, uma babaquice.

O Brasil virou um lugar tão perigoso que está exterminando a condescendência e nos tornando desgraçadamente mais duros.

Ótima quarta-feira, namore, aproveite o Dia Internacional do sofá.

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! A CPMF é encosto!

E a entrevista da Rosane Collor? Quando a ex volta a dar entrevista é porque a pensão é pouca

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E quatro são os estágios da vida:
1) Você acredita em Papai Noel.
2) Você não acredita em Papai Noel.
3) Você é o Papai Noel. 4) Você PARECE o Papai Noel! Rarará!

E, atenção! Mofo? Vazamento?

Dor no corpo? CPMF? É ENCOSTO! Rarará! Devia mudar para CPME: Contribuição Permanente pra Manter o Encosto!

E diz que o Lula vai chamar o Figueirense pra bater uma pelada na Granja do Torto com o clube da diretoria da Fiesp. Pra mostrar pro Skaf que tem coisa pior que a CPMF!
E a Volta da Barbie do Agreste!?

Vocês viram a Veja desta semana com a entrevista da Rosane Collor? Quando ex-mulher volta a dar entrevista é que a pensão é pouca! Rarará!

E comentários no blog revelam as promessas do Lula pra passar a CPMF: se eu conseguir aprovar a CPMF, eu juro que nunca mais faço discurso de improviso, nunca mais digo que o Brasil é o miolo da picanha, nunca mais viajo pro exterior, e a Marisa nunca mais vai colocar botox. Rarará!

E mais promessas (é o fim do ano), um amigo fez três promessas em solidariedade aos corintianos: enquanto o Timão não voltar pra série A, eu não vou comer jiló, não vou falar com a minha sogra e não vou jogar golfe. É a cota de sacrifício!

E adorei a charge do Marco Aurélio com o Lulalelé: "Marisa, lembra daquele anel e do colar que te prometi de Natal?". "Já sei, sem a CPMF não vai ter mesmo". Sobrou pra galega! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe! OU como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em São Benedito, no Ceará, tem um açougue com o nome de Frigorífico O CHEIRINHO! Rarará!! Parece Dias Gomes. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Testículo": companheiro que escreveu um texto que é um pé no saco. Rarará!

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

terça-feira, 11 de dezembro de 2007



11 de dezembro de 2007
N° 15445 - Liberato Vieira da Cunha

Os mistérios do amor

Se a humanidade tivesse sido dividida desde o Gênesis entre duas categorias, a dos que dominam a informática e a dos que não dominam, eu não teria a menor dúvida em escolher a minha.

Sou inteiramente incompetente em editar, exibir, arquivar, inserir, formatar, tabelar e mais outros dois milhões de alternativas que me são oferecidas por essa caprichosa ciência.

Conheço a causa de minha abissal ignorância. No recuado ano de 1982, estando na cidade de Darmstadt, que fica na Alemanha, fui apresentado, em um curso de Jornalismo, aos rudimentos da esquiva matéria.

Foi um conhecimento cordial: nunca precisarei disso, pensei na ocasião. Ledo engano. Já em 1985, lidar com bits e bytes fazia parte de meu manual de sobrevivência diária, como aliás até hoje.

Mas ocorre comigo um fenômeno que ofereço aqui à análise dos especialistas no cérebro humano. Se aprendo algum truque na prestimosa disciplina e o exercito por semanas ou meses, há esperançosas chances de que não vou deslembrá-lo. Mas se, por alguma fugidia razão, não necessito de seus bons ofícios, esqueço-o completamente.

Sei que hoje há crianças que tratam o computador como um animal doméstico. Antes dos cinco anos já o subjugaram completamente. Eu contudo, que só o domei depois dos 40, encontro uma dificuldade infinita em submeter suas teclas.

Incompetência - sentenciará um especialista. Inabilidade - decretará um perito.

Ignorância - proclamará um expert. Eu, no entanto, que não sou especialista, nem perito, nem expert, me limitarei a recolher-me à minha parvoíce.

Outros homens, através das idades, já se defrontaram com conhecimentos invencíveis, na matemática, na física, na química.

Agora mesmo, inscientes nos mistérios da informática, devem estar se perguntando o que é layout online, estrutura de tópicos, referência cruzada.

Não vos inquieteis, irmãos. Muito mais profundos e incompreensíveis são os mistérios do amor.

Ótima terça-feira ainda que com muita chuva nesta Porto e que por isso não está tão alegre.

domingo, 9 de dezembro de 2007


DANUZA LEÃO

Tragédia nacional

A escola não existe só para ensinar a ler e a escrever mas também para formar cidadãos. Dá vergonha

NINGUÉM VAI me dizer que as crianças brasileiras só são mais inteligentes do que as de um país que se chama Quirguistão, do Qatar e da Tunísia. Por que, então, elas não conseguem aprender a ler? Porque quem ensina não sabe ensinar, claro.

Quando houve a tragédia da jovem presa na mesma cela com 20 homens, no Pará, logo veio a notícia de uma verba de R$ 89 milhões para melhorar as prisões do Estado, como se essa fosse a solução do problema.

Quando foram divulgados os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o ministro da Educação apareceu na televisão dizendo que seu ministério precisava de mais verba para que o ensino melhorasse.

Mas o problema não é só de verba, em nenhum dos dois casos; é preciso saber como usar a verba, e até agora não ouvi uma só palavra sobre um projeto para formar novos professores.

Renovar as salas de aula, dar mesas e cadeiras para que os estudantes estudem é necessário, claro; mas sem bons professores, professores que saibam ensinar, nada vai mudar.

Leva tempo, eu sei, mas é preciso começar a investir direito para um dia colher os frutos, mesmo em um próximo governo que não seja do PT.

O sistema de educação da França, um dos melhores do mundo, foi implantado por Napoleão Bonaparte ainda no século 19, e é tão bom que continua o mesmo até hoje. O Brasil não precisa criar; basta ir lá, ver e copiar.

Uma criança que passa apenas quatro horas do dia na escola dificilmente vai chegar em casa, pegar o caderno e, por vontade própria, fazer o dever de casa e estudar a lição.

E sem essa de dizer que os pais, que antes colaboravam, hoje em dia não colaboram. Nos tempos atuais, na maioria das famílias, pais e mães não têm tempo de estudar com seus filhos porque trabalham, razão a mais para o garoto chegar da escola, ligar a televisão e ficar vendo um filme.

O estudo e os deveres têm que ser feitos ainda no colégio, sob a supervisão dos professores, quem não sabe?

Crianças de 15 anos que não sabem ler corretamente, e quando conseguem, não entendem o que leram, é uma lástima. A escola não existe só para ensinar a ler e a escrever mas também para formar cidadãos. Dá vergonha e dá pena; o que será do futuro dessas crianças? O que será do futuro do Brasil?

Não seria mais útil ter empregado o dinheiro da mais do que inútil TV Brasil em educação? E o R$ 1 bilhão do BNDES para ajudar na comercialização dos conversores da TV digital? Não seria melhor ser usado na educação?

Outra coisa que me chamou a atenção nessa semana foi a invenção, do ministro da Defesa, de multar as companhias de aviação que atrasarem os vôos. Muito bem, ótimo, quem não quer ter os aviões no horário?

Mas até provar a razão do atraso -por necessidade de uma manutenção mais demorada, porém necessária, por exemplo-, vai ser um problema.

As companhias não vão querer pagar por isso, e talvez prefiram "economizar" nesse pequeno detalhe, o que em aviação pode significar tragédia. Eu, por mim, prefiro que meu avião atrase a que caia. Será que estou errada?

Não é por nada não, mas este país está um caos, c-a-o-s. O Senado livrou a cara de Renan Calheiros, e eu gostaria de saber de alguma coisa, qualquer uma, da responsabilidade do governo, que funcione bem.

Só uma, e eu já fico feliz (a estabilidade monetária não vale, esta Lula já encontrou prontinha). Quem souber que me mande um e-mail.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! Saiu o corno Papai Noel!

"Complexo B': remédio usado por companheiros corintianos que deve ser ingerido toda segunda

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da União! Direto do País da Piada Pronta!

Todo ano nesta data temos que celebrar aquele que vem à Terra para nos salvar. O décimo terceiro. Ops, o péssimo terceiro. E todo ano o mesmo diálogo: "O que você vai fazer com o péssimo terceiro?". "Pagar as dívidas." "E o resto?" "O resto eu pago depois."

Aliás, essa é a definição de décimo terceiro: demora doze meses pra chegar e uma hora pra gastar! Ou como disse aquele outro: "O que adianta ganhar 13 salários se a minha mulher gasta 14!?".

E a piada pronta da semana foi o novo técnico do Corinthians: MANO Menezes. Mais um mano no Timão? Um mano pra dirigir outros manos. E com esse nome não tem moral: "E aí, Mano, fiiirrmeza?". E nos estádios nenhum corintiano vai poder gritar "FORA, MANO"!

Em jogo do Timão, se gritar "Fora, Mano", o estádio fica vazio. Pior, aquele outro corintiano da Gaviões da Fiel que colou o adesivo no carro: "Deus não é Fiel"! Rarará!

E como me disse um corintiano: o Renan foi absolvido em quatro processos e o Chávez vai fazer referendo até ganhar. Se a putaria tá geral assim, exijo que cancelem a queda do Timão. Justo! Perfeito. Timão na primeira divisão!

E o ano passado foi o Natal do DVD. Fica DVDendo no cartão e DVDendo no banco. Esse vai ser o natal do iPod: iPod parcelar em dez vezes? iPod dar um desconto? iPod não dar presente pra ninguém?!

E acaba de sair o corno Papai Noel: aquele que vai embora, mas volta por causa das crianças! E tem aquele comerciante de shopping que tá tão duro, mas tão duro, que só conseguiu contratar um Papai Noel magro, fumante e com a cara do Serra! Rarará!
É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo hilário e irado de antitucanês.

É que em Marília, no interior de São Paulo, penduraram uma placa no farol: "No piscante, entre com cuidado". Rarará! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Complexo B": medicamento utilizado pelos companheiros corintianos que deve ser ingerido toda segunda. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

sábado, 8 de dezembro de 2007



09 de dezembro de 2007
N° 15443 - Martha Medeiros


Precisamos falar sobre tudo

Assassinos em série fazem parte de uma única sociedade que precisa falar sobre aquela parte da gente que fica entrincheirada, recusando-se a fazer parte do todo

Li alguns livros muito bons este ano (desde os brilhantes Homem Comum, de Philip Roth, e Na Praia, de Ian McEwan, até a estréia promissora da carioca Maria Helena Nascimento, em Olhos Baixos), mas o que me deixou com os quatro pneus arriados foi Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lionel Shriver.

Um livro obrigatório por inúmeras razões, mas vou tentar salientar duas ou três.

Pra começar, o tema é macabramente atual: a rotina de massacres em escolas (principalmente nos Estados Unidos) em que adolescentes matam colegas e professores sem motivo aparente. Aliás, nada é mais preguiçoso do que procurar um motivo aparente.

Talvez aí resida o melhor do livro: ele rejeita as versões oficiais, aquelas que engolimos facilmente, que nos descem sem esforço. Quem narra a história é a mãe do assassino, um garoto de 16 anos que nasceu perverso por natureza, mas que chegou às raias da insanidade ao atirar premeditadamente em 11 colegas escolhidos a dedo para morrer.

Se fosse um livro como os outros, a mãe faria um mea-culpa choroso, dizendo que precisou trabalhar fora e com isso a educação do filho ficou descuidada.

Ou iria falar sobre más influências. Ou então defender que ele foi excluído pela sociedade por ser asiático, ou negro, ou gay ou simplesmente por ser mais um deprimido, mas isso seria tão rasteiro quanto sonolento.

E o livro é o oposto: é uma bofetada a cada página. Nunca gostei de apanhar, mas esse livro me nocateou e ainda terminei dizendo "quero mais".

O relato não é condescendente com nada nem com ninguém.

A mãe do garoto relembra passagens da sua alegre vida de recém-casada, da sua relutância em engravidar, do susto com o nascimento daquela criança que ela não identificava como um presente dos céus, da enorme dificuldade em contornar conflitos, na distância que surgiu entre ela e o pai do bebê e do incômodo reconhecimento de que formar uma família feliz não é tão simples como anunciam por aí.

Só que a autora vai além da desconstrução do sublime. Ela desconstrói a todos nós, fazendo vir à tona nossa incompetência como controladores de vôos de nossos filhos. Nossas orientações são bem-intencionadas, mas não onipotentes.

Nosso amor é necessário, mas nem sempre é bem compreendido ou bem transmitido. Nossos cuidados podem vir a ser infrutíferos, nossas palavras podem não adiantar, nossas atitudes talvez não sirvam como exemplo.

Existe algo tão influente quanto tudo isso: a nossa dor interna. Ela contamina, ela comunica, ela desgraçadamente também educa - ou deseduca.

E tem ainda essa nossa sociedade doentia, que transforma qualquer ato estapafúrdio em espetáculo, que não dá chance aos invisíveis, que derruba antigos valores éticos e morais sem os substituir por algo que valha a pena.

Hoje a inversão é total: um pequeno gesto de bondade passa a ser assombroso, enquanto que a violência é de casa, virou um tédio.

O livro é violento não pela transcrição de cenas sanguinárias - quase não há - mas pela brutalidade dos pensamentos e diálogos. Bruto no sentido de honesto, de trazer à tona uma verdade nua, selvagem, sem retoques. O livro é brutal porque implode as fachadas. Nada fica de pé.

O leitor que for igualmente honesto consigo mesmo, que tiver o mínimo de conhecimento psicológico, que estiver disposto a enfrentar sua fragilidade da mesma maneira que se vangloria de suas virtudes, vai acusar o golpe.

Óbvio que não estamos criando assassinos em série, eles ainda são casos isolados, mas fazemos parte de uma única sociedade que precisa, sim, falar sobre o Kevin, falar sobre o João, falar sobre nossos filhos e sobre nós mesmos, entendendo por "nós" aquela parte da gente que fica entrincheirada, se recusando a fazer parte do todo. Mas que, querendo ou não, faz.

Ótimo domingo - Feliz Fim de Semana