sábado, 31 de outubro de 2020


31 DE OUTUBRO DE 2020
LYA LUFT

Protesto

Nem sempre se pode escrever só sobre amenidades, embora, eu sei, muitos gostem de que eu escreva sobre sentimentos, emoções, relações, vida enfim.

Hoje, protesto. Discordo. Reprovo. CONDENO, sim, porque sou deste planeta, moradora de muitas décadas, guardada há sete meses numa bolha de isolamento por causa da doença que nos aflige, e por ser eu de muito alto risco, preocupada com o mundo, com meus amigos, amados, conhecidos, e com todos os meus irmãos do planeta.

Por exemplo, condeno absolutamente roubar ou desviar (a semântica não importa) dinheiro destinado a qualquer coisa, sobretudo à saúde, ainda mais nestes terríveis tempos de pandemia, sombra que se espalhou sobre nós e não dá ar de querer sair. Considero um crime qualquer desvio de dinheiro nesse sentido, pois é assassinato: alguém não recebeu remédio, cuidado, hospital, e morreu.

Protesto indignada contra a facilidade, naturalidade, com que se empregam altos custos em coisas desnecessárias, ainda que com a desculpa de cuidar dos doentes afligidos por essa Peste, que depois não são usadas. Faltam planejamento, programação, cálculo de custos e de danos, falta seriedade, sobra improviso, o ser humano parece interessar bem pouco, apesar de tanto palavrório, oh, estamos vendo, providenciando, cuidando.

Protesto, condeno as eternas brigas e picuinhas entre líderes, autoridades, partidos, não importa: estamos em guerra, não uns contra os outros, mas contra um inimigo estranho, maligno, intrigante, que deixa exaustos e perplexos os maiores cientistas da Terra.

Também protesto contra levar isso tudo na brincadeira, atribuir a sistemas, países, ideologias, partidos, tiranos e tiranetes, não faz mal: nada disso importa nestes dias em que, se morrem menos de mil em 24 horas, já nos sentimos aliviados. Vários boeings caindo por dia, e não levamos a sério, achamos máscara, distanciamento, álcool gel, um tipo de frescura, de pânico, alarme de tias velhas assustadiças fechadas no quarto. Aliás, não se fazem mais tias velhas, nem avozinhas, como antigamente, hoje, graças a Deus, todas estamos na luta, no combate, na resistência.

Sim, hoje não estou simpática, meu primeiro editor me disse, ao ler As Parceiras, quando fui assinar meu primeiro contrato, antes do tempo da internet: "Seus personagens são trágicos, mas você, com esses cândidos olhos azuis, não parece trágica". Rimos juntos, e eu disse que, realmente, meus personagens sofrem mais do que eu, quando o livro se faz - porque eu, nessa hora, me divirto montando o quebra-cabeça das neuroses humanas.

Então, hoje, nada de olhos cândidos e doces, nada de ser romântica e boazinha: detesto, condeno, reprovo, protesto contra tudo o que possa dificultar o controle desse vírus diabólico.

LYA LUFT

31 DE OUTUBRO DE 2020
MARTHA MEDEIROS

Saudade do Brasil 

E chega mais um dia de finados. Momento de lembrar aqueles que se foram. Com serenidade, sem as tormentas do luto. Já perdi avós, tios, dois primos muito queridos. E um grande amigo da juventude, que partiu cedo demais. A recordação deles me conforta. Não há o que fazer: compartilhamos experiências e alguns se vão antes, outros depois, é da dinâmica da existência.

Nesta segunda-feira, a recordação de cerca de 157 mil famílias não será assim tão etérea, protegida pela passagem do tempo. Elas ainda não secaram as lágrimas. A morte ainda não abandonou o quarto, a sala, o jardim onde meses atrás habitava alguém amado. Claro, não se perdem amores apenas para a covid-19, mas também para acidentes, violência urbana, outras doenças. Mas esse número, 157 mil, evoca a morte de um Brasil que temo nunca mais rever, um país que daqui a dois anos poderá ser sepultado, caso insista na estupidez de se autodestruir.

O Brasil do qual começo a me despedir é o Brasil da bossa nova, da Tropicália, dos poetas contemporâneos, da irreverência criativa. O Brasil da literatura, do teatro, das artes plásticas, do cinema: tínhamos uma identidade nacional, reconhecida mundialmente pela originalidade. Meio ambiente, costumes, diversidade: valores sortidos. Mesmo a política não sendo nosso melhor cartão-postal, superamos uma ditadura, conquistamos a democracia. O Brasil existia. Estava vivo. Inspirava.

Agora, essa tentativa de espatifar com tudo. Vozes isoladas ainda se encontram em perfis de redes sociais a fim de tentar reconstruir uma unidade, manter uma consciência, mas a desilusão já avisa na sala de espera: estamos perdendo o Brasil. No lugar dele, surge esse novo país que de brasileiro tem muito pouco, ocupado por uma gente medíocre, orgulhosa da própria ignorância. E covarde: com medo de evoluir, aprender, arejar. Medo de se divertir. Medo de viver com poesia, com sonho, com ideais. Medo do prazer.

Neste finados, não vou chorar meus mortos, eles tiveram a sorte de viver num país difícil, mas não vexatório; um país desigual, mas que reconhecia suas riquezas e buscava soluções. Vou lamentar, isso sim, os que morreram pela irresponsabilidade de um lunático que não levantou um dedo para defender cidadãos que precisavam de uma orientação madura em meio à crise sanitária mundial, e lamentar por todos nós, inclusive por quem acha que estou exagerando, que a alternativa seria pior, que acredita que agora sim, de arma em punho e cabeça oca, chegamos lá.

Saudade de um Brasil que errava e acertava, mas que crescia, mesmo aos trancos. Agora ninguém mais cresce, agora o objetivo é nos amiudar. Nos tornar cada vez menores, anões pela própria natureza, essa natureza pálida e triste que nunca foi a nossa.

MARTHA MEDEIROS

31 DE OUTUBRO DE 2020
CLAUDIA TAJES

"Viagem ao Redor do Meu Quarto" 

Um livro com esse título, no momento em que não se pode sair de casa, só podia virar best-seller nos nossos dias - ainda que publicado pela primeira vez em 1795 pelo conde francês, e também tenente, Xavier de Maistre. Se vivesse hoje, aliás, Xavier seria chamado de comunista, perseguido nas redes e depois cancelado, ele que acabou lutando ao lado dos russos contra os franceses. Mas essa é outra história.

Não foi fácil encontrar o livro, esgotado nos sites e sumido das livrarias, nas minhas muitas tentativas de comprar por telefone. Saudade de pisar em uma livraria, minha filha. E em qualquer outro lugar fora de casa, sem culpa e sem medo. Inacreditável que alguém possa ser contra a vacina depois de um ano como este, em que deixamos de viver. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. Ainda acredito que a ignorância não vai vencer.

Demorou, mas Viagem ao Redor do Meu Quarto chegou na minha porta. A história: depois de se envolver em um quiproquó amoroso nos folguedos pré-carnaval, incluindo um duelo com um oficial na sequência - o que prova que não somos só nós, seres tropicais, que chutamos o balde quando fevereiro surge na avenida - , o nobre Xavier, então com 31 anos, foi punido com um confinamento disciplinar de 42 dias em seus aposentos. Não podia sair para nada, ir atrás de um Oliú ou de um x-coração na madruga. Suas únicas companhias eram um mordomo e seu cachorro, nenhum deles muito falante. Isolado, sem videogame, sem WhatsApp, sem Instagram, Xavier só tinha duas distrações, ler e escrever.

Sorte dos leitores. O pequeno (no sentido físico) livro autobiográfico nos convida a fazer turismo pelo quarto do autor, enquanto cada móvel, cada canto, cada objeto serve como ponto de partida para reflexões sobre o amor, a amizade, a filosofia, a política, a vida. Cabe muita coisa dentro de um quarto. Cabe o infinito que existe em uma pessoa. É preciso dizer que Xavier é um homem de outros tempos, o discurso dele não passou pelos filtros de agora. Nada que justifique um banimento, ufa.

Agora mesmo, viajando ao redor do meu quarto, a chuva na janela a confirmar que este é mais um dia para ficar em casa, dou de cara com as minhas memórias recentes. A bem da verdade, sou hóspede do meu filho desde o começo do distanciamento, em março. Nada é exatamente meu aqui, nem o quarto, cedido pelo dono da casa. Mas dá para viajar nele, de qualquer jeito.

O guarda-roupa chega a acumular pó, agora que pouco é aberto para variar o figurino. Existem as roupas da pandemia, as que parecem acolher e consolar, e é com elas que sobrevivo. Vejo no Instagram as amigas que se produzem para não sair. Ainda bem que elas resistem.

A árvore do prédio está quase entrando pela janela. Teve melhor destino que o guapuruvu da Rua 24 de Outubro, cujo crime foi um galho despencar em cima do carro de alguém. Nada que um martelinho de ouro não resolvesse, mas o condomínio achou por bem arrancar a árvore inteira dali. Não contava, certamente, com a reação de alguns passantes e vizinhos. Mesmo na pandemia, ainda há quem se importe.

Um livro fechado ao lado da cama mostra que o sono venceu a boa intenção de começar uma leitura nova na noite passada. Uma grande caixa com coisas de todos os tipos está com a tampa aberta, denunciando uma busca e apreensão na madrugada. O japonês da Federal não foi, deve ter sido o dono da casa. Fitas coloridas que sobraram coladas no teto depois de uma filmagem balançam no ritmo do ventilador. Foram incorporadas à decoração, junto com outras tranqueiras de uma época em que ainda se trazia o mundo para dentro do apartamento.

Viagem ao Redor do Meu Quarto, o livro, é uma boa inspiração para se enxergar o cenário de sempre com olhos mais criativos - ainda que Xavier de Meistre tenha cumprido apenas 42 dias, e o nosso confinamento responsável não pareça perto do fim. Um bate e volta, percurso rápido que fica por muitos dias com a gente. Vale muito o embarque.

CLAUDIA TAJES

31 DE OUTUBRO DE 2020
MÔNICA SALGADO

Pega mal falar, mas... 

Quero emagrecer. E não me venha com o clichê dos dois quilinhos. Estou falando aqui de uma dezena de quilos. Tento, tento, tento, mas não gosto do que vejo no espelho. Sempre tive altos e baixos de peso, fato, só que me excedi demais nos últimos tempos. E tem um lance de gordura visceral que tem tirado meu sono. O médico detectou um nível que ele chamou de preocupante no meu exame de bioimpedância. Nível preocupante de gordura visceral? Quase cuspi o café! Eu? Tudo bem, me alimento mal à beça e tomo vinho demais... mas não me enxergava no grupo do nível preocupante. Sei lá, visto tamanho 40. É sério, doutor? Então é isto: a despeito de todas as legítimas bandeiras ame seu corpo e dos necessários apelos para que nós, influenciadores, não propaguemos padrões irreais de beleza, eu quero emagrecer. E ponto.

Eu me comparo, e muito, nas redes sociais. E isso é um verdadeiro saco. Comparo minha família, meu nível de demonstração pública de amor com meu marido, a educação do meu filho, a criatividade dos meus vídeos, o amor incondicional dos meus pais, meu nível de popularidade no aniversário, o engajamento dos meus publiposts, quem comenta, curte e compartilha o que eu posto, a organização da minha casa, as sacadas das minhas legendas. E comparo meu corpo. Porque, lembram, quero emagrecer. Logo eu, tão analisada e rodada. Logo eu, cujo trabalho é teorizar sobre as redes e seus efeitos muitas vezes nefastos.

De vez em quando, doida que sou, me comparo comigo mesma no passado. Tipo: vejo meus momentos felizes de outrora aprisionados naquele instante que comumente chamamos de fotografia. As danadas são mesmo traiçoeiras. Eternizam aquele nanossegundo de euforia e poesia. E deixam que eles entrem na história, na nossa história, soterrando os desconfortos todos - inevitáveis - que estávamos experimentando antes e depois do clique. "Nossa, que tempo feliz", repetimos. Aí eu me pergunto: se sofro até com a autocomparação (e olha que conheço minha vida além daquele recorte), que dirá me comparando com os outros (cujas vidas só conheço por meio daquele recorte que eles mostram)?

Minha cabeça é complicadinha. Vi um vídeo da Marília Gabriela outro dia, em entrevista ao Porchat, em que ela diz - fazendo tudo parecer muito inteligente, como ela sempre faz - que sua mente era caótica, complexa, cheia de dúvidas e angústias existenciais, e que ela era uma pessoa desequilibrada. Credo, que delícia saber disso. Enquanto todo mundo espera que uma jornalista brilhante como ela seja bem-resolvida e organizada, ela vai lá e... páh! Complicada e perfeitinha, como é quase todo mundo e só uns poucos admitem, porque... pega mal falar. Quero ser sua amiga, Marília. Mas fã já está bom.

Eu amo um vibrador. E mais: tenho usado diariamente. E sou tão desbocada que já falei sobre isso neste espaço. Algumas vezes, se não me falha a memória. É antes do banho, no banheiro mesmo. Um maravilhoso de sucção. Sim, é mesmo como você está imaginando: ele suga o clitóris. Os orgasmos (assim mesmo, no plural) são intensos, numerosos e fáceis. E nós mulheres sabemos que "orgasmo" e "fácil" numa mesma sentença... opa! Onde eu assino? Coisa rara, porque orgasmo pra nós é suado, conquistado, exige concentração e foco, é tarefa árdua. Se não é assim para você, cara leitora, saiba que é uma escolhida por Deus. Logo, deixo que nosso excelentíssimo secretário da Cultura, Mario Frias, ache que eu tenho uma vida solitária - exatamente como a da atriz Fernanda Paes Leme, minha parça de vibrador. Sexo com meu marido é muito do bom, mas não abro mão da minha "vida solitária" pré-banho. Ainda que de vez em quando meu filho bata na porta e pergunte: "Mamãe, ainda no banho?". E eu me esforce pra responder com uma voz séria e compenetrada: "Saindo!".

Eu gosto de ser servida, cuidada, amparada nível hard. Em todos os âmbitos. Se eu pudesse, teria até uma governanta trabalhando aqui em casa. Para não precisar pegar um copo d?água. Um dia fotografei uma grande estrela do cenário pop nacional para revista para qual eu trabalhava. Ela chegou no set com uma ajudante pessoal que havia sido sua babá na infância. Pega mal falar, mas... fiquei com invejinha. Pega mal falar, mas... assim caminha minha humanidade.

MÔNICA SALGADO

31 DE OUTUBRO DE 2020
LEANDRO KARNAL

RECONCILIAÇÃO 

Josefina de Vasconcellos nasceu em 1904, na região de Surrey, Inglaterra. Era filha de um diplomata brasileiro e de uma inglesa. Teve contato com grandes professores de escultura em estudos por Paris e Florença. No pós-Segunda Guerra, pensou muito no tema da reunião de pessoas separadas pelo trágico conflito. A ideia amadureceu e virou uma obra em bronze, em 1977, com o nome de Reunião. Em 1995, celebrando os 90 anos da escultora e os 50 do fim da guerra, a estátua foi rebatizada como Reconciliação e colocada nas ruínas da catedral de Coventry. O bombardeio da cidade histórica tinha sido um dos muitos crimes contra o patrimônio.

A obra mostra um homem e uma mulher ajoelhados e abraçados. Josefina tinha lido um relato antigo de uma mulher que atravessou a Europa a pé para reencontrar o marido. Assim, na catedral semidestruída de Saint Michel, encontramos o momento tocante em que o casal se abraça, os dois já incapazes de permanecerem em pé, vencidos pelo cansaço e pela emoção do momento. A ideia foi um sucesso, e surgiram novas peças idênticas em Hiroshima, em Berlim e em Belfast. Áreas problemáticas e com experiência de violência e que, agora, ressignificam o tema reconciliação. A arte tem um imenso poder de simbolização. Josefina faleceu com mais de cem anos e pensei nela, emocionado, ao conhecer o casal representado em Coventry.

Existir é o ato de reconciliar. A união europeia foi feita após séculos de enfrentamento. França e Alemanha enfrentaram quase um milênio de batalhas. Ainda antes de surgirem as entidades nacionais com capitais em Berlim e Paris, os povos dos dois lados do Reno se mataram. O imperador Otão IV, nascido no coração da atual Alemanha, atacou o rei Filipe II da França na Batalha de Bouvines (27/7/1214). Apesar de os germanos estarem aliados aos ingleses, a vitória francesa foi um dia que mudou a história do país. 

Os atritos nunca cessaram. A zona fronteiriça dos dois inimigos, a Alsácia-Lorena, mudou de mãos muitas vezes. O rei Luís XIV tomou a região no século 17. A Guerra Franco-Prussiana obrigou a França a ceder as províncias ao novo Reich alemão (1871). A derrota de 1918 trouxe a área para controle francês. Em 1940, Hitler reincorporou a zona à tutela germânica. Em 1945, eis que os franceses fazem tremular de novo a bandeira tricolor sobre os prédios de Estrasburgo. Depois de milhões de mortos e humilhações recíprocas, França e Alemanha se tornam a base da integração da Europa. Um duro aprendizado chamado reconciliação.

O casal da escultora Josefina de Vasconcellos traz o momento bonito e final. Quem sabe tivessem acumulado mágoas. Um poderia acusar o outro de não ter enviado notícias. Ela deve ter passado por mil perigos para reencontrar o marido. E, então, um mar de dores cessa quando se reencontram e percebem que, juntos, conseguem mais do que separados. Uma superação da mágoa, da história e até de si: eis o que chamamos reconciliação. Reconciliar é um ato de perdão recíproco e de superação. Não é fácil. Povos experientes e com densa história podem levar séculos, como franceses e alemães.

Outro exemplo? O Eurotúnel, sob o canal da Mancha, aproximou Paris e Londres. De alguma forma, ele anunciou ao mundo, ao ser inaugurado, em 1994, que a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) tinha sido, de fato encerrada. Não era a vitória dos Plantagenetas ou de Joana D?Arc, era o triunfo da paz e da superação das desconfianças maiores. Era uma reconciliação. O Brexit pode reanimar velhas cinzas de estranhamento. O túnel continua lá, símbolo de um enorme empreendimento que funciona, como a estátua de Josefina.

Gostamos de momentos teatrais. O casal da imagem simboliza isso. Infelizmente, a reconciliação deve ser celebrada de novo quase todos os dias. Depois do abraço emocionado e regado a lágrimas sinceras, deve existir uma conversa com as respectivas cobranças. Isso vale para casais e para a União Europeia. O ato de reconciliar é sempre um processo que implica escolhas permanentes. O abraço é um passo simbólico, talvez o mais fácil e bonito. Viver é perdoar muitas vezes, conversar outras tantas, abraçar de novo, ter raiva mais uma vez e seguir. Os contos de fadas terminam com "e viveram felizes para sempre". Por isso são contos de fadas, não são de humanos. Nós não somos elfos ou duendes. Somos seres que não vivemos felizes por muito mais de algumas horas e, por isso, nosso para sempre é até amanhã. O sapo retoma seu lugar e o príncipe some. A princesa fica ranzinza. O casal descobre que o amor, para ser perfeito, deve imitar Romeu e Julieta e durar poucos dias. Amor de anos implica abraçar mais uma vez, perdoar, entender, retomar e aceitar que, tal como nós, os que amamos são princebruxas ou sapríncipes.

Para isso, existe arte. Pesquise a imagem "reconciliation+Josefina" e analise o lindo casal. Coloque no seu celular para lembrar todo dia que a condição de existir em grupo é essa. Simbolicamente, os dois estão de joelhos porque ambos se reconhecem faltosos e humanos. Ambos abraçados e dizendo um ao outro: "Que bom que você não é perfeita ou perfeito e, assim, podemos nos amar". Reconciliar é um ato supremo de esperança e funciona, até amanhã, ao menos.

LEANDRO KARNAL

31 DE OUTUBRO DE 2020
FABRO STEIBEL

O PIOR BANCO DO MUNDO 

O Oscar de pior ideia do ano vai para o Ministério da Saúde e seu plano de criar o "banco genômico" do Brasil. Segundo o governo, o objetivo é criar uma base de 100 mil genomas de brasileiros para uso da indústria farmacêutica e na saúde pública.

Há usos positivos do genoma humano, tanto que a próxima revolução da medicina deve passar por aí. Mas quem não se lembra da ovelha Dolly, o primeiro clone funcional gerado em 1996? Entendemos naquele momento os riscos do estudo genômicos para a humanidade e compreendemos que, quando se trata de DNA, temos que agir com cautela, muita cautela.

A verdade é que, décadas depois, ainda sabemos muito pouco sobre o nosso genoma. Mapeamos menos de 0,1% da população mundial e já descobrimos que há pessoas com mais de dois cromossomos, que há gente com múltiplos DNAs dentro de si e que nossas teorias evolucionistas são mais simples do que a realidade.

Há formas positivas de criarmos bancos de DNA, mas elas são complexas, e temos poucos exemplos para seguir. Israel criou seu banco genético sequenciando quase toda a população e criando uma legislação específica para isso. O Reino Unido criou seu banco genético com a colaboração da União Europeia e ensaia com muito cuidado como permitir usar esses dados para a ciência. Afora isso, empresas privadas criaram grandes bancos genéticos e já foram identificados ali casos de vazamento de dados e abuso do material genético.

Por aqui temos um banco genético com 17 mil genomas, provindo principalmente de condenados por crimes perigosos. Diferentemente do que acontece nos outros países, nosso banco é periférico. Investimos abaixo do ideal nele, e há problemas potenciais em segurança da informação, proteção de dados, transparência e controle externo. O mais provável é já termos sido vítimas de ataque hacker e nem sabermos, e esse é o histórico que temos para criar um banco genético ainda maior.

Recentemente, gravações de terapias realizadas por videochamada foram vazadas na rede. O caso ocorreu na Finlândia, um dos países com altíssimo nível de segurança e proteção de dados. Os pacientes estão recebendo chantagem por telefone e pagam para não terem segredos íntimos revelados para terceiros. Imagine o impacto, agora, de um vazamento de 100 mil códigos genéticos, quando sabe-se que até um em cada quatro pessoas não têm os pais biológicos que acredita ter? Imagine o impacto disso para direitos de família, herança e até para o reconhecimento de cidadania.

Ter um banco genético é uma política complexa e delicada. Somos - infelizmente - fracos no ranking de proteção de dados e temos histórico de criar elefantes brancos e esquecê-los por aí. O que fazer então? Investir nos cientistas brasileiros, nos centros e pesquisadores - incluindo mulheres - que ganham prêmios internacionais em genética por aí. O destino dos mais de R$ 0,5 bilhão reservados ao banco genético será bem-vindo nesse banco de humanos. E devolvido em dobro.

FABRO STEIBEL

31 DE OUTUBRO DE 2020
JULIA DANTAS

AS CANDIDATAS E A MINA 

Diferentes estudos defendem que a maioria dos países que melhor lidaram com a pandemia de coronavírus é governada por mulheres. Sem desprezar a possibilidade de que seja uma grande coincidência, algumas pensadoras já imaginam possíveis explicações para o fenômeno. No geral, essas teorias passam pelo fato de que as mulheres estão mais acostumadas a serem as protagonistas do cuidado e estão acostumadas a serem afastadas da esfera econômica. Dito de outra forma: as mulheres têm vasta experiência em cuidar de vidas humanas e abrir mão de dinheiro.

Histórica e socialmente, cabem às mulheres os trabalhos de manutenção: cuidar das crianças e dos idosos, cozinhar, limpar e organizar o lar. Se elas desempenham essas tarefas na própria casa, de modo não profissional, não recebem remuneração. Todo o tempo, energia e trabalho que colocam nesses esforços não é valorizado pelo Estado. Mesmo enfermeiras, fisioterapeutas ou cabeleireiras podem trabalhar arduamente, mas não produzem riqueza no sentido de que não fabricam bens para venda. Existem homens nessas mesmas funções, por óbvio, mas culturalmente esses papéis são associados ao feminino.

Esse "currículo" de trabalho invisível talvez torne as mulheres mais aptas a tomar decisões políticas que priorizam a saúde e não o aumento imediato do PIB. Esse é um dos motivos pelo qual priorizo candidatas mulheres em todas as eleições. Uma das minhas maiores preocupações atuais com a cidade onde vivo diz respeito à ameaça de instalação da Mina Guaíba no município vizinho. A contaminação do ar e do solo e a provável contaminação da água afetariam a Capital diretamente. Impedir que esse projeto avance é tarefa que eu entregaria a uma mulher com mais confiança do que a um homem, pois impedir esse projeto é colocar em prática os fundamentos de uma economia feminista e sustentável. Abre-se mão do lucro imediato - porém temporário e danoso ao meio ambiente - para garantir a saúde e o bem-estar a longo prazo.

Entre nossas candidatas, duas já se pronunciaram a respeito do projeto posicionando-se contra ele. Basta uma rápida pesquisa na internet para saber quem são. Também é bastante rápido descobrir quem anda dizendo que "é preciso considerar os dois lados" e quem aposta em políticas neoliberais sob a bandeira da desburocratização: desses, eu pretendo passar longe. É somente graças às etapas de licenciamento que a mina não foi para frente (ainda). O processo está suspenso porque não houve consulta à população indígena local. Mas, se a gente piscar o olho, não vai faltar quem queira passar a boiada.

Não pretendo aqui convencer ninguém quanto a quem confiar seu voto. Mas sugiro às leitoras e aos leitores que considerem quais são suas prioridades para a cidade em que vivem e que questionem os candidatos sobre esses pontos. O impedimento da Mina Guaíba é minha primeira preocupação. Em seguida, eu colocaria projetos de mobilidade urbana e, depois, programas de fomento cultural. Mas tenho certeza de que cada leitora e cada leitor terá suas próprias preocupações. Não esqueçam delas na hora de ir às urnas.

JULIA DANTAS

31 DE OUTUBRO DE 2020
DRAUZIO VARELLA

ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS!

É difícil contar o número de estrelas no firmamento. Primeiro, porque são muitas; depois, como estar certos de que encontramos todas?

Esse problema é discutido no livro Space at the Speed of of Light, escrito por Rebecca Smerthurst, astrofísica da Universidade de Oxford. Para o cálculo do número de estrelas existentes nas galáxias que compõem o universo, a autora se concentrou nos dados das fotografias obtidas pelo Hubble Space Telescope, em órbita ao redor da Terra desde 1990, com a função de colher imagens de estruturas desconhecidas ou pouco observadas, para além da Via Láctea.

Os astrônomos têm usado essas informações para perscrutar o espaço mais escuro do Universo conhecido: a constelação Fornax, localizada no Hemisfério Sul. A partir do número de galáxias presentes nessa constelação, eles estimam que no universo haveria no mínimo 100 trilhões de galáxias. Como cada uma contém em média 100 bilhões de estrelas, o número total de estrelas seria da ordem de 100 sextilhões, ou seja, 100.000.000.000.000.000.000.000.

Imagine, leitora, que haja condições favoráveis ao surgimento da vida apenas em um, de cada quintilhão desses corpos celestes. Existiriam, então, algumas centenas de milhares de planetas na vastidão do espaço, em que a competição das espécies pelos recursos e a seleção natural poderiam levar ao aparecimento de seres inteligentes. A existência deles responderia à eterna questão filosófica: estamos sozinhos no universo?

Nossos ancestrais mais distantes, as primeiras bactérias, surgiram assim que a Terra esfriou o suficiente, há 3,8 bilhões de anos. Portanto, o aparecimento aleatório da vida não parece fenômeno tão difícil de ocorrer. No entanto, das 50 bilhões de espécies que um dia viveram ou ainda habitam nosso planeta, apenas uma levou ao gênero Homo, 2,5 a 3,2 milhões de anos atrás. Nesse gênero, sobreviveu somente o Homo sapiens, espécie capaz de elaborar raciocínios abstratos, dominar a linguagem, a resolução de problemas complexos e a composição de sinfonias.

Na história da vida na Terra, o Homo sapiens ocupa 0,005% do tempo. A evolução não tem propósito algum, não segue qualquer linha na direção de determinado objetivo, não olha o interesse da espécie, mas o do indivíduo mais apto a espalhar seus genes. As bactérias, seres unicelulares sem nenhuma atividade semelhante ao pensamento mais rudimentar, constituem o maior sucesso evolutivo de todos os tempos: 3,8 bilhões de anos, e ainda estão por aqui, sem dar sinal de que serão extintas ou deixarão de ser o que sempre foram: seres unicelulares.

Se a criação da vida pode ser repetida com relativa facilidade em outros planetas, o aparecimento da alta inteligência deve ser fenômeno muito raro, uma vez que apenas uma espécie entre 50 bilhões desenvolveu essa habilidade. Imaginar que em algum das centenas de milhares de planetas habitados por alguma forma de vida surgiriam seres com capacidade cognitiva tão semelhante à nossa que tornasse viável a comunicação implicaria admitir não só que as condições geológicas e climáticas tenham sido idênticas às da Terra, mas que as pressões ecológicas estiveram sincronizadas às nossas durante milhões de anos, de modo a repetir as incontáveis mutações sofridas por nossos ancestrais, na longa jornada da unicelularidade, à vida multicelular que levou aos animais vertebrados, aos mamíferos e ao homem.

Vamos citar apenas um, entre centenas de milhares de eventos ocasionais que conduziram ao Homo sapiens, por mecanismo de seleção natural. Se, 65 milhões de anos atrás, não caísse um meteoro no México, os mamíferos estariam limitados até hoje a grupos de pequenos roedores noturnos, apavorados pela presença de dinossauros na vizinhança. Qual a probabilidade de ocorrerem eventos decisivos como esse, na mesma sequência temporal, em outro planeta?

Vamos imaginar que, a despeito da alta improbabilidade, identificássemos extraterrestres em tudo semelhantes a nós; digamos, com 99% de identidade genética. Ainda assim, estaríamos sós, não haveria comunicação possível. Esse é o número de genes que compartilhamos com os chimpanzés. Fomos e seremos um experimento aleatório, único, da natureza, mesmo que venhamos a descobrir que o universo conhecido é apenas um dos trilhões de outros espalhados pelo espaço infinito.

DRAUZIO VARELLA

31 DE OUTUBRO DE 2020
BRUNA LOMBARDI

GRAVIDADE ZERO 

Você já deve ter dito e com certeza ouviu gente dizer: "Para o mundo que eu quero descer!". Tem histórias, músicas, poesias com a ideia de que esse trem não Para de jeito nenhum, a não ser na estação final. E quando aparentemente deu uma parada por causa da pandemia, todo mundo se recolheu e não foi pra lugar nenhum.

E assim a gente aprende a segurar mesmo quando as coisas estão despencando, aprende a ter jogo de cintura, se adaptar, driblar. Encara marcação, obstáculos, adversidades e continua. Vai em frente, segue em movimento e desvia a cada virada do jogo.

Na hora da trégua, quando dá uma pausa, faz bem olhar o céu, o por do sol, a lua, as estrelas. O espaço. Imaginar o espaço, essa imensidão infinita, incomensurável.

Esse lugar onde nada pesa, onde se flutua, onde tudo ganha uma nova dimensão.

Eu sempre fiquei maravilhada com imagens do Espaço e fantasiei viagens interplanetárias como a maior aventura possível.

Eu adoro nosso planeta, o encantamento da natureza da Gaia: mares, matas, florestas, nuvens, montanhas, rios, cachoeiras, desertos, toda a riqueza da flora e dessa fauna espetacular, tão variada que a gente nem conhece todas as espécies. Uma aurora boreal de tirar o fôlego.

Sou fascinada pelo espaço. Muitas vezes desejei me lançar numa viagem e sair da nossa estratosfera. Já me vi como astronauta, assistindo a todos os filmes e documentários com imagens que habitam o meu imaginário.

A ideia de flutuar num espaço sem densidade, sem peso, numa dança solitária, observando os mais belos fenômenos da galáxia é um sonho. Show de meteoros, estrelas e nebulas, a visão azul da nossa Terra. Vivenciar esse deslumbramento me parecia o auge do alcance humano.

Só que a coisa não é tão simples assim. Você fica confinado num pequeno compartimento, limitado em seus movimentos e quem na verdade flutua, são todas as coisas necessárias que você tenta alcançar.

Foi numa dessas buscas que fiquei fã do Chris Hadfield, astronauta, comandante, piloto e músico.

Ninguém pode cantar Ground Control to Major Tom com mais propriedade do que Chris, nem mesmo o David Bowie, a quem eu entrevistei em Los Angeles, pro meu programa Gente de Expressão.

Tem vários vídeos do Chris mostrando como escovar os dentes ou comer na espaçonave. É claro que pode ser divertido no início ver todas as coisas voarem em volta de você e seu próprio corpo flutuando.

Você também pode brincar disso numa mission space, um simulador de voo espacial, com gravidade zero. Hoje isso já faz parte das ofertas de turismo e diversão nos Estados Unidos.

Mas talvez o mundo com seu imenso desejo de exploração esteja se preparando para que essas viagens se tornem possíveis e os terrestres invadam um novo território, transformem um planeta por aí numa nova e possível segunda chance.

Ainda não sabemos. E pra falar a verdade, certas coisas são melhores nos nossos sonhos. Talvez nossa melhor viagem seja a da paixão que nos faz sentir amorosamente flutuando olhando um céu cheio de estrelas.

P.s.: aviso que mesmo a viagem da paixão não é tão simples.

P.s. 2: ah, para ver minha conversa com o David Bowie, é só entrar no canal youtube.com/brunalombardioficial

BRUNA LOMBARDI

31 DE OUTUBRO DE 2020
J.J. CAMARGO

A BONDADE COMO UMA APOSTA 

Como uma espécie de contraponto à maldade que insiste em ocupar as vitrines da mídia, há um processo social em andamento, com objetivo de tornar as pessoas conscientes de que nós somos originalmente bons, e que a propagação da bondade, torna a vida de cada um dos envolvidos, mais leve, mais harmoniosa e mais saudável.

Assim como não se reprime violência esmagando o violento (ainda que esta seja a reação natural do agredido), existem muitas evidências de que só a bondade abre portas com espontaneidade, porque este ciclo virtuoso não apenas conforta quem pratica, mas também constrange os agressivos.

Verdade que as tragédias despertam um lado sinistro que acionamos periodicamente para animar o flacidez do "tudo maravilhosamente bem", que o mestre Ariano Suassuna já reconhecia como insuportável ao leitor de um romance que, pagina atrás de página, relatasse uma vida monotonamente feliz.

Mas o que queremos eleger como aposta é o jeito de sermos no convívio diário, com pessoas que ocupam o mesmo espaço e se alimentam dos mesmos sonhos, e sofrem frustrações que reconhecemos como nossas também.

Baseado na Universidade da Califórnia em Berkeley, um movimento chamado, muito convenientemente, de Greater Good ( Bem Maior, em tradução livre) tem produzido pesquisas interessantes que resultaram em observações inovadoras sobre as raízes da compaixão, da felicidade e do altruísmo.

A sensação reconfortadora que se tem lendo esses depoimentos é que, contra a corrente pessimista que desencadeia a respiração suspirosa ao fecharmos o jornal, nós, como sociedade, temos solução. E quando os adultos nos decepcionarem, sempre restará recorrer à pureza das crianças, porque este é o modelo perfeito do que fomos um dia, e que deve nos inspirar ao resgate quando esquecemos.

O Artur é um garotinho lindo crescendo numa família que chegou à terceira geração transbordando de afeto. Vítima da coisa mais incompreensível na infância, a doença, desde o primeiro momento, ele pareceu menos assustado do que a retaguarda de carinhosos adultos, todos com choro engatilhado.

No meio do tratamento, que vai curá-lo de um linfoma, chegou o momento de colher material da medula óssea para um autotransplante, logo adiante. Terminada a coleta, iniciou a espera pela informação do quanto a amostra era satisfatória. Quando a mãe recebeu a notícia da oncologista e, eufórica, passou a ele: "Artur, temos material para fazer três transplantes!". A resposta adoçada pela boa índole de um coração generoso, saiu espontaneamente:

- Que bom, mãe, porque então a gente vai pode doar para quem precise também!

Impossível não compartilhar o orgulho do avô que ligou só para contar de que material o Artur foi concebido.

J.J. CAMARGO

31 DE OUTUBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Uma dor nota 10

Agora mudou o tempo em Porto Alegre. Deu uma esfriadinha. Não frio, que aqui, já disse, não faz frio; aqui a gente sente frio.

Frio, mesmo, acontece no norte do mundo, aquelas temperaturas abaixo de zero, aquele vento que fatia. Você sai ao sol e é como se estivesse à sombra, é um sol que não esquenta. Sabia que nevou, nesta sexta-feira, em Boston? Neve em outubro é um assustador prenúncio de inverno. Em geral, o frio começa apenas depois do Halloween, e sem neve. Neve é coisa dos dezembros dourados, que, lá, são brancos.

Mas, ao fim e ao cabo, não interessa, não é? Interessa é como você se sente. Se você está sofrendo com o frio, pouco importa se está na África ou no Alasca, pouco importa se os outros acham que faz calor. Você é que está sentindo, você é que tem de resolver o problema.

É o que digo acerca da dor: você não pode medir a dor do outro. Só pode medir a sua, e, ainda assim, usando como parâmetro dores que já sentiu.

Nos Estados Unidos, os médicos têm o hábito de perguntar qual é o tamanho da sua dor. Assim: você passa por uma cirurgia e, no primeiro dia de recuperação, que é o pior dos dias, está todo ruim. Aí o médico vem e indaga: "De zero a 10, qual é a nota da dor que você está sentindo?". Zero, evidentemente, é nenhuma dor. Dez é toda a dor.

Já tive dores nota 10, mas não sei se isso é razão de orgulho. O médico perguntava qual era a avaliação da minha dor e eu lembrava do Carlos Imperial na apuração das escolas de samba do Rio: "Déish! Nota Déish!".

Só que essa tabela é relativa. Uma dor que para os outros parece ser irrelevante para você pode ser excruciante. O outro olha para o seu dedo minguinho inflamado e diz: "Ah, isso não é grande coisa, é só um minguinho". Mas, para você, é insuportável. Para você, nada mais existe. Aquele minguinho se transformou no centro da sua vida, no coração do mundo, você só pensa no seu minguinho.

Assim é, também, a dor da alma. Respeito os sofrimentos existenciais e nunca digo que padecer por esse ou aquele assunto é bobagem. Só você pode dar nota para a sua dor.

No entanto, houve algo que aprendi a respeito de dores: quanto mais você se queixa, mais dói. Porque aí aumenta o valor da dor. É um processo natural, quase uma ação de marketing. Quando você fala muito numa coisa, ela se torna mais importante. A dor tinha levado nota 3, mas, depois de você tanto discorrer sobre ela, ela ganhou notoriedade e fama, a nota subiu, agora é 6, é 7. Daqui a pouco, torna-se intolerável.

Digo isso porque tenho uma dúvida: será que não nos queixamos demais? Será que, às vezes, não seria melhor ir em frente do que ficar parado, reclamando?

Não é possível que tudo seja sempre tão ruim. Não é possível que todos sejam tão maus. Tenho a impressão de que nós, brasileiros, gritamos demais, falamos demais das nossas dores. Podemos sofrer menos, se quisermos. Nem toda dor merece nota 10.

DAVID COIMBRA

31 DE OUTUBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A MELHOR FEIRA POSSÍVEL

Um dos símbolos da Capital e do Estado, a Feira do Livro de Porto Alegre, em sua 66ª edição, será realizada da melhor forma possível. E o possível neste 2020 de angústias para o evento que começou na sexta-feira e vai até o dia 15 de novembro é o formato virtual, com a venda de obras e programação por meio de plataformas virtuais. Não haverá neste ano pela primeira vez a sensação prazerosa de circular pelo burburinho da Praça da Alfândega em meio aos estandes, tocar, folhear e cheirar os livros, descobrir raridades e encontrar novidades. Tampouco aproveitar o contato direto com escritores, leitores, editores e livreiros. Mas, a despeito das limitações impostas pela pandemia, deve ser celebrado fato de, com o esforço da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), entidade promotora, a feira permanecer ininterrupta e, mesmo com as modificações na forma, conseguir preservar grande parte de sua essência.

A venda online de livros já era uma tendência antes mesmo da chegada do novo coronavírus e, claro, acelerou-se com o isolamento social. Não estará neste formato de comercialização, portanto, qualquer contratempo para vendedores e compradores. Uma boa notícia é que os livreiros que estarão vinculados à feira prometem desconto de no mínimo 10% nas obras, recuperando ao menos uma parcela do sentimento do evento físico de vasculhar e encontrar uma promoção para adquirir o livro desejado.

Palestras, oficinas e bate-papos com autores e convidados da organização, da mesma forma, acontecerão de forma virtual. Nada muito diferente de outros eventos em todo o mundo, que precisaram ser revistos e acabaram saindo em formato online. É a maneira viável de, a distância mas no conforto do lar, o público leitor aproveitar a vasta programação que será transmitida pelo site da feira, pelo canal no YouTube e pelas redes sociais. Até a interação foi prevista, por meio de aplicativos de mensagem.

Os desafios encontrados pela Feira do Livro de Porto Alegre são os mesmos que foram enfrentados e suplantados por outros eventos que são símbolos do Rio Grande do Sul e se tornaram tradicionais no calendário. Apesar das dificuldades, não deixaram de acontecer. No agronegócio, a Expointer não passou em branco, com negócios facilitados por plataformas digitais. Provas, avaliações e julgamentos, realizados no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, foram transmitidos para o público interessado. Outro exemplo é o Fronteiras do Pensamento, com uma programação que vai até dezembro e segue atraindo a atenção para as suas discussões centradas nos dilemas da atualidade e perspectivas para o futuro.

Alterados na forma, conseguiram conservar, uns mais, outros menos, os seus significados, espíritos e os objetivos pelas quais um dia foram criados. Assim será com a Feira do Livro, com o seu inestimável papel de incentivo à leitura. É dispensável admitir que perde um pouco de seu charme sem o ambiente da Praça da Alfândega. Mas um novo capítulo dessa história em breve será escrito. Ficam marcados para a primavera de 2021, à sombra dos jacarandás floridos, todos os encontros agora adiados.

 


31 DE OUTUBRO DE 2020
J.R. GUZZO*

Aécio embarca no bonde da vacina

Desde que foi pego em flagrante tentando extorquir dinheiro de um grande empresário do ramo de carnes, o ex-candidato à Presidência e atual deputado Aécio Neves (PSDB-MG) tomou talvez a decisão mais acertada da sua vida: não abriu mais a boca, nem mesmo para apresentar um pedido de desculpas, um só que fosse, aos 51 milhões de eleitores brasileiros que votaram nele nas eleições de 2014. Tratou de se enfurnar silenciosamente na Câmara dos Deputados, protegeu-se das denúncias com o “foro privilegiado”, que impede qualquer parlamentar brasileiro de responder a processo penal na Justiça e sumiu do mapa. 

Deveria ter continuado assim. Ninguém estava sentindo a sua falta, nem se lembrava mais da história. Mas pelo jeito não aguentou. Acaba de informar aos jornalistas que acompanham a vida política de Brasília que protocolou um projeto de lei para punir quem não quiser tomar vacina contra a covid-19.

A vacina nem existe (o governador de São Paulo anunciou a compra maciça de uma substância patenteada na China e processada num instituto de pesquisas de São Paulo; não há nada além disso), mas Aécio já quer punir quem não tomar. Ou seja: o acusado de extorsão quer castigar quem não é acusado de cometer crime nenhum, salvo ter uma opinião diferente da sua numa questão médica em relação à qual Aécio sabe exatamente três vezes zero.

O homem sentiu no ar o cheiro de proveito político que muitos dos seus companheiros de atividade já sentiram. É vírus? Então a gente quer fechar escola, usar máscara, passar gel, suspender licitação, proibir isso, obrigar aquilo. Quem sabe rende voto? Por via das dúvidas, vamos embarcar nesse bonde. As penas que Aécio recomenda para quem não tomar vacina são uma piada – as mesmas previstas na lei eleitoral para quem não vota e que merecem, por parte da população, o respeito que se conhece.

O deputado e ex-candidato nos lembrou que “sem vida” não pode haver “opiniões”, e “muito menos direitos”. Interessante, isso. O que a vacina que não existe tem a ver com a “vida”? Em compensação, ficou claro que não é o vírus que incomoda Aécio hoje em dia. São as “opiniões” e os “direitos”.

J.R. GUZZO*

31 DE OUTUBRO DE 2020
INFORME ESPECIAL

A delícia dos extremos 

Tanto os leitores que começam a folhear ZH pelas primeiras páginas quanto os que preferem iniciar pelas últimas têm, desde a semana passada, mais motivos para justificar suas opções: aqui ao lado direito, Marcelo Rech, um dos maiores jornalistas do Brasil, dono de uma trajetória única, marcada pela ética e pela exemplar capacidade de ler e traduzir fatos e ideias. Antes tarde do que nunca, bem vindo, vizinho.

Já Lya Luft, escritora de gigantesco talento, traduzida e lida em vários idiomas, faz agora companhia ao David Coimbra em um dos espaços mais valorizados de ZH. Querida Lya, uma vez vizinha, sempre vizinha.

Com as mudanças, ganharam todos, principalmente os leitores, que agora têm mais razões para começar a ler ZH por onde preferirem, mas, principalmente, para chegarem ao outro extremo do jornal.

No ato 

Durante a semana, o Conselho Nacional de Justiça aprovou novas diretrizes e procedimentos para julgamentos de pessoas com deficiência auditiva ou visual.

Entre as novidades, se destaca a obrigatoriedade de presença de intérprete em todas as etapas do processo no âmbito da Justiça criminal e da infância e adolescência.

TULIO MILMAN

segunda-feira, 26 de outubro de 2020


24 DE OUTUBRO DE 2020
LYA LUFT

Mudanças & escolhas 

Mudanças: sempre desejei ficar quieta, ficar em casa, no quarto, lendo, ou no jardim olhando as nuvens, como tanto fazia em menina, talvez por isso hoje em dia pintando sobretudo nuvens... e mares.

Talvez mudanças me causem insegurança. Assim, sou bastante boa em manejar palavras, mas péssima em brigas e discussões: quero ficar embaixo da mesa, e chorar.

Nunca gostei de viajar, embora tenha feito incríveis viagens, e adore estar em lugares também incríveis. Me cansam aeroportos, esperas, essas coisas (além de algum medo de voar...) que não são importantes, importantes são os locais, as tradições, as pessoas, as comidas, as paisagens, tudo. Nunca esquecerei a lua cheia subindo diante da sacada de nosso apartamento em Atenas, vindo por trás do monte Lykavitos, como uma aparição. Então, há mudanças que eu amo.

Hoje, estarei de novo mudada, saindo do lado de um querido e admirado colega, Milman, para este lado de outro admirado e querido, o David Coimbra. Que meus leitores me encontrem, e se multipliquem neste recanto de tanta responsabilidade. Há quem leia o jornal de trás para a frente, me disseram. Então, acabarei lida.

Mas não é só disso que quero escrever hoje, quero falar das escolhas que podemos ou não fazer, para viver um pouco melhor nestes dias de escândalos ou loucuras, medo e esquisitices, além de quase vazio sobre o futuro.

Um filósofo me disse outro dia que "podemos escolher se queremos ou não perturbar o nosso espírito". Amei a frase. Como o meu espírito facilmente se descompõe e desatina, com as mais loucas fantasias ou as mais ingênuas deduções, essa frase me importou muito, e estou tentando, a cada dia, melhorar no seu exercício.

Alguém me criticou, caluniou, desprezou? (Nesta altura da vida, não tenho mais tanta importância para merecer esse tipo de tratamento.) Então posso decidir quanto vou me magoar, ou indignar, e quanto vou preservar minha relativa paz interior, que com o tempo cresce - um dos benefícios do passar do tempo.

Se notícias do país ou do mundo me chocam, me causam indignação ou até medo, também posso medir a quantidade de mal que vou permitir que isso me cause, isto é, falando horas a fio no assunto, remoendo até em silêncio, ou comentar brevemente e jogar na lata de lixo das coisas malignas que só servem para atormentar. Não me alienando, mas não deixando que rasguem as carnes da minha alma. Isso se aprende, a muito custo, mas é possível.

De modo que partilho com o leitor essa ideia, de escolhermos, dentro do possível, e na medida certa, o que pode ou não abrir feridas em nosso espírito. Claro que não falo de tragédias pessoais como o luto - que por vezes se estende uma vida inteira, apenas abrandando com o correr dos anos - nem de ficar calado diante de ofensas a outros ou a nós mesmos. Falo dessas dezenas de cobrinhas venenosas que querem eventualmente morder nossos calcanhares, querem nos abocanhar, mas... a gente não deixa.

Temos coisa melhor a fazer: viver.

LYA LUFT

24 DE OUTUBRO DE 2020
MÔNICA SALGADO

Sexo é bom, mas você já...? 

Preliminares com estimulação tátil e visual, carinhos nas zonas erógenas, penetração... Espasmos, taquicardia, respiração acelerada, pupilas dilatadas, adrenalina... e então... endorfina, ocitocina, sensação de prazer, relaxamento, bem-estar. Orgasmo, certo? Elementar, caro leitor. Aposto que você já leu "n" vezes sobre os benefícios do sexo e o que ele provoca no corpo. E já praticou. Porém... trago verdades. Cataloguei abaixo uma série de ações que provocam reações semelhantes. O melhor: muitas dependem só de você. Puros Prozac sem efeitos colaterais. Pequenos e grandes alívios cotidianos que fazem a vida valer a pena. Concordam comigo? Aceito acréscimos por e-mail, ok?

Arrancou dramaticamente a máscara quando entrou em casa, limpando o bigodinho de suor interno e arfando: "Aff, que alívio! Já deu essa porcaria de máscara!"? Mesmo sabendo que usar a máscara é importante e salva vidas e blá-blá-blá?

Fez o exame de sorologia e descobriu que já teve covid e nem percebeu? Porque foi totalmente assintomático? E agora pode se gabar por aí dos seus anticorpos?

Silenciou aquela mala no Instagram? Aquela pessoa mais fake que o Ken humano, que pratica a tal da positividade tóxica - e nos faz sentir rebaixados e inferiores a cada post-vida-perfeita-cor-de-rosa-só-gratidão? Se não for possível dar unfollow (porque a pessoa vai sacar e isso poderá ser desgastante), é só silenciar. Rápido, prático e indolor. E tão bom (melhor?) quanto sexo.

Falando em sexo... já se trancou no quarto com seu vibrador de sucção para uma meia hora só sua? Acompanhada apenas da sua imaginação ou de um bom X-Videos? Ou dos dois?

Fez exercício aeróbico hoje e ficou chapadinha de endorfina? Com aquela sensação de dever cumprido? E aquela liberdadezinha de pensar "um chocolate depois do treino, que mal tem?".

Entrou na sua conta no banco depois de adiar por dias crente que ia se deparar com o pior cenário e... até que o saldo não estava tão ruim?

Arrumou seu closet e doou várias sacolas de roupa? E organizou bonitinho o que sobrou?

Se arrumou toda toda da cintura pra cima pra reunião no Zoom, e vestiu pijamão e pantufas na parte de baixo, que ninguém vê?

Fez pé, mão e depilação e se sentiu leve como uma pluma, limpinha (não faz sentido, mas... você já?) e asseada?

Chegou em casa depois de um dia difícil, tomou aquele banho, colocou o pijama e se estatelou no sofá pra maratonar uma série-entretenimento - tipo Emily em Paris?

Se atirou no chão pra brincar com os cachorros, deixando-se lamber e salpicar de pelos?

Ligou pra alguém que você ama só pra isso - pra dizer que a ama?

Foi numa padaria, dias desses, e pediu pão na chapa com café quentinho-que-vale-por-um-abraço?

Colocou pra tocar músicas da infância e saiu dançando pela casa?

Recebeu amigos pra comer e preparou a comida você mesmo? Ouvindo boa música com uma tacinha em mãos? É tão, tão gostoso...

Abriu um vinho sozinho em casa de noite? Pra brindar com você mesmo em nome de... o que mesmo? Ah! E importa? Saiu pra almoçar com sua melhor amiga em dia de semana, pra lembrar os velhos tempos e jogar conversa fora?

Teve uma reunião de Zoom cancelada de última hora e secretamente comemorou muito, porque ganhou uma hora só pra você no meio de um dia repleto de Zooms e calls que poderiam ser resolvidos com um e-mail?

Acertou o babyliss de maneira magistral sozinha? Ok, foi num dia em que você não tinha nada a não ser ficar de bobeira em casa (ah, lei de Murphy, sua infalível), mas pelo menos você está pegando o jeito.

Foi retocar o combo botox + preenchimento da dermato, comeu o pão que o diabo amassou de dor, mas saiu mega-aliviada sabendo que teria ao menos seis meses de paz pela frente?

Sentiu o vento bater na cara, sem nada pra fazer? Leu esta coluna gostosinho deitada no sofá, pensando "como alguém escreve tanta besteira corriqueira e gera tanta identificação?".

Obrigada!

MÔNICA SALGADO

24 DE OUTUBRO DE 2020
MARTHA MEDEIROS

Indolores 

Feliz de quem não sente dor. Dor alguma. É o ponto de equilíbrio necessário para tudo o que fazemos na vida, vantagem prioritária diante de qualquer situação que se apresente. Nada se compara a este estado de plenitude, a esta sorte divina.

Caminhar sem sentir dor nas panturrilhas. Correr sem sentir dor no joelho. Dormir uma noite inteira sem ser despertado pelos incômodos da artrose. Percorrer sentada todo o trajeto do ônibus sem sentir dor nas costas. Ou viajar em pé, sem dor no ciático. Nem saber o que é ciático.

Comer algo bem gelado sem sentir dor de dente. Não arrancar com os dentes a pele em volta da unha. Não provocar feridas em si mesmo.

O ouvido não zunir. Não sentir dor de estômago. Não ficar enjoado em passeios de barco. Alguém por aí tem andado de barco? Nem sei se enjoo pode ser considerado dor. Dor é pedra no rim. Cálculo renal, o horror.

Tonturas, contraturas, queimaduras, fraturas: zero. Nem sinal. Há 300 dias sem quebrar um osso, sem encostar a mão no forno, sem prender o dedo na porta, sem ficar com a coluna torta.

Trabalhar sem sentir dor de cabeça. Assistir aos telejornais sem sentir dor de cabeça. Transar sem sentir dor de cabeça. Dor de cabeça nenhuma, nem como metáfora, nem como desculpa, nem de fato.

E tampouco sentir saudade, que machuca bastante também. Vontade de voltar para a rua é normal, mas a saudade de quem nunca voltará para nós é infernal (se não tiver grandes urgências lá fora, fique em casa só mais um pouquinho).

Não ser atacada por maus pensamentos. Não enxergar apenas o lado escuro da vida. Ter tido a bênção de nascer com a alma leve e despreocupada, mesmo tendo contas atrasadas para pagar e um futuro que amedronta. O destino é incerto, vá que no meio da estrada uma surpresa boa erga o braço e te peça uma carona.

Não estar profundamente triste. Nem desesperada.

Nenhum parente internado. Nenhuma briga em família. Nem mesmo um cisco no olho, um ombro enferrujado, um sonho perdido, uma angústia pelas manhãs, uns soluços à tardinha, nadinha, nadinha, e ainda por cima a conexão está funcionando direitinho, não tem caído, uma maravilha.

2020 se encaminha para o fim, e quem sobreviveu às estatísticas fatais não escapou de ser atropelado (ligeira ou drasticamente) pela excepcionalidade da situação. Alguém anotou a placa? Que pessoa afortunada a que estiver atravessando ilesa essa pandemia, sem sentir nenhuma espécie de dor, nenhum efeito psicossomático ou coisa que o valha. Ou tem um anjo da guarda danado de bom, ou ainda não entendeu nada.

MARTHA MEDEIROS