terça-feira, 30 de junho de 2009



30 de junho de 2009
N° 16016 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Reunião de família

O bom das festas de família são as pequenas inconfidências que surgem, antes acobertadas por séculos de cúmplices silêncios.

São a alegria do reencontro, após um mês, um ano, uma eternidade de distanciamento.

São o sentimento de que todos pertencem a um condomínio de lembranças compartilhadas.

São os mínimos segredos, antes mais ou menos ocultos, e de súbito divididos em sua inteira verdade.

São a sensação de que todos pertencem a um mesmo acervo de experiências que precisa ser reaprendido.

São a terna consciência de que, apesar da diáspora, nunca realmente nos apartamos.

São a redescoberta de recordações compartidas e desde muito caladas.

São a doce atmosfera de união na diversidade, pois há tanto separados somos no fundo iguais.

São as vivências repartidas de acontecimentos que entendíamos independentes.

São as alegrias esquecidas e que, sem aviso, voltam a tocar nossos corações.

São os netos que nascem, os filhos que se tornam adultos e a tia que tem 85 anos e a alma de uma menina.

São os sorrisos e as palavras dessa tia, que tornam presente o passado mais-que-perfeito.

São os simples olhares em que há todo um entendimento.

São a noção mágica de pertencer a um clã, a uma comunidade de afetos.

São as vozes e os risos que dão existência aos seres e às coisas.

São a reinvenção de muitas vidas, até ali dispersas, até ali reencontradas.

São a nua síntese de uma comunhão de caminhadas paralelas.

Assim são as festas de família: a reconstrução do que o tempo nunca poderá destruir.

sábado, 27 de junho de 2009



28 de junho de 2009
N° 16014 - MARTHA MEDEIROS


Os ausentes

Não importa a situação: saiu de casa, esforce-se. Não precisa virar o mestre-de-cerimônias da noite, ao menos agracie seus semelhantes com dois ou três sorrisos. Não dói

EU não assisti ao programa, mas soube da história. O jornalista David Letterman recebeu Joaquim Phoenix para uma entrevista. O ator fez jus à fama de bad boy: não parou de mascar chiclete e só respondia com monossílabos e grunhidos, não facilitando o andamento da conversa. Letterman tentou, tentou, e como não conseguiu arrancar nada do sujeito, encerrou a entrevista com uma tirada ótima: Joaquin, uma pena que você não pôde vir esta noite.

Quando uma pessoa se dispõe a dar uma entrevista, tem que entrar no jogo: responder com generosidade ao que foi perguntado e valer-se de uma educação básica, caso tenha. É bom lembrar que a maioria das entrevistas não é feita apenas para dar ibope ao programa, e sim para ajudar na divulgação de algum projeto do convidado.

Ambos saem ganhando. Só quem não ganha é a plateia quando o convidado finge que está lá, mas não está. Madonna é até hoje o trauma da carreira de Marilia Gabriela, pelos mesmos motivos.

Claro que há quem defenda a atitude de Phoenix com o argumento da “autenticidade”, mas existe uma sutil diferença entre ser autêntico e ser grosso. É muita inocência achar que podemos prescindir de uma certa performance social. Espero não estar ferindo a sensibilidade dos “autênticos”, mas de um teatrinho ninguém escapa, a não ser que queiramos voltar a viver nas cavernas.

Não sou de me irritar facilmente, mas acho um desrespeito quando uma pessoa faz questão de demonstrar que não compactua com a ocasião. São os casos daqueles que se emburram em torno de uma mesa de jantar e não fazem a menor questão de serem agradáveis. Pode ser num restaurante ou mesmo na casa de alguém: estão todos confraternizando, menos a “vítima”, que parece ter sido carregada para lá à força. Às vezes, foi mesmo.

Sabemos o quanto uma mulher pode ser insistente ao tentar convencer um marido a participar de um aniversário de criança, assim como maridos também usam seu poder de persuasão para arrastar a esposa para um evento burocrático. Não importa a situação: saiu de casa, esforce-se. Não precisa virar o mestre-de-cerimônias da noite, mas ao menos agracie seus semelhantes com dois ou três sorrisos. Não dói.

Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo, apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.

Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja, escute-O. Durante um beijo, dispa-se. No estádio de futebol, apaixone-se. De frente para o mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.

Esteja! Se não quiser participar, tudo bem, então fique na sua: na sua casa, no seu canto, na sua respeitável solidão. Melhor uma ausência honesta do que uma presença desaforada.

Um ótimo domingo minha amiga, este que é o último de junho de 2009.


O papagaio era um gênio

Um livro curioso e divertido conta as façanhas de Alex, a ave que chegou a ganhar um obituário na revista The Economist graças à sua inteligência

Diogo Schelp ´- Rick Friedman/Corbis/Latinstock



UM EINSTEIN COM ASAS

Irene Pepperberg olha embevecida para Alex. Ele sabia contar, nomear cores, formas e materiais. Mais esperto do que muito marido por aí...

A última do papagaio não é piada. É uma história que põe em xeque certezas estabelecidas sobre o que diferencia um homem de um animal.

No dia 20 de setembro de 2007, o obituário da revista inglesa The Economist, uma das peças mais bem escritas do jornalismo, que homenageia personalidades internacionais, como músicos, estadistas e vencedores do Prêmio Nobel, noticiou a morte de um papagaio-cinzento de 31 anos chamado Alex.

Era, de fato, um pássaro especial. Alex tinha habilidades cerebrais que antes se pensava exclusivas dos seres humanos – e, com alguma boa vontade, dos primatas em geral. E, com algum pessimismo, não de todos os homens.

O papagaio sabia contar até seis e fazia cálculos simples, como somar dois mais três. Ele identificava cores e objetos pelo nome e usava corretamente conceitos abstratos como "nada" ou "diferente". Nos últimos anos de vida, Alex demonstrou até ser capaz de perceber a equivalência entre o numeral "6", por exemplo, e meia dúzia de objetos iguais – sem ter recebido treinamento específico para isso.

Os bastidores dos experimentos que revelaram a genialidade desse papagaio estão no livro Alex e Eu (tradução de Marcia Frazão; Record; 240 páginas; 38 reais), de Irene Pepperberg, professora de cognição animal das universidades Harvard e Brandeis, nos Estados Unidos. Você, leitora, trocaria seu marido por um papagaio?

Pois a pesquisadora americana comprou Alex quando ele tinha 1 ano de idade e, nas três décadas seguintes, devotou-se quase integralmente a testar os limites de sua inteligência. Sua dedicação era tamanha que abandonou empregos para realizar seu objetivo – e também o maridão.

Em vez de dona, Irene preferia considerar-se colega de trabalho do papagaio. No livro, que não tem pretensão científica, ela relata a sua convivência com esse adorável, ciumento e mandão a quem deu o nome de Alex. A autora também descreve como foi massacrada por outros cientistas pela ousadia em buscar traços de pensamento em uma ave, recorda a carreira instável e resume de maneira clara suas descobertas científicas.

Mas é nos detalhes da convivência diária com Alex que o relato de Irene seduz e desarma até o leitor mais cético, envolvendo-o em situações divertidas e repletas de demonstrações da inteligência de seu querido papagaio. Alex, por exemplo, usava nos contextos certos expressões como "pão" e "gostoso". Na primeira vez que experimentou um bolo, chamou-o espontaneamente de "pão gostoso".

Manifestações como essa, como a própria Irene reconhece, apesar de surpreendentes, não podem ser facilmente confirmadas dentro das regras rígidas da ciência. Para isso, precisariam ser repetidas dezenas de vezes. No entanto, o fato de Alex ficar entediado com os testes dificultava ainda mais as coisas.

Era comum acontecer de, depois de horas respondendo a perguntas dos pesquisadores, ele se cansar e pedir "quero voltar", para retornar à sua gaiola. Certa vez, Irene tentava apresentar os resultados de seus estudos a potenciais patrocinadores, mas tinha pouco tempo e Alex estava impaciente.

O teste consistia em a pesquisadora mostrar ao papagaio uma bandeja com combinações de letras agrupadas por cor. Irene dizia a cor de um dos grupos de letras e pedia a Alex para responder que som elas formavam: "shh", por exemplo.

Ele acertava as questões, mas antes de passar para a próxima pedia "quero noz". Irene não queria dar-lhe de comer antes de terminar o teste e continuou com as perguntas, até que Alex repetiu: "Quero noz! Nnn... óó... zzz". Ou seja, praticamente soletrou a palavra para a dona, para comunicar com mais ênfase o desejo de comer nozes. Alex não foi condicionado para isso e, aparentemente, conseguiu separar de maneira espontânea os fonemas do vocábulo.

Se houvesse uma boa amostra estatística desse comportamento, isso comprovaria que o papagaio tinha domínio sobre um elemento essencial da linguagem. Como não podia ser replicado, o episódio não tinha valor científico. Para Irene, no entanto, ficou a impressão de sua capacidade para tanto.

Saber o que se passa na cabeça de um papagaio é tão difícil quanto descobri-lo em uma criança pequena. Não dá para perguntar "o que você está pensando" a uma ave, mesmo uma que conhece 150 palavras, como era o caso de Alex, nem a um ser humano de 1 ano de idade e esperar que eles discorram longamente sobre o tema.

Para isso, precisariam ter controle completo de um sistema linguístico – a manipulação de símbolos, como palavras e gestos, para representar a realidade e se comunicar. A teoria mais difundida entre os cientistas, hoje, é que sem linguagem não há pensamento.

Irene Pepperberg e outros estudiosos do comportamento animal tentam mostrar que uma coisa não depende, necessariamente, da outra. Eles têm a seu favor o fato de a ciência já ter revisto algumas vezes o conceito de pensamento.

O atributo que faz do homem um ser único já incluiu habilidades como a de criar ferramentas, antecipar situações, ensinar e se comunicar. Os estudos de comportamento animal iniciados na década de 70 revelaram que essas e outras capacidades cognitivas estão presentes também em chimpanzés e golfinhos.

Antes desse período, predominava a escola comportamental, que considerava os animais não mais do que seres que apenas imitavam o ser humano em algumas de suas atitudes. "Experimentos como os que foram feitos com Alex tornaram obsoleta uma definição absoluta e única de ‘pensar’. O mais apropriado é falar em gradações de raciocínio", diz o neurocientista Renato Sabbatini, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Dito em outras palavras, o raciocínio humano é desenvolvido o suficiente para planejar pontes, aviões, sinfonias e usinas nucleares. Já o do chimpanzé lhe permite usar varetas para roubar mel de uma colmeia, mas não, até onde se sabe, olhar para as conquistas da civilização e matutar: "Puxa vida, eu aqui em cima desta árvore e os humanos dormindo em colchões de mola".

Em um tempo curto de vida, metade da longevidade média de um ser de sua espécie, Alex ajudou a questionar os argumentos normalmente usados para assegurar a superioridade humana sobre as espécies.

Como é possível que uma ave, cujo último ancestral comum ao homem viveu há 280 milhões de anos, conseguisse fazer cálculos simples de adição? No mínimo, isso significa que a evolução criou formas de inteligência em processos paralelos. Um resultado disso são as diferenças entre o cérebro de um primata, grande e com um córtex cheio de dobras, e o de uma ave, pequeno e liso.

Possivelmente, se tivesse vivido mais trinta anos, Alex poderia ter derrubado novas barreiras intelectuais entre bichos e homens. Será necessário estudar outros papagaios para descobrir se Alex era um ponto fora de curva. Se isso for verdade, da mesma forma que não se pode definir a humanidade com base no QI de Albert Einstein, não vai dar para classificar toda a papagaiada segundo os feitos de Alex.

"Alex pensava"

Irene Pepperberg, de 60 anos, passou metade da vida treinando e estudando o papagaio-cinzento Alex. Ao dar a seguinte entrevista a VEJA, por telefone, ela articulou cada palavra como se falasse com um papagaio. Ao fundo, era possível escutar os assovios dos pássaros de seu laboratório, situado nos arredores de Boston.

Qual é a relevância de saber se os animais pensam?
Nós dividimos o mundo com essas criaturas. Precisamos entender tudo sobre elas para que possamos respeitá-las, e não apenas tirar vantagem de sua existência. Há um longo caminho a percorrer nesse sentido.

Alex provou que uma ave com o cérebro do tamanho de uma noz com casca pode fazer as mesmas tarefas que macacos, golfinhos e crianças pequenas. Esse foi um grande avanço.

Alex era um gênio de sua espécie?
Ele foi muito estimulado. Nenhum dos meus outros pássaros, tampouco qualquer outro papagaio em condições de pesquisa, teve o mesmo tratamento. Por quinze anos, Alex foi minha única ave.

Ele interagia com humanos doze horas por dia. Nós conversávamos com Alex constantemente, fazíamos perguntas, comentávamos assuntos entre nós na sua presença e o envolvíamos na conversação. Nós nos detínhamos em cada palavra dita por Alex. Se ele pedia milho, nós dizíamos: "Está bem, você quer milho amarelo? A cor do milho é ‘amarelo’". Isso o ajudava a compreender mais um conceito de cor.

Alex pensava?

Sim. Ele conseguia processar informações de uma maneira muito complexa. Tinha uma capacidade de discernimento que lhe permitia juntar vários de seus conhecimentos para solucionar um problema.

O que significa "inteligência" e "pensar", no caso de Alex?
Quando Alex treinava a compreensão dos números, usava a inteligência. Eu mostrava a ele uma bandeja com números de cores diferentes misturados e perguntava: "De que cor é o seis?". Ele respondia corretamente.

A capacidade de pensar foi revelada em outra situação impressionante. Eu mostrava grupos com dois, três e seis objetos na bandeja, cada um de uma cor, mas Alex só repetia "cinco", justo o número ausente. Eu então lhe perguntei: "Está bem, qual é a cor do cinco?".

E, para minha surpresa, ele respondeu: "Nenhuma". Alex havia assimilado o conceito de ausência de um atributo, que tínhamos aplicado em outros treinamentos, e transferido para a ausência de um objeto. Isso é pensar.

Não com a mesma complexidade que um ser humano, é claro. Não creio que Alex teria sido capaz de aprender quatro línguas, por exemplo, ou ter o tipo de conversa que você e eu estamos tendo.

O fato de reconhecer, no livro, o valor afetivo que o papagaio tinha em sua vida pode ser usado para criticá-la como cientista?
Isso já aconteceu. Um de meus colegas escreveu uma resenha muito negativa de Alex e Eu na revista Nature. Não era o lugar certo para fazer isso. Afinal de contas, trata-se de uma revista científica, e meu livro não é acadêmico, é de memórias.

O argumento do autor foi que, ao falar das minhas emoções, eu invalidei as pesquisas com Alex. Ele está enganado, porque os meus artigos científicos foram revisados com muito cuidado, saíram em publicações respeitadas e ganhamos prêmios por eles. Nunca deixei cair a barreira da objetividade entre mim e Alex enquanto ele estava vivo.

Lya Luft

Trilha de contradições

"Convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado"

"Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce." Já escrevi sobre essa frase. Sim, repito alguns temas, que são parte do meu repertório, pois todo escritor, todo pintor, tem seus temas recorrentes.

No alto dessa escada nos seduzem novidades e nos angustia o excesso de ofertas. Para baixo nos convocam a futilidade, o desalento ou o esquecimento nas drogas. Na dura obrigação de ser "felizes", embora ninguém saiba o que isso significa, nossos enganos nos dirigem com mão firme numa trilha de contradições.

Ilustração Atômica Studio

Apregoa-se a liberdade, mas somos escravos de mil deveres. Oferecem-nos múltiplos bens, mas queremos mais. Em toda esquina novas atrações, e continuamos insatisfeitos. Desejamos permanência, e nos empenhamos em destruir.

Nós nos consideramos modernos, mas sufocamos debaixo dos preconceitos, pois esta nossa sociedade, que se diz libertária, é um corredor com janelinhas de cela onde aprisionamos corpo e alma. A gente se imagina moderno, mas veste a camisa de força da ignorância e da alienação, na obrigação do "ter de": ter de ser bonito, rico, famoso, animadíssimo, ter de aparecer – que canseira.

Como ficcionista, meu trabalho é inventar histórias; como colunista, é observar a realidade, ver o que fazemos e como somos. A maior parte de nós nasce e morre sem pensar em nenhuma das questões de que falei acima, ou sem jamais ouvir falar nelas. Questionar dá trabalho, é sem graça, e não adianta nada, pensamos.

Tudo parece se resumir em nascer, trabalhar, arcar com dívidas financeiras e emocionais, lutar para se enquadrar em modelos absurdos que nos são impostos. Às vezes, pode-se produzir algo de positivo, como uma lavoura, uma família, uma refeição, um negócio honesto, uma cura, um bem para a comunidade, um gesto amigo.

Mas cadê tempo e disposição, se o tumulto bate à nossa porta, os desastres se acumulam – a crise e as crises, pouca trégua e nenhuma misericórdia. Angústias da nossa contraditória cultura: nunca cozinhar foi tão chique, nunca houve tantas delícias, mas comer é proibido, pois engorda ou aumenta o colesterol. Nunca se falou tanto em sexo, mas estamos desinteressados, exaustos demais, com medo de doenças.

O jeito seria parar e refletir, reformular algumas coisas, deletar outras – criar novas, também. Mas, nessa corrida, parar para pensar é um luxo, um susto, uma excentricidade, quando devia ser coisa cotidiana como o café e o pão. Para alguns, a maioria talvez, refletir dá melancolia, ficar quieto é como estar doente, é incômodo, é chato: "Parar para pensar? Nem pensar! Se fizer isso eu desmorono".

Para que questionar a desordem e os males todos, para que sair da rotina e querer descobrir um sentido para a vida, até mesmo curtir o belo e o bom, que talvez existam? Pois, se for ilusão, a gente perdeu um precioso tempo com essa bobajada, e aí o ônibus passou, o bar fechou, a festa acabou, a mulher fugiu, o marido se matou, o filho... nem falar.

Então vamos ao nosso grande recurso: a bolsinha de medicamentos. A pílula para dormir e a outra para acordar, a pílula contra depressão (que nos tira a libido) e a outra para compensar isso (que nos rouba a naturalidade), e aquela que ninguém sabe para que serve, mas que todo mundo toma.

Fingindo não estar nem aí, parecemos modernos e espertos, e queremos o máximo: que para alguns é enganar os outros; para estes, é grana e poder, beleza e prestígio; para aqueles, é delírio e esquecimento.

Para uns poucos, é realizar alguma coisa útil, ser honrado, apreciar a natureza, sentir o calor humano e partilhar afeto. Mas, em geral medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos, nos achando o máximo ou nos sentindo um lixo, carregamos a mala da culpa e a mochila da ansiedade.

Refletindo, veríamos que somos apenas humanos, e que nisso existe alguma grandeza. Mas, convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado.

Lya Luft é escritora


A tecnologia ficou invisível

Os aparelhos eletrônicos serão embutidos em roupas e objetos. Estarão até dentro de nós. Alguns facilitarão nossa vida. Outros vão espreitar nossos movimentos
Fabiana Monte



Você acorda para trabalhar. No banheiro, o espelho indica seu peso, sua idade, o nível de colesterol e a pressão sanguínea informados por sensores implantados em seu corpo. Também mostra a série de exercícios físicos que você deve fazer para manter seu organismo saudável. Na cozinha, sua mãe prepara o café.

A geladeira apresenta os produtos cujo prazo de validade está chegando ao fim e envia para o mural digital da cozinha a lista de itens que devem ser comprados.

O equipamento, com tela sensível ao toque e webcam integrada, também exibe fotos de seus amigos e parentes. É o aniversário de seu tio que mora no exterior. Você grava um vídeo desejando felicidades. Com a ponta do dedo, arrasta o arquivo até a foto do aniversariante. Pronto, a mensagem é enviada para o e-mail de seu tio.

Já no carro, você se dá conta de que esqueceu o endereço da reunião marcada para esta manhã. Com um comando de voz, seus e-mails aparecem no display do carro. Ao selecionar o endereço com o toque do dedo, o GPS indica o melhor caminho a seguir. Coisa de filme? Em alguns anos, sua rotina poderá ser assim.

A promessa que a ciência e a evolução tecnológica trazem para a humanidade é de um futuro conectado. Uma conectividade, garantem cientistas e estudiosos, bem diferente daquela à qual estamos acostumados atualmente.

Na próxima década, chips deverão estar presentes em sapatos, carteiras, gravatas, canetas, batons, em seu corpo e sob sua pele. Tudo terá inteligência e estará conectado. “A palavra ‘computador’ vai desaparecer, porque tudo será computador”, diz Jean Paul Jacob, pesquisador emérito da IBM que foi contratado há 46 anos pela empresa para o cargo de futurólogo da companhia americana. Como essas mudanças vão afetar nossa vida?

Algumas das facilidades descritas na abertura desta reportagem (como a geladeira com internet) são prometidas há anos pela indústria, sem nunca passar do protótipo. Mas um número crescente de produtos inovadores já está sendo produzido.

Eles mostram como é possível incorporar a capacidade computacional a objetos e equipamentos que vão além de laptops, GPS (Global Positioning System), celulares multifuncionais e sensores usados por atletas para controlar batimentos cardíacos e velocidade de corrida.

O próprio conceito de chip passará por mudanças. Deixará de ser feito de silício. Henrique Eisi Toma, coordenador do laboratório de nanotecnologia molecular da Universidade de São Paulo (USP), diz que a ciência vive um momento semelhante à transição da válvula para o transistor.

A nova geração de chips será construída em nanoescala. Seus componentes serão tão pequenos – mil vezes menores que as dimensões atuais – que serão construídos molécula por molécula. “A nanoescala, ao contrário da microescala – que ficou restrita à eletrônica –, vai mexer com tudo da sociedade”, diz Toma.

Uma das promessas para a área de saúde é o protótipo da iPill, da Philips, uma pílula inteligente criada para tratar doenças do aparelho digestivo como colite e câncer do cólon. O remédio é capaz de identificar a região do trato intestinal em que está alojado (devido às diferenças do nível de acidez entre o estômago e áreas do intestino) e liberar doses pré-programadas de substâncias para combater o mal.

A cápsula de 26 milímetros tem microprocessador, bateria, sensor de acidez, transmissor de rádio, termômetro e uma bomba para liberar os medicamentos. Ela se comunica com uma unidade controladora fora do corpo por meio de rádio, informando a temperatura local. O microprocessador controla a administração da droga, que é liberada pela bomba da cápsula, segundo as prescrições do médico.

Os aparelhos tradicionais também vão adquirir formas mais dinâmicas. Um dos desafios é aprimorar o equipamento mais íntimo e multifuncional que usamos hoje: o celular. Centros de design da Motorola na Coreia, na China, no Reino Unido, na América do Norte e na do Sul desenvolveram um estudo que apresenta 12 conceitos de como serão os telefones móveis em 2033.

Segundo eles, diversos objetos que temos à mão, como chaveiros, anéis, pulseiras, relógios e porta-retratos, ganharão funções de comunicação, hoje restritas ao telefone e ao computador. Nós os usaremos alternadamente, segundo nossa conveniência.

Um protótipo da empresa, o Metamorfose, feito com material flexível, mudará de forma, tamanho e funções a um simples chacoalhar de mãos. Ele poderá ter o formato de telefone, de um cartão de crédito ou de uma tela.

É um conceito parecido com o do Morph, da Nokia, que também prevê que o material plástico do aparelho será autolimpante. As empresas ainda não têm tecnologia para construir tais equipamentos, mas acreditam que o design deverá seguir esse caminho.

Aparelhos tão surpreendentes terão novas formas de se comunicar conosco. Hoje, dependemos de teclados, botões ou mouses para comandá-los. Isso vai mudar. O Projeto Natal, da Microsoft, dá algumas dicas de como poderá evoluir essa nova relação. Composto de sensor de movimentos, câmera e microfones acoplados ao videogame Xbox 360, o aparelho inova por não ter controles. Você usa o próprio corpo para interagir com o console.

O sistema usa um sensor para monitorar o movimento do corpo do jogador, sua face e voz. O produto ainda não tem data para ser lançado. Mas a fabricante de brinquedos Mattel começou a vender em fevereiro um brinquedo que usa a força da mente. O desafio do jogo Mind Flex é fazer uma bola ultrapassar obstáculos em uma base.

Para isso, o jogador veste uma espécie de fone de ouvido, com sensores na testa e nos lóbulos das orelhas. Eles medem os impulsos elétricos dos neurônios do jogador e identificam seu nível de concentração. Quanto mais concentrado ele estiver, maior será sua capacidade de controlar o movimento e a velocidade da bola.

A Mattel lançou um jogo em que você controla uma bolinha com a força do pensamento

A perspectiva dos pesquisadores é que a comunicação com as máquinas venha a ser mais natural. Hoje, eles estudam como os aparelhos podem entender melhor nossas ordens e nossos humores. É o que fazem os 50 pesquisadores e professores da Tauchi (Unidade de Interação entre Homens e Computadores da Universidade de Tampere), na Finlândia.

Eles estudam técnicas para acessar informações e aplicações exclusivamente por meio da visão. Seu principal uso, por enquanto, é permitir a comunicação de pessoas que sofrem de deficiências motoras. Mas as funções podem evoluir para outros públicos.

Kari-Jouko Raiha, coordenador da Tauchi, acredita que os computadores ganharão mais independência ou autonomia para tomar ações sem que você precise dar um comando. A Tauchi desenvolveu um programa que monitora a movimentação dos olhos enquanto você lê um texto em idioma estrangeiro.

A invenção combina software com um equipamento chamado “eye tracker”, uma pequena câmera de vídeo com uma fonte de luz infravermelha que ilumina o olho para monitorar sua movimentação.

O pesquisador afirma que o padrão de movimentos da visão muda quando deparamos com uma palavra desconhecida. E o sistema é capaz de identificar essa alteração, informando a tradução da palavra, sem que você precise solicitá-la previamente.

Outro projeto do instituto finlandês está ligado a sistemas capazes de reconhecer e se adaptar a mudanças emocionais do usuário. Eles também são compostos de software e do “eye tracker” e poderiam ser usados em escolas. O sistema perceberia quando os alunos deixassem de prestar atenção ao conteúdo e realizaria as mudanças necessárias para reconquistar os estudantes.


27 de junho de 2009
N° 16013 - NILSON SOUZA


Nomes

Catava bergamotas na banca da feira ecológica que frequento aos sábados quando um cidadão falante, que já vi por lá outras vezes, aproximou-se e puxou conversa. Ouvi com atenção os seus relatos e respondi com a civilidade característica daquele ambiente. Entre rúculas, berinjelas e tomates, as pessoas se tornam extremamente gentis. De repente, o homem me olhou fixo e perguntou:

– Qual é mesmo a sua graça?

Graça? Informei-lhe o meu nome, evidentemente, mas não achei a mínima graça naquela pergunta com cheiro de mofo. Ninguém faz uma pergunta dessas para um jovem. Imagino o que minha afilhada adolescente responderia se ouvisse questionamento semelhante:

– Hã? Isso se não saísse rindo.

E o pior é que o cidadão não se espantou com meu nome. Recebeu a informação com naturalidade. Ou talvez nem tenha ouvido, sei lá. Mas não pude deixar de pensar num recente texto que li a respeito da influência dos nomes na vida das pessoas, especialmente na vida profissional.

Dizem os especialistas que os empregadores pegam o currículo dos candidatos e se fixam imediatamente no nome. E aí já formam a primeira impressão, que pode ser definitiva. Se o nome é atraente para o julgador, o candidato já larga bem na entrevista. Se parece antiquado, não é incomum que o sujeito seja recebido com desconfiança.

Nomes realmente condicionam destinos, embora não exatamente da forma como gosta de registrar nosso imortal companheiro Moacyr Scliar. Ele costuma colecionar referências do tipo João Pontes para um engenheiro de obras ou Fernando Cura para um médico.

Já existe até livro sobre o assunto, provavelmente uma antologia de coincidências, pois ninguém coloca nome nos filhos pensando na futura atividade profissional do bebê.

No caso dos que levam a profissão no nome, normalmente o que conta é o sobrenome – o que remeteria a família inteira para o mesmo ofício. Antigamente ainda tinha algum fundamento: os sobrenomes eram formados pela profissão (Zé Ferreiro), pela procedência (Chico de Assis) ou por características especiais (Giuseppe Quattrocchi, um italiano que usava óculos).

Mas hoje o que predomina é o modismo e a força da mídia. Artistas de novelas, jogadores de futebol e modelos famosas reproduzem-se como coelhos nos cartórios de registros de nascimento.

E isso não condiciona nada: nenhum outro Édson tornou-se Pelé, nem qualquer Diego pode reivindicar a coroa de Maradona e vai levar alguns séculos para surgir outra Gisele. Ainda assim, os jovens que receberam esses nomes levam uma vantagem na vida: tão cedo ninguém vai perguntar-lhes qual é a sua graça.


27 de junho de 2009
N° 16013 - CLÁUDIA LAITANO


Somos todos Neda

Às vezes – poucas vezes –, a ignorância pode ser uma vantagem. Assistir a um clássico em completa inocência do seu conteúdo e ser surpreendido por uma cena sobre a qual várias gerações de críticos já escreveram é um exemplo.

Minha teoria é a seguinte: apenas o espectador desavisado, quase ignorante, é capaz de desfrutar em toda sua plenitude um filme já exaustivamente citado, analisado, interpretado.

Saber menos, nesses casos, é sentir mais. Aconteceu comigo, anos atrás, assistindo a Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, e topando inocentemente com uma das cenas mais impactantes da história do cinema.

Ao longo das últimas décadas, a clássica sequência em que centenas de escravos, para proteger a identidade do herói vivido por Kirk Douglas, proclamam: “Eu sou Spartacus” foi citada de inúmeras formas – em filmes, programas de TV e até em comerciais, fazendo rir ou fazendo pensar. Mas qual o segredo dessa cena? Por que até hoje ela impressiona e continua sendo reproduzida em diferentes contextos?

O que me ocorre é que talvez essa coragem dos escravos que se levantam para proteger o líder ameaçado seja de uma dimensão mais obviamente humana do que a coragem dos grandes heróis, o que a torna mais próxima da compreensão da maioria de nós. Não estamos falando aqui do heroísmo de Davi diante de Golias, de Daniel na cova dos leões ou mesmo de Chico Mendes enfrentando os seringueiros.

O líder que arrisca sua vida pelo bem comum merece nossa admiração e respeito, mas o pequeno gesto grandioso do indivíduo que se apoia em outros pequenos heroísmos para levar adiante uma causa desperta nossa mais profunda empatia, pois este é um lugar no qual, sem muito esforço, conseguimos nos colocar. Pessoas unidas por uma causa comum são sempre maiores do que elas mesmas. Uma torcida é maior que um time, uma família é maior que seus membros.

E quando a causa exige alguma dose de coragem pessoal, a ação coletiva transforma a fragilidade individual na força de um grupo. Se a história dependesse apenas de líderes e heróis, estaríamos ferrados. A maioria das pessoas nasceu para fazer parte da multidão, não para ser Spartacus.

Horas depois da execução da jovem Neda Agha-Soltan em uma rua de Teerã, durante um protesto no último sábado contra o resultado das eleições iranianas, cartazes, camisetas e blogs começaram a estampar os slogans “Eu sou Neda” ou “Somos Todos Neda”.

Neda, 27 anos, era funcionária de uma agência de viagem, aprendeu turco para trabalhar como guia, estudava canto e não era particularmente politizada – ainda que, como boa parte dos iranianos, estivesse indignada com o resultado das eleições.

Segundo o relato de amigos e familiares, Neda não era uma liderança nata ou sequer uma pessoa de temperamento exaltado. Era uma jovem voltando de uma aula de canto, talvez dotada apenas daquela coragem discreta de quem não nasceu para ser herói.

Por um lance de acaso associado à tecnologia, alguém com um celular registrou os últimos minutos de sua vida – o corpo ensanguentado, os olhos desafiadoramente abertos.

O vídeo foi visto por milhões de pessoas, e Neda acabou se transformando em um Spartacus involuntário – o rosto bonito e sereno de um movimento que, mesmo antes de sua morte, já contava com a simpatia de boa parte do mundo.

A história, violenta e imprevisível como uma bala perdida, apanhou Neda no meio rua, depois de uma aula de canto – e todos nós ficamos feridos.

quinta-feira, 25 de junho de 2009



25 de junho de 2009
N° 16011 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Paisagens da minha janela

Sou, digamos assim, uma janeleira convicta. Não que eu seja bisbilhoteira, mas existe algo de ficcional no desenrolar da vida de outrém, as imagens sem palavras, os fiapos de dia que escapam pelas cortinas abertas de uma casa. Infelizmente as janelas estão cada vez mais apartadas da vida das ruas, escondidas atrás de grades, vidros antirruído e filtros de luz.

Porém, do alto do meu apartamento, já acompanhei momentos inesquecíveis (alguns dos quais narrei aqui neste espaço), como quando nasceram as gêmeas da minha rua – primeiro vi uma moça grávida repousando dias a fio. Eu olhava-a com preocupação, vendo crescer aquela barriga cheia de cuidados, uma desconhecida ansiosa por outra.

Depois, chegaram dois bercinhos naquele apartamento. Explicava-se assim o repouso e a enorme barriga da minha vizinha sem nome. Finalmente, um dia, ao abrir minhas cortinas, vi as duas menininhas em seus berços. Ao redor delas, o bulício da família que ia e vinha, cheia de alegria.

Desde que me mudei para essa ruazinha, entre um parágrafo e outro, estico-me na cadeira para espiar o céu e o movimento lá embaixo – que outrora era pouco, e que agora aumenta sem parar.

A cada nova estação, uma casa cede lugar a um prédio, e onde antes uma família vivia, com suas árvores, seus cachorros e seu quintal, agora vivem 20. Da janela do meu escritório, vi crescer três robustos meninos que passavam as manhãs a brincar com um labrador. Há muito que eles se foram, e agora o esqueleto de um novo prédio oculta parcialmente o naco de céu que antes me aliviava.

Foram-se alguns metros de azul, umas árvores singelas e aqueles risos nas manhãs de sábado, quando o pai e seus filhos brincavam no quintal aos nossos pés. Mais do que isso, esse prédio apartou-me da visão de uma janela sempre acesa, tarde da noite, e de um senhor que passava muitas horas à sua mesa de trabalho.

Como eu gostava de vê-lo, e como me acalmava a certeza de que ele jamais deixava seus escritos antes da madrugada… Quando eu mesma não tinha tempo para escrever, atrapalhada com as lides dos meus filhos, havia o consolo daquela presença. Lá ele estava sempre, fosse dia ou noite, compenetrado e atento, e eu punha-me a criar possibilidades…

Talvez o homem fosse um médico trabalhando numa importante pesquisa, talvez um poeta procurando a palavra exata. Talvez um filósofo ou, ainda, um escritor de livros infantis. Lá estava ele, eterna paisagem da minha janela. Digo estava, porque agora não o vejo mais.

Imagino que escreva ainda, diligentemente debruçado sobre sua mesa. Mas agora, entre nós, há todo esse concreto e o ruído das serras, e parece então que já vivemos em esferas diferentes.

quarta-feira, 24 de junho de 2009



24 de junho de 2009
N° 16010 - MARTHA MEDEIROS


Nós, os trogloditas

Semana passada recebi uma enxurrada de informações enaltecendo o vegetarianismo e condenando a prática de se matar animais para comer.

Eu, que deliro diante de uma picanha mal passada, já estava me achando a mulher de Neanderthal quando, em meu socorro, sem que eu houvesse solicitado, me chegou por e-mail um capítulo do livro Incríveis Casos Verdadeiros, do gastroenterologista carioca Geraldo Siffert Junior, em que ele redime a carne vermelha, inclusive contando casos engraçados, como o do dia em que, por volta das 17h, percebeu que ainda não havia almoçado e resolveu entrar numa churrascaria que estava praticamente vazia, a não ser por um sujeito solitário que estava ali num canto atracado numa costela.

Qual a surpresa do médico ao reconhecer que era seu melhor amigo, notório vegetariano da cidade, que ficou lívido: “Me sinto como se você tivesse me surpreendido com uma amante. Isso é hora de você aparecer? Churrascarias, nesse horário, são alcovas!”.

Revistas especializadas já absolveram a carne vermelha, salientando seus valores nutritivos, como a proteína e o ferro, além de confirmar que as menos gordurosas são fundamentais para a musculatura de pessoas idosas, mas nada disso melhora a imagem dos carnívoros: dizem que o pobre do boi não merece pagar o pato. Nem mesmo o pato merece pagar o pato. Quem come bicho morto é a escória.

E o que dizer de Obama, que matou uma mosca não para comê-la, mas para fazer gracinha diante das câmeras? Adorei a desenvoltura do presidente norte-americano. Obama se concentrou, mirou e pum: abateu-a de um golpe só. Pois o que era para ser apenas uma atitude descontraída, acabou atiçando os brios do pessoal do Peta, que defende os direitos dos animais.

A organização não se conformou com a execução ao vivo: “Apoiamos a compaixão mesmo por animais pequenos, estranhos e desagradáveis”, declarou o porta-voz Bruce Friedrich, que por certo também luta pela preservação dos ácaros. E não parou por aí: “Esmagar uma mosca na TV mostra que Obama não é perfeito”.

Pois é, Bruce, Obama não é perfeito, e ainda por cima é chegado num bife. Perfeitos são os que patrulham as pessoas que matam moscas e que se alimentam de carne. Nem todo mundo é evoluído, Bruce. Nem todos têm seu grau de consciência ecológica e ambiental. Ainda há muita imperfeição no mundo. Diria até, Bruce, que há imperfeições mais nocivas à sociedade do que as que você combate.

Dá para acreditar que há seres humanos que, além de comer carne e matar moscas, são capazes de jogar bombas em passeatas gays, de empregar parentes que são pagos com dinheiro público, de esfaquear maridos e de espancar meninas até provocar traumatismo craniano? Pois é, Bruce: tem gente que mata gente. Ou gente e mosca dá no mesmo?

Sempre respeitei os vegetarianos e respeito quem preserva a vida dos animais. Mas enquanto não for crime comer carne e matar insetos, que os Bruces deixem de ser radicais e também tolerem as escolhas que, nós, os trogloditas, ainda temos o direto de fazer – pelo visto, não por muito tempo.

Uma ótima quarta-feira para nós todos.

terça-feira, 23 de junho de 2009



23 de junho de 2009
N° 16009 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

O rastro da deusa

Razão quem tinha mesmo era Rubem Braga. “Porto Alegre” – escreveu ele – “é uma cidade que se diferencia das outras por uma rua que ela tem, onde a metade da população fica parada para ver a outra metade passar.” Nem é preciso dizer que ele se referia ao footing da Rua da Praia.

A penúltima revista Donna ZH dedicou a capa e seis páginas à que já foi a passarela da cidade e acertou fundo em minha nostalgia. Tenho uma memória profunda dos seres e das coisas – e isso inclui minha idade de três anos: um pedaço de gente caminhando por entre vitrines iluminadas de uma rua que parecia desconhecer a noite.

A reportagem de Patrícia Rocha, enriquecida pela arte de Edu, no entanto, vai muito além de minhas lembranças. A Rua da Praia é a própria identidade desta mui leal e valorosa – e isso não apenas pelo livro de Nilo Ruschel, como pelas anotações seculares de Saint-Hilaire ou pelas memórias de João Neves da Fontoura.

De qualquer modo, a conheci ainda em seu pleno esplendor. A meia quadra de minha casa, tomava o Bonde Duque, que me deixava na esquina da Casa Masson, na Marechal Floriano. A alguns metros, era o portal da Galeria Chaves, ainda à época – falo dos anos 1950 – dotada de um teto de vitrais. Um pouco adiante, ficava a Livraria do Globo, creio que a maior do país naquele tempo.

Esses eram apenas alguns dos pequenos milagres da principal das ruas da cidade. Havia mais, muito mais. Havia um comércio de luxo que, suponho, só encontrava rival em Montevidéu ou Buenos Aires. Havia uma quadra de cinemas. E havia as confeitarias, bem providas de champanhe e orquestras.

Hoje tudo mudou. Um calçadão deslocado, verdadeira piscina olímpica em dias de chuva, desbancou o delicado desenho do calçamento em granito azul e rosa. Onde antes os rapazes viam desfilar as raparigas em flor, há uma multidão apreensiva com o conteúdo de suas carteiras e de suas bolsas. Apagaram-se os anúncios em gás néon. Já não se houve falar no Baile do Perfume do Clube do Comércio. E os cinemas, ou desertaram, ou se refugiaram no shopping center, certamente o primeiro dos muitos que virão.

E não há sinal dela. Não sobrou rastro da deusa que um dia eu encontrei, com o coração na mão, no hall que parecia imenso da eterna Casa Krahe.

Uma ótima terça-feira, aproveite o dia.

sábado, 20 de junho de 2009



21 de junho de 2009
N° 16007 - MARTHA MEDEIROS


Brrrrrr, o inverno de novo

HOuve uma época em que eu perdi totalmente o juízo: acreditava que o inverno era a melhor estação do ano. Repetia à exaustão: ah, nada como lindos dias ensolarados e a temperatura nunca acima dos 13 graus. Todo mundo tem o direito de surtar de vez em quando.

Hoje afirmo categoricamente: por mim, o inverno poderia durar uma semana. Ok, duas semanas. O suficiente para tomar uma bela sopa, acender a lareira, dar um pulo em Gramado, tomar chá, quentão, vinho tinto e usar todos os cachecóis e botas que nos deixam tão elegantes.

O melhor do inverno está nas páginas do caderno DonnaZH de hoje: a moda. Fora isso, não tenho visto grande vantagem em ele durar intermináveis três meses – aliás, mal consigo imaginar como seria viver num país onde ele dura quase o ano inteiro.

No inverno, os dias são mais cinza. Há nevoeiros. Os voos não decolam de manhã cedo. É uma praga levantar antes das sete para trabalhar ou para levar os filhos à escola, ou ambos. Ainda está escuro lá fora. Tem coisa mais deprimente do que abrir a janela do quarto de manhã e ainda ser noite?

A maldita da rinite não nos larga. A umidade penetra nos ossos. Fresta na janela é espirro na certa. Dá preguiça de tirar a roupa para tomar banho. E quando a gente tira e se olha no espelho, surpresa: engordamos. Sem falar na pele desbotada. Foi-se a marca do biquíni. O nome disso é inverno.

Que saudade de acordar bem cedo com a cidade já acordada, de não passar frio, de colocar qualquer vestidinho com uma sandália rasteira e estar preparada para o dia. Comer mais salada, mais frutas, tomar mais líquidos, caminhar mais pelas ruas, ir ao clube, aos parques, passar alguns finais de semana na praia, praticar mais esporte, ganhar um bronzeado saudável.

Não conheço melhor regulador do humor. Do bom humor. A vida fica mais colorida, mais leve, e os dias mais longos: quem é que está a fim de que o tempo passe ligeiro? Concordo, mormaço é chato também, ficar suando não é nada agradável, mas como sou friorenta de nascença, nada disso me incomoda.

O inverno mal começou e eu já quero vê-lo pelas costas. Sei que é a estação mais sofisticada, mais civilizada, a preferida das cabeças pensantes, dos intelectuais. É muito mais chique gostar do inverno. O verão é vulgar, dizem.

Concordo. Mas estou disposta a devolver minha carteirinha de “mulher chique, civilizada, pensante”. Podem me expulsar dessa turma. Quero jogar frescobol na beira da praia, quero estar perto do mar, quero usar menos roupa, quero pegar sol, quero tomar caipirinha, quero todos os pecados tropicais.

Minha estação preferida? Sendo absolutamente sincera, são as de transição: outono e primavera, sem extremismos, um pouquinho de frio e calor na medida certa. Mas se é pra radicalizar, verão toda vida. E torçamos para que eu não esteja em surto de novo.

Um ótimo domingo, este que marca a entrada de mais um inverno e o fim de um outono nem tão alegre eu diria.


21 de junho de 2009
N° 16007 - MOACYR SCLIAR


O senhor inverno

Se as estações do ano correspondessem a figuras humanas, poderíamos imaginar o verão como um garoto alegre, travesso, sempre de pés descalços, pronto a mergulhar num rio ou a jogar futebol; a primavera como uma adolescente bela e meiga, de olhos sonhadores, entoando suaves canções. O outono?

Um homem de meia-idade, um poeta talvez, sempre a caminhar por bosques e sempre meditando sobre a vida. E o inverno? Bem, aí depende. O inverno divide opiniões; porque há quem não suporte o frio assim como existem aqueles que abominam o calor.

Aliás, é certo que a Batalha Final será travada não entre aqueles que atacam ou defendem o terceiro mandato para Lula, nem entre as forças do Bem e seus adversários do Mal; a Batalha Final será travada entre aqueles que detestam o inverno e aqueles que o amam.

Nessa linha de raciocínio, Henry David Thoreau, o pensador americano que venerava a natureza e a celebrou em várias obras, dizia que, para algumas pessoas, o inverno seria um rude e prepotente tirano, mas que ele preferia vê-lo como um monarca benévolo e gentil.

Rei talvez seja um pouco de exagero, mas podemos, sim, falar de um Senhor Inverno, um cavalheiro de idade que nos visita todos os anos. Veste-se bem, ele, com elegância discreta: sobretudo, manta, boné ou chapéu. Usa barba, obviamente, uma barba bem cuidada. Sua voz é grave, voz de barítono.

É um homem culto: nas longas noites da estação fria, sua diversão principal é ler (Shakespeare, Machado de Assis) e ouvir música (erudita: Bach, Mozart), enquanto saboreia um cálice de vinho. Ah, sim, o Senhor Inverno é gourmet; gosta de comer bem e frequenta bons restaurantes. Mas prefere ficar em casa, sentado diante da lareira, muitas vezes olhando as chamas que dançam alegremente.

É triste, o Senhor Inverno? Talvez o seja: a falta de luz solar exerce esse efeito sobre a química do nosso organismo, causando aquilo que os americanos chamam de winter blues, a tristeza do inverno. Isso, para o Senhor Inverno, não chega a ser problema, ao contrário: essa tristeza superior, espiritual, é para ele o ponto de partida para uma meditação sobre a existência, para uma busca de respostas às tradicionais questões com as quais muitas vezes somos confrontados: por que estamos aqui?

Qual o sentido da vida?

Se esse debate interior fica muito inquietante, o Senhor Inverno tem alternativas: um bom DVD, por exemplo. Ou um chá acompanhado de torradas.

Finalmente, é bom dizer que o Senhor Inverno é muito hospitaleiro: na casa dele, sempre seremos bem recebidos. E lá encontraremos abrigo para o cortante vento que, aqui no Sul, muitas vezes arranca lágrimas de nossos olhos.

A propósito da comemoração do Bloomsday, que no dia 16 de junho de cada ano homenageia a obra Ulysses, de James Joyce, em vários lugares do mundo, escreve-me a Moina F. Rech, de Santa Cruz, para dizer que na Livraria e Cafeteria Iluminura, daquela cidade, a tradição é mantida, inclusive com uma torta especial dedicada aos dois personagens principais do livro: a parte que lembra Bloom (o homem) é recheada com abacaxi, a que evoca Molly (a mulher), com geléia de amora.

Alguma insinuação nisso, Moina? Parabéns a você e a Santa Cruz pela realização. Também agradeço as mensagens de Mauro Duarte, do prof. José Fernando Piva Lobato, de Alaíse S. da Silveira, de Renon Vieira, de Adriano Lamego, de Camilla Casa Nova, de Jorge Ritter, de Alexandre Cohen, de Valdo Barcellos, e de Carlos Stein, homônimo do escritor (sou um cara afortunado: tenho dois amigos chamados Carlos Stein).

O Carlos André Moreira, que brilha no jornalismo cultural aqui de ZH, estreia na ficção com o recém-lançado Tudo o que Fizemos, mais uma amostra de seu talento – e mais uma voz na ascendente ficção gaúcha.

A dra. Helena Ibañez e o dr. Cesar de Almeida Martins Costa convidam para a palestra sobre o Fausto de Goethe, que será proferida pelo poeta e acadêmico Carlos Nejar, com debates pela psiquiatra e psicanalista dra. Marlene Araujo e pelo Doutor em Direito, Gerson Branco. Dia 2 de julho, às 20h, na Travessa Acylino de Carvalho 21, 4º andar.

Isabela Boscov

Entre irmãs

É difícil decidir quem está melhor em Há Tanto Tempo que Te Amo, se Kristin Scott Thomas ou se Elsa Zylberstein



O ELEMENTO ESTRANHO
Kristin: a coragem de repudiar toda simpatia

Em Há Tanto Tempo que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T’Aime, França, 2008), que estreia nesta sexta-feira, duas irmãs se reencontram com o embaraço evidente dos há muito separados. Léa (Elsa Zylberstein) leva a mais velha, Juliette (Kristin Scott Thomas), para a casa em que mora com o marido, o sogro e as duas filhas pequenas. Recebe-a calorosamente, mas Juliette, cortante e com o aspecto de quem foi maltratada pela vida, não é um alvo fácil para a afeição.

À noite, depois de um jantar cheio de silêncios, o marido de Léa diz que não quer ter Juliette em casa – um desplante, já que Léa é tão atenciosa para com o sogro. Ocorre que Juliette não esteve em viagem, como mentiu-se às crianças: esteve presa por quinze anos, em razão de um crime impronunciável. Quando ela conta a um possível empregador – que sabe que ela é ex-presidiária – que crime foi esse, ele a enxota, chocado e repugnado.

Não é difícil entender sua reação; a partir daí, aliás, o espectador é que terá de lutar com esse dado acerca da personagem, que dará um novo significado a cada gesto seu e, principalmente, uma nova dimensão à lealdade de Léa: o que se tem aqui, afinal, é menos uma trama de suspense ou um drama sobre a volta ao convívio de alguém que é um corpo estranho, e muito mais a história do amor quase miraculoso de uma irmã.

Não porque seja cego, mas porque, como o diretor Philippe Claudel entende tão bem, é um sentimento forjado em outro tempo e preservado intacto, que a caçula Léa irá então racionalizar, dia após dia, na tentativa de recuperá-lo para o instante que ela e a irmã atravessam.

Claudel, que é professor de literatura e ele próprio escritor, domina com facilidade as convenções clássicas do romance – o segredo como o nascedouro do drama, o trajeto da distância à convergência (ou vice-versa) que os personagens têm de descrever.

Com tanta facilidade, aliás, que nem a explicação novelesca para o crime de Juliette subtrai de seu impacto. Mas o que de fato distingue seu filme é o trabalho extraordinário das duas atrizes. Kristin faz o que poucos intérpretes têm coragem de fazer, que é não apenas resistir a cortejar a solidariedade do espectador, como francamente repudiá-la.

Elsa se propõe uma tarefa ainda mais difícil: expressar maneiras de ser doce e maternal que advêm não apenas da índole, mas do pavor de se descobrir semelhante à irmã no íntimo – e, ainda assim, não ser menos genuinamente doce e maternal. A oportunidade de apreciá-las em um momento tão notável é o que de melhor o filme tem a oferecer

Suzana Villaverde

Na dúvida, pergunte ao Alec

Aos 10 anos, Alec Greven faz sucesso com livro em que ensina aos coleguinhas como se aproximar das meninas sem fazer papel de bobo

Quem pensaria em pedir conselhos amorosos ao loirinho da foto ao lado, de sorriso simpático mas sem jeito de ter milhagem no assunto? Resposta: um bocado de gente.

"Se ela não gostar de você, não se preocupe; acontece", prescreve Alec Greven, repetindo uma regra inúmeras vezes escrita em milhares de livros de autoajuda e raramente seguida. Do alto de seus 10 anos, Alec já acumula alguma experiência: tinha 8 quando escreveu o best-seller Como Falar com Meninas, que a editora Record acaba de lançar no Brasil. O livro surgiu de um trabalho de escola.

"A professora pediu para a gente escrever um livro sobre qualquer assunto. Eu não tinha nenhuma boa ideia para uma história, então resolvi ajudar os meninos que tentam conversar com as garotas no recreio", contou ele a VEJA.

Como problemas amorosos existem em qualquer lugar e em todas as faixas etárias, o trabalho, de encantadora espontaneidade, chamou a atenção dos professores, foi impresso e começou a ser vendido na própria escola de Castle Rock, no estado do Colorado, a 3 dólares o exemplar.

Alec foi ficando conhecido, começou a ser convidado para programas de TV e, um dia, viu-se sentado no sofá da influente apresentadora Ellen DeGeneres, que gostou da sua conversa e o pôs em contato com uma editora.

Como Falar com Meninas vendeu mais de 150.000 exemplares nos Estados Unidos, foi traduzido para dezoito idiomas e teve os direitos comprados pela Fox, que o transformará em filme, ainda sem previsão de estreia. "Alec é o tipo de autor que aparece uma vez na vida de um editor.

Ele tem talento, boas ideias e uma simplicidade inata que contagia a todos", elogia Toni Markiet, editora executiva de literatura infantil da HarperCollins, que já lançou outros dois livrinhos na mesma linha, nos quais o menino ensina como falar com mães e pais. Um terceiro está a caminho (Como Falar com Papai Noel) e, para o ano que vem, o quarto, dessa vez um relato pessoal das experiências de Alec na escola.

A naturalidade é o grande trunfo de Alec, que fala do que conhece, leva jeito para escrever e é engraçadinho. Desde que não se espere de seus livros nada além do que um menino muito esperto de 10 anos é capaz de produzir – quem esperar mais pode ir direto ao melhor livro de autoajuda sobre comportamento amoroso jamais escrito,

As Relações Perigosas. Como no romance epistolar do fim do século XVIII, de Choderlos de Laclos, o principal conselho de Alec é não demonstrar interesse excessivo pelo alvo em potencial da conquista para não tirar o sabor de emoção e de incerteza do processo todo.

Considerações recheadas de bom senso se misturam a estatísticas que, modesto, avisa, "se baseiam nas minhas observações na escola; não têm alcance global". Entre elas: "Cerca de 73% das meninas normais dispensam os meninos; 98% das meninas bonitas dispensam os meninos".

A imagem de bom menino do interiorzão americano é outra vantagem de Alec, que doa parte do que ganha com os livros a uma fundação de pesquisa sobre câncer, em memória da avó, vítima da doença.

O restante é administrado pelos pais – um empresário do ramo de guarda-volumes e uma dona de casa que, além do mais velho, Alec, têm mais dois filhos (o do meio, evidentemente, já pensa em escrever um livro).

Em Castle Rock, Alec leva vida normalíssima para a idade: é bom aluno, vai passar as férias de verão na Flórida, gosta de jogar beisebol, sonha em conhecer a Casa Branca – nenhum convite até agora –, não liga para videogame, pouco vê TV e é fã de Harry Potter. "Eu fiquei mais conhecido aqui, mas não sou nenhum Justin Timberlake. Nem adulto eu sou ainda", releva.

O sucesso literário não impressiona os coleguinhas: "Não fiquei muito mais popular na escola. Perguntam como é aparecer na televisão e conversar com pessoas do mundo inteiro, mas não ganhei mais amigos por isso". E como é aparecer na TV? "Minha mãe me ajuda a escolher a roupa e eu treino com ela possíveis perguntas e respostas.

Fico meio nervoso, mas todo mundo é muito legal comigo", responde. Sobre relacionamentos, fora as observações da hora do recreio, ainda se mantém no ramo teórico. "Nunca tive namorada. Acho que é porque sou muito novo. Meus pais ainda não me deixam sair para encontros", diz.

"Mas, quando eu tiver 16 anos, vou encontrar alguém." De preferência, uma menina de cabelo liso, a única exigência que confessa, embora avise: "Se ela for muito legal, até pode ter cabelo cacheado". Surpreendentemente, não pretende ser escritor quando crescer. Quer ser arqueólogo – com bastante tempo para namorar e escrever livros, claro.


*Cristiane Segatto

Eles traem sem camisinha

Foram realizadas 8 mil entrevistas com homens e mulheres de 15 a 64 anos de todas as regiões do país.

No quesito fidelidade, confirmou o que todos nós imaginávamos: 21% dos homens casados ou que vivem com companheiras têm parceiras eventuais. Entre as mulheres, apenas 11% têm relações fora do casamento.

A diferença não surpreende. Nossa cultura tolera - e até enaltece - as escapadelas masculinas. Não faz o mesmo com as femininas. Mulheres que traem são punidas com a execração familiar e social. É comum encontrar matronas que protegem os filhos que pulam a cerca. Às filhas que fazem o mesmo reservam a mais dura censura.

Os números do governo apontam algo mais grave: os homens traem sem camisinha. A maioria dos casados que buscaram outras parceiras não usou preservativo em todas as relações. No grupo dos traidores, 57% dispensaram a camisinha.

Isso é criminoso. De uma ignorância atroz. De uma irresponsabilidade sem tamanho. Muitos desses homens são os mesmos que também não aceitam usar camisinha com as mulheres que vivem com eles.

Ou seja: pegam aids ou outras doenças sexualmente transmissíveis nas relações eventuais e levam para casa. Infectam a parceira de tantos anos, a mulher com quem dividem os melhores e os piores momentos da vida a dois, a mãe dos filhos.

Acho impossível exigir fidelidade de alguém. Embora seja fiel (que fique bem claro), tenho minhas dúvidas sobre se ela de fato garante a felicidade dos casais. Respeito, no entanto, é o mínimo que se pode exigir e esperar de um casamento. E respeito, entre outras coisas, é usar camisinha em todas as escapadelas.

Sempre que converso com alguma mulher que pegou aids do marido - o que é muito comum -- penso na crueldade que reside nessas histórias. A mulher não trai, resiste a todas as oportunidades de fazer sexo casual e é infectada dentro de casa porque foi tonta o suficiente a ponto de confiar no marido.

Segundo a pesquisa, 80% dos entrevistados (homens e mulheres) acham que ter parceiro fiel e não infectado reduz o risco de trasmissão do HIV. Esse nosso povo brasileiro, tão desconfiado de tantas coisas, está acreditando em fidelidade.

Eu, que já passei da idade de acreditar em histórias da carochinha, não acredito em marido fiel. Fiz um pacto com ele. Não transamos sem camisinha. Se ele for fiel como eu, estamos empatados. Se não for, estou protegida.

É esse pacto que as mulheres precisam começar a construir: camisinha em todas as relações - eventuais ou não. Entre as mulheres que traem, 75% não usaram preservativo em todas as relações eventuais. Ou seja: elas não exigem camisinha em casa nem na rua. Todos perdem.

Homens e mulheres maduros precisam ouvir as lições sobre sexo seguro que seus filhos e sobrinhos conhecem e aplicam. A pesquisa confirmou que os jovens usam mais camisinha.

Na faixa dos 15 aos 24 anos, 49% dos entrevistados disseram ter usado camisinha no último ano em todas as relações com parceiros casuais. O índice poderia ser mais elevado, mas não é exatamente ruim. Dos 25 aos 49 anos, caiu para 44%. Dos 50 aos 64 anos, despencou para 32%.

Não é fácil fazer esse tipo de pesquisa. Quando se trata de sexo, as pessoas costumam mentir descaradamente. Ainda assim, essa tentativa de flagrar o comportamento sexual do brasileiro convida a várias reflexões. Qual é a sua? O que você pensa sobre fidelidade e camisinha? Queremos ouvir a sua opinião.

*Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismoHomens casados traem. Mais do que as mulheres. Até aqui nenhuma novidade. O Ministério da Saúde divulgou o resultado da mais ampla pesquisa sobre o comportamento sexual do brasileiro.


20 de junho de 2009
N° 16006 - MOACYR SCLIAR


A arte da fuga

As situações de estresse são extremamente comuns em nossa época, como mostra a pesquisa de Ana Maria Rossi.

E a pergunta se impõe: o que fazer a respeito? Para respondê-la, é preciso notar, em primeiro lugar, que o estresse não afeta só a espécie humana. Os animais também passam por isso na luta diária pela sobrevivência.

E reagem às ameaças de um forma muito simples, com uma resposta binária: a luta ou fuga (fight-or-flight, na expressão em inglês, que envolve um engenhoso trocadilho – expressão esta proposta pelo fisiólogo Walter Cannon em 1915). A zebra que, numa savana africana, avista um leão, não hesita em dar no pé, sob pena de transformar-se em refeição para os carnívoros. Ou seja: luta ou fuga para os animais é uma escolha simples.

Não para os sere humanos. Fuga, para nós, é sinônimo de covardia. Somos ensinados, desde a infância, a, diante de uma ameaça, cerrar os dentes e os punhos e prepararmo-nos para o combate. Que, muitas vezes, se acompanha de uma derrota.

Fugir nada tem de vergonhoso. O leão não foge da zebra, nem do tigre, mas diante de uma tempestade ameaçadora o rei dos animais vai se abrigar numa caverna qualquer. Os bichos fazem isso instintivamente, mas no caso dos seres humanos a decisão envolve uma arte: a arte da fuga, diríamos, parodiando o título da famosa peça musical de Bach. Para começar, é melhor falar em retirada estratégica, em tirar o time de campo, do que usar a palavra fuga.

Em segundo lugar, é preciso saber como fazê-lo. O senador gaúcho Pinheiro Machado (antepassado do grande Ivan, da Editora L&PM), deu a receita. Diante de uma multidão enfurecida que, no centro do Rio de Janeiro, bloqueava a passagem de seu tílburi, disse ao cocheiro: “Siga, mas não tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

Às vezes a fuga se traduz no apelo ao álcool, às drogas, coisas que levam ao isolamento, um agravante do estresse. É por isso que atualmente reforça-se o papel do convívio social como antídoto para o estresse. Está estressado? Não fique só. Procure a família, os amigos.

Use as modernas redes de comunicação, criadas (ou reforçadas) pelo celular, pela internet. Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que este simples e acessível recurso diminui em muito os agravos do estresse. À arte da fuga podemos acrescentar a arte do convívio – e assim minimizar os problemas causados pelo estresse.

Faleceu em Londres o médico, antropólogo e escritor Cecil Helman, autor do magistral Cultura, Saúde e Doença, aqui lançado pela Editora Artes Médicas. O dr. Helman tinha muitos amigos no Rio Grande do Sul, e aqui esteve várias vezes para palestras e cursos. Um original pensador da medicina, e um belo ser humano.

quarta-feira, 17 de junho de 2009



17 de junho de 2009
N° 16003 - MARTHA MEDEIROS


Minhas filhas com Madonna

Deixei minhas duas filhas na porta do hotel para passarem a tarde com a Madonna, como se Madonna fosse uma espécie de ex-marido que tivesse o direito à guarda compartilhada. No final da tarde, quando fui buscá-las, veio a notícia: Madonna não as devolveria nem naquele horário, nem no dia seguinte, nem nunca. Adotaria as crianças. Adotaria as minhas crianças.

Meu coração veio até a boca, eu sentia meu rosto pegando fogo. O que aquela loira mequetrefe estava pensando que era? Que bastava chegar aqui no Brasil, fazer uni-duni-tê e levar pra casa uns brinquedinhos?

Ela já tinha seu menino Jesus, sua Lola, seu Rocco, seu filhinho africano, que ideia era essa agora de capturar duas adolescentes gaúchas com endereço fixo e família constituída?

Armei um escândalo. Chamei os colegas aqui do jornal, exigi a presença de um juiz, de um promotor, de um delegado, de um psiquiatra e de um atirador de elite. Me avisaram que o William Bonner já estava a caminho e que faria entradas ao vivo no Jornal Nacional. O hotel estava cercado.

Eu passava torpedos alucinados pro celular da minha filha maior, pedindo que ela tivesse calma e que cuidasse de sua irmã mais nova, que a situação era absurda mas que eu duvidava que Madonna fizesse algum mal a elas. Aliás, estranhava a cantora não ter confiscado o aparelho.

Será que minhas duas meninas haviam sido trancafiadas num cubículo, sozinhas, apavoradas? Será que estavam sendo obrigadas a ouvir Give it 2 Me sem parar? Chamei também um representante dos Direitos Humanos: tortura, não.

Eu bufava. Maldita hora em que aquele juiz não permitiu que a cantora adotasse a pequena órfã de Malaui, a essa hora estaríamos todos em casa, tomando uma sopa quente e se preparando para ir pra cama, mas não, o juiz achou que a menina estava sendo bem tratada no orfanato e não permitiu que ela partisse com qualquer uma para Nova York, e agora eu é que tenho que arcar com os caprichos dessa desvairada.

A madrugada avançava e eu perdi o contato com minhas filhas. Todos me diziam: pode desistir, ela levará as gurias com ela. Foi então que tive uma violenta arritmia cardíaca e acordei.

Eu não arrisco afirmar qual é a coisa mais chata do mundo, porque a lista é grande, mas ouvir o sonho de alguém está certamente entre os top-ten. A pessoa pode ter sonhado algo muito engraçado, doido ou significativo, mas para o ouvinte será sempre um suplício.

Freud não devia estar batendo bem quando inventou de estimular a interpretação dos sonhos, só podia estar de provocação com os colegas. Não condeno aquela cochiladinha que todo psicanalista dá durante as consultas.

Sonho é uma ficção fajuta, é uma história em cima do muro, não aconteceu e ao mesmo tempo tem um componente de realidade: aconteceu, sim, só que dentro de uma cabeça, esse território obscuro. É um roteiro sem começo nem fim, mal dirigido e sem nenhum interesse para o interlocutor que está ali, coitado, ouvindo tudo há 15 minutos. Se você faz questão de divulgar as criações absurdas do seu inconsciente, conte apenas o trailer.

Esta semana soube que Madonna finalmente teve autorização para adotar a pequena Mercy James, também de Malaui. Acho que agora posso dormir sossegada.

Tenhamos todos uma ótima quarta-feira - Aproveite o dia minha amiga.

terça-feira, 16 de junho de 2009



16 de junho de 2009
N° 16002 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A mulher mais bela

Era um esplendor. Uso esta palavra por não conhecer outra para melhor descrevê-la.

Já descobriram que falo de uma mulher. O que não sabem ainda é que caminhava em minha direção pela Rua Duque e que se deteve diante de mim.

Será que eu podia fazer o favor de indicar-lhe onde ficava a sede do Tribunal de Justiça? Eu sabia, mas por cinco ou dez segundos a contemplei.

Era alta, tinha os cabelos dispostos num corte Chanel, seus traços não poderiam ser mais perfeitos e ela trajava roupas deliciosamente outonais. Tinha uma simplicidade elegantemente sensual de gestos. A voz era levissimamente rouca, como mandava o ar frio da manhã. E de todo o seu corpo exalava um perfume como só na França sabem decantar.

– A sede do Tribunal de Justiça? – perguntei, porque aquilo me dava uns instantes a mais para observá-la.

Gostaria que tivesse me pedido o segredo da origem do universo, o mistério do pulsar das estrelas, a explicação do enigma da vida, pois assim eu poderia distraí-la com minhas palavras e desfrutar por mais tempo de sua brevíssima companhia.

Não havia nesta cidade de Porto Alegre mulher mais bela e no entanto eu não podia retê-la.

Esclareci com palavras banais a exata direção do Tribunal de Justiça, ela me agradeceu com uma rápida inclinação de sua cabeça magnífica e retomou seu caminho.

Eu a vi afastar-se no rumo indicado como quem se separa de um milagre de encantamento e desejo. Eu a perdi como quem se distancia de um prodígio de lindeza para o nunca mais.

Essa mulher não é para mim – argumentei comigo mesmo. Essa mulher é um sonho que se move pelas ruas de minha cidade – tentei convencer-me.

Essa mulher é feita para um potentado, um filme de que só haja uma cópia, uma peça de teatro que seja a sua própria apoteose.

Jamais tornei a vê-la. Mas por vezes, nas noites quietas, suspeito que aqui vive a mulher mais formosa do mundo.

Uma ótima terça-feira,especial para você.

sábado, 13 de junho de 2009



14 de junho de 2009
| N° 16000 - MARTHA MEDEIROS


Um lugar para se viver

A Maria Rezende é uma poeta carioca que recentemente lançou um livro encantador chamado Bendita Palavra, onde, entre tantos versos, fui surpreendida por este: dentro de mim não é mais um bom lugar para se viver.

Semana passada eu decretei que o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Mas o abraço é um refúgio externo. O que fazer quando dentro de nós, esse lugar privativo, deixa de ser um bom lugar para se estar?

O verso da Maria Rezende reflete uma necessidade de se exorcizar, o pânico de não detectar dentro de si um abrigo, uma quentura, um espaço aprazível onde caibam todos os nossos fantasmas. A voz que fala através da poeta tem vontade de expulsar-se de si própria, já não reconhece um sol interno – isso sou eu que estou interpretando, Maria fala mais bonito: “teve um tempo em que esse dentro parecia com o fora/ era um ótimo lugar pra uma moça como eu era”.

Aí a personagem do poema virou uma moça diferente, hospedou em si uma criatura arrebentada, ferida, e danou-se, agora ela não é mais um bom lugar para se viver.

Explica tanta coisa, esse sentimento.

Explica a gente não conseguir se relacionar bem com os outros, explica autoflagelo, explica engordar ou emagrecer além do razoável, explica suicídio, explica a sensação de ser um estrangeiro até para si próprio. Como lidar com esse despatriamento, para onde levar nossa mochila, nossa bagagem, nosso “eu mesmo” pra se instalar em outro corpo? Nascer de novo não dá.

Ou até dá. Até dá.

De vez em quando é necessário se perguntar se dentro de nós é um bom lugar para se viver. Depois de ler a poeta carioca, eu tenho me perguntado. E a resposta, sem nenhum ranço pseudointelectual, sem nenhuma espécie de autoaversão, ou seja, da forma mais simplória, é que sim, eu sou um bom lugar para se viver.

Dentro de mim há pensamentos demais, o que torna tudo meio caótico, mas tenho tentado dar uma arrumada nessas ideias e manter cada uma em sua gaveta. Há também sentimentos variados, mas de forma alguma vou expulsá-los, deixo que circulem à vontade por esse meu corpo que lhes serve de ringue, já que eles às vezes brigam uns com os outros.

Dentro de mim é sempre verão e toca música o tempo inteiro, e mantenho uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba.

Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade. Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até Rio de Janeiro, só que os tiroteios são feitos com bala de festim.

Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas para fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei. Dentro de mim são produzidas algumas cenas sofisticadas e também roteiros de filme B. Um universo movimentado e contraditório: como não gostar de viver aqui dentro?

E você, tem sido um bom hospedeiro de si mesmo?

Um ótimo domingo, aproveite-o e, especialmente, para você minha amiga.


CRISE, SIM. MAS MENOS AMARGA

Depois de seis anos de crescimento, o país sente o contágio externo e entra em recessão. Desta vez, no entanto, a contração econômica não assusta

Benedito Sverberi - Jorge Araújo/Folha Imagem


CONSUMO PRESERVADO

Loja de eletrodomésticos em dia de promoção: agora a retração não solapou o poder de compra das famílias

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou na semana passada que o total de mercadorias e serviços produzidos pela economia brasileira, o produto interno bruto (PIB), sofreu uma queda de 0,8% no primeiro trimestre. Essa retração se deu na sequência de uma redução mais profunda, de 3,6%, que havia sido registrada nos três últimos meses do ano passado, durante o período mais acerbo da crise internacional.

Os economistas, por convenção, dizem que um país entra em recessão quando sua economia registra dois trimestres consecutivos de contração. Foi isso que aconteceu com o Brasil. Mas, ao contrário das recessões anteriores, que sempre deixaram um gosto amargo, a atual teve um sabor mais suave.

No passado, as crises invariavelmente vinham acompanhadas de inflação fora do controle e juros nas alturas. Em alguns episódios, os brasileiros foram sujeitados a privações similares às de países em guerra, com racionamentos, confiscos e prateleiras vazias nos supermercados. Não se viu nada disso agora. O país suportou, com avarias moderadas, a procela devastadora da crise internacional já apelidada de A Grande Recessão.

Há diversas evidências de que, desta vez, a recessão não vai assustar tanto. Em primeiro lugar, historicamente as crises financeiras obrigavam o Banco Central a lançar a taxa básica de juros, a Selic, na estratosfera, e assim conter uma fuga maciça de dólares e impedir o aumento de preços. Nos últimos meses, no entanto, o BC tem reduzido os juros.

Na semana passada, a Selic caiu a 9,25% ao ano, um patamar inédito (veja o quadro). Essa queda no custo do dinheiro, vital para estimular o crédito, só foi possível porque o Brasil não apresenta hoje as vulnerabilidades que o tornavam presa fácil diante da menor ameaça.

"Quando a dívida pública era excessiva e havia um grande déficit nas transações externas, era fácil apostar contra o Brasil, e toda a economia do país se desarranjava", diz o economista Cristiano Souza, do Santander.

Tais desequilíbrios forçavam os brasileiros a engolir dropes extremamente amargos. Diz Paulo Leme, diretor de pesquisas de mercados emergentes do Goldman Sachs: "As profundas recessões dos anos 80 faziam o trabalho de extrair recursos da economia doméstica, penalizando a população, para que fosse possível fazer frente às obrigações das dívidas externas".

Alguns números ajudam a entender a dimensão do que era uma crise no Brasil duas décadas atrás. Entre fevereiro de 1989 e fevereiro de 1990, a inflação acumulada superou 2 700%.

Ao fim daquele ano, o PIB encolheu 4,35%. Tal descalabro castigava sobretudo os mais pobres e aprofundava a concentração de renda. Agora, com a inflação sob controle, os mais pobres têm sido justamente os menos atingidos.

A retração ficou concentrada na atividade industrial, principalmente naquela voltada para a exportação, e foi bem mais tênue no consumo interno. "Além disso, a queda nos preços de produtos agrícolas deixou a cesta básica mais barata e ajudou a preservar o poder de compra das famílias", explica Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Por isso não surpreende que, em meio à recessão, o presidente Lula tenha visto sua popularidade voltar a crescer.

A chave para entender a resistência brasileira reside no tripé que, há dez anos, sustenta a política macroeconômica: responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Outro ponto fundamental é o fato de o Brasil ter liquidado sua dívida externa. Para completar, o país dispõe de um colchão de 205 bilhões de dólares em reservas internacionais. Tudo isso tornou o contágio internacional mais ameno. Existe inclusive a percepção de que a recessão já tenha ficado para trás.

Em maio, o fluxo de caminhões nas estradas cresceu 2,7%, quarto mês consecutivo de alta, sugerindo uma retomada das encomendas à indústria. O consumo de energia industrial também vem subindo gradativamente desde fevereiro, após dois meses de queda acentuada.

Comenta Paulo Leme, do Goldman Sachs: "Os dados recentes são auspiciosos. É como fazer uma avaliação estrutural após um furacão e perceber que quase tudo ficou de pé. A crise foi uma prova crucial para o arcabouço institucional e macroeconômico. O Brasil passou no teste".

Essa parece ser a visão dos investidores estrangeiros, que começaram a trazer de volta os dólares que haviam retirado do país. Impulsionada por esse ingresso de capital, a Bovespa registra uma alta superior a 40% desde o início do ano, enquanto a cotação do dólar recuou 16%.

Em um novo mundo, no qual os países desenvolvidos ingressarão com a credibilidade maculada e levarão anos para contornar plenamente a crise, a economia brasileira aparece como uma das mais capacitadas para atrair investimentos para o setor produtivo.

Se o país souber aproveitar essa oportunidade, o sabor deixado pela recessão será ainda menos amargo.

Com reportagem de Luís Guilherme Barrucho

Lya Luft

Os vivos e os mortos

"Morrer não é ser deletado: aquele que aparentemente nos deixou está preservado no casulo de seu novo mistério, sem mais risco, doença ou tormentos"

Por mais que as notícias falem de crianças assassinadas com um tiro na cara e de mulheres grávidas estupradas; por mais que ao nosso lado, de todas as formas, se banalize a morte, sempre que ela nos atinge sentimos um grande abalo e fundo estranhamento.

Ela nos ronda, e mesmo assim não aceitamos a Senhora Morte, cujo aceno vai nos levar também, inevitável. Ninguém sabe quando virá essa surpresa que não quereríamos ter. Chegará, súbita ou sorrateira, dedo dobrado que sinaliza: "Venha comigo, chega de brincar de vida, agora a coisa é real".

Meu primeiro encontro com ela foi a pomba morta de frio que, menininha ainda, encontrei no pátio de casa: pensei que ela estivesse dormindo e a aconcheguei debaixo do casaco.

Quando me fizeram ver que estava morta, chorei inconformada. Muita insônia também sofri naquele tempo, quando morreu o menininho de 2 ou 3 anos, filho de um vizinho nosso. Os gritos de agonia daquele pai vararam a noite e chegaram até meu quarto, trazendo susto e terror só de lembrar, por longo tempo ainda.

Mais tarde, eu conheceria intimamente a Velha Dama sobre a qual tanto já escrevi: ela abriu-me as portas do mistério e, embora eu nunca passasse da soleira, me fez valorizar mais a vida, os afetos, o que há de belo e bom na natureza, na arte e no ser humano, e me fez acreditar nos laços de amor que ela, a morte, não desfaz.

No recente desastre de avião, que levou num golpe mais de 200 pessoas, está uma prova dramática do quanto vivemos alienados em relação à morte, e quanto ela pode ser cruel.

Sabemos de apenas alguns dramas desse acidente: o casal em lua de mel, pais perdendo filhos, dez funcionários de uma indústria francesa premiados com quatro dias no Rio com acompanhante. A lista é longa e triste. Nem precisamos de um cataclismo de grandes dimensões: basta a vida cotidiana, olhar um pouco para o lado, e lá está a morte, trazendo angústias sem medida.

No começo tudo é horrível: só desespero e dor. No choque inicial, palavras e gestos de conforto, embora essenciais, podem até parecer ofensivos a quem sofre tanto. Paciência com a pessoa enlutada faz parte dos cuidados em relação a ela: a dor é natural e necessária. Mas nossa frivolidade abomina silêncio, recolhimento e tristeza; queremos que o outro não nos perturbe nem ameace com suas lágrimas.

Então dizemos: "Reaja! Não chore! Controle-se!", embora seja até perverso exigir isso de alguém que está de luto. Uma jovem reclamou que sua mãe, viúva, não parava de chorar. Desconfiei daquela vagamente irritada preocupação e perguntei: "Quanto tempo faz que seu pai morreu?". A resposta veio imediata: "Quinze dias". Sugeri que ela deixasse a mãe com seu sofrimento, para que um dia ela pudesse se recuperar.

Porque, mesmo que não haja verdadeiro consolo, existe a possibilidade de, a seu tempo, cada um se recompor. Ainda que a gente nunca mais seja a mesma, mudar não é tornar-se pior.

Faz parte desse processo, entender que a melhor homenagem a quem se foi é viver como ele gostaria que a gente vivesse. Esse é um dos segredos de não sobreviver como vítima que se arrasta indefinidamente, mas como quem reencontrou em si, de uma outra forma, o que parecia perdido.

Quando seus amigos choravam porque ele fora sentenciado, por uma sociedade preconceituosa, a tomar veneno, o grego Sócrates os censurou: "Por que se lamentam assim? Se a morte for um sono sem sonhos, que bom será. Mas, se for um reencontro com pessoas queridas, que bom será também!". O tempo vai preservar e iluminar os melhores momentos havidos.

Talvez passemos a valorizar menos o dinheiro, o sucesso, a beleza e o poder. Seremos mais abertos à vida, mais gentis com os outros, mais bondosos conosco mesmos. Morrer não é ser deletado: aquele que aparentemente nos deixou está preservado no casulo de seu novo mistério, sem mais risco, doença ou tormentos.

Não vai envelhecer nem sofrer nem se apartar de nós, os vivos. E não o perderemos nunca mais.

Lya Luft é escritora

Ivan Martins

Viver sem mulheres

É possível, mas com enorme perda de alegria

Um mundo sem mulheres seria um lugar inóspito. Percebo isso toda vez que assisto a um documentário sobre países muçulmanos. Aquelas multidões de homens, apenas homens -- nas ruas, nos cafés, nos estádios-- me dão sensação de asfixia.

Como os sujeitos aguentam a aridez desse convívio exclusivamente masculino? Como prescindem no dia-a-dia do entusiasmo, da percepção e do charme das mulheres? Como conseguem viver nesse apartheid?

A nossa própria sociedade tem um sentimento secreto desse tipo. É o do clube de homens. Ele aparece nos lugares comuns que opõem a alegria do bando de machos à vigilância de mulheres mal humoradas. É a turma do futebol, a turma do bar, a turma da escola e do trabalho. Contra ela se opõe a rabugice da mãe, da namorada, da mulher. A rádio patroa, enfim. Tem aí certa nostalgia da adolescência, quando todos os garotos andavam grudados e não pegavam ninguém.

Alguém pode ter a impressão, ouvindo essas bravatas, que os homens seriam felizes se pudessem estar entre eles o tempo todo, sem que as mulheres torrassem a paciência. Nada mais enganoso. Tire de cena a mulher e o sujeito perde a vontade de ir ao bar e jogar bola. É gostoso falar mal do que se tem.

Outro dia vi em casa um filme francês - Em Paris, de Cristophe Honoré - que fala do mundo dos homens de um jeito mais interessante. O filme mostra uma casa com três homens, dois irmãos adultos e o pai, vivendo um momento de crise: um dos rapazes rompeu o casamento e está mergulhado em depressão. O irmão e o pai tentam ajudá-lo, cada um a sua maneira.

Além de bom - do jeito lendo e falado da escola de cinema francesa - o filme me causou um estranhamento que eu só consegui entender depois: nele não há mulheres, ao menos nos papéis tradicionais. Em Paris é um filme misógino, que apresenta as mulheres como criaturas desnecessárias ou nocivas.

O irmão em depressão tinha uma mulher atormentada. Ela o acusa de desamor, depois recusa o amor dele, brigam e se embriagam até que o sujeito se vai, despedaçado. É a mulher nociva.

O outro irmão é um Don Juan. Seduz todas as mulheres, transa com várias delas por dia e retorna ao aconchego da casa do pai. Ele apresenta as mulheres descartáveis, desnecessárias.

A figura mais assombrosa do filme é a mãe. Uma mulher bonita que passa pelo apartamento como cometa. Faz uma rápida visita ao filho abatido, briga com o ex-marido e se vai, cuidar da própria vida. É a mulher ausente, egoísta, oposto da mãe amorosa e dedicada.

Quem alimenta, protege, cura e tolera é o pai. Um homem rude e melancólico, sempre de cigarro na boca, ele parece carregar o mundo nas costas, da forma como as mulheres costumam fazer. É comovente ver na tela esse pai duro sendo moído pela dor do filho que ele não consegue consolar. A mesma dor de abandono que ele mesmo já sofrera.

Há uma beleza estranha nesse ninho sem fêmea, nessa solidariedade de sangue, masculina e viril. Honoré parece nos dizer que os homens podem viver sem as mulheres, mas que uma casa sem elas é um lugar escuro e invernal, como o apartamento do filme.

Em Paris reforçou minha percepção de que as mulheres são uma forma de luz na nossa sociedade. Delas emana alegria e generosidade essenciais. Essa é a luz que falta nas ruas do mundo muçulmano dos documentários. A luz que vem de metade da humanidade.


13 de junho de 2009
N° 15999 - NILSON SOUZA


Abrindo a alma

Ninguém é o remédio da felicidade do outro, alerta o psicoterapeuta Flávio Gikovate no seu divã eletrônico, apresentado nas noites de domingo pela Rádio CBN. Ele fala prioritariamente de relacionamentos afetivos. Responde a perguntas dos ouvintes, especialmente das ouvintes, porque as mulheres abrem muito mais o coração e a intimidade.

Fico estarrecido de ouvir o que as pessoas revelam publicamente sobre suas venturas e desventuras amorosas. Mas o nosso consultor não se espanta com nada. Tem respostas prontas e rápidas para todas as situações, por mais escabrosas que pareçam.

E, pelo que li a respeito dele, tem também autoridade para isso: é médico psiquiatra, com formação no Exterior, autor de livros sobre o tema e palestrante reconhecido.

Sempre que o ouço, fico pensando como uma pessoa assim – com solução para as dúvidas de todos os que o consultam – resolve os seus próprios dilemas. Sei que os analistas se analisam com colegas, parece que isso é até precondição para o exercício profissional.

Mas é curioso imaginar que alguém capaz de apontar caminhos para os mais intrincados dramas da alma humana se veja de vez em quando preso no labirinto de seus próprios impasses, sem o fio de Ariadne para encontrar a saída.

Não estou me referindo especificamente ao doutor Gikovate, nada sei da sua vida. Espero que ele seja muito feliz e que não tenha conflitos como os que atormentam seus consulentes. Se os tiver, porém, duvido que tente resolvê-los com um telefonema ou um e-mail.

Mas vivemos na era da exposição extrema. Outro dia li sobre uma escritora que saiu pelas ruas de uma grande cidade brasileira com um gravador nas mãos, solicitando a pessoas desconhecidas que relatassem alguma história de suas vidas.

Em pouco tempo, recolheu conteúdo suficiente para escrever um livro repleto de detalhados e inusitados dramas pessoais e familiares. Os entrevistados não pediam sigilo sobre os nomes citados, nem sequer perguntavam qual era a finalidade do trabalho.

Ficou para ela – e para mim também – a impressão de que as pessoas andam carentes de alguém que as ouça e ficam ainda mais motivadas a falar quando sabem que o relato será registrado para posterior divulgação.

Aí, talvez, esteja a explicação para o sucesso da psicanálise, que oferece respostas sensatas e científicas para os dilemas da alma. Mas também é nesse vácuo afetivo que agem os oportunistas e algumas seitas escancaradamente capciosas.

É fácil penetrar em corações vulneráveis. Talvez não haja um remédio efetivo para as dores emocionais – como alerta o doutor Gikovate. Mas, pelo jeito, falar alivia.

quarta-feira, 10 de junho de 2009



10 de junho de 2009
N° 15996 - MARTHA MEDEIROS


O segundo lugar

Não sei se você já reparou. Quando alguém vai entrevistar uma modelo famosa e pergunta como ela iniciou a carreira, é quase certo que ela vai dizer que estava acompanhando uma amiga num teste e que acabou sendo a escolhida, mesmo não querendo nada com aquilo.

E, quando entrevistam um ator famoso, é comum ele contar que passou anos fazendo papéis figurativos até que foi chamado para substituir às pressas um galã que ficou doente, e só então sua carreira decolou.

Tem também o caso clássico da vencedora de concurso de beleza que acaba sendo ofuscada pela candidata derrotada. Em 1994, Gisele Bündchen ficou em segundo lugar no concurso da Elite, perdendo para Claudia Menezes, sabe a Claudia? Ninguém sabe. E tem a nossa vice Miss Universo, Nathalia Guimarães, até hoje em evidência como se fosse dela a faixa, o cetro e a coroa.

Não sei como se explica isso, mas o fato é que acontece: em concursos das mais diversas naturezas, os que ficam em segundo ou terceiro lugar despontam, enquanto que os ganhadores, por vezes, desapontam.

Logo, a ideia de que sucesso significa entrar pela porta da frente nem sempre é exata. As pessoas mais bem-sucedidas que eu conheço entraram discretamente pela porta dos fundos, e o talento, o esforço e o destino as conduziu, com o tempo, para o palco de onde nunca mais saíram.

Dá para acreditar que Luis Fernando Verissimo começou sua carreira jornalística escrevendo horóscopo? Pois é. E ele só aprendeu a tocar sax porque na cidade onde morava nos Estados Unidos, durante sua adolescência, não havia aula de trompete, que era o seu verdadeiro sonho.

Lembrei de tudo isso por causa do fenômeno Susan Boyle, assunto que já torrou a paciência de todos, mas que serve como reflexão sobre ganhar e perder.

Ela passou pelas duas coisas: primeiro ganhou uma projeção absurda com sua performance num concurso de calouros e ficou meio lelé com a mudança repentina da sua vida. Agora, creio que a melhor coisa que aconteceu para essa jovem (meros 48) foi ter perdido para o grupo de dança na finalíssima do programa Britain’s Got Talent.

Ela já assinou contratos para shows e, se conseguir superar seus abalos psicológicos, incrementar o repertório e levar a sério o seu dom, poderá ter uma carreira muito mais promissora do que os dançarinos que levaram o primeiro lugar... qual é mesmo o nome deles?

Numa era em que todos querem vencer e se destacar com o maior imediatismo possível, de preferência encurtando os caminhos, vale lembrar que as portas laterais, aquelas mais modestas e sem campainha, também dão acesso ao mundo em que se pretende entrar.

Permanecer nele é outro assunto.

Aproveite o dia. Uma ótima quarta-feira para você.

sábado, 6 de junho de 2009



07 de junho de 2009
N° 15993 - MARTHA MEDEIROS


Dentro de um abraço

A Onde é que você gostaria de estar agora, neste exato momento?

Fico pensando nos lugares paradisíacos onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, na beira de diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema vendo a estreia de um filme muito esperado, e principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas consegue superar a intimidade da gente é irreproduzível.

Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco, numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira de dentista.

E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo? Dentro de um abraço.

Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço, se dissolve.

Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.

O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.

Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde de frente para o mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?

Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele.

Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

Interessante a recomendação da Martha. É tudo o que um ser humano apaixonado gostaria se a recíproca fosse verdadeira.