sábado, 31 de maio de 2008



01 de junho de 2008
N° 15619 - Martha Medeiros


Os olhos da cara

Recentemente participei de um evento profissional só para o público feminino. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha, e como não me envergonho dela, respondi.

Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez um "oooohh" de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: "oooooooooooooooohhhhhh".

Aí fiquei pensando: pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa na mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado "juventude eterna". Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos.

Ok, acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada.

A fonte da juventude chama-se mudança. Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, Quando Paris Cintila. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de sermos idosos sem envelhecer é não nos opormos a novos comportamentos, é termos disposição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar ter o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marylin Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou-se do apartamento em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado, e mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um ótimo emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela caminha na beira da praia todas as manhãs. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco, porque não existe plástica que resgate seu brilho.

O que dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.

E aí pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos! Ooooooohhhhh. Uma guria.

Um ótimo domingo e um gostoso início de semana, com temperaturas próximas a ZERO, um pouquinho para cima em algumas cidades, um pouquinho abaixo em outras. Esse é o nosso Rio Grande.

Diogo Mainardi

O nome é Angela Maria Slongo

"O Palácio do Planalto contratou a mulher de Olivério Medina, representante das Farc no Brasil. Enquanto uma fatia do estado brasileiro prendia um criminoso internacional, uma outra fatia o protegia, oferecendo à sua mulher um salário de apaniguada"

A mulher de Olivério Medina, o representante das Farc no Brasil, foi contratada pelo governo Lula. Agora só falta arranjar um emprego para a mulher de Fernandinho Beira-Mar, outro criminoso ligado às Farc.

Em 29 de dezembro de 2006, Angela Maria Slongo foi nomeada pelo ministro da Pesca, Altemir Gregolin, para o cargo de oficial de gabinete II, com um salário de DAS 102.2. Angela Maria Slongo é mulher de Francisco Antonio Cadena Collazos, também conhecido como Olivério Medina, ou Padre Medina, ou Camilo López, ou El Cura Camilo.

Quando Angela Maria Slongo foi nomeada pelo Palácio do Planalto – sim, o Ministério da Pesca é ligado diretamente ao gabinete do presidente da República –, Olivério Medina estava preso em Brasília, a pedido da Colômbia, seu país de origem, onde era acusado de atos terroristas e assassinatos.

Pausa. Respire fundo. É melhor repetir o que acabei de dizer. Pode ser que alguém tenha passado batido. É o seguinte: enquanto uma fatia do estado brasileiro cumpria a lei, prendendo um criminoso internacional, uma outra fatia – mais especificamente, Lula e seus ministros – o protegia, oferecendo à sua mulher um salário de apaniguada, a fim de que ela pudesse permanecer perto dele, numa chácara em Brasília, à espera do julgamento do STF, que iria decidir sobre sua extradição.

Ele só saiu da prisão domiciliar no fim de março de 2007. Angela Maria Slongo até hoje continua aparelhada no Ministério da Pesca, recebendo seu salário de apaniguada, que acumula com o salário pago pelo governo do Paraná.

VEJA pediu esclarecimentos sobre a escolha de seu nome para o cargo de confiança. O Ministério da Pesca informou que ela apenas mandou um currículo e foi selecionada por critérios profissionais. Simples? Simples.

Publicamente, Lula tenta se afastar da companhia das Farc. Às escondidas, seu governo dá cada vez mais sinais de irmandade com o grupo terrorista, como nesse caso da mulher de Olivério Medina.

Nos computadores de Raúl Reyes, o terrorista morto pelos soldados colombianos, foi encontrada uma mensagem de Olivério Medina em que ele dizia poder contar com o apoio da "cúpula do governo" brasileiro, em particular com o ministro Celso Amorim.

O papel de Olivério Medina no Brasil, de acordo com o jornal colombiano El Tiempo, era "trocar cocaína por armas e fazer o recrutamento de simpatizantes".

O recrutamento de simpatizantes podia ser feito até mesmo no Ministério da Pesca. Já a troca de cocaína por armas passava por outros canais. Numa de suas mensagens sobre o tema, Olivério Medina referiu-se a um certo "Acácio", identificado como o Negro Acácio, sócio de Fernandinho Beira-Mar no narcotráfico.

Um relatório oficial da Abin acusou Olivério Medina de ter oferecido dinheiro das Farc à campanha eleitoral de candidatos petistas. Quando VEJA fez uma reportagem sobre o assunto, um monte de gente chiou.

Para os agentes da Abin, os membros do PT que receberiam o dinheiro eram aqueles das correntes mais esquerdistas do partido, como a do ministro da Pesca, que contratou a mulher de Olivério Medina.

Sempre que alguém morre no Brasil por um crime relacionado ao tráfico de drogas, pode-se dizer que há um dedo das Farc. O grupo terrorista está perdendo terreno na floresta colombiana. Mas chegou ao poder nos morros brasileiros e na Esplanada dos Ministérios.

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

O encontro com o príncipe

"Há muitas boas idéias, mas ainda estamos longe de esquemas internacionais que permitam financiar a saúde da Floresta Amazônica"

Ouvimos do príncipe Charles uma narrativa fleumática acerca do pouco-caso com que suas preocupações haviam sido recebidas no passado. Por exemplo, arquitetura ecológica e ONGs de mãos dadas com empresas. Mas, como o tempo fez justiça ao bom radar do herdeiro, seu projeto atual sobre o desmatamento na Amazônia merece atenção.

Para dar a partida, ele recebeu um grupo de brasileiros no Palácio Saint James. Havia três governadores do Norte e um ex-governador. Bom time de senadores e deputados complementava os chapas-brancas. Havia ONGs e empresários poderosos. Até um índio, de cocar e tudo.

O príncipe alarma-se com o desmatamento incontido. Porém, recebeu dos brasileiros a mensagem de que, sem cuidar do bem-estar do povo que lá vive, é uma quimera pensar em conservação.

As soluções devem considerar a enorme população que depende da floresta para a sua sobrevivência. Apenas no Pará, há 1 milhão de pessoas envolvidas no corte ilegal. Nenhuma solução pode deixá-las de lado. O time técnico do príncipe e ele próprio revelam notável competência, e dialogaram produtivamente com os brasileiros.

Ainda mais surpreendente foi observar brasileiros de todos os partidos e vertentes discutir pragmaticamente o assunto, sem deixar ranços ideológicos turvar a clareza do diálogo. Em minhas primeiras idas ao Norte, notei lá uma mistura de passividade e irritação, ao ver os de fora pontificando sobre o destino da Amazônia. Nesse encontro, eram os do Norte que lideravam o processo.

Não há uma solução única, porque não há um único problema. Comecemos com as macropolíticas. É preciso desentortar o marco legal e podar alguns cacoetes. As melhores intenções podem dar origem a leis que são monstrengos na implementação, incentivando a destruição. E as melhores leis de nada servem sem controle nem fiscalização. Tampouco os fiscais podem virar cúmplices da motosserra.

Cumpre oferecer alternativas melhores, para que os moradores desistam da motosserra. Gadinho pé-duro, mandioca e abóbora não servem. O que resolve são culturas com maiores exigências tecnológicas e de manipulação da informação.

Portanto, são inviáveis sem melhorar a educação. Boa parte das áreas degradadas precisa ser reflorestada. Isso cria emprego. Ainda melhor, pode ser bom negócio. Mas até agora o reflorestamento não decolou no nível necessário.

Ilustração Atômica Studio

A melhor solução é o manejo, que consiste em cortar seletivamente algumas árvores e deixar a clareira se recuperar. Os europeus aprenderam a fazer isso na Idade Média. Nós só estamos aprendendo agora. Na ponta do lápis, os experimentos do Projeto Jari mostram que é bom negócio.

Tira-se a madeira mais devagar, mas a floresta se eterniza. Faltam imitadores. Em um nível muito prático, a certificação de origem da madeira pode se transformar em exigência para a sua compra nos mercados internacionais. Isso cria dificuldades para a venda clandestina do produto.

Há muitas soluções locais. O Acre tem um programa bastante promissor de manejo pelos próprios seringueiros. Planeja-se a criação de uma "universidade dos povos da floresta", a fim de que os índios ensinem aos brancos os cuidados que o meio ambiente exige.

O Projeto Saúde e Alegria mostrou ser possível oferecer saúde às populações ribeirinhas, através de programas pouco dispendiosos e que mobilizam a sociedade local.

O futuro da Amazônia diz respeito ao mundo inteiro. Portanto, cumpre esperar solidariedade internacional e mais visão nos acordos. Mas, obviamente, só nos servem soluções que preservem nossa soberania na região. Ponto fundamental na equação é o fato de que a floresta viva tem valor inestimável para a humanidade.

Porém, quem está debaixo da copa daquelas árvores não é pago para conservá-la de pé e ganha alguma coisa se lhe passar a motosserra – mas ganha bem menos do que ela vale para o mundo. Há um conflito entre a economia pessoal e o bem-estar coletivo. A Costa Rica e o estado do Amazonas fecham a equação, pagando às pessoas para que aposentem a motosserra.

Pode ser uma boa idéia. Porém, quem pagará a conta? Os planos de seqüestro de carbono são parte da solução. Mas ainda estamos longe de esquemas internacionais que permitam financiar a saúde da Floresta Amazônica.

Claudio de Moura Castro é economista - (Claudio&Moura&Castro@cmcastro.com.br)

Da Redação

Ela lutava pelos direitos das mulheres

Vânia era feminista e defendia a humanização do parto. Seu médico foi condenado na Justiça por duplo homicídio, mas se considera um mártir


Vânia tinha 35 anosVânia Araújo Machado costumava dizer que, para sua vida ficar completa, só faltava mesmo um filho. Aos 35 anos, depois de um tratamento de fertilização, comemorou a primeira gravidez com a mesma energia depositada em sua carreira profissional.

Formada em Educação Física, dançarina e professora de dança, amante do teatro, feminista entusiasta, foi pedagoga e coordenou a implantação da educação infantil no município. Sua luta em defesa dos direitos da mulher a levou à coordenação geral da Coordenadoria Estadual da Mulher, criada em 1999 pelo governo do Rio Grande do Sul.

Foi no final daquele ano, já exercendo o cargo, que engravidou. Havia conhecido o companheiro, Marcelo D’Elia Branco, numa passeata pelas ruas de Porto Alegre, e nunca mais se desgrudaram.

A opção pelo parto de cócoras parecia mais do que natural para os dois. Durante seis anos, foi paciente do obstetra e ginecologista Ricardo Herbert Jones, considerado uma autoridade em parto humanizado, e fez com ele todo o pré-natal. Vânia era uma ativista tão convicta que em seu chá de fraldas convidou o médico para falar sobre o tema para suas amigas.

No dia 12 de setembro de 2000, quando ela deu entrada no hospital, em Porto Alegre, já havia escolhido o nome do filho, Cauê. “Às 10h ela estava com dilatação completa”, acredita Branco, que ficou com a mulher todo o tempo, acompanhado por uma amiga que levou sua câmera para filmar o nascimento. Mas o bebê não nascia, e o pai começou a ficar apreensivo.

O obstetra o tranqüilizou, disse que estava tudo bem. Vez ou outra, a câmera o filmou escutando o coração da criança. Relatos dos médicos que ouviram a gravação depois indicam que talvez o bebê já estivesse com bradicardia (diminuição da freqüência cardíaca).

Às 14h10min o médico decidiu fazer uma cesariana. “Não havia anestesista preparado para uma emergência, tiveram de trazer de fora do hospital”, conta o marido. Quando o profissional finalmente chegou, e a cesariana foi feita. Cauê nasceu sem batimentos cardíacos. Foi reanimado, ficou vários dias na UTI do hospital em estado vegetativo, e morreu.

Vânia resistiu 24 dias depois da cesariana. Teve de passar por nove cirurgias, até sua morte, em 5 de outubro de 2000. Entre elas, a retirada do baço e do útero. Morreu 14 dias antes do filho.

O choque pela perda da mulher e do filho levaram Branco a não questionar nada. Até que as amigas de Vânia e os familiares começaram a perguntar o que havia acontecido de errado. Foram levantando fatos e laudos. Os peritos concluíram que o trabalho do parto havia se prolongado mais do que o recomendável, causando o sangramento e as complicações.

O médico, por sua vez, alega que Vânia sofreu “uma embolia aguda por líquido amniótico durante o trabalho de parto, doença impossível de prever ou prevenir”. E que, curada da doença, “ela morreu mesmo foi de catapora, infectada dentro do hospital”.

Com a assessoria jurídica especializada da ONG Themis, a família de Vânia conseguiu comprovar suas suspeitas na Justiça. Jones foi condenado na área penal por dois homicídios culposos (sem intenção) - de Vânia e Cauê. Cumpriu a pena de dois anos e quatro meses de serviço comunitário e pagou a multa de 20 salários mínimos para a Associação Beneficente Fraterno Auxílio Cristão da Sagrada Família.

O processo ético-profissional realizado junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) em 2003 determinou, por unanimidade, a pena de suspensão do exercício profissional por 30 dias “por não ter feito qualquer registro, em prontuário, da evolução da paciente durante mais de seis horas de acompanhamento de trabalho de parto”; por negligência, “ao não atentar e valorizar as condições fetais, ao retardar a indicação de cesariana e ao não usar dos meios disponíveis no hospital para melhor monitorizar a viabilidade fetal”.

Diz ainda o acórdão do CREMERS que Jones “foi imprudente ao não providenciar anestesista mais cedo, ao menos após as grandes evidências de desproporção, e imperito ao não diagnosticar a distocia (parto difícil) subseqüente e ao realizar uma histerectomia puerperal (retirada do útero depois do parto) para controle de sangramento em condições graves, incompleta e inadequada”. O acórdão do CREMERS pode ser acessado na íntegra no blog criado pelo marido de Vânia.

Jones recorreu da decisão. O recurso foi julgado pelo Conselho Federal de Medicina, que decidiu pela pena de advertência privada: isso significa que o médico não chegou a ser suspenso, nem a decisão foi noticiada pela imprensa. Para ele, foi como uma absolvição. Passados oito anos, sequer cogita que pode ter ocorrido alguma falha em sua conduta.

Ao contrário, diz que o período de trabalho de parto de Vânia foi até rápido em comparação com o de outras mulheres, que chamou o anestesista para fazer a cesariana quando detectou uma anormalidade e que ficou perto de sua paciente todo o tempo. Arrepende-se apenas de não ter feito um prontuário melhor, que o protegesse “das agressões dos colegas”.

Aos 48 anos, 23 de profissão, Jones é filiado à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e à International MotherBaby Childbirth Organization, e orgulha-se de viajar pelo mundo dando palestras em defesa de um modelo de parto que, segundo ele, “dignifica o nascimento, devolve o protagonismo e a autonomia à mulher e diminui a mortalidade materna”.

Considera-se um mártir. “Imagina um indivíduo que entra num hospital privado de Porto Alegre onde ocorrem 90% de cesarianas e atende partos normais - esse indivíduo incomoda por sua prática e por seu discurso: por pertencer a uma organização nacional e por ser um porta-voz destas idéias”, diz.

“Todos os profissionais que ousaram se postar corajosamente contra o poder constituído sofreram coisas parecidas com o que sofri, isso não é novidade. O teu “patrício” Freud (diz para a repórter, que é judia) sofreu a mesma coisa, foi estraçalhado pelo conselho dos médicos de Viena. O Darwin, pior ainda. Galileu Galilei quase foi pra fogueira”.

A história de Vânia virou um símbolo da luta contra a mortalidade materna no Rio Grande do Sul. Seu nome foi dado a um centro de referência que atende mulheres que sofreram todo tipo de violência.

Vânia Araújo Machado costumava dizer que, para sua vida ficar completa, só faltava mesmo um filho. Aos 35 anos, depois de um tratamento de fertilização, comemorou a primeira gravidez com a mesma energia depositada em sua carreira profissional.

Formada em Educação Física, dançarina e professora de dança, amante do teatro, feminista entusiasta, foi pedagoga e coordenou a implantação da educação infantil no município. Sua luta em defesa dos direitos da mulher a levou à coordenação geral da Coordenadoria Estadual da Mulher, criada em 1999 pelo governo do Rio Grande do Sul.

Foi no final daquele ano, já exercendo o cargo, que engravidou. Havia conhecido o companheiro, Marcelo D’Elia Branco, numa passeata pelas ruas de Porto Alegre, e nunca mais se desgrudaram.

A opção pelo parto de cócoras parecia mais do que natural para os dois. Durante seis anos, foi paciente do obstetra e ginecologista Ricardo Herbert Jones, considerado uma autoridade em parto humanizado, e fez com ele todo o pré-natal. Vânia era uma ativista tão convicta que em seu chá de fraldas convidou o médico para falar sobre o tema para suas amigas.

No dia 12 de setembro de 2000, quando ela deu entrada no hospital, em Porto Alegre, já havia escolhido o nome do filho, Cauê. “Às 10h ela estava com dilatação completa”, acredita Branco, que ficou com a mulher todo o tempo, acompanhado por uma amiga que levou sua câmera para filmar o nascimento. Mas o bebê não nascia, e o pai começou a ficar apreensivo.

O obstetra o tranqüilizou, disse que estava tudo bem. Vez ou outra, a câmera o filmou escutando o coração da criança. Relatos dos médicos que ouviram a gravação depois indicam que talvez o bebê já estivesse com bradicardia (diminuição da freqüência cardíaca).

Às 14h10min o médico decidiu fazer uma cesariana. “Não havia anestesista preparado para uma emergência, tiveram de trazer de fora do hospital”, conta o marido. Quando o profissional finalmente chegou, e a cesariana foi feita. Cauê nasceu sem batimentos cardíacos. Foi reanimado, ficou vários dias na UTI do hospital em estado vegetativo, e morreu.

Vânia resistiu 24 dias depois da cesariana. Teve de passar por nove cirurgias, até sua morte, em 5 de outubro de 2000. Entre elas, a retirada do baço e do útero. Morreu 14 dias antes do filho.

O choque pela perda da mulher e do filho levaram Branco a não questionar nada. Até que as amigas de Vânia e os familiares começaram a perguntar o que havia acontecido de errado. Foram levantando fatos e laudos. Os peritos concluíram que o trabalho do parto havia se prolongado mais do que o recomendável, causando o sangramento e as complicações.

O médico, por sua vez, alega que Vânia sofreu “uma embolia aguda por líquido amniótico durante o trabalho de parto, doença impossível de prever ou prevenir”. E que, curada da doença, “ela morreu mesmo foi de catapora, infectada dentro do hospital”.

Com a assessoria jurídica especializada da ONG Themis, a família de Vânia conseguiu comprovar suas suspeitas na Justiça. Jones foi condenado na área penal por dois homicídios culposos (sem intenção) - de Vânia e Cauê. Cumpriu a pena de dois anos e quatro meses de serviço comunitário e pagou a multa de 20 salários mínimos para a Associação Beneficente Fraterno Auxílio Cristão da Sagrada Família.

O processo ético-profissional realizado junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS) em 2003 determinou, por unanimidade, a pena de suspensão do exercício profissional por 30 dias “por não ter feito qualquer registro, em prontuário, da evolução da paciente durante mais de seis horas de acompanhamento de trabalho de parto”; por negligência, “ao não atentar e valorizar as condições fetais, ao retardar a indicação de cesariana e ao não usar dos meios disponíveis no hospital para melhor monitorizar a viabilidade fetal”.

Diz ainda o acórdão do CREMERS que Jones “foi imprudente ao não providenciar anestesista mais cedo, ao menos após as grandes evidências de desproporção, e imperito ao não diagnosticar a distocia (parto difícil) subseqüente e ao realizar uma histerectomia puerperal (retirada do útero depois do parto) para controle de sangramento em condições graves, incompleta e inadequada”. O acórdão do CREMERS pode ser acessado na íntegra no blog criado pelo marido de Vânia.

Jones recorreu da decisão. O recurso foi julgado pelo Conselho Federal de Medicina, que decidiu pela pena de advertência privada: isso significa que o médico não chegou a ser suspenso, nem a decisão foi noticiada pela imprensa. Para ele, foi como uma absolvição. Passados oito anos, sequer cogita que pode ter ocorrido alguma falha em sua conduta.

Ao contrário, diz que o período de trabalho de parto de Vânia foi até rápido em comparação com o de outras mulheres, que chamou o anestesista para fazer a cesariana quando detectou uma anormalidade e que ficou perto de sua paciente todo o tempo. Arrepende-se apenas de não ter feito um prontuário melhor, que o protegesse “das agressões dos colegas”.

Aos 48 anos, 23 de profissão, Jones é filiado à Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e à International MotherBaby Childbirth Organization, e orgulha-se de viajar pelo mundo dando palestras em defesa de um modelo de parto que, segundo ele, “dignifica o nascimento, devolve o protagonismo e a autonomia à mulher e diminui a mortalidade materna”.

Considera-se um mártir. “Imagina um indivíduo que entra num hospital privado de Porto Alegre onde ocorrem 90% de cesarianas e atende partos normais - esse indivíduo incomoda por sua prática e por seu discurso: por pertencer a uma organização nacional e por ser um porta-voz destas idéias”, diz.

“Todos os profissionais que ousaram se postar corajosamente contra o poder constituído sofreram coisas parecidas com o que sofri, isso não é novidade. O teu “patrício” Freud (diz para a repórter, que é judia) sofreu a mesma coisa, foi estraçalhado pelo conselho dos médicos de Viena. O Darwin, pior ainda. Galileu Galilei quase foi pra fogueira”.

A história de Vânia virou um símbolo da luta contra a mortalidade materna no Rio Grande do Sul. Seu nome foi dado a um centro de referência que atende mulheres que sofreram todo tipo de violência.


31 de maio de 2008
N° 15618 - Nilson Souza


Abre-te, livro!

Pobre Ali Babá. Depois de séculos como herói de um dos contos mais conhecidos das Mil e Uma Noites, virou chefe de quadrilha no Brasil. Cada vez que surge uma falcatrua com quatro dezenas de suspeitos, as pessoas já começam a perguntar:

"E quem é o Ali Babá?". Quem leu a história sabe que ele não era um dos integrantes do bando. Pelo contrário, foi o homem que acabou com os criminosos, ainda que tenha utilizado métodos um tanto questionáveis.

Diz a lenda que ele era um lenhador pobre que cortava madeira no meio da floresta (crime ecológico?) quando avistou uma caravana de 40 ladrões prontos para descarregar a muamba numa caverna. Escondido, observou que a porta indevassável da caverna abria-se mediante a pronúncia das palavras mágicas:

- Abre-te, Sésamo!

Quando os bandidos foram embora, Ali Babá repetiu a senha e entrou na câmara repleta de ouro e jóias. Em vez de ligar para o 190 e denunciar tudo, optou por encher os bolsos e voltou correndo para casa. (Se você acha que ele agiu mal, disque 1. Se acha que ele fez o que deveria fazer, disque 2. Se está indeciso, continue lendo).

Boca grande, nosso já suspeito herói revelou a senha para o irmão, que era muito ganancioso e tratou de pegar o seu também. Só que esqueceu das palavras mágicas na hora de sair da caverna e acabou sendo flagrado pela bandidagem, que acabou com ele. Ali Babá esperou que os ladrões saíssem e retirou o corpo do irmão.

Quando os bandidos constataram o desaparecimento, concluíram que havia um novo invasor e foram atrás dele, metendo-se dentro de jarros vazios para surpreendê-lo. Alertado pela escrava da família (escravagista, mais um crime!), o ex-lenhador encheu os jarros de óleo fervente e fritou os inimigos (chacina?).

Bom, para encurtar o relato, Ali Babá executou a quadrilha, libertou a escrava, que se casou com seu filho, e todos viveram felizes até a instauração de uma CPI no reino. Mas aí já é outra história, que estou inventando agora.

O que quero dizer mesmo é que nós, brasileiros, lemos apenas 1,3 livro por ano, como mostrou a pesquisa "Retratos da leitura do Brasil", divulgada esta semana pelo instituto Ibope Inteligência.

Não é de admirar, portanto, que o povão pense que Ali Babá era o chefe da quadrilha de 40 ladrões. O povão e muita gente ilustre, que não é sinônimo de gente ilustrada.

Esta é a minha história deste sábado. Quem quiser que conte outra.

quinta-feira, 29 de maio de 2008



ZERO ERROS
Do livro "A Magia do Cotidiano"

Quem não conhece aquela dona de casa extremamente exigente com o serviço doméstico, tão exigente que as empregadas não demoram muito tempo na casa dela?

Ou aquela mãe que quando os filhos entram em casa com os pés sujos de lama ela fica mais preocupada com as manchas no piso do que com o perigo das crianças se resfriarem por estarem com os pés úmidos?

E aquele homem que se irrita facilmente com os erros dos outros – e para ele os outros estão sempre errando! – que critica e julga, que vê apenas os defeitos de tudo e de todos?

São os perfeccionistas, pessoas que têm mania de perfeição, mania de exatidão, mania de limpeza. Querem que o mundo funcione como se fosse um mecanismo perfeito de ordem e precisão, e quando as coisas não ocorrem dessa forma, é motivo para eles de grande irritação.

A impaciência com a lentidão alheia, com a poeira, com o barulho, com a falta de asseio, e até mesmo com os traços mais inocentes e inofensivos do caráter dos outros é uma de suas características.

A esposa que inferniza a vida do marido porque este espreme o tubo de pasta de dentes pelo meio, não levanta a tampa do vaso quando usa o sanitário, faz barulho quando toma sopa e assovia enquanto lava o carro está apenas expressando essa sua característica.

A atitude do perfeccionista diante das pessoas é sempre crítica. Frequentemente estão sobrecarregados de trabalho porque não querem delegar tarefas, já que ninguém consegue fazer as coisas de uma forma que os satisfaça.

Submetem seus empregados ou subordinados a uma vigilância constante e são incapazes de demonstrar compreensão e paciência com as limitações e deficiências dos outros.

Irritam-se com bobagens, com gestos e com pequenos hábitos das outras pessoas. Não admitem atrasos, mesmo que sejam mínimos e são implacáveis quando se trata de apontar um erro alheio, quando se trata de fazer uma crítica. Esquecem os 95% que dão certo e se concentram apenas nos 5% que dão errado.

Não têm senso de humor e têm dificuldade em gozar a vida. É o torcedor que não consegue se alegrar com a vitória porque o time jogou mal, e enquanto todo mundo está comemorando ele insiste em repisar todas as jogadas que não deram certo e em apontar todos os defeitos táticos e técnicos da equipe.

O pior de tudo é que ele não compreende como é que todo mundo consegue ficar tão alegre torcendo por um time tão ruim, mesmo quando este time se sagra campeão.

Geralmente, essas pessoas terminam ficando isoladas dos outros. Seu grau de exigência com coisas, situações ou pessoas é tal que nada o satisfaz.

É difícil encontrar um restaurante que lhe agrade, as pessoas não são suficientemente inteligentes, ou atraentes, ou interessantes, as lojas não têm artigos que lhe servem.

Quem não se lembra do Capitão Von Trapp no filme A Noviça Rebelde? Exigente e crítico, esperando que os filhos se comportassem dentro da mais perfeita ordem e disciplina, sacrificando até as manifestações de carinho e a expressão saudável das emoções.

O perfeccionismo é uma atitude extremamente geradora de tensão. Como o mundo não é perfeito e as pessoas não são perfeitas, muitas delas inclusive estando muito longe disso, os perfeccionistas vivem extremamente insatisfeitos e infelizes.

Essas pessoas têm uma tensão emocional que se expressa fisicamente por rigidez e dores nos ombros, no peito, nos braços e na mandíbula. São também candidatas fortes à ocorrência de cefaléias e enxaquecas.

O perfeccionismo é uma manifestação de intolerância, da incapacidade de colocar-se no lugar do outro. Nenhum de nós pode se arvorar em juiz do outro porque também temos nossos próprios defeitos.

Quando conseguimos identificar em nós sintomas desta desarmonia o caminho mais curto para superá-la é fazer as pazes conosco, desviando o foco dos outros e jogando mais luz sobre nós mesmos.

Sorrir, brincar, começar a exercitar a possibilidade de gostar de coisas que não sejam cem por cento, fazer concessões, deixar rolar, reconhecer a própria ignorância, são atitudes que ajudam muito.

É preciso entender que todos temos os nossos talentos e que todas as coisas têm vários aspectos.

Você já reparou que existem flores, como o girassol, que desabrocham violentamente, se expondo em toda a sua glória amarela e luminosa? E que as pequeninas e tímidas violetas se escondem na sombra da folhagem de outras plantas?

As pessoas como as flores do universo, são do mesmo jeito. É preciso entender a maneira especial que cada uma tem de florir e desabrochar, enchendo o mundo de cores e perfumes variados. Sabedoria é compreender e respeitar as limitações e diferenças porque é ela que dá beleza ao mundo.

sábado, 24 de maio de 2008



25 de maio de 2008
N° 15612 - Martha Medeiros


O casamento do futuro

Recentemente gravei uma entrevista com a apresentadora Patrycia Travassos, do programa Alternativa Saúde (GNT), para ir ao ar na semana dos namorados, em junho. Achei que falaríamos apenas sobre amenidades, mas chegando lá, a conversa girou em torno dos casamentos do futuro: como serão as relações daqui pra frente?

Onde fui me meter. Já que havia esquecido minha bola de cristal em casa, tentei sair de fininho, mas antes que eu pudesse escapulir o diretor disse: gravando!

É sempre um assunto delicado. Em minha defesa, aviso: sou romântica. Acredito que uma vida sem amor é uma vida árida, e não estou me referindo a amor pelos filhos, por amigos, por cachorros. Estou falando de homens e mulheres que nunca se viram até que um dia, uau. Acontece.

E tem mesmo que acontecer. Não se pode desistir de amar por causa da propaganda contra: amor não dura, amor vira amizade, amor faz sofrer. Tudo verdade, mas e daí?

Não restando saída, encarei a câmera e fiz minha previsão, que nem é original, já que há inúmeros exemplos práticos ao nosso redor: o casamento "até que a morte os separe" está com os dias contados.

Um casamento único será raro. As pessoas terão no mínimo dois casamentos, talvez três. Pessoas excessivamente animadas terão mais. Alguma novidade nisso? Nenhuma. É só olhar para os lados. Não há mais sedentarismo emocional.

Homens e mulheres não estão morrendo aos 60 anos, como antigamente, e sim aos 90, aos 100. Essa longevidade alterou nossos planos. Ganhamos praticamente uma vida adicional, e pode-se fazer muita coisa com ela, inclusive reapaixonar-se.

É o fim da era do "pra sempre". Mais valerá uma relação que dure uma ou duas décadas, porém intensa, do que uma eterna, porém passível de um tédio brutal. As crianças saberão desde cedo que o pai e a mãe seguirão os mesmos ad infinitum, porém haverá novos arranjos familiares, com madrastas e padrastos sendo absorvidos, assim como novos irmãos. Já é assim, não é?

A única diferença é que, nos dias de hoje, essa desagregação ainda gera muita culpa e sofrimento. No que a Igreja Católica, claro, dá sua gentil contribuição. Ainda somos vistos como hereges que carregam um coração de pedra.

De minha parte, tenho um coração mole, me emociono com histórias de amor e valorizo as longas parcerias: se forem honestas e apaixonantes, o que mais se pode desejar? Mas se deixarem de ser, não há razão para hipocrisia.

Já começa a ser aceita a idéia de que a diminuição do tempo de convívio não constitui um fracasso amoroso. Um dia haverá uma mudança total de mentalidade (não parcial, como hoje) que gerará uma sociedade menos ansiosa, menos iludida e, quem sabe, até menos infiel.

Foi isso o que eu mais ou menos disse naquela entrevista, e todos que estavam lá concordaram - mas éramos um bando de artistas, e opinião de artista vale menos que um palito de fósforo usado, como se sabe. Então aguardemos o tal futuro chegar.

Um ótimo domingo para todos nós este que é "the last sunday de maio."

Diogo Mainardi

Não sofro de diegomainardice

"Só opino porque é meu trabalho. Se desse, eu desligaria o computador e passaria o resto do dia estatelado na cama, na frente da TV, assistindo a um programa de culinária, um seriado americano, um torneio de golfe ou uma comédia antiga com Alberto Sordi"

O que eu sabia sobre Sabrina Sato: ela participa de um programa de TV. Agora sei também que ela tem uma pinta na testa. Mais ainda: sei que ela desistiu de tirar a pinta.

Esse foi o fato que atraiu o maior número de leitores da Folha Online, alguns dias atrás. A nota era acompanhada por uma fotografia de Sabrina Sato sorridente, com sua pinta na testa. Pinta é um negócio nojento. Tire a pinta, Sabrina Sato.

A TV está sendo progressivamente esvaziada pela internet. Pela primeira vez, no Brasil e no resto do mundo, a TV perde público. Os espectadores desligam seus aparelhos e migram em massa para o computador, passando mais tempo na internet.

E qual é o principal assunto na internet? A TV. No caso, a pinta na testa de Sabrina Sato. Ou, pouco antes, igualmente entre as notícias mais lidas da Folha Online, o choro de Deborah Secco num programa de auditório.

Além de ler sobre a TV, a platéia da internet faz comentários atarantados sobre a TV. Assim como faz comentários atarantados sobre todos os outros temas.

A internet é como o teatro de José Celso, em que a platéia é chamada para o centro do palco e se torna protagonista do espetáculo. Amadoristicamente, cada um desempenha seu próprio papel, improvisando um comentariozinho desimportante aqui, outro ali.

O mundo se transformou num gigantesco Teatro Oficina, onde se encena um espetáculo infinito de José Celso, do qual ninguém pode fugir. Trata-se de um pesadelo bem mais medonho do que qualquer distopia totalitária imaginada por George Orwell ou Aldous Huxley. Quero minha dose de "Soma"!

Umberto Eco criou a fantasia demagógica do "lector in fabula", em que o leitor é estimulado a participar do romance com suas idéias, transformando-se, ele mesmo, em autor.

A internet é isso: um monte de maus leitores dotados de más idéias que cismam em interagir com maus autores. É o território dos opinionistas que opinam sobre a opinionice de outros opinionistas. É a água parada onde prolifera a diegomainardice hemorrágica.

Pode parecer um contra-senso, mas eu nunca sofri de diegomainardice. Só opino porque é meu trabalho. Se desse, eu desligaria imediatamente o computador e passaria o resto do dia estatelado na cama, na frente da TV, assistindo a um programa de culinária, um seriado americano, um torneio de golfe ou uma comédia antiga com Alberto Sordi.

O que eu tenho a opinar sobre o programa de culinária ou o seriado americano? Alegremente, nada. A TV é minha droga da felicidade, meu sedativo, meu "Soma". Desde que eu fique distante de Sabrina Sato e de sua pinta na testa.

Ela faz aflorar um monte de idéias em minha mente, todas elas rabiosas e incongruentes, transportando-me para o palco do Teatro Oficina, onde José Celso e sua platéia encenam eternamente a Guerra de Canudos. E agora? Como a gente sai daqui?

Ponto de vista: Lya Luft

A pena de morte

"Não sou nem quero ser boazinha nesse assunto. Quero pelo menos prisão perpétua, que assuste um pouco os bandidos que se sabem impunes"

Faz alguns dias, num rompante de indignação, escrevi que deveria haver pena de morte no país para crimes monstruosos. Devo dizer que, no fundo, não penso assim. Isto é, racionalmente e calmamente, rejeito a idéia.

Parece que nos países em que a pena de morte existe não diminui muito a criminalidade ou ela provoca tremendas injustiças. Vários casos de análise de DNA – desconhecida no tempo de algumas execuções – demonstraram que houve a condenação e a morte de inocentes.

Mas que neste nosso país deveriam ser instituídas leis muito mais rigorosas, isso é inegável. Aliás, acaba de ser aprovada no Congresso uma primeira medida nesse sentido. É um começo.

Acredito firmemente na redução da idade em que alguém passa a ser legalmente responsável por seus atos.

O jovenzinho a que também me referi na citada crônica, que com cerca de 15 anos matou dezessete pessoas, e admitiu isso friamente, dando de ombros, foi encaminhado a algum centro de ressocialização.

Quinze dos crimes foram comprovados. Se não houver alguma grave interferência, ele sairá em breve, para matar, quem sabe, teu filho, tua esposa, tua neta. Os que cedo começam a matar, com ou sem influência de drogas, são pequenos monstros morais.

Dificilmente se reeducam. Devem ser afastados da sociedade, realizando trabalhos físicos produtivos, como deveriam todos os presos adultos, para compensar, ao menos minimamente, uma sociedade devastada pela violência. Os crimes deveriam ser menos favorecidos por leniências e subterfúgios, e pelos mil recursos que atrapalham e inibem a lei.

Não sou nem quero ser boazinha nesse assunto. Quero pelo menos prisão perpétua, que assuste um pouco os bandidos que se sabem impunes, muitas vezes apoiados pela força inaudita do narcotráfico. Repetirei sempre, por mais que muitos se aborreçam:

se cada pessoa que usa maconha ou outra droga fornecida por traficantes pensasse que a cada baforada, cheirada ou injeção está fortalecendo a criminalidade; se as autoridades conseguissem de verdade eliminar das favelas e de outros pontos o narcotráfico que ali impera e reina; se os corruptos dos altos e baixos escalões fossem punidos e não afagados, creio que se poderia controlar a violência por estes pagos.

Não posso deixar de mencionar mais uma vez a questão da educação. Os analfabetos são a grande maioria dos brasileiros. Alfabetizado não é quem assina o nome: é quem assina o nome num documento que leu e compreendeu.

Portanto, que pode obter informações e fazer escolhas conscientes. As manadas de meninos e meninas que jamais entraram numa escola, ou não concluem o 1º grau e andam pelas ruas, expostas à droga e à prostituição, são uma calamidade.

Se fosse possível – e com real determinação é possível – botar essa meninada em escolas em tempo integral; se fosse possível, e é, expulsar os traficantes das favelas de todas as grandes cidades;

se fosse possível, e é, punir exemplarmente os corruptos públicos, dando esperança às pessoas comuns, certamente ninguém mais precisaria, como eu naquele momento de grande susto, pensar em pena de morte nem sentir que vive nas trincheiras de uma guerra insensata.

Lya Luft é escritora


24/05/2008 - 00:42 | Edição nº 523
O economista Paulo Guedes é colunista de ÉPOCA


A era da preocupação

A economia mundial está em fase de transição. Experimenta mudanças importantes em suas várias dimensões. Após um longo período de altas taxas de crescimento global e de baixas taxas de inflação, surgem preocupantes sinais de desaceleração econômica e de pressões generalizadas dos preços de recursos naturais, energia, matérias-primas e alimentos.

A mudança ocorre não apenas no ritmo, mas também na coreografia. As economias nacionais estavam no mesmo passo, exibindo altas taxas de crescimento sincronizado. Foi inédito o ritmo acelerado de crescimento global dos últimos cinco anos.

Os indícios da dessincronização estão presentes já em 2008. A economia americana, antes a mais potente turbina global, chegou ao fim de seu mais longo ciclo de crescimento. Os países emergentes, no outro extremo, têm mantido o ritmo acelerado.

O Brasil, de sua parte, deu início ao que poderia ser um longo ciclo dessincronizado com a economia mundial se aprofundasse as reformas, para disparar uma dinâmica interna de crescimento.

Outra importante mudança é a troca de eixo da economia global. O pólo dinâmico desloca-se da América para a Ásia. Mas mesmo a Ásia passa por ritmo de desaceleração, pois a outra poderosa turbina global, a economia chinesa, deve esfriar para manutenção e reparos.

Os sinais de superaquecimento chinês são inequívocos. A inflação corrente rompeu a taxa anual de 8%, com os preços de alimentos subindo muito mais.

Embora a migração da população chinesa do campo para a cidade esteja longe de se completar, não poderá prosseguir ao ritmo atual. E a desaceleração da migração urbana descomprime a contenção dos salários ante as pressões de alta nos preços de alimentos.

“Com a redução da velocidade da migração da mão-de-obra, o ritmo de crescimento dos salários na China deve se acelerar, assim como os níveis de inflação”, afirma Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, em sua A Era da Turbulência (2007).

“Os preços mais baixos dos produtos oriundos da China exerceram sucessivas ondas de efeitos. Contiveram os preços de produtos concorrentes fabricados nos Estados Unidos e limitaram os salários dos trabalhadores nas indústrias.

Observe que os preços dos produtos oriundos da China subiram de maneira marcante na primavera de 2007 pela primeira vez em vários anos. Isso deve fomentar a retomada da inflação de preços e salários nos Estados Unidos.

O ônus de administrar essa mudança recairá sobre o Fed. O árbitro final da inflação é a política monetária.

Até que ponto essas pressões de preços serão corrosivas para a economia americana dependerá da capacidade de reação do Fed.” Mas, e se o Federal Reserve estiver de mãos atadas, em razão da profundidade da crise financeira que enfrenta? Poderia ser mais um sinal de que o mundo penetra em nova era de inflação global.

O colapso do valor externo do dólar e a ascensão do euro como nova moeda forte da economia global são também uma marca da atual fase de transição.

A despolitização da moeda que consagrara o Fed de Paul Volcker não é mais uma virtude inquestionável do Fed de Greenspan e Ben Bernanke, seu atual presidente. Enquanto isso, essa mesma despolitização, antes praticada pelo Bundesbank germânico, ascendeu à desnacionalização da moeda orquestrada pelo Banco Central Europeu.

O euro, a nova moeda transnacional, deflagrou um formidável processo de reestruturação e consolidação da economia européia, apesar da tradicional inapetência por reformas de sua classe política.

“Trata-se de fato de uma era de turbulência. Seria imprudente e imoral minimizar o custo humano das rupturas em curso.

Diante da integração crescente da economia global, os cidadãos do mundo defrontam uma escolha árdua: de um lado, abraçar os benefícios dos mercados globais e das sociedades abertas, que arrancam as pessoas da pobreza e as lançam na escalada em busca de melhores qualificações, como meio de melhorar seu padrão de vida;

de outro, rejeitar essa oportunidade e aferrar-se ao nativismo, ao tribalismo, ao populismo e a todos os demais ‘ismos’ em que se refugiam as comunidades quando se vêem sitiadas em sua própria identidade e não conseguem fazer as melhores escolhas.

Enormes obstáculos nos aguardam nas próximas décadas, cabendo exclusivamente a nós desenvolver as competências necessárias para superá-los.

A educação é o fulcro de qualquer solução para todas as dificuldades com que nos defrontaremos no futuro”, prescreve Greenspan, com a intimidade inerente à co-autoria desta turbulenta sinfonia. Esse é o desafio brasileiro.

Foto: André Arruda/ÉPOCA


24 de maio de 2008
N° 15611 - Moacyr Scliar


Maratona e resiliência

Estive algumas vezes em Nova York no período em que lá se realizava a famosa e tradicional maratona.

Numa dessas vezes, vi, afixado num gigantesco painel, a classificação dos corredores. Eram milhares, mas todos os nomes estavam ali, e também o lugar em que tinham chegado: o primeiro colocado, o segundo, o terceiro - e o último. Sim, havia um último lugar.

E isso me impressionou. O que faz um corredor que está em último lugar numa prova, que já não tem mais ninguém atrás de si, esforçar-se para chegar à linha de chegada? Que energia move o maratonista?

Há um termo que atualmente se aplica muito a essa e outras situações: resiliência. Em física, resiliência é a propriedade que tem um material de, quando deformado elasticamente, absorver energia, que é liberada quando esse material volta à forma anterior. Do ponto de vista psicológico, resiliência é a capacidade que tem a pessoa de suportar o estresse e superá-lo.

Portanto, resiliência não é apenas resistência, esta sendo considerada uma coisa passiva: agüentar o tranco estoicamente é resistência. Resiliência é isso e mais a capacidade de se reestruturar e de crescer emocionalmente como resposta ao desafio e à crise, com aumento inclusive da auto-estima.

E auto-estima é coisa importante na maratona, que é uma competição muito peculiar. Claro, existem aqueles que podem ser considerados adversários, os outros corredores.

Mas os corredores de longos percursos freqüentemente correm sozinhos, e o fazem de forma intensamente concentrada como a gente pode constatar, observado a fisionomia deles. Quem é o adversário do corredor solitário?

É aquela outra pessoa que ele tem dentro de si, e que repete constantemente, numa vozinha debochada, irritante: você não conseguirá.

É o estresse, ao qual o maratonista responde com a resiliência. Diz o maratonista inglês Gareth Hopkins que a corrida é uma oportunidade para se crescer como pessoa.

É um exagero comparar a vida a uma maratona? Não, não é. Na verdade, é até uma metáfora constantemente usada. Viver é correr (mesmo quando ficamos presos no trânsito). Viver é se estressar.

Mas assim como precisamos de resiliência para a maratona, precisamos de resiliência na vida. Que o estresse nos atinja, que nos impregne com uma energia negativa, tóxica, é normal.

Mas precisamos aprender a voltar à nossa forma, eliminando de nós os eflúvios negativos. Precisamos prosseguir rumo à nossa meta. Se somos dos primeiros ou dos últimos, não importa. O que importa é chegar lá.

sexta-feira, 23 de maio de 2008



23 de maio de 2008
N° 15610 - Liberato Vieira da Cunha


Um trio de historinhas

Tem gente que precisa de uma entrada para o Cirque du Soleil, de uma síntese do último capítulo da novela das oito, da letra de uma canção de Maria Rita. Um tanto mais prosaicamente, eu necessitava de uma peça para um aspirador de pó. Haviam me dado as coordenadas de uma rua onde eu poderia encontrar o trivial objeto. Só que eu não achava a loja.

Naquela rua tinha um sebo, uma lavanderia, uma casa de lâmpadas e abajures. Foi quando me ocorreu perguntar a um senhor, que trocava uma vidraça, pela casa dos aspiradores. Ele abandonou seu trabalho e me levou por meia quadra até o exato destino onde encontrei a encantada mercadoria.

Tem gente que se perde de paixão, de apostas no bingo, de sonhos impossíveis. Um tanto menos ousadamente, eu estava extraviado num corredor de supermercado, onde procurava a gôndola das águas minerais com gás.

Me haviam passado a vaga idéia de que ficava entre os vinhos e os refrigerantes, mas tudo o que encontrei foram iogurtes de variado sabor.

Foi quando arrisquei sondar meu destino junto a uma senhora que apalpava melões. A senhora estacionou seu carrinho e me guiou, por entre filas de prateleiras, até o objeto de meu desejo.

Tem gente que adivinha o futuro, interpreta a palma da mão, prediz o tempo a uma simples mirada a uma nuvem. Por não haver sido dotado de nenhum desses dons, eu perseguia um livro, sem a menor sombra de êxito.

Me tinham dado o nome do autor, que era obscuro, era quase indecifrável. Terminei naufragado entre uma estante de matemática e outra de física quântica no shopping.

Foi quando recorri a uma senhorita, uma dessas de raro esplendor, e lhe confiei meu problema. Ela prontamente apresentou-me a um computador possuidor de toda a ciência do mundo, aí incluída a obra de que eu precisava.

Falam que as cidades tornaram-se uma selva.

Falam que as pessoas não se entendem.

Amanhã é fim de semana, haverá colisões e assaltos e mortes. Contei um trio de historinhas para recordar que não somos atores inelutáveis de tantos dramas. Contei para lembrar que, como escreveu um sábio, o brasileiro é cordial.

Ótima sexta-feira, excelente fim de semana para todos nós.

quinta-feira, 22 de maio de 2008



ALTA-COSTURA

Como eu perdi tempo na minha vida. Houve uma época em que eu atravessava as noites lendo filosofia ou a grande literatura universal.

Cheguei a ler duas vezes 'Em Busca do Tempo Perdido', de Marcel Proust, uma em português e outra em francês. Eu achava que podia encontrar as frases mais geniais e as reflexões mais profundas em livros e em autores ditos sofisticados. Engano meu.

Caro leitor, aqui vai uma dica imperdível: as sacadas mais desconcertantes de cada semana estão na Folha Online. Às vezes, são tantas as tiradas espirituosas que já não penso mais em Mencken, Karl Kraus, George Bernard Shaw ou mesmo no meu amigo Michel Houellebecq.

Nenhum deles conseguiria esta genial definição de Victoria Beckham: 'O salto alto não só me aumenta de tamanho... Aumenta também minha capacidade cerebral'. Ou esta, impagável, da brasileira Carla Perez: 'Minha bunda não faz nada se eu não estiver junto'.

Sejamos justos, isso não é para qualquer um. A sentença de Carla Perez resolve uma antiga controvérsia sobre a existência ou não de um pensamento brasileiro. A resposta é uma só: sim, existe. Mas ele não se encontra mais nas páginas de Gilberto Freyre ou de Sérgio Buarque de Hollanda.

É um pensamento virtual e desinibido. Por exemplo, Leila Lopes, de quem eu, ignorante, nunca tinha ouvido falar, revelou a única diferença entre uma novela de televisão e um filme pornográfico: 'Já fiz tanta cena de amor em novela, a única diferença é que nessa tem penetração'.

Como se vê, um mero detalhe. A experiência etnográfica, de resto, permite a Leila dar mais uma informação antropológica: 'Já vi muito mais pegação nos bastidores de novela do que nos de um filme erótico'.

Confesso que eu não imaginava isso. Eu pensava que do beijo ao sexo tudo era técnico na televisão. Boa parte dessas frases citadas pela Folha Online têm como fonte as novas bíblias da vida bem-sucedida e pensante, as revistas Quem, Contigo! e Caras.

Falo sério. É divertido e permite refletir. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, que faz 100 anos em 2008, provou que tudo pode ser bom para pensar, inclusive o pensamento dos pensadores, quando se consegue entendê-los.

Talvez uma frase de Lévi-Strauss apareça na Quem. A frase mais esclarecedora da última semana foi mesmo da verossímil Fátima Bernardes: 'É muito mais difícil criar filho do que apresentar o ‘Jornal Nacional’'. Eu não tinha dúvida alguma sobre isso.

Para apresentar o 'Jornal Nacional', basta saber ler letrinhas em movimento e estar bem penteado. Já trigêmeos exigem um pouco mais de talento.

Agora, quem realmente conseguiu sair do trivial, descobrindo evidências inimagináveis, foi Lúcio Mauro Filho: 'Tive experiência com várias drogas: cocaína, ácido... Mas não curti, porque elas alteram o estado de consciência'. Uau! Deborah Secco e Cláudia Jimenez ridicularizaram o consumismo com duas boutades bestiais.

Deborah: 'Comprei para a minha mãe uma bolsa Gucci pequena onde ela carrega seus dois cãezinhos da raça Chihuahua. Agora, toda vez que eles vêem uma bolsa Gucci, tentam entrar!'. É a prova de que a moda obedece a um reflexo condicionado.

Quem usa grife é como o cão de Pavlov, quer dizer, como os cães da mãe da Deborah Secco. Cláudia, negando ter dado um mimo de R$ 100 mil ao namorado: 'Sou muito gostosinha! Não preciso dar um carro para alguém me desejar!'. Nem todo mundo é interesseiro.

juremir@correiodopovo.com.br

Feliz feriado nesta quinta-feira e aqueles que puderem fazer feriadão um ótimo feriadão

quarta-feira, 21 de maio de 2008



21 de maio de 2008
N° 15608- Martha Medeiros


Um poema filmado

Eu recomendei, cerca de um mês atrás, a trilha sonora de My Blueberry Nights, que é excelente. Agora vi o filme, que no Brasil ganhou o nome de Um beijo Roubado. É sobre o que, esse filme? Sobre absolutamente nada, a não ser a vida, essa que passa pela nossa janela sem roteiro, sem diálogos geniais, simplesmente a vida que nos convida: vai ou fica?

Ela, a vida, essa que nos faz entrar em bares suspeitos, chorar de amor, espiar pelas frestas, pegar no sono em cima do balcão depois de beber demais.

É noite escura e a gente sofre calado, deixa a conta pendurada, bebe de novo quando havia prometido parar, e morre - morre mesmo! - de ciúmes sem ter tido tempo de saber que éramos amados.

A vida e nossos vícios, nossas perdas, nossos encontros: quanto mais nos relacionamos com os outros, mais conhecemos a nós mesmos, e é uma boa surpresa descobrir que, afinal, gostamos de quem a gente é, e quando isso acontece fica mais fácil voltar ao nosso local de origem, onde tudo começou.

A vida e a espera por um telefonema, a vida e seus blefes, e nosso cansaço, e nossos sonhos, e a rotina e as trivialidades, e tudo aquilo que parecerá sem graça se ninguém colocar um pouco de poesia no olhar.

A vida e suas pessoas belas, feias, fortes, fracas, normais. Todas atrás da chave: aquela que abrirá novas portas, velhas portas, a chave que nos fará ter o controle da situação - mas queremos mesmo ter o controle da situação? Não será responsabilidade demais? Deixar a chave nas mãos do destino é uma opção.

Os sinais fecham, os sinais abrem. Você segue adiante, você freia. A gente atravessa a rua e vai parar em outro mundo, basta dar os primeiros passos.

Viaja para esquecer, viaja para descobrir, e alguém fica parado no mesmo lugar, aguardando (quando pequeno, sua mãe o ensinou que, ao se perder na multidão, não é bom ficar ziguezagueando, melhor manter-se parado no mesmo lugar, aí fica mais fácil ser encontrado). Muitos estão parados no mesmo lugar, torcendo para serem descobertos.

A vida como uma estrada sem rumo, a vida e seus sabores compartilhados, um beijo também é compartilhar um sabor.

Afinal, vou ou não vou falar sobre o filme? Contei-o de cabo a rabo. Vá com poesia no olhar.

Aproveite a quarta-feira - namore ainda mais nesta que é véspera de Dia Santo.

sábado, 17 de maio de 2008



18 de maio de 2008 |
N° - Martha Medeiros


Pés no chão

Volta e meia me pego falando coisas em que nem eu mesma acredito. Por exemplo, costumo dizer por aí que mantenho meus pés no chão, que não sou de delirar, de procurar cabelo em ovo, essas coisas. Pés no chão, pés no chão. Sempre falo isso com um misto de orgulho e ao mesmo tempo de estranhamento.

O orgulho até entendo - pés no chão é uma metáfora para sensatez, lucidez. O estranhamento eu compreendi recentemente, quando li uns versos do norueguês Tor Age Bringsvaerd que descobri serem até manjados, mas que eu não conhecia: Quem mantém os dois pés no chão/ não sai do lugar.

Taí o que me incomodava.

Desde então, fico me perguntando o que os meus dois pés no chão têm me trazido de bom. Trouxeram a consciência de que não sou melhor nem pior do que ninguém, que faço o que posso. Os pés no chão me fizeram reconhecer minhas limitações e a não criar expectativas mirabolantes em relação a nada.

Me fizeram desenvolver um olho clínico para detectar exibicionistas, arrogantes e toda espécie de gente que "se acha", e que me causam verdadeiro tédio. É o que me trouxeram meus dois pés no chão, tanto o esquerdo quanto o direito.

O que eles podem me tirar é que me assusta.

Não tenho vocação para a permanência eterna, para nada eterno. Não mais. Tinha quando era uma menina e não fazia idéia de que estar em movimento não era sinônimo de indecisão, e sim de sabedoria.

Para frente, para trás ou para os lados: não importa a direção, o que vale é a troca de paisagem. O ângulo novo. As coisas que a gente não enxergava antes, quando estava parado.

Ao tirar os dois pés do chão, permito que as certezas me abandonem e me concedo o direito ao mistério. Não fico mais tão segura de nada, e assim abro espaço no cérebro para diversas especulações - que me levarão onde? Não sei.

O "não sei" pode, sem querer, nos apontar um caminho bem legítimo.

Tirando os pés do chão, volto a sonhar, eu que havia trocado sonhos por objetivos. Já não sou criança para temer que essa "levitação" me faça cometer bobagens. Vai ver é de bobagens mesmo que estou precisando.

Manter os pés no chão exige contração, concentração. Não é relaxante. Para sair da posição de sentido, preciso me desapegar, me desprender: será isso ruim?

Não quero mais em mim uma postura militar, uma cabeça de sargento, ao menos não todo o tempo. Preciso encontrar em mim a recruta também, o soldado que cumpre as regras, porém debocha do general quando ele não está vendo.

Vou manter meus pés no chão, porque delirar todo o tempo não é possível, não quando se tem responsabilidades adquiridas. O orgulho da consciência ainda habita em mim. Mas ficar cravada no solo, pra sempre, não dá.

Como diz o norueguês, não se vai a lugar algum, então que eu me desloque ao menos em pensamentos, em vertigens mentais, em piruetas audaciosas que me façam pousar alguns metros adiante, lá onde se consegue olhar pra trás e descobrir o bem que fizemos ao mudar.

Diogo Mainardi

O lado sombrio da internet

"O anti-semitismo tem um novo meio de se difundir: a internet. Depois de Auschwitz, comentários como os recebidos por Caio Blinder tinham de restringir-se aos círculos clandestinos. Agora o anti-semitismo perdeu o pudor"

Caio Blinder recebe um monte de comentários anti-semitas por seus artigos na internet. Em vez de eliminá-los, ele os publica. Além disso, seleciona os mais selvagens e remete-os para mim:

Caio Blinder é um jornalista e apresentador de TV brasileiro de origem judaica (texto retirado da Wikipédia). Só podia, rssss, mais um judeu FDP que teve a sorte de nascer depois do Holocausto, kkkkkkk.

A mensagem é assinada por TimGP. A caricatura nazista do Der Stürmer, do judeu peludo, de orelhas grandes e nariz adunco, agora se transformou num "kkkkkkk". TimGP lamenta que Caio Blinder tenha escapado do Holocausto. Outro leitor, Antonio Aparecido, nega o próprio Holocausto:

Mais de 1 milhão de judeus mortos??... Contem outra estorinha, ou melhor, outra historinha. Não à manipulação da mídia. Sim à história verdadeira, sim aos historiadores antropologistas.

A quem ele se refere? Himmler? Ahmadinejad? Le Pen? Alguns dos maiores historiadores judeus, como Bernard Lewis, argumentam que, nas últimas décadas, surgiu uma nova forma de anti-semitismo.

Se os comentários sobre os artigos de Caio Blinder podem ser tomados como amostra, eu diria que o anti-semitismo continua igualzinho ao de 100 anos atrás, usando inclusive as mesmas fraudes dos tempos dos "pogroms":

O que estão fazendo na Palestina é o verdadeiro Holocausto. Quem não conhece que leia a verdadeira história dos sábios do Sião, que foi retirada por divulgar as reais estratégias dos judeus desde 1900 e de como dominariam o mundo.

Apesar de o anti-semitismo continuar igual, ele tem um novo meio de se difundir: a internet. Depois de Ausch-witz, comentários como os recebidos por Caio Blinder tinham de restringir-se aos círculos clandestinos.

Agora o anti-semitismo perdeu o pudor. A internet é uma espécie de Cazaquistão de Borat. Qualquer um pode pegar um porrete e malhar o judeu. De vez em quando, até a apresentadora de TV gói, por engano, é mandada para o gueto:

Está na história do povo judeu usar os meios de comunicação em massa para se passar por vítimas e conseguir o que desejam. Vejam o senhor Abravanel e a Xuxa.

No Brasil, o anti-semitismo de esquerda, que se confunde com o anti-sionismo, é muito mais forte do que o de direita. Quando Caio Blinder festejou os sessenta anos de Israel, ao mesmo tempo em que defendeu a idéia de um estado palestino nos Territórios Ocupados, seus comentaristas mandaram-lhe mensagens furiosas, legitimando os atentados terroristas da Al Qaeda e do Hezbollah.

O tom foi de "fascista e covarde" até "blitz em você, semita de boca fedida".

A internet tem esse lado sombrio: ela permite que idéias criminosas sejam propagadas abertamente. Anti-semitas e negadores do Holocausto foram condenados em tribunais dos Estados Unidos e da Europa.

Se o Ministério Público brasileiro perseguisse judicialmente um ou dois comentaristas dos artigos de Caio Blinder, a internet só teria a ganhar.

Cada um tem de ser responsabilizado pelo que diz e faz. Sem isso, o totalitarismo sempre vence, e podemos acabar num gueto com Silvio Santos e Xuxa.


A vida após a morte

"Se você pretende ser imortal, cuide bem daqueles que continuarão a carregar seu DNA, com carinho, amor e, principalmente, dedicação"

Muitos cientistas, talvez a maioria, não acreditam em Deus, muito menos na vida após a morte. Os argumentos não são fáceis de contestar. Um professor de matemática me perguntou o que existia de mágico no número 2.

"Por que você não acredita que teremos três ou quatro vidas, cada uma num estágio superior?" O que faria sentido, disse ele, seriam os números zero, 1 e infinito. Zero vida seria a morte; uma vida, aquela que temos; e infinitas vidas, justamente a visão hinduísta e espírita.

Outro dia, um amigo biólogo me perguntou se eu gostaria de conviver bilhões de anos ao lado dos ectoplasmas de macaco, camundongo, besouro e formiga, trilhões de trilhões de vidas após a morte.

"Você vai passar a eternidade perguntando: ‘É você, mamãe?’, até finalmente encontrá-la." Não somos biologicamente tão superiores aos animais como imaginávamos 2 000 anos atrás. "É uma arrogância humana", continuou meu amigo biólogo, "achar que só nós merecemos uma segunda vida."

O cientista Carl Sagan adverte, como muitos outros, que vida só se tem uma e que devemos aproveitar ao máximo a que temos. "Carpe diem", ensinava o ator Robin Williams, "curtam o sexo e o rock and roll." Sociólogos e cientistas políticos vão argumentar que o céu é um engenhoso truque das classes religiosas para manter as massas "bem-comportadas e responsáveis".

Aonde eu quero chegar é que, dependendo de sua resposta a essa questão, seu comportamento em terra será criticamente diferente. Resolver essa dúvida religiosa logo no início da vida adulta é mais importante do que se imagina.

Obviamente, essa questão tem inúmeros ângulos e dimensões mais completas do que este curto ponto de vista, mas existe uma dimensão que poucos discutem, o que me preocupa. Eu, pessoalmente, acredito na vida após a morte. Acredito que existem até provas científicas compatíveis com as escrituras religiosas.

A genética mostra que você continuará vivo, depois de sua morte, no DNA de seus filhos. Seu DNA poderá ser eterno, ele continuará "vivo" em nossa progênie, nos netos e bisnetos. "Nossa" vida continua; geração após geração, teremos infinitas vidas, como pregam os espíritas e os hindus.

Mais interessante ainda, seus genes serão lentamente misturados, através do casamento de filhos e netos, com praticamente os de todos os outros seres humanos da Terra.

Seremos lentamente todos irmãos ou parentes, uma grande irmandade, como rezam muitos textos místicos e religiosos. Por isso, precisamos ser mais solidários, fraternos uns com os outros, e perdoar, como pregam todas as religiões.

A pessoa que hoje você está ajudando ou perseguindo poderá vir a ser o bisavô daquela moça que vai um dia se casar com seu bisneto.

Seremos todos um, católicos, anglicanos, protestantes, negros, árabes e judeus, sem guerras religiosas nem conflitos raciais. É simplesmente uma questão de tempo. Por isso, temos de adotar um estilo de vida "bem-comportado e responsável", seguindo preceitos éticos e morais úteis às novas gerações.

Não há dúvida de que precisaremos curtir mais o dia-a-dia, mas nunca à custa de nossos filhos, deixando um planeta poluído, cheio de dívidas públicas e previdenciárias para eles pagarem.

Estamos deixando um mundo pior para nós mesmos, são nossos genes que viverão nesse futuro. Inferno nessa concepção é deixar filhos drogados, sem valores morais, sem recursos, desempregados, sem uma profissão útil e social. Se não transmitirmos uma ética robusta a eles, nosso DNA terá curta duração.

"Estar no céu" significa saber que seus filhos e netos serão bem-sucedidos, que serão dignos de seu sobrenome, que carregarão seus genes com orgulho e veneração. Ninguém precisa ter medo da morte sabendo que seus genes serão imortais.

Assim fica claro qual é um dos principais objetivos na vida: criar filhos sadios, educá-los antes que alguém os "eduque" e apoiá-los naquilo que for necessário. Por isso, as mulheres são psicologicamente mais bem resolvidas quanto a seu papel no mundo do que os homens, com exceção das feministas.

Homens que têm mil outros objetivos nunca se realizam, procurando a imortalidade na academia ou matando-se uns aos outros.

Se você pretende ser imortal, cuide bem daqueles que continuarão a carregar seu DNA, com carinho, amor e, principalmente, dedicação.

Stephen Kanitz é administrador - www.kanitz.com.br

CAMILA PATI

As belas e o velho Chico

Depois de Letícia Sabatella, Thereza Collor luta contra a transposição

MILITANTE Thereza quer mobilizar a sociedade

O movimento contra a transposição das águas do rio São Francisco – projeto do governo que promete beneficiar 12 milhões de pessoas – acaba de ganhar uma nova musa.

Na quartafeira 14, a bela Thereza Collor surpreendeu cerca de 120 pessoas, numa reunião organizada por ela para discutir a polêmica obra, quando subiu ao palco e conclamou: “Não fiquem de braços cruzados, o rio já sofreu demais.”

Em seguida, Thereza apresentou uma série de palestras ministradas por ambientalistas contrários à transposição, obra avaliada em R$ 4,5 bilhões. Antes de colocar sua imagem na linha de frente de uma luta que promete ser difícil, Thereza se preparou. Há três anos ela se debruçou sobre o tema e foi fundo.

Estudou, procurou professores ligados à Universidade de São Paulo (USP). “Eu sou nordestina, conheço bem a região e venho de um Estado que vai ser diretamente afetado pela transposição.” Durante o evento, ela mostrou as fotos que fez de trechos quase secos do rio São Francisco.

“O rio não está saudável, os recursos financeiros tinham que ser mais bem utilizados e os recursos naturais deveriam ser preservados”, diz ela. A musa garante que não entraria na luta se não estivesse cercada de conhecimento sobre o tema.

“Esta obra é um trator. Passa por cima de tudo”, afirma, inconformada. “Não é uma questão partidária, é uma questão de Brasil. Quem quiser entrar nessa está convidado, seja de que partido for”, pede Thereza.

BATE-BOCA Letíca Sabatella chegou a discutir com Ciro Gomes no Senado

Alagoana, Thereza é acostumada a batalhas contra adversários poderosos. Ela ganhou fama nacional ao usar todo o seu charme para apoiar o marido, Pedro Collor, durante a troca de acusações que culminou no impeachment do cunhado Fernando Collor de Mello, em 1992.

Atualmente, ela não ocupa nenhum cargo público e andava meio sumida dos holofotes. Agora, Thereza entrou para a lista de famosos que são radicalmente contra a obra que muda o curso do Velho Chico ao lado da não menos bela Letícia Sabatella.

A atriz esteve no Senado acompanhada de outro ator global, Osmar Prado, no final do ano passado, para pedir que se criassem entendimentos que levassem fim à greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso ficou sem comer durante 24 dias, mas as obras continuaram.

Em fevereiro deste ano, Letícia chegou a bater boca com o deputado Ciro Gomes, por conta de divergências sobre a manutenção da polêmica transposição.

“A Letícia é uma pessoa de sensibilidade, que quer ajudar, e quando você entra na questão vê o absurdo que é essa obra”, disse Thereza à ISTOÉ.

“Essa história de que a obra vai levar água para 12 milhões de pessoas é uma mentira, uma piada”, protesta.


17 de maio de 2008
N° 15604 - Nilson Souza


Labirinto moderno

Uma vez fui solicitado a escrever um texto sobre o significado do automóvel para a humanidade. Pensei no prazer de dirigir, na possibilidade de deslocamento confortável por grandes distâncias, no incomparável cheirinho de carro novo.

Mas pensei, também, na poluição do ar, nos acidentes de trânsito, nos atropelamentos. E acabei fazendo uma comparação entre o automóvel e o Minotauro, o monstro da mitologia grega com corpo de homem e cabeça de touro que apavorava os habitantes da ilha de Creta.

Segundo a lenda, a fera cobrava pedágio em vidas humanas, de jovens, exatamente como faz atualmente esta máquina de velocidade pela qual somos todos apaixonados.

O curioso da história é que o Minotauro vivia num labirinto, onde quem entrava jamais encontrava a saída. Pois não é que agora a fera moderna trouxe o labirinto até nós?

O trânsito das grandes cidades está se transformando rapidamente num emaranhado de ruas sem saídas. Dia desses registrou-se em São Paulo um engarrafamento de 266 quilômetros - uma inimaginável fila de carros parados e motoristas irritados.

Onde está o fio de Ariadne - o novelo de linha que permitiu ao herói Teseu escapar da armadilha depois de ter liquidado o monstro assassino?

Sinceramente, não vejo perspectiva de saída. Ouço de gente respeitável que a alternativa é investir no transporte coletivo, metrôs, ônibus e trens que nos possibilitarão deixar o carro em casa. Pode ser até que funcione.

Mas somente com uma mudança profunda na mentalidade das pessoas que já se habituaram ao conforto e à autonomia do próprio veículo. Temo que sejamos egoístas demais para renunciar à exclusividade.

Se tivéssemos este espírito de renúncia, não estaríamos pagando um preço tão alto em vidas humanas para continuar usufruindo dos prazeres do minotauro de rodas. Por que não corremos menos? Por que não construímos automóveis que só andam devagar?

Por que não pegamos ônibus de vez em quando? Por que não andamos mais de bicicleta ou mesmo a pé? A resposta me parece óbvia: inventamos uma máquina para nos servir e nos tornamos seus escravos. Agora, ela nos arrasta para o seu labirinto.

O touro branco também chegou a Creta como um presente dos deuses e se transformou numa maldição. Mas não percamos a esperança: o monstro mitológico foi vencido por uma conjugação de coragem, amor e um prosaico novelo de linha de costura

sexta-feira, 16 de maio de 2008



16 de maio de 2008
N° 15603 - Liberato Vieira da Cunha


O silêncio dos celulares

Algum dia ainda vou escrever uma tese sobre o silêncio dos celulares. Quando fui comprar meu primeiro, nos longínquos anos 90, o vendedor armou uma pose solene e começou a recitar todas as proezas que o minúsculo aparelho era capaz de aprontar.

Mal o ouvi. Eu estava à procura de um mínimo instrumento que executasse duas tarefas simples: chamasse determinados números e pessoas e recebesse ligações idênticas ou diversas.

É tudo o que continuo a esperar de seus sucessores. Sei hoje que um telefone desses tira fotos, anota endereços, conversa até com computadores, isto sem falar no milagre de mostrar a imagem viva da pessoa para a qual discamos. Mas eu não sonho com nada disso. Toda a minha ambição é passar recados, se possível breves, e ouvir respostas, prontas e curtas.

Sucede no entanto que o meu celular, ou por ser antigo, ou por ser tratado com alguma indiferença, é dado a silêncios. Soa o meu número, atendo, responde uma abissal ausência de ruídos.

Transcorridos uns 20 segundos da mais absoluta incomunicabilidade, emerge um barulhinho: tu, tu, tu, tu. Não é preciso dizer que a ligação foi cortada e não resta, como desde o início, sombra de algarismos na telinha.

Minhas teorias são três.

Primeiro: me chamou alguém para participar que acertei os seis números mágicos da Mega Sena. São os próprios, reais e inconfundíveis, exatos e inimitáveis.

Mas, depois de certa reflexão, o autor da chamada se eclipsa, pois suspeita que provavelmente eu vou desperdiçar o dinheiro em banalidades como livros, viagens, uma tela de Renoir.

Segundo: me ligou alguém para dizer que fui contemplado com uma bolsa de dois anos em Paris. A passagem está carimbada com uma singela informação: Air France, primeira classe. Mas, após segundos de suspense, não vem som nenhum, pois desconfiam que gastarei os dois anos estudando de verdade, sem nem chegar próximo às mesas de Les Deux Magots.

Terceiro: a Gwyneth Paltrow descobre que está apaixonada por mim. Disca, siderada e romântica, mas alguns instantes depois de eu atender, desliga. Um cavalheiro como eu deve ter muitas amadas, e ela não quer ser apenas mais uma. Uma lágrima escorre de seus olhos perfeitos.

Perceberam? Há muitos universos no silêncio dos celulares.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

quarta-feira, 14 de maio de 2008



14 de maio de 2008
N° 15601 - Martha Medeiros


Gente fina, elegante e sincera

Entrei numa loja de discos - estava às moscas, só mesmo eu para ainda comprar CDs - e tocava uma música do Lulu Santos.

Aliás, a que que mais gosto dele, Tempos Modernos, principalmente daquela parte que diz: "Eu vejo um novo começo de era/de gente fina, elegante e sincera/com habilidade/pra dizer mais sim do que não..."

Faz um tempão que eu espero essa nova era começar, mas por enquanto ainda vejo por aí gente grossa e deselegante, que não dá a menor importância para a maneira como trata os outros.

Lembrei dessa música porque semana passada publiquei no meu blog um texto de não mais de 10 linhas falando sobre minha satisfação com a conquista do Inter no Campeonato Gaúcho e me declarando uma colorada sincera, porém meia-boca, já que foi-se o tempo em que eu ia ao estádio e sabia a escalação de cor. Hoje acompanho o time de longe, mas ainda me emociono com as grandes conquistas.

Audácia minha, declarar que sou colorada em público. Há quem considere isso um insulto, e xinga pra valer. Não importa que seja uma minoria: enquanto existir um único destemperado que parta pra ignorância por causa de algo tão saudável como o esporte, o risco de violência nos estádios seguirá existindo.

A rivalidade sempre fez parte do jogo e uma segunda-feira sem flauta não é segunda-feira. Mas há quem leve essa rivalidade a sério demais, e imagino que sejam essas as pessoas que vão aos estádios em busca de discussão e pancadaria.

Tem muita gente que ainda se sente ofendida pelas diferenças dos outros - qualquer diferença. Incapazes de levar a vida com leveza, eles espancam homossexuais, mendigos e prostitutas, discriminam os que têm tatuagens, revoltam-se com os que votam em partidos que não o deles, perseguem os que possuem outra religião e, claro, brigam feio com torcedores de outros times.

Essa é a maior bandeira que o inseguro pode dar: se há pessoas que não são como ele, talvez sejam melhores do que ele, então só lhe resta atacá-las, agredi-las, destruí-las. Conviver em paz, nem pensar.

Sigo aguardando um novo começo de era, com gente fina (que não é sinônimo de riqueza), gente elegante (que não é sinônimo de grife) e gente sincera (que não é sinônimo de brutalidade), com habilidade para cuidar do planeta não apenas no que diz respeito à ecologia, mas também em relação ao superaquecimento dos ânimos.

Gente mais cool - não necessariamente gelada - torna o ar mais respirável.

Uma ótima quarta feira para todos nós - Namore, aproveite o Dia Internacional do sofá.

segunda-feira, 12 de maio de 2008



12 de maio de 2008
N° 15599 - Kledir Ramil


Como ganhar dinheiro fácil

Abra uma empresa de prestação de serviços. Pode ser de telefonia, TV por assinatura, cartão de crédito ou qualquer outra coisa. Tanto faz. Na seqüência, crie um sistema de telemarketing e contrate meia dúzia de garotas que saibam, pelo menos, ler.

Compre no mercado paralelo uma lista de telefones de clientes em potencial, escreva uma cartilha cheia de gerundismos e bote as gurias para "estar ligando" o dia inteiro.

Ofereça promoções. Todo mundo gosta de pensar que está pagando menos. Não precisa avisar os clientes, mas as promoções devem estar sempre vinculadas a uma armadilha chamada fidelidade.

Ou seja, depois dos primeiros três meses de descontos, o cara estará preso e amarrado aos seus serviços para o resto da vida. E pagando o dobro. É importante convencer os incautos a aceitar o débito automático, artifício que lhe permite fazer o que bem entende sem que haja a suspensão do pagamento.

Assim que você tiver conquistado uma razoável carteira de clientes, pode começar a relaxar. Não se preocupe em prestar os serviços para os quais foi contratado. O mais importante é ter uma boa central telefônica com gravações para o atendimento ao consumidor.

A idéia é deixar as pessoas penduradas, digitando opções no telefone, perdidas num labirinto de múltipla escolha. Seja qual for o assunto, o tempo de espera para quem liga deve ser o mais longo possível. É preciso torrar a paciência do cliente. Logo no início, ameace com uma gravação dizendo: "nosso tempo de espera está elevado...". Isso já elimina metade das ligações.

Quem insistir, deve passar por um interrogatório rigoroso que inclui números de RG, CPF, CEP, telefone residencial e data de nascimento. É a arte da embromação, um esquema capaz de sustentar uma chamada ad infinitum.

Mas se alguém cumprir todas as tarefas dessa gincana e quiser ser atendido, não tem jeito. Uma de suas garotas terá que recitar o capítulo de teleatendimento da cartilha e prometer que "vai estar providenciando", "vai estar transferindo", "vai estar" fazendo um monte de coisas. Mesmo que não faça.

Para o caso extremo de aparecer um chato, aquele tipo de sujeito que perde horas no telefone, leva tudo às últimas conseqüências e não desiste nunca, há um recurso infalível que é deixar cair a ligação.

E por aí vai. Se precisar de um sócio, me liga.

Ótima segnda-feira e uma excelente semana para todos nós, com temperaturas baixas por este Sul.

sábado, 10 de maio de 2008



11 de maio de 2008
N° 15598 - Martha Medeiros


A culpa e a desculpa

Quando pequena, costumava ir à missa, e na hora de confessar eu tirava da cartola alguns pecados só para ter algo pra dizer, porque a verdade é que eu não sentia culpa por nada. Eu inventava culpas! Tem algo mais perverso?

Como é que se permite que uma criança chegue a esse ponto, no que isso ajudará a torná-la uma adulta com a mente sadia? Por isso me afastei da Igreja e hoje rezo do meu jeito, para um Deus que há muito já me absolveu do que não fiz.

O assunto voltou a mim por duas vias. Uma foi através do filme O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, uma tragédia em que culpa e inocência se mesclam.

Dois irmãos a caminho do fracasso vendem a alma por dinheiro - o preço é assassinar um homem. Matar alguém, sabemos, é o pecado maior. Mesmo apavorados diante do inusitado da proposta, eles topam e aí o filme vira um thriller sobre a consciência humana. A culpa ganha o tamanho da nossa ingenuidade. Uma coisa não existe sem a outra.

No caso do filme, há um remorso corrosivo que se justifica, existe um fato que está na contramão dos nossos valores e princípios. Mas o que fazer com a culpa existencial que trazemos dentro, cuja única vítima somos nós mesmos?

Lendo o excelente livro dos psiquiatras Paulo Sergio Guedes e Julio Walz, que se chama justamente O Sentimento de Culpa, deparamos com uma quantidade infinita de perdões absurdos que pedimos a toda hora: perdão por estar sofrendo, perdão por amar, perdão por não amar, perdão por estar feliz em meio ao caos.

Praticamente pedimos perdão por existir. Mas o que é isso?? De novo, estamos inventando culpas que não temos.

O livro mostra o quanto é paralisante essa culpa intrínseca que nos impede de tocar a vida de uma forma mais tranqüila e liberta. Nossos sofrimentos psíquicos são criados por nós. Nossa martirização é falta de amizade conosco.

Querer estar no controle de tudo é absolutamente estéril: nossa compreensão do mundo é limitada e as coisas acontecem a nossa revelia. Por que assumir a responsabilidade sobre algo que não temos domínio? Que tenhamos, isso sim, a responsabilidade social de viver com integridade, com amor e com a aceitação do que nos é possível absorver.

Paulo Sergio Guedes, que além de psiquiatra é poeta, tem um verso que define a importância de abandonar nossa onipotência e de aceitar quem somos. Ele diz: "Ser melhor o que se é/ vale mais que ser melhor do que se é".

É tão simples que parece confuso. Mas culpa é basicamente isso: desejar ser alguém que não somos. O nirvana está em aceitar nossa incapacidade de domar sentimentos e entregar-se a eles sem resistência.

Mas vê lá, não vá matar ninguém, que aí é outra história.

Quando Charles Aznavour esteve aqui, ouvi muita gente dizendo que iria ao show "só para levar minha mãe". As mães adoram Aznavour, como adoram Frank Sinatra e qualquer outro intérprete que lhes toque o coração com elegância e canções de amor.

São ícones de uma geração anterior a nossa, mas não significa que não possamos gostar deles também, já que não são antigos, e sim clássicos - e classudos, coisa rara hoje em dia.

Por exemplo, se Burt Bacharach viesse tocar em Porto Alegre, eu levaria minha mãe e, caso ela tivesse o azar de estar em férias no Taiti, eu iria sozinha, levaria a mim mesma feliz da vida, sem precisar arranjar nenhuma desculpa.

Bacharach completará 80 anos amanhã, ou seja, metade dos meus leitores nunca ouviu falar dele, mas eu tive a sorte de ser de um tempo (nem tão remoto assim) em que não existia "música para criança" - os pais tocavam pros filhos aquilo que eles próprios ouviam, no único aparelho de som da casa, então fui praticamente ninada por Janis Joplin, Astor Piazzolla, Beatles e muito Burt Bacharach. Só o nome dele já invocava respeito.

E que homem lindo. Bacharach tinha um charme casual, era o contrário do engomadinho. Há um clipe de 1971 em que ele canta Close to You com Barbra Streisand e ela quase derrete diante do seu olhar. Acho que foi nesse dia que ficou definitivamente estrábica. Eu ficaria.

Burt Bacharach é compositor. Nos anos 60 e 70, emplacou um sucesso atrás do outro, gravados por nomes como Aretha Franklin, Tom Jones e especialmente Dionne Warwick. Foi casado quatro vezes, sendo que sua esposa mais famosa foi a atriz Angie Dickinson.

Dez anos atrás, gravou um álbum com Elvis Costello e agora, sinceramente, não sei o que mais anda fazendo, além de 80 anos.

Mas não precisaria fazer mais nada, a não ser um show de despedida em Porto Alegre, como fez Aznavour.

Fica aqui a idéia para os promotores de eventos para o Dia das Mães de 2009. Se ele vier, prometo levar a minha, que merece essas finezas musicais. É o que desejo, aliás, a todas as mães: longa vida e momentos de puro êxtase, que sempre foram os melhores presentes do mundo.

Have a happy mothers Day

Diogo Mainardi

As escravas das Farc

"Marco Aurélio Garcia já garantiu a ‘neutralidade’ do Brasil na guerra contra as Farc. No caso das escravas sexuais dos terroristas, é como manter uma postura de neutralidade diante de Josef Fritzl, o austríaco que prendeu a própria filha por mais de vinte anos, servindo-se dela como sua escrava sexual. Josef Fritzl? Nem simpatia, nem antipatia"

Rocco Cotroneo, correspondente do Corriere della Sera na América Latina, fez uma reportagem sobre uma escrava sexual das Farc. Aos 11 anos, ela foi arregimentada pelos terroristas colombianos para montar minas.

Essa tarefa costuma ser desempenhada por crianças para evitar o risco de perder um terrorista num acidente. Aos 12 anos, ela se tornou escrava sexual de um alto comandante das Farc, um dos mais procurados do país. Ele tinha 45 anos. Algum tempo depois, ela engravidou.

É comum que as escravas sexuais das Farc – as "ratas" – tenham de abortar com pontapés na barriga. Como ela pertencia a um dos chefes do bando, conseguiu ter o filho, que lhe foi tomado aos 2 meses de idade e entregue a um parente. Ela fugiu do acampamento terrorista e foi acolhida num instituto do governo, onde Rocco Cotroneo a encontrou.

O assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, já garantiu a "neutralidade" do Brasil na guerra contra as Farc. Quando lhe perguntaram se seu grupo tinha simpatia pelos terroristas, ele respondeu simplesmente: "Nem simpatia, nem antipatia".

No caso das ratas, é como manter uma postura de neutralidade diante de Josef Fritzl, o austríaco que prendeu a própria filha por mais de vinte anos, servindo-se dela como sua escrava sexual. Josef Fritzl? Nem simpatia, nem antipatia.

O general Augusto Heleno Pereira advertiu que os traficantes de drogas ligados às Farc representam o maior perigo para a Amazônia. A seguir, ele disparou contra a reserva indígena Raposa Serra do Sol, que pode facilitar a entrada de traficantes de drogas no Brasil.

O general Augusto Heleno Pereira se recusa a admitir que 19.000 índios precisem de uma área daquele tamanho. Eu me recuso a admitir que, podendo dispor de uma área daquele tamanho, os índios continuem a morar em choupanas comunitárias junto com suas sogras.

Na última terça-feira, um plantador de arroz foi preso na reserva Raposa Serra do Sol. De acordo com o ministro Tarso Genro, ele tomou posse de "terras indígenas". A rigor, até Ipanema é terra indígena. Todos os dias eu olho pela janela e penso alegremente: isto aqui é uma aldeia macuxi. É tolice tentar separar os índios do resto dos brasileiros. Nós somos todos iguais.

Eles fazem o que a gente faz: derrubam a mata e tacam fogo nela. Eles gostam do que a gente gosta: bebida fermentada. Eles acreditam no que a gente acredita: que o subsolo é habitado por Wanabaricon, seres de pequena estatura que plantam, pescam e constroem aldeias.

Quando o índio Serenkato foi gravar um CD, o que ele fez? Arranjou um patrocínio público, igualzinho aos nossos artistas. Duvido que a música de Serenkato seja pior do que a de Caetano Veloso, que também arranjou um patrocínio público para seu próximo espetáculo.

Os traficantes de drogas assassinos e pedófilos tomaram conta da floresta. Todos os dias eu olho pela janela e penso alegremente: aquele ali é um deles?

Ponto de vista: Lya Luft

Por que se calam

"Quando a linguagem é simples ou até supérflua, porque o sentimento é real, podemos escutar a alma do outro na sua respiração"

A dificuldade de comunicação nos relacionamentos me fascina. A palavra não dita quando deveríamos ter falado, a palavra negada quando falar teria sido importante. O drama está em que, nos dois casos, a gente não sabia. Se adivinhava, não conseguiu agir.

Os amantes a que me refiro – também num livro sobre o tema, que acaba de sair – não são apenas o casal amoroso, mas quaisquer pessoas ligadas (ou supostamente ligadas) por afeto. Isso inclui a família, meu tema recorrente: lá nem sempre reinam o afeto e o respeito.

Alguém pode cobrar: "Aquela vez, naquele lugar, você me disse isso, e até hoje me dói". A gente pensa, repensa, mas não se lembra: "O que foi, quando foi? Eu jamais teria dito isso, sobretudo se ia te ferir". Mas o outro insiste na sua dor.

A incomunicabilidade é quase um estado habitual de muitas pessoas: como nascer com algum defeito físico do qual não se tem culpa, mas que chateia ou atormenta. Saber se comunicar, no trabalho, no cotidiano e na vida pessoal, é uma dádiva.

Abre portas e janelas, promove generosidade e acolhimento. Mas é raro. Em geral somos enrolados, somos tímidos, guardamos velhas mágoas ou somos arrogantes, outra face da insegurança e do medo.

Ilustração Atômica Studio

Trágicos desencontros podem nascer de situações aparentemente simples: pessoas comuns em sua vida sem graça, durante anos e anos de convívio sem grande conflito, pensam estar tudo bem. Então, sem nenhum sinal, uma palavra sequer, irrompe a violência, que pode ser física, ou moral, como uma traição. Uma insatisfação que já não se deixa controlar.

O ressentimento explode como um vulcão de lama. Ou alguém comete a mais traiçoeira e punitiva das ações: mata-se um marido, uma mãe, um filho adolescente. Para o sempre do sempre, o peso da culpa permanece sobre os demais.

Em que momento ele quis pedir ajuda e não percebi? Quando ela pensou em se abrir comigo, mas eu estava com pressa? Ontem, ainda, ele jogava bola comigo, e hoje vem a notícia de que se enforcou: o que eu poderia ter feito? A resposta pode ser um silêncio maligno que não vai se calar nunca mais.

Mas existe também o silêncio bom, que, em lugar de erguer muros, abre espaços. É a não-necessidade de falar, entre pessoas seguras do seu carinho mútuo. Elas ficam perfeitamente felizes sentadas juntas, cada uma lendo seu livro, seu jornal, fazendo seu trabalho.

De vez em quando uma palavra, um gesto de afeto, e ao redor delas abre-se um círculo de harmonia. Na vida nem tudo é sofrimento, esterilidade e solidão. A dor faz parte, mas há momentos de magia para todos.

Da pessoa mais simples ao mais refinado intelectual, qualquer um pode descobri-los, ou persegui-los, quando a correria, os compromissos, as pressões lhe derem um pouco de paz. Ou ela terá de ser conquistada usando-se garras, dentes, cotovelos.

Quando a linguagem é simples ou até supérflua, porque o sentimento é real e assim entendido, podemos escutar a alma do outro na sua respiração.

Todo ruído, toda agitação, e até mesmo a fala, serão secundários. Os amantes não vão se calar por mágoa ou impotência, mas por que algo os expressa melhor do que as mais contundentes palavras.

Lya Luft é escritora


Brasil sobe um degrau
OCTÁVIO COSTA

Agência americana muda classificação de risco do País e abre caminho para grandes investimentos

EUFORIA A Bovespa subiu 6,3%, maior alta em cinco anos



Anotícia já era aguardada pelo governo Lula, mas veio antes do esperado. Pela primeira vez na história, o Brasil foi alçado ao grau de investimento por uma agência de classificação de risco internacional.

Na tarde da quarta-feira 30, a tradicional Standard & Poor’s (S&P), de Nova York, comunicou ao mercado que elevou a cotação do risco soberano do Brasil para a nota BBB-, o que eleva o País ao conceito de investment grade, a melhor classificação para receber investimentos estrangeiros.

A boa nova foi imediatamente transmitida pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao presidente Lula, que se encontrava em Maceió, em Alagoas, na cerimônia de posse do novo conselho diretor da Sudene. Lula exprimiu em público sua euforia. “Nós acabamos de ter a notícia de que o Brasil passou a ser investment grade.

Não sei nem falar direito a palavra, mas, se formos traduzir para uma linguagem que todos os brasileiros entendam, poderia dizer que o Brasil foi declarado um País sério, que cuida de suas finanças com seriedade”, comemorou o presidente.

No mercado financeiro, a repercussão foi igualmente exuberante. A Bolsa de Valores de São Paulo subiu 6,3%, sua maior alta dos últimos cinco anos, e o dólar despencou para R$ 1,66, a menor cotação desde 14 de maio de 1999.

Meirelles e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, também festejaram. Afinal, todas as honras cabem aos responsáveis pela política econômica.

Na verdade, eles não se surpreenderam. Há muito tempo, os dois vinham cobrando das agências internacionais de rating mais coerência em relação ao status da economia brasileira.

No final de fevereiro, a presidente da S&P no Brasil, Regina Nunes, chegou a dizer que o País estava no caminho certo, mas precisava melhorar os números da dívida interna e realizar a reforma tributária. Há duas semanas, Mantega desembarcou em Nova York e manteve encontros com a firme disposição de corrigir o que considerava uma injustiça.

Levou na pasta dados que comprovavam a solidez dos fundamentos da economia nacional e, pelo visto, conseguiu convencer os interlocutores. O Brasil, finalmente, juntou-se ao México, Peru e Chile, na América Latina.

Outro ponto ganhou ênfase nas análises sobre a decisão da S&P: o Brasil foi promovido ao grau de investimento num momento de crise na economia mundial. O que serviu para comprovar a boa quadra que o País atravessa. Nas palavras eufóricas do presidente Lula, o Brasil “vive um momento mágico”.

Em linguagem mais técnica, Meirelles afirma que, ao ser concedido em dias de incerteza e instabilidade, o investment grade “mostra o aumento da resistência da economia brasileira a choques externos”.

Ele acredita que, como efeito do novo status, vai aumentar significativamente o fluxo de investimento para o Brasil, com conseqüências importantes na capacidade de gerar crescimento. “Esse dado é inquestionável”, disse Meirelles.

Desta vez, Mantega concordou integralmente: “Vamos atrair mais investimentos, o risco Brasil vai diminuir e um dos efeitos será a redução das taxas de juros, do custo financeiro, da taxa de captação para o Brasil”.

Fora da esfera oficial, a avaliação também foi bastante positiva. Paulo Godoy, presidente da Abdib, entidade que reúne a indústria de base, previu que a nova classificação do País vai impulsionar a participação dos investidores internacionais, sobretudo fundos institucionais, em investimentos nos setores da infra-estrutura.

“O grau de investimento criará grandes oportunidades de captação para as empresas brasileiras, com perfil e custo melhores”, disse ele. E completou: “Além disso, o Brasil ficará mais atrativo para o investimento direto em setores produtivos, e não somente em aplicações financeiras”.

Até mesmo o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que nos últimos tempos vem pisando no calo do governo Lula, deu uma breve trégua e reconheceu os méritos da conquista. Segundo ele, o novo status atrairá investidores institucionais de todo o mundo e possibilitará a queda das taxas de juros.

Skaf, porém, não deixou de dar uma alfinetada no Planalto. Lembrou que, quando a CPMF foi derrubada, comentou- se que a decisão iria atrasar a promoção a investment grade. “A classificação alcançada hoje e a evolução da arrecadação da Receita Federal desautorizam aqueles que pregavam o caos para a economia brasileira”, critica Skaf.

Ele não deixa de ter razão. Mas a hora é de festejar. Tudo indica que outra agência de risco de peso, a Moody’s, prepara-se para também elevar o Brasil ao grau de investimento.

Isso aumentará ainda mais a confiança dos investidores estrangeiros. E certamente significará, em linguagem direta, mais emprego e renda para as famílias brasileiras.