sábado, 31 de dezembro de 2011



31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
MARTHA MEDEIROS


2012, me surpreenda

As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ

Ano-Novo é uma convenção. Os dias correm em sequência. De 31 de dezembro para 1º de janeiro ocorrerá apenas mais uma sucessão de 24 horas em que nada mudará, tudo seguirá do mesmo jeito.

Pois é, sei disso, mas é um ponto de vista sem nenhuma alegria. Sou das que compram o pacote de Ano-Novo com tudo que ele traz em seu imaginário: balanço de vida, reafirmação de votos, desejos manifestos e esperança de uma etapa promissora pela frente.

Faço lista de projetos e tudo mais. Só que, quando chega o fim do ano e avalio o que consegui cumprir, descubro que o inesperado superou de longe o esperado. As melhores coisas do ano sempre foram aquelas que eu não previ. Então tomei uma decisão: nessa virada, não vou planejar coisa alguma e aguardar as resoluções que 2012 tomará para mim, à minha revelia.

Mas poderia dar algumas sugestões?

2012, anote aí: que as coisas mudem, mas não alterem meu estado de espírito. Não deixe que eu me torne uma pessoa ranzinza, mal-humorada, desconfiada, sem tolerância para as diferenças. Aconteça o que acontecer, que eu me mantenha aberta, leve e consciente de que tudo é provisório.

Não quero mais. Quero menos. Menos preocupações, menos culpa, menos racionalismo. Pode cortar os extras. Mantenha apenas o estritamente necessário para me manter atenta.

Está anotando?

Espero que você esteja com ótimos planos para sua amiga aqui. Lançarei livro novo? Permita que eu seja abusada: dois. Sendo que nenhuma coletânea de crônicas, nem romance. Me ajude a variar.

Que lugares conhecerei que ainda não conheço? Que pessoas entrarão na minha vida que, quando cruzo com elas na rua, ainda não as identifico? Que boas notícias ouvirei das minhas filhas? Quantos shows terei o prazer de assistir? Estou curiosa para saber o que você está aprontando para incrementar os meses que virão.

Prometo que estarei preparada para receber o abraço afetuoso de quem antes me esnobava, para a frustração por tudo o que for cancelado, para voltar atrás nas minhas teimosias, para me dedicar a algo que nunca fiz antes.

Estarei disposta a tirar de letra os espíritos de porco e assumir a responsabilidade pelas asneiras que eu mesma cometer. E estarei pronta também para uma grande surpresa, ou até duas. Três, meu coração não aguenta.

Se a dor me alcançar, que me encontre com energia e sabedoria para enfrentá-la. Que eu não me torne dura diante dos horrores, nem sentimentaloide diante das emoções. 2012, os acontecimentos são da sua alçada. Da minha, cabe recepcioná-los com categoria.

Quais são seus planos para mim, afinal? Talvez nem todos sejam do meu agrado, portanto, que eu não tenha constrangimento em dizer “não, obrigada”, caso seja preciso. Mas que eu me sinta mais predisposta para o sim.

Se estamos de acordo, pode vir.


31/12/2011 e 01/01/2012 | N° 16933
NILSON SOUZA


Simpatias infalíveis

Se você quer ganhar um Ano-Novo cor de arco-íris, como sugeriu Drummond na sua receita poética, não caia na lorota de chupar sementes de romã – nem de bergamota.

Apenas pinte o seu ano com o pincel da imaginação e as tintas do coração.

Se você quer ganhar um Ano-Novo próspero, exitoso e feliz, como consta nas mensagens de cartões, não coma lentilha nem dê pulinhos nas ondas – pois é tudo onda.

Em vez disso, semeie suas próprias sementes de uma planta frutífera chamada gentileza.

Se você quer ganhar um Ano-Novo envolto em cifrões, como preveem os magos da economia, não coloque folha de louro na carteira – ainda que louro rime com ouro.

Seja mais pragmático, acorde cedo e mergulhe de cabeça, corpo e alma na praia do trabalho.

Se você quer ganhar um Ano-Novo repleto de esperanças, como prometem os manuais de autoajuda, não precisa servir maçãs sobre toalha branca – para reis que não virão.

Caia na realidade: é possível saber quantas sementes tem numa maçã, mas não quantas maçãs tem numa semente.

Se você quer ganhar um Ano-Novo pleno de venturas, como desejam amigos e parentes, não desfile pela casa com malas vazias – até para não se tornar mala também.

Faça, isto sim, um plano de voo para conhecer o seu próprio paraíso, que talvez nem esteja tão distante.

Se você quer ganhar um Ano-Novo marcado por uma grande paixão, como prediz a cartomante da esquina, não vista roupas íntimas de cores berrantes – pois o Carnaval está longe.

Seja mais elegante, invista na sua autoestima e terá mais chance de encontrar alguém especial.

Se você quer ganhar um Ano-Novo enfeitado de elogios, como sonham os cronistas de amenidades, não dê conselhos nem faça trocadilhos – pois certamente irão acusá-lo de plágio ou repetição.

Preferível, então, deixar de lado a poesia e lembrar aos leitores que a verdade é a mais poderosa das simpatias.

Está bem, não sejamos tão racionais. Vem aí um ano que ninguém usou ainda e que pode ser seu, meu, de quem vier. Se você quiser pular ondas, pule e não dê bola para os descrentes. Coma lentilha, milho verde, o que melhor lhe aprouver. O importante é que você se divirta e receba 2012 com alegria, humor e tolerância.

Saúde e feliz Ano-Novo!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011


Carlos Heitor Cony

O vermelho e o negro

Admito ter cometido um erro condenado em todos os manuais de redação existentes no mundo

Creio ter violentado uma das regras fundamentais do ofício que exerço por equívoco há mais de 60 anos. Equívoco meu e dos outros. Por vontade própria, jamais seria jornalista ou escritor. A soma de circunstâncias desfavoráveis é que me levou a ser o que sou.

Não se trata de uma desculpa, mas de um fato ou de fatos. Queria ser padre, não deu. Depois, qualquer coisa me serviria.

Só recusei mesmo foi uma oferta para ser bandeirinha de futebol. O resto seria lucro.

Esse introito é para pedir perdão ao leitor que reclamou do título que dei a uma crônica que, na semana retrasada, escrevi na página 2 da Folha. Mandou-me um e-mail e insistiu, dizendo que o título da mesma ("Ficha suja") nada tinha a ver com o texto.

Pequei porque fui na onda das tais fichas limpas, que supõem, por exclusão, a existência de fichas sujas.

Meu assunto era o Rio de Janeiro, muito louvado por suas belezas naturais, Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara, Cidade Maravilhosa, mulheres também maravilhosas, jeito folgazão de seus habitantes, pedra que virou Pão de Açúcar -modéstia à parte, meus senhores, somos todos da Vila.

Essa seria a ficha limpíssima da cidade onde nasci, moro e tenho até o mausoléu da ABL para o caso de uma necessidade que sei inevitável.

Essa seria a ficha limpa que me recusei a fazer por ociosa. Arrolei então o que seria uma ficha suja que contrastasse com os encantos mil do nosso hino oficial.

Falei da sujeira, da imundície que Luiz Edmundo, Aluísio Azevedo, Gastão Cruls e alguns viajantes estrangeiros aqui encontraram, sem falar no pessoal da corte de Dom João 6º, que reclamava dos ratos e mosquitos que criavam epidemias, obrigando os navios que chegavam a quarentenas humilhantes.

Até um presidente da República morreu numa dessas pestes de que Osvaldo Cruz e Pereira Passos nos livraram. Em termos de ficha suja, não haveria tribunal, Supremo ou não, que nos indicasse para qualquer função oficial ou política.

Confesso que, antes de dar o título àquela crônica, pensei em recorrer a Stendhal, apelando para o vermelho e negro ("Le Rouge et Le Noir") de um de seus romances, um dos maiores de todos os tempos. Acontece que Stendhal lia todos os dias o Código Civil para melhorar o estilo e evitar redundâncias.

Se usasse o vermelho e o negro para acentuar as diferenças entre as fichas limpas e sujas, acredito que complicaria mais ainda o meu texto, pois, tal como no romance famoso, não há qualquer alusão ou metáfora sobre as cores rubro-negras que desgraçaram a vida de Julien Sorel.

De qualquer forma, admito ter cometido um erro condenado em todos os manuais de redação existentes no mundo. Quando se escreve para os jornais, a clareza vem acima de tudo. O pão é o pão, o queijo é o queijo. Se o leitor não entende um texto (ou um título), a culpa não é dele, é do autor.

Por isso mesmo, ao iniciar esta crônica, confessei que a minha escolha profissional foi um equívoco. No curso de humanidades que fiz no seminário, aprendi um lema que não deveria adotar no jornalismo. "Intelligentibus pauca": aos inteligentes, bastam poucas palavras.

O João Saldanha, que foi um excelente cronista, dizia que texto com mais de duas laudas era embromação, enchimento de linguiça.

Moisés deu-nos um decálogo de mandamentos. Mesmo assim, foi prolixo, proibindo o desejo pela mulher alheia em um mandamento (o nono) que é uma decorrência de outro (o sexto).

Entre Stendhal, João Saldanha e Moisés, fico mesmo com o leitor que não entendeu o meu texto. Lembro um aviso que havia nos bondes da Light and Power: "É proibido fumar nos três primeiros bancos".

Hoje é proibido fumar em qualquer tipo de banco. E, antes que algum leitor estranhe o "Light and Power", lembro que o carioca chamava a companhia dos bondes de "polvo canadense".

Eu pretendia escrever sobre a ficha do ministro Fernando Pimentel que está na berlinda.

Devemos respeitar sua vida pessoal. Se ele estuprasse freiras e degolasse criancinhas antes de ter cargo no governo, seria para dona Dilma portador de uma ficha limpa. Mais uma vez, temos o vermelho e o negro de Stendhal.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011



28 de dezembro de 2011 | N° 16930
MARTHA MEDEIROS


Chegadas e partidas

Quem se queixa de que não há mais afeto no mundo precisa dar uma espiada no programa Chegadas e Partidas, que vai ao ar às quartas (hoje!), pelo canal GNT. Mais que merecido o prêmio que levou de Melhor Programa de Televisão em 2011, dado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

A apresentadora Astrid Fontenelle grava o programa dentro de um aeroporto, onde colhe depoimentos de pessoas que estão esperando alguém ou se despedindo de alguém. As histórias são simples e comoventes, provando que nossos dramas e alegrias particulares ainda são o que há de mais rico e raro por aí (sem falar que a trilha sonora é de primeira).

Na quarta passada, Astrid mostrou duas irmãs se despedindo de uma senhora de 80 anos que estava embarcando para Rondônia, sua terra natal. As duas irmãs conheciam essa senhora havia apenas três meses, quando se ofereceram em uma instituição de idosos para cuidar dela por um dia, como voluntárias.

Porém, se apegaram à senhora e a levaram para casa até que ficasse curada. A hóspede tinha um aneurisma e sofrera um AVC, apenas isso. Essas garotas são filhas de um motorista de ônibus, que também estava no aeroporto para acompanhar pessoalmente o retorno da senhora ao lar. Seria o primeiro voo de ambos – passagem paga através de uma cotização de vizinhos.

Esse pai e suas duas filhas se mobilizaram por uma senhora que não conheciam e choraram sua partida como se fosse alguém com quem tivessem convivido desde a infância. Como disse Astrid, tem gente que não cuida de uma mãe ou de um irmão doente, e no entanto essa família humilde assumiu a responsabilidade de cuidar de uma estranha, dando-lhe remédios e algo ainda mais terapêutico: amor.

Credo, escrever essa palavra – amor – me fez sentir um Tiranossauro rex. Constranger-se em falar de amor é um mau sintoma.

Chegadas e partidas. Um filho que nasce, um filho que morre. Uma paixão que brota na quinta-feira, uma paixão que termina no domingo. Desconhecidos que viram amigos de uma hora para outra, e amigos que somem no mundo sem dar mais notícias. Nossa vida é uma espécie de rodoviária – ou aeroporto, hoje dá no mesmo.

Todos esperando alguém que virá matar a saudade, que irá preencher um vazio, ou então se despedindo de alguém que buscará a felicidade em outro lugar, que irá trabalhar longe de casa.

Pouco temos nos comovido no dia a dia, atucanados em ganhar tempo e em cumprir metas, então nosso afeto só tem transbordado, pra valer, no momento crucial de uma separação ou de um reencontro.

Um ano está partindo, outro ano está chegando. Eu, dentro da minha “rodoviária”, fico com os olhos marejados tanto pelo que deixo para trás quanto pelo que aguardo. Ou virei um merengue, ou estou ficando velha. Que seja. A boa notícia é que ainda me emociono.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011



27 de dezembro de 2011 | N° 16929
CLÁUDIO MORENO


Assim somos nós

Na Itália, no Renascimento, a ligação comercial com terras mais longínquas despertou também a curiosidade pelos animais que viviam nos outros cantos do globo. As famílias de renome, que já mantinham em sua corte um séquito de pintores, artistas e saltimbancos, passaram também a demonstrar seu poder e prestígio com grandes coleções de espécimes raros e valiosos.

Além de apurados plantéis de cavalos, cães e falcões de caça, formaram-se zoológicos particulares que incluíam o leão, a zebra e a girafa, até então raríssimos na Europa. Um desses senhores, por exemplo, orgulhava-se de sua rica coleção de leopardos, provindos dos mais variados pontos do Oriente...

Não faltaram, é claro, os que se dedicaram a formar verdadeiros zoológicos humanos. O famoso cardeal Hipólito Medici, por exemplo, exibia uma coleção de bárbaros que falavam mais de vinte idiomas diferentes, todos eles escolhidos entre os melhores representantes de seu povo: além de incomparáveis ginetes mouros, do norte da África, havia arqueiros tártaros, lutadores etíopes, mergulhadores indianos e turcos caçadores, que sempre acompanhavam o cardeal em suas expedições.

Quando faleceu prematuramente, em 1535 – é Jacob Burckhardt quem conta, em A Cultura do Renascimento na Itália –, seu caixão foi levado nos ombros por este bando esquisito, que misturava a algaravia de suas vozes às lamentações do cortejo fúnebre.

Essa exaltação da diferença entre os tipos humanos – que sempre serviu, em todas as épocas, para argumentos racistas – veio perdendo força desde o séc. 18, quando se proclamou que a Humanidade, embora múltipla, é sempre uma só. A não ser por fanatismo delirante, hoje ninguém ousaria negar que os homens – afegãos ou japoneses, esquimós ou argentinos – sejam iguais uns aos outros.

Por outro lado – e talvez por consequência – começamos a compreender que aquilo que torna infinita a variedade do zoológico humano é a possibilidade de cada um ser múltiplo em si mesmo.

Isaac Singer, um dos autores preferidos de nosso Moacyr Scliar, contava a história de um homem que, ao voltar de uma viagem a Vilna, comentou com um amigo que os judeus deviam ser um povo notável, pois tinha visto um judeu que, da manhã à noitinha, dedicava-se aos ensinamentos do Talmude;

um judeu que, durante o dia inteiro, só pensava em como poderia enriquecer; um judeu que agitava o tempo todo a bandeira da revolução, clamando contra a injustiça; um judeu que corria atrás de qualquer rabo de saia que passasse – ao que o amigo replicou: “Por que a surpresa? Afinal, Vilna é uma cidade grande, onde vivem judeus de todos os tipos”.

“Mas não”, disse o primeiro, “estou falando do mesmo judeu”. Pois é: assim somos todos; assim é cada um de nós.


27 de dezembro de 2011 | N° 16929
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Noites antigas

Os tempos não eram definitivamente ecológicos. Tanto que uma carroça verde depositava na calçada de nossa casa, na Rua Sete de Setembro, em Cachoeira, um enorme pinheiro que alcançava o teto.

Vi a chegada, mas não vi os mistérios de depois. A porta da sala de estar foi cuidadosamente fechada para a minha curiosidade de menino de três anos, e só aberta já noite fechada.

Nesse instante, ocorreu todo um deslumbramento. O pinheiro era tão alto que, como disse, alcançava o teto. Mas isso era nada. O que maravilhava era aquela imensa torrente de tímbalos e enfeites que se despenhava até o chão – uma caprichosa obra de arte de minha mãe.

– Esta é nossa Árvore de Natal – explicou meu pai.

Eu já adivinhava e contemplei, siderado, aquela torrente de cintilações, brilhos, sinos, anjos, arcanjos que descia até o humilde presépio onde um pai e uma mãe velavam pelo Menino. A noite era fria e bois, vacas e ovelhas zelavam com sua respiração para que não sofresse com a temperatura.

À direita, minha irmã Miriam, que era muito pequena, descansava, adormecida em um berço.

Os presentes foram distribuídos, eu ganhei uma bola, um elefante e um caminhão com caçamba. E então aconteceu um pequeno milagre.

De repente surgiram vozes que cantavam, menos eu, que não conhecia a música, Noite Feliz. Miriam dormia em paz.

Depois vieram muitos Natais.

Nunca esqueço um, passado em Montevidéu, em plena ditadura. Aquela cidade vocacionada para a liberdade estava sufocada por um regime obscurantista que aprisionava o Estado de Direito e calava os cidadãos.

Precisamente na Noite de Natal, essa cidade calada pela violência reagiu. Rua a rua, quadra a quadra, bairro a bairro ecoaram os protestos de um estrondoso panelaço clamando pelo retorno da democracia.

Foi um dos mais belos espetáculos de civismo a que assisti.

Comecei falando em Cachoeira, terminei em Montevidéu. É que, no Natal, paz rima com liberdade.

domingo, 25 de dezembro de 2011



24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
MARTHA MEDEIROS


Natal para ateus

A semana que antecedeu o Natal foi de caixa de e-mails lotada: diversas mensagens chegaram, algumas bem alegres, outras com apelos um pouco melodramáticos, em especial as que recrutavam Jesus, o aniversariante esquecido. De fato, vivemos numa época megaconsumista e muitos não dão valor à data, mas a tragédia não é absoluta.

De minha parte, não festejo o aniversário de Jesus, mas nem por isso minha casa se transforma num iglu habitado por abomináveis corações de gelo. Me emociono, confraternizo, abraço, beijo e brindo à paz, acreditando que essa abertura sincera para o afeto é uma espécie de religião também.

Recentemente, o escritor e filósofo suíço Alain de Botton esteve no Brasil lançando Religião para Ateus, livro em que ele defende a tese de que, mesmo sem acreditar em Deus, é possível ter fé. E mesmo sem ter fé, é possível encontrar na religião elementos úteis e consoladores que suavizam o dia-a-dia.

Botton condena a hostilidade que há entre crentes e ateus, e diz que em vez de atacar as religiões, é mais salutar aprender com elas, mesmo quando não compactuamos com seu aspecto sobrenatural.

Não é de hoje que admiro esse autor, e mais uma vez ele me empolga com sua visão. Fui criada numa família católica, mas já na adolescência minha espiritualidade se divorciou dos rituais de celebração, já que deixei de acreditar em fatos bíblicos que me pareciam implausíveis. Nem por isso fiquei órfã dos valores éticos que as religiões pregam.

Solidariedade, gentileza, tolerância, princípios morais, nada é furtado daqueles que descartam a existência de Deus. Claro que, se não houver o hábito constante da reflexão, podemos nos tornar materialistas convictos e acabar exercendo a bondade só em datas especiais.

É nesse ponto que Alain de Botton defende o lado prático e benéfico das religiões: elas funcionam como lembretes sobre a importância de nos introspectarmos e de fazermos a coisa certa todos os dias. Quem prefere não buscar esses lembretes na igreja, pode buscar na arte, no contato com a natureza ou onde quer que sua alma se revitalize.

Do que concluo que é possível encontrar o sentido do Natal sem montar presépio, sem assistir à missa do Galo e sem servilismo religioso. Basta que sejamos uma pessoa do bem, consciente das nossas responsabilidades coletivas e que passemos adiante a importância de se ter uma conduta digna. Nós todos podemos ser os pequenos “deuses” de nossos filhos, de nossos amigos e também de desconhecidos.

Dentro desse conceito, posso afirmar que o Natal é frequente aqui em casa: hoje, amanhã, depois de amanhã. A diferença é que nos outros dias estamos de moletom em vez de vestido de festa, e a ceia vira uma torrada americana, mas o espírito mantém-se em constante estado de alerta contra o vazio e a superficialidade da vida.

Feliz Natal – para todos.


24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
VERISSIMO


Natal branco

O condomínio se chama Happy Houses. No portão de entrada está escrito Entrance em vez de Entrada e todas as ruas têm nomes em inglês, como Flower Lane e Sunshine Street. O condomínio tem um playground para as crianças, com serviço permanente de baby sitters e uma área de lazer para adultos chamada Relaxation and Recreation.

Cada casa, em estilo americano, tem seu swimming pool, e o policiamento de todo o projeto é fornecido pela empresa de segurança Confidence. No Natal, as casas ficam cobertas de luzinhas decorativas e os moradores costumam fazer uma grande festa comunitária na praça central, ou Central Park, do condomínio, com Papai Noel, troca de presentes e tudo, ao som de Jingle Bells.

E sempre há um que começa a cantar White Christmas, e não demora estão todos cantando, em inglês, que sonham com um natal branco, com um natal com neve. E, numa noite de Natal, aconteceu o seguinte: quando estavam todos cantando White Christmas começou a nevar sobre o condomínio.

A princípio, ninguém acreditou. O que era aquilo? Flocos brancos caindo do céu e se acumulando no chão do “Central Park”, nos galhos da árvore de Natal, na cabeça das pessoas? Parecia neve.

– É neve! – exclamou alguém.

– Como, neve? Aqui? No verão? Com este ca...

Não pode completar a frase porque foi atingido no nariz por uma bola de (agora não havia mais dúvidas) neve.

A algazarra foi grande. O sonho se realizava. As preces tinham sido ouvidas. Pois só um milagre explicava aquela neve. Só um milagre explicava estarem tendo um Natal branco, como deveriam ser todos os natais.

Todos correram para dentro de suas casas, para procurar agasalhos e voltar para a praça. A neve não parava de cair, cada vez com mais intensidade. Já havia neve acumulada nos jardins e nos telhados. Surgiram bonecos de neve, iguais aos de filme americano.

As crianças se divertiam rolando na neve. E continuava a nevar, e a nevar. A locomoção sobre os montes de neve se tornava difícil. Muitos decidiram voltar para suas casas antes que a neve os impedisse de andar nas ruas.

As casas não tinham calefação, como seria se ficassem soterrados pela neve durante dias? As lareiras das casas eram só para dar um toque americano, como nos filmes, à decoração. Não adiantariam nada. O socorro demoraria a chegar, por causa da neve. E continuava a nevar, e a nevar. A neve já estava pelas janelas das casas. Os telhados poderiam não aguentar o peso de tanta neve acumulada. Ninguém dormiu tranquilo sob as cobertas, naquela noite.

No dia seguinte, outro milagre. A neve desaparecera por completo. Só restara um montinho na cabeça de um jacaré de borracha boiando numa das piscinas, e este também desapareceu com o calor. Os proprietários se reuniram no “Meeting Room” da “Relaxation and Recreation” para discutir o fenômeno.

Estranhamente, não saíra nenhuma notícia de nevadas em outros lugares da região. A neve só caíra no “Happy Houses” Por que seria? Decidiram não falar do ocorrido para ninguém fora do condomínio. Se acontecesse outra vez, contariam. Ser o único lugar do Brasil em que nevava no Natal só aumentaria o valor das propriedades. Mas, por enquanto, não diriam nada. A nevada poderia muito bem ter sido um aviso.

Danuza Leão

Turismo no Rio

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta

A melhor coisa do mundo é ser turista no Rio. Eles/elas chegam trazendo uma sacola com duas bermudas, cinco camisetas, um biquíni, uma sandália de borracha, um boné, acordam cedo e saem para conhecer a cidade -e que cidade.

Um dia vão a Santa Teresa, o bairro mais charmoso que existe, e andam a pé, vendo casas lindas, descobrindo ruelas sem saída, parando várias vezes para comer um pastel, tomar um caldo de cana ou uma cerveja gelada, e conhecendo botequins e restaurantes que quase nenhum carioca conhece, só eles.

O problema é a escolha: podem caminhar na pista Claudio Coutinho, que faz a volta do morro da Urca, depois aproveitar a viagem e subir ao Pão de Açúcar para ver a vista mais deslumbrante que existe.

É um programa que não passaria pela cabeça de nenhum carioca fazer; eles acham brega, não sabem o que estão perdendo.

E outra breguice maravilhosa é subir ao Corcovado, e na descida se aventurar pela floresta, com direito a um banho de cascata para refrescar. E pense: qual a grande cidade que tem a sorte de ter uma floresta de verdade tão perto?

Se estiver de carro, pode voltar pelo outro lado, descer direto na Barra e escolher em que ponto dos muitos quilômetros de praia vai dar um mergulho.

Vai poder também visitar o sítio Burle Marx e se extasiar com as centenas, milhares de plantas tropicais; depois, almoçar em um dos restaurantes das "tias" ali perto, em chão de terra batida, comer um camarão fresquinho, um peixe acabado de pescar, pagando três, quatro, cinco vezes menos do que num restaurante chique.

E dar uma volta no Jardim Botânico, lembrando que era o lugar preferido de Tom (Jobim, é claro), e se deixar levar pela memória, pensando nas músicas que o maestro compôs, muitas delas inspiradas por ali.

Mas o Rio tem mais, muito mais.

Um mercado de artesanato: quem não gosta? E não é programa obrigatório, quando se visita um país exótico? Pois aos domingos temos um, maravilhoso: é a feira hippie, na praça General Osório.

Lá você compra por dez, 20 reais, as pulseirinhas mais lindas, que estão nas vitrines das butiques por cem, 150, e mais colares e brincos, bolsas que vão fazer furor na volta para casa, calças compridas, blusas, pareôs, tudo bem baratinho, como a gente gosta, ainda com direito a comer um acarajé feito na hora por R$ 6,50 (só os cariocas não vão à feira).

Depois das compras feitas, mais um mergulho para arrematar o dia, e detalhe: a praia é a dois passos.

Como moro no Rio, não costumo seguir esse roteiro, mas no fim de tarde faço como eles: boto um tênis e ando até o Arpoador.

Na volta, paro num quiosque, tomo uma água de coco -R$ 4-, fico vendo o sol se esconder atrás do morro Dois Irmãos, e a cada vez me surpreendo com a beleza. Só vou para casa depois que escurece, mas eles, os turistas, continuam: como se fosse mágica, rola um som, a caipirinha aparece, e a festa continua até de madrugada.

Ah, se eu fosse esperta mesmo, nas próximas férias iria para um hotel na frente do mar, me fantasiaria de turista e aproveitaria melhor a cidade onde tenho o privilégio de morar.

PS - O governo do Rio é muito criativo; como, durante as obras do metrô, algumas ruas serão fechadas ao trânsito -o que vai impedir os moradores de ter acesso às garagens-, manobristas estarão à disposição para cuidar dos carros, não é lindo?

E aproveitando: será que o visual das novas estações do metrô não podia melhorar? A da praça General Osório é monstruosa, e dá medo só de pensar que podem fazer algo parecido na linda praça Nossa Senhora da Paz.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 24 de dezembro de 2011



24/12/2011 e 25/12/2011 | N° 16927
NILSON SOUZA


Decreto de Natal

Fica decretado, nesta noite encantada, que nenhuma criança passará fome, nem será maltratada ou negligenciada. E que todos os meninos e meninas do planeta dormirão sob um teto, receberão carinho, presentes e afeto.

Fica decretado, nesta noite de festas e serestas, que todos os homens e mulheres da Terra rejeitarão a guerra, andarão de braços e trocarão abraços. Todos, sem exceção, tratarão o próximo como irmão e não haverá mais qualquer distinção entre empregado e patrão.

Fica decretado, nesta noite em que a estrela-guia namora fogos de artifício, que o suplício, o sacrifício e o desperdício serão substituídos por vias lácteas de alegria.

Fica decretado, nesta noite de luzes, que carpinteiros, marceneiros e guerreiros estão impedidos de construir cruzes e de lançar obuses. E que, em contrapartida, todas as forças do universo serão usadas para preservar a vida.

Fica decretado, nesta noite tão especial, que o ser humano jamais renegará sua origem animal e tratará as demais espécies com respeito reverencial. Protegerá bichos, florestas, rios e as demais dádivas da natureza, e cuidará com carinho da limpeza desta casa única que nos serve de fortaleza.

Fica decretado, nesta noite de inspiração divina, que está extinta a rotina, que a emoção é a melhor adrenalina e que, talvez, um grande amor esteja nos esperando na primeira esquina.

Fica decretado, finalmente e em definitivo, que este aditivo aparentemente autoritário pretende ser apenas um estímulo afetivo a quem sonha com um Natal mais solidário. E que este comentário singelo, que mistura desejo e presságio, não será confundido com um plágio do inimitável Thiago de Mello.

Fica decretado, nesta noite de sonhos misturados, que passa a valer como preceito o direito, o respeito e o escorreito, mas os erros, gafes e planos malfeitos serão tolerados, até mesmo porque ninguém é perfeito.

Fica decretado, sobretudo, que o leitor paciente e a leitora generosa, mesmo não concordando com tudo, acatarão as sugestões deste estudo, abrirão seus corações, unirão seus pensamentos e suas orações, para que todos tenhamos uma noite maravilhosa.


A maldição dos discos natalinos

Neste fim de ano, Justin Bieber e Michael Bublé dominam as paradas de sucesso nos Estados Unidos com canções que ninguém mais aguenta ouvir. Nem mesmo o Papai Noel
Mariana Zylberkan

Mariah Carey e Justin Bieber contracenam em clipe de All I Want For Christmas Is You



Nem o famigerado espírito natalino é capaz de aplacar uma verdadeira maldição que toma conta da indústria fonográfica todos os anos, sempre nas semanas que antecedem o Natal. É nessa época que cantores do mundo decidem brindar os fãs com canções que exaltam, em suas letras, sentimentos de fraternidade e união, mas suas intermináveis repetições ao longo dos anos produzem exatamente o efeito contrário e tiram a paciência auditiva de qualquer um.

Neste ano, Justin Bieber , com o disco Under The Mistletoe, e o álbum Christmas do canadense Michael Bublé lideram as paradas de sucesso nos Estados Unidos. Ambas produções reúnem o pior do Natal, músicas que perderam o posto de clássicos após sofrerem um acúmulo de arranjos equivocados, cheios de sons de guizos e outros recursos musicais enjoativos.

Bublé lidera a lista dos 200 discos mais bem cotados pela Billboard há quatro semanas, enquanto Bieber aparece logo atrás, em terceiro lugar desde o lançamento, no início de novembro.

Justin Bieber nasceu no ano em que Mariah Carey lançava o hit responsável por alça-la ao posto de rainha dos discos natalinos. A música All I Want For Christmas Is You, composta em 1994, inclusive, é uma das faixas do disco natalino de Bieber, que forma dueto com Mariah interpretá-la.

O clipe de All I Want For Christmas Is You, aliás, exalta o clima família inerente à época do ano e mostra Mariah Carey vestida de Mamãe Noel sexy em clima de paquera com o adolescente de 17 anos. A parceria deu certo e Under The Mistletoe vendeu 210 mil cópias apenas na primeira semana de lançamento.

O disco natalino de Bublé também vai bem e ultrapassou a marca de um milhão de cópias vendidas em três meses desde o lançamento. O carro-chefe do projeto é a versão de Santa Claus Is Coming To Town, que reproduz o estilo “velha guarda” dos discos natalinos com pegada orquestral, cheio de sons de trompete e outros metais.

Justin Bieber



O primeiro disco natalino de Justin Bieber bateu recorde de vendas

Era para ser apenas um single, mas o projeto natalino de Justin Bieber tomou força e virou um disco com onze faixas. "Justin só queria fazer uma única canção de Natal. Então tornou-se um EP, porque achamos que as crianças gostariam de mais de uma música", disse o empresário Scooter Braun para a revista americana Billboard. Under de Mistletoe foi lançado em 1º de novembro e já bateu recorde de vendas. Na primeira semana, foram vendidas 210 mil cópias.

Fora da lista da Billboard mas também resultado da mistura temas natalinos e cantores pop está o disco A Very Gaga Holiday da tresloucada Lady Gaga. Com apenas quatro faixas, o lançamento ainda não chegou ao Brasil e nos Estados Unidos é comercializado com status de item de colecionador.

Tem que ser mesmo fã de carteirinha para ouvir a licença poética de Lady Gaga para White Christmas. Ela criou o verso “I’m Dreaming Of a White Snow Man, With a Carrot Nose and Charcoal Eyes” ou “Eu sonho com um boneco de neve, com nariz de cenoura e olhos de carvão”, na tradução livre para o português.

A maldição dos discos natalinos também atingiu a carreira de grandes nomes da música americana. John Lennon, por exemplo, teve a canção Happy Xmas (War Is Over), composta originalmente por ele e Yoko Ono, em 1969, como um protesto contra a Guerra no Vietnã, transformada num hit natalino, regravado por anos a fio.

A música que nasceu com propósito humanitário se transformou em pesadelo musical na versão abrasileirada de Simone. Então É Natal é sinônimo de música chata e, nem assim, caiu no ostracismo. A faixa pertence ao disco 25 de Dezembro, lançado em 1995, que vendeu 1,2 milhão de cópias desde então.

Um dos primeiros discos lançados por Elvis Presley foi Elvis Christmas Album em que seu vozeirão serviu à interpretação de I’ll Be Home For Christmas, Silent Night, White Christmas e Santa Claus Is Back To Town.

Apesar de interpretar canções já batidas, mesmo para a década de 50, Elvis consegue manter sua personalidade musical e evita cair na tentação de se apoiar na fácil aceitação do público frente aos clássicos natalinos.

Ella Fitzgerald também lançou em 1967 uma das exceções de bons discos natalinos. O Ella Fitzgerald’s Christmas reúne as mesmas canções de praxe que ganham brilho ao serem interpretadas através do estilo único da rainha do jazz.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011



A LIÇÃO DA INOCÊNCIA

A leitura de uma graciosa carta de criança sobre Papai Noel e da resposta que lhe foi dirigida, constitui salutar refrigério para nosso século tão materializado

Numa manhã de setembro do ano de 1897, o redator-chefe do jornal nova-iorquino “The Sun” encontrou sobre sua mesa de trabalho a seguinte carta de uma menina de oito anos:

Prezado Sr. Redator:

Tenho oito anos de idade. Algumas de minhas amigas sempre me dizem que não existe o Papai Noel. Porém, meu pai afirma que se essa existência o “The Sun” confirmar, então é certo que existe o Papai Noel. Por favor, diga-me a verdade: existe mesmo o Papai Noel?

Virginia O'Hanlon

Francis Church, redator do “The Sun”, com relutância e hesitação tomou a si a tarefa de responder à carta de Virginia. Contudo, tendo começado a escrever, as palavras saltaram rápidas sobre o papel, e assim surgiu a seguinte carta:

“Virginia:

Tuas amigas não têm razão. Elas sofrem de uma doença péssima e que mais tarde trar-lhes-á ainda muitas dores. Toma cuidado para que essa doença não te pegue. Trata-se de uma doença de alma. Nós, os adultos, chamamo-la de incredulidade, espírito de crítica, falta de inocência. Tuas amigas e outras pessoas que tentaram te convencer pensam que são sábias e espertas, porque só admitem como real aquilo que podem ver com os olhos e tocar com as mãos. Contudo, elas não sabem quão pouco é isso!

Ora, pequena Virginia, imagina todo este imenso Globo terrestre com seus lagos e montanhas, com seus rios e mares, e, pairando sobre nossas cabeças, o céu infinito com suas miríades e miríades de estrelas. Imagine quantas espécies de seres existem no mar, nos ares e sobre a terra.

O homem é apenas um entre milhares de seres, e ademais quão pequeno! Diante das imensidões do universo, ele é pouco mais do que um besouro ou uma formiga. Como então pode o homem ver tudo o que existe e com seu pequeno entendimento querer explicar todas as coisas?

Sim, Virginia, existe o Papai Noel! Tão certamente quanto existem o carinho e a alegria, o amor e a bondade, os quais, porém, não podemos ver com nossos olhos e apalpar com nossas mãos. Mas tudo isso existe. Tu mesmo já os experimentaste. E não trazem eles beleza e alegria em tua vida?

Ah, como seria triste o mundo sem o Papai Noel! Tão triste como se não houvesse mais Virginias, como se não houvesse mais os contos de fadas, os anjos, as canções, as histórias infantis escritas pelos poetas. Ou, pelo contrário, só houvesse gente que jamais se encanta com nada, que jamais sorri! Então estaríamos todos perdidos. E aquela luz eterna, que jamais se apaga, com a qual as crianças iluminam o mundo e que acompanha toda criancinha que nasce, esta apagar-se-ia para sempre.

Não acreditar no Papai Noel?! Então ninguém mais precisaria crer em fadas e anjos. Tu poderias convencer teu pai a colocar vigias diante de cada chaminé, na noite de Natal, para que eles pudessem agarrar o Papai Noel. O que ficaria então provado se eles não o vissem descer pela chaminé?

Ora, ninguém vê o Papai Noel! Isso porém não prova que ele não existe. As coisas que neste mundo são verdadeiramente reais, não as podem ver nem crianças nem adultos. Já viste alguma vez uma fada dançar sobre os prados floridos? O fato de não a teres visto não prova que a fada não dance na pradaria. Ninguém pode compreender todas as maravilhas invisíveis do universo.

Tu podes bem desmontar um chocalho de bebê, a fim de ver como se produz propriamente o ruído das pedrinhas que se chocam umas contra as outras. Porém, sobre o mundo invisível há um véu estendido, o qual não pode ser rasgado nem mesmo pelo homem mais forte da terra, e nem sequer pela força conjunta de todos os homens fortes de todas as épocas.

Somente a fé e a caridade podem levantar um pouquinho a ponta deste véu e assim contemplar a beleza e o esplendor sobrenaturais que se escondem atrás dele.

Será tudo isso realidade? Ó, Virginia, sobre a Terra não há nada de mais real, de mais verdadeiro do que isso! Graças a Deus que o Papai Noel vive e viverá eternamente! Nos próximos mil anos – oh! que digo, pequena Virginia --, nos próximos 10 mil anos multiplicados por outros tantos mil anos, o Papai Noel continuará a fazer com que os corações puros das crianças se alegrem e batam com mais força na abençoada noite de Natal.


23 de dezembro de 2011 | N° 16926
NÍLSON SOUZA - INTERINO


Vende-se, sim

Se o Real Madrid realmente confirmar uma proposta razoável por Mário Fernandes, dificilmente o Grêmio deixará de vender. Claro que o presidente Odone vai fazer o possível para valorizar o negócio, pois ele tem que defender os interesses do clube. Mas aquela faixa de 1999 (Não vendemos nossos craques), que alguém teve a infeliz ideia de pendurar no Olímpico, já deve ter sido destruída.

O mercado do futebol não permite mais tal arrogância. Todos vendem, inclusive os poderosos. E quando um jogador começa a dar sinais de que está interessado em sair, como parece ser o caso de Mário Fernandes, o melhor mesmo é planejar uma boa venda.

Faço, porém, duas ressalvas. Uma: não se pode dizer, ainda, que Mário Fernandes é um craque. É um bom jogador e tem potencial para crescer. Outra: a tal proposta, por enquanto, está no campo nebuloso das especulações.

Negativa

Ontem mesmo o Real Madrid publicou uma nota em seu site, negando que tenha feito qualquer proposta ao Grêmio. Fez isso em resposta à matéria publicada pelo jornal espanhol Marca, que anunciou o negócio. Porém, o clube espanhol teve o cuidado de não negar o interesse: apenas afirmou que não entrou em contato com o Grêmio nem fez qualquer oferta. Traduzindo: mantém a porta aberta.

Concorrência

Um dos auxiliares de Mourinho andou recentemente no Brasil para observar laterais brasileiros, possivelmente inspirado no sucesso dos conterrâneos Daniel Alves e Adriano, do Barcelona, e de Marcelo, do próprio Real. Além de Mário Fernandes, o espanhol se interessou também por Mariano, do Fluminense.

Bom senso

Ainda que o Inter esteja mesmo desembolsando algum dinheiro para contar com Dagoberto no início da temporada, é uma medida sensata. Segundo as informações do próprio São Paulo, a presença de Fernandão, que deixou boa imagem e muitos amigos no clube paulista, foi fundamental para romper o impasse. Todos ganham com a decisão.

Vice colombiano

O Once Caldas perdeu o título colombiano, mas tem bala na agulha. Este ano mesmo deu trabalho aos clubes brasileiros que o enfrentaram pela Libertadores. Eliminou o Cruzeiro e deu um sufoco no Santos, que venceu o primeiro jogo em Manizales mas só empatou o segundo no Pacaembu. E o Cruzeiro, vale lembrar, estava no seu melhor momento. Chegou a ganhar o jogo da Colômbia por 2 a 1, mas levou 2 a 0 na Arena do Jacaré.

Jogada

No confronto final contra o Junior de Baranquilla, na última quarta-feira, o Once Caldas marcou seus dois gols em levantamentos para a área adversária. No primeiro, fez uma cobrança de escanteio diferente, com a bola lançada para um jogador que estava fora da área.

Quando a defesa começava a sair na sua direção, ele deu um giro e colocou na frente do atacante que entrava sozinho. Parece coisa ensaiada. Como o Inter tinha olheiro no jogo, certamente vai se prevenir.


23 de dezembro de 2011 | N° 16926
ARTIGOS - Érico Hammes*


Natal em outra perspectiva

Cecília, uma criança de menos de dois anos, portadora da síndrome de Angelman, vive neste ano o seu segundo Natal, o primeiro depois de ser diagnosticada. Mesmo com uma expectativa de vida normal, ela, talvez, nunca entenda quem seja Papai Noel ou Natal. A árvore de Natal, para ela, são reflexos e movimentos piscantes; o menino Jesus e as figuras do presépio, apenas coisas aveludadas e coloridas; seus brinquedos, objetos de fascínio, sem lógicas, sem complicações e nem sofisticações.

Talvez jamais compreenda o significado de um presente e nem seja capaz de dar algum. Na realidade, porque é ela quem é o presente. Presente no tempo chamado hoje, um hoje que anoitece e adormece para amanhecer e se prolongar no que outros chamam de amanhã.

Ela própria é o presente de ser e estar, como a própria palavra “presente” nos ensina. Presente aqui, agora, diante de nós; presente que acorda e faz a noite virar dia. Presente sem nada, simplesmente estar aí; sem dinheiro e nem embalagem; para receber, sem reclamar e nem devolver.

O presente a ser cuidado, como existência reveladora de quem somos nós e quanto custa simplesmente ser. O valor de cada gesto ou movimento, cada som ou mímica aprendida; a importância de uma noite e de um dia sem febre e sem médico. Essas lições são seus presentes.

Quando as outras crianças brincarem ao seu redor, ela vai sorrir e seus olhos azuis vão brilhar; ela vai ser carregada nos braços ou empurrada em seu carrinho, mas não falará e nem gritará. Todas vão abraçá-la, sentir seu carinho espontâneo, seu sorriso acariciante e seu rosto feliz.

O Natal da Cecília mostra o Natal, verdadeiro e maior. Carreira, projeção social, poder político, riqueza econômica, todas as exterioridades sonhadas para todas as crianças, ficam reduzidas a nada diante da realidade primária de estar aí. A vida em sua limpidez e receptividade é a condição da existência verdadeira e significativa. O que despertamos de bondade nas outras pessoas, o quanto nos importa quem está ao nosso lado, isso nos faz valiosos e indispensáveis.

Foi exatamente por isso que o Filho Divino entrou na história do universo como Jesus de Nazaré, sem poder, sem talentos extraordinários e sem força para derrubar os impérios. Veio como hóspede e passou a vida sem morada até entregar-se como o único presente para a humanidade.
*Professor da Faculdade de Teologia da PUCRS

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011


Contardo Calligaris

Papai Noel por toda parte

Nossa 'generosidade' é narcisista; deve ser por isso que preferimos fantasiá-la de Papai Noel

Embora meu pai fosse agnóstico, ele tolerou que, durante a infância, eu tivesse uma educação religiosa -católica, no caso.

Se meu pai tivesse impedido que eu fosse batizado, suponho que minha avó materna teria me administrado o sacramento às escondidas. Era ela quem me levava para a missa do domingo; foi ela quem se encarregou de minha primeira comunhão e de minha crisma.

Talvez meu pai aceitasse a ingerência da minha avó para preservar a paz do lar. Ou talvez ele pensasse que um pouco de religião na infância não me faria mal (há uma ideia laica de que um pouco de fé, no começo da vida, pode nos dispor ao respeito pelo próximo e a saudáveis escrúpulos morais).

Seja como for, meu pai era cético, minha mãe, incerta, e minha avó, crente -assim como muitos eram crentes entre os professores, os parentes e os amigos dos meus pais. Havia, portanto, muitos adultos para quem, apesar do ceticismo do meu pai, Deus era uma verdade -não apenas um artifício pedagógico.

Essa divergência não existe em matéria de Papai Noel: a partir da pré-adolescência, ninguém acredita mais que ele exista de verdade. Ao contrário, uma criança de dez anos que escreva uma carta para o polo Norte desperta preocupação: "Atraso cognitivo ou emocional?", perguntam, preocupados, os mesmos adultos que, poucos anos antes, declaravam a essa criança que Papai Noel existe (e se felicitavam ao verificar que ela acreditava).

O Papai Noel não é o único caso de crença reservada à infância. Porém, por mais que os adultos contem histórias de bruxas ou ogros e achem graça na credulidade apavorada das crianças, é só no caso do Papai Noel que produzimos anualmente um grandioso culto público.

Imagine que um meteorito se choque com a terra hoje, 22 de dezembro, acabando com a espécie humana. No futuro, uma expedição arqueológica de um planeta distante chegará à Terra com o intento de entender quem eram os humanos. Eles concluirão que uma grande parte dos terrestres venerava um velhinho acima do peso, que vivia na neve, se locomovia em trenó e presenteava as crianças.

No melhor dos casos, haverá, entre os ETs, uma espécie de Paul Veyne (o autor de "Acreditaram os Gregos em seus Mitos?", Edições 70): estranhando a contradição entre nossa cultura e o infantilismo de nossas crenças, ele escreverá "Será que os terrestres acreditavam mesmo em Papai Noel?".

Enfim, o fato é que, nesta estação, enchemos nossas cidades de imagens do Papai Noel e encorajamos as crianças a conversar com os papais noéis que povoam lojas e shopping centers.

Milagre natalino: sábado à noite, em São Paulo, a avenida Paulista (fechada aos carros) era um desfile alegre de famílias. Às crianças pequenas, boquiabertas, só sobrava acreditar no Papai Noel: se ele não existisse, por que os adultos se dariam àquele trabalho?

Alguns dizem que tudo isso não passa de uma invenção do comércio -para que todos esperem receber presentes e, na falta de um Papai Noel real, sejamos obrigados a tomar seu lugar, indo às compras. Eu tendo a pensar que o comércio pegou carona numa invenção que não foi dele, mas nossa, dos adultos em geral.

Talvez precisemos do Papai Noel para encarnar e disseminar o espírito natalino. Seríamos crédulos na infância e faríamos de conta uma vez por ano, para preservar um ideal de solidariedade e bonomia.

E há outra explicação, menos poética, mas não excludente. Amamos nossas crianças de uma maneira que não é exatamente prova de nossa grandeza de ânimo.

Sobretudo nas últimas décadas, enfiamo-lhes presentes ou guloseimas goela abaixo, que elas os mereçam ou não, para vê-las satisfeitas e gratificadas (mesmo que seja só por um instante).

Com que propósito? Esperamos que a fartura de nossos rebentos compense todas as nossas frustrações, passadas e presentes.

Como nos envergonhamos dessa "generosidade" narcisista, o jeito é fantasiá-la de Papai Noel: não somos nós que mimamos e estragamos nossas crianças, é um velhinho vestido de vermelho.

É um problema? Não sei, mas um adulto que acredita no Papai Noel é alguém convencido de que o almoço é de graça e não é preciso se esforçar: o mundo, os deuses ou a sorte lhe darão o que ele quer, que ele mereça ou não. É isso que queremos que nossas crianças acreditem?

Feliz Natal, e que o Papai Noel não se esqueça de ninguém.

ccalligari@uol.com.br


22 de dezembro de 2011 | N° 16925
ARTIGOS - Hermes Aquino*


Quando um não quer

Dia desses, caí literalmente da cama às seis da manhã e liguei o rádio, casualmente, em ondas curtas. Numa rádio distante, que eu não pude identificar, um cara comentava a crise mundial. Até aí nada de mais, todo mundo está falando nisso. Só que este cara era um daqueles tipos catastróficos. Meu plano era continuar um pouco mais na cama, mas ele me desestruturou. “Essa crise não vai ficar só na Europa”, dizia ele, enquanto o sinal da rádio ia e vinha.

Como assim? Pensei eu. O negócio não começou na Grécia? Por que vai se espalhar pelo mundo inteiro? E ele continuou seu périplo oral: “Hoje em dia, tudo é globalizado. Quando o bicho pega lá, com certeza também vai pegar aqui”. O cara tinha um speech devastador.

Daí, ele falou que a China já estava ficando de orelhas em pé. E que só não havia mergulhado de vez na crise porque injetou muita grana para estimular o próprio mercado interno. Nessa altura, tive que concordar com ele. Se a Europa era um dos maiores compradores da China, seria óbvio que as exportações chinesas estavam dando com os burros n’água.

Eu não sei você, mas eu me arrepio só de pensar no gigante chinês entrando em declínio acelerado de uma hora para a outra. Quando eles não tinham quase nada, era uma coisa, mas agora, depois do sistema econômico misto que eles aplicaram, seria uma tragédia.

Tragédia, hecatombe, devastação, tsunami e fim do mundo estão entre os temas mais falados hoje em dia. E não é apenas nos meios de comunicação. Estes assuntos estão povoando o imaginário popular. Na internet, então, é um deus nos acuda. Há profetas do fim dos tempos em centenas de páginas. Isso sem falar nos filminhos sobre a matéria, postados no YouTube.

O mundo vai acabar em dezembro de 2012, afirmam muitos deles, baseados nas supostas previsões dos calendários maia e asteca. Mas quantas vezes já nos disseram que o mundo iria acabar?

Deixa eu voltar ao cara do rádio, porque ele conti- nuava afirmando coisas. Não demorou muito para ele começar a traçar o quadro da derrocada final. Quem é esse cara? Perguntava eu. É o quinto cavaleiro do Apocalipse? Trata-se da reencarnação de Nostradamus?

Ou é apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e vindo do Interior? Aquela voz era monocórdia, gélida e sem emoção. Mas o pior é que parecia que ele sabia exatamente do que estava falando. E aquela espécie de segurança me incomodava.

Se eu já havia, de certo modo, superado o medo do suposto fim do mundo ao término de 2012, a perspectiva de uma guerra mundial nos próximos tempos me apavorava pra valer. E era o que ele acabara de dar a entender.

Com todos os efes e erres, ele concluía que uma guerra total entre as nações não estava descartada. E comprovava sua teoria com fatos do passado. É claro que a gente sabe que por trás das guerras há sempre o interesse econômico.

E sabemos também que, com uma guerra de grandes proporções, a maioria perde, mas há sempre quem se locuplete com os lucros advindos da desgraça alheia. Guerra é guerra. Mas não podemos pensar numa desavença global em pleno apogeu das comunicações. Nunca a humanidade se comunicou tanto quanto agora.

Ou isso é apenas uma falácia? Muita gente acredita que a comunicação digital baseada nos imeils, tuiters, feicebuques e outros que tais é apenas superficial. Não vai ao ponto-chave. Não substitui o olho no olho, o face a face. Talvez tenham razão.

O cara do rádio até pode não estar tão enganado assim. Pensando bem, estamos assumindo uma série de novos procedimentos sobre os quais ainda não temos a exata comprovação de que são realmente importantes e vitais para nós. Que sejam usados pelo comércio e a propaganda como alavancas para as vendas, tudo bem. Mas talvez não possam ser os balizadores de nossas vidas como se fossem primordiais e inevitáveis.

Nada substitui um bom-dia verdadeiro e sincero. Um muito obrigado vindo do fundo do coração. Por isso eu não acredito que o cara do rádio esteja tão certo em relação ao futuro desta crise. Eu prefiro acreditar que não. Não haverá outra guerra. Afinal, quando um não quer...
*Músico, publicitário


22 de dezembro de 2011 | N° 16925
LETICIA WIERZCHOWSKI


A casa azul

Certas coisas não acabam dentro da gente. A minha casa de verão, por exemplo. Passaram os anos e há muito ela se foi – antes que a derrubassem, foi vendida, outros viveram sob o seu teto os dias de um fevereiro qualquer, sem que eu nunca ousasse voltar até lá...

A casa, os donos novos botaram abaixo um belo dia: carpinteiros derrubaram as paredes que acolheram a minha infância, o quarto com os beliches, a varanda onde tantas vezes esperei passar o primeiro menino dos meus olhos, o porão onde guardava-se a manteiga no tempo da avó e onde eu acreditei que vivia uma bruxa – o fim de cada uma dessas coisas foi planejado e executado sem dó, já faz bastante tempo.

No entanto, essa casa azul continua em mim. Com ela sonho por noites seguidas, anos a fio – como sonhei ainda ontem, acordando dentro dela hoje pela manhã... Nessa casa azul penso quando recordo a minha infância; se fecho os olhos, reencontro em mim o toque, o som e o cheiro de cada coisa: o áspero da madeira das paredes, o odor de mofo dos armários quando chegávamos para o verão, o barulhinho das janelas se abrindo para a manhã...

Eu posso pegar a louça entre as minhas mãos, os copos, as xícaras, os pratos, eu sinto o cheiro da uva espremida para o suco e o gosto da limonada que a mãe servia na grande jarra azul dos almoços; eu posso sentar à mesa e entrar no quarto dos hóspedes; sob meus pés, ainda sinto o toque aveludado da madeira da varanda (era uma casa sobre pilotis, talvez porque naquelas paragens a areia vinha e tomava conta de tudo num único inverno).

Vive em mim, essa casa – e vive na minha ficção. Meu avô segurou nas suas mãos os tijolos daquelas paredes, e o seu riso forte ainda ecoa naquelas sala, nesse país imaginário, nessa praiazinha ventosa de sonhos que a casa habita até hoje.

Passado o Natal, íamos para lá. Era uma regra adorada: arrumar as malas, os presentes recém-recebidos, e tomar a estrada para o Litoral. Foi a casa da minha infância, a casa eleita pelos meus sonhos. E hoje, ao acordar pensando nela, abri um livro da Sophia de Mello Breyner e meus olhos leram, assim de chofre:

“A antiga casa que os ventos rodearam, com suas noites de espanto e de prodígio, onde os anjos vermelhos batalharam (...), permanece presente como um reino, e atravessa meus sonhos como um rio”. Ah, casa azul... Aqueles dezembros há muito se perderam, mas eu ainda te navego.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011



21 de dezembro de 2011 | N° 16924
MARTHA MEDEIROS


Aula de cinema

Covardia não é palavra que me defina, mas fujo de brigas. Se pressinto que vou me incomodar, desapareço pela porta. De certa forma, isso explica por que, desde os primeiros comentários que li sobre o novo filme de Almodóvar, resolvi que não iria assistir, mesmo sendo sua fã assumida. Bizarro, grotesco, chocante, era o que eu ouvia a respeito de A Pele que Habito.

Tudo indicava que era um filme soturno. Uma amiga chegou a sair antes de terminar. Pensei: neste fim de ano, investirei em levezas, e não no que pode me atingir feito um chumbo. Não vou. Verei no DVD mais adiante, bem mais adiante.

Até que minha filha, no dia em que passou no vestibular para Cinema, me convidou para assistir à nova obra do espanhol com ela. Poderia estar comemorando com os amigos em algum bar, mas quis saudar a nova etapa do seu jeito – e me senti honrada em ser sua convidada exclusiva.

Pois bem. A Pele que Habito é bizarro, grotesco, chocante, soturno e muito mais. E é este muito mais que o torna imprescindível para acordarmos do marasmo, seja no fim do ano, no início ou no meio. A vida intelectual nos tem sido servida em bandeja de prata, parece proibido causar desconforto.

A arte continua sendo vital, mas não tem sido viral. Não nos desacomoda da cadeira, não perturba, não assombra, não nos faz perguntar qual terá sido o truque. Os truques estão vindos todos explicados no rodapé.

Já Almodóvar perturba, assombra, provoca e fascina, sem nos dar um minuto para respirar. E essa quantidade de reações é que torna A Pele que Habito uma lição de cinema para todos, não só para os bixos da faculdade. Está tudo ali, grandioso como a tela exige: o roteiro inventivo e insano, a direção magistral, a fotografia espetacular.

O superlativo assumido, ainda que a estética kitsch que o caracterizou em outras obras esteja cada vez mais refinada – mas nunca refinada a ponto de se tornar palatável. O indigesto que Almodóvar oferece é uma iguaria da qual nós, famintos por nonsense, famintos por entranhas, famintos por magia, precisamos para nos alimentar – também.

Podem parecer disparatadas essas minhas argumentações, mas ficou evidente, ao sair do cinema, o quanto é necessário abandonarmos nossa zona de conforto para enfrentarmos o absurdo, para desmascarar tudo que existe de secreto e indizível que nos revoluciona por dentro, e dentro se mantém encarcerado.

A arte serve para isso – dar voz ao incômodo. Há quem faça filmes de terror de maneira crua e explícita, sem utilizar todos os recursos que o bom cinema oferece. Não é o caso de Almodóvar, que sempre faz uma empolgada declaração de amor ao seu ofício, ao mesmo tempo que dá um tremendo crédito ao seu espectador: ele realmente acredita na ausência de covardes na plateia.

Aproveite o último dia da primavera de 2011. Amanhã começa o nosso verão. Lindo dia pra você.


21 de dezembro de 2011 | N° 16924
DIANA CORSO


Meus heróis não morreram de overdose

A foto não me sai da cabeça. Tirada em 1970 e só recentemente divulgada, mostra a presidente Dilma Roussef. Ela estava com 22 anos, sendo interrogada por militares que escondem a face com as mãos. O olhar desafiador da jovem militante, que vinha de uma jornada de tortura, contrasta com os rostos ocultos dos inquisidores.

Em 70 eu tinha apenas 10 anos, mas a próxima década me jogou numa militância que tinha conexão com aquela imagem. Nossa principal reivindicação era a abertura política e a libertação dos presos políticos: sentíamos um compromisso com os mais velhos que, mesmo apanhando, conquistaram o pouco ar rarefeito que se respirava. Admirava sua coragem, pois lembro bem do medo que sentia.

O clima ainda era de caça às bruxas, de paranoia: agentes infiltrados nas aulas e reuniões, pancadaria nas passeatas, a maior parte dos bons professores expulsos. Na vida cotidiana da maior parte das pessoas dos anos de chumbo imperava a alienação orgulhosa de si, a mediocridade convicta, o discurso retrógrado. Os rebeldes eram exceção.

As famílias classe média tomavam seu Campari e sentiam-se prósperas. Os governantes militares davam arrepios, mas pareciam ter chegado para ficar. Sentia que nadava contra corrente, não conseguia me acomodar. Embora barulhentos, éramos poucos os chatos que discursávamos proselitismos de revolução. O despotismo se firma esbravejando certezas nas quais muitos se acomodam, aniquilando discordâncias. Uma espécie de bullying em escala gigante.

Os efeitos desse mundo de adultos, pais, governantes e mestres, vivendo alegremente graças à ditadura se fizeram sentir em várias gerações de adolescentes, hoje adultos. Sofremos as sequelas culturais e psíquicas da tentativa de extermínio, ou do exílio de uma boa safra de pensadores, artistas, militantes.

Muitos morreram, outros nunca voltaram ou desistiram. O psicanalista Winnicott dizia que o questionamento dos jovens, sua irresponsabilidade criativa, capaz de pensar soluções novas para velhos problemas, era um tesouro para qualquer sociedade. Mas o despotismo nutre-se de salgar essa terra, cortar o broto da transformação. As ditaduras são estruturadas sobre a morte dos opositores e das utopias, com elas morre a juventude.

Eu devia ter visto antes aqueles rostos ocultos, vexados. É o detalhe da foto que mais me impacta: pelo jeito, a soberba dos repressores não era tão senhora de si. Se soubesse disso, poderia ter encontrado mais coragem.


21 de dezembro de 2011 | N° 16924
NÍLSON SOUZA | NÍLSON SOUZA - INTERINO


La “U”

Ouvi tantos elogios à equipe da Universidad de Chile, que conquistou recentemente a Copa Sul-Americana depois de deixar pelo caminho Vasco e Flamengo, para decidir o título com a LDU do Equador, que resolvi consultar os vídeos dos últimos jogos do time chileno.

Vi um time de muita movimentação, de toques rápidos e ocupação de espaços, mas ainda longe do futebol total praticado pelo Barcelona, comparação que já anda sendo feita neste lado do planeta.

Com mais de 30 jogos de invencibilidade e orientada pelo argentino Jorge Sampoli, discípulo de Marcelo Bielsa, La “U” é realmente uma equipe forte, baseada principalmente na força e na objetividade de seu craque Eduardo Vargas, que já foi contratado pelo Napoli da Itália. Vargas e Castro atuam na frente, pelos dois lados da área adversária, deslocando-se constantemente para o meio num revezamento perfeito com o centroavante Lorenzetti.

O ataque é o setor mais poderoso da equipe chilena, mas percebe-se a orientação de compactação, de pressão para tirar a bola do adversário e, principalmente, de extrema rapidez para chegar na frente. Não é o Barça, mas sabe jogar esse novo campeão sul-americano.

Gre-Nal

O Grêmio ofuscou a apresentação de Marcelo Moreno ao aproveitar o momento para anunciar a surpreendente contratação do zagueiro Sorondo, que havia sido dispensado pelo Inter por causa de sucessivas contusões. O fator Gre-Nal abafa qualquer notícia. Agora começa aquela torcida que todos conhecemos bem, da flauta contra a secação.

A dupla do Inter

Com Dagoberto e Leandro Damião, o Internacional terá uma dupla de atacantes tão ou mais qualificada do que a que está sendo formada pelo Grêmio, com Kleber e Moreno. A dupla está invertendo aquela lógica de que a formação de um bom time começa pela defesa. Mas os atacantes, por melhor que sejam, precisam ser municiados.

Continuidade

Mano Menezes reconhece que o Barcelona está jogando o melhor futebol do planeta e aproveita para lembrar que o time catalão só chegou a esse estágio por causa da continuidade de um projeto que vem sendo executado há mais de 30 anos. No Brasil, todos sabemos, ainda predomina o imediatismo dos resultados.

Ciclo

O futebol dá voltas. O advogado Léo Iolovitch lembra que uma das frases célebres do folclórico técnico Gentil Cardoso (1906/1970), pernambucano que treinou vários clubes cariocas (todos os grandes) e até a Seleção Brasileira na década de 60, encaixa-se perfeitamente no esquema do Barcelona: “Quem pede recebe, quem se desloca tem preferência”.

Capa

D’Alessandro, melhor jogador do Inter numa temporada em que Leandro Damião foi considerado a revelação, é a capa da última Revista Goool, editada em Porto Alegre, que se encaminha para igualar a idade do jogador colorado: 30 anos.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011



20 de dezembro de 2011 | N° 16923
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um passo à frente

De vez em quando surge uma ideia luminosa no campo da educação. É o que acontece agora, com o projeto que planeja enviar 100 mil estudantes brasileiros para estudar em centros de excelência no Exterior.

O programa do governo federal pretende enviar, em escala nunca vista, turmas de alunos de boletim impecável e pendor para as ciências. Os estudantes, de graduação ao pós-doutorado, segundo leio na excelente reportagem de Renata Betti na Veja, estudarão com as maiores cabeças pensantes de centros de excelência acadêmica lá fora.

Algo similar já se tentou no país na década de 1930. Quando foi fundada a Universidade de São Paulo, importaram-se cérebros da Europa para lecionar entre nós.

Agora ocorre o oposto. Somos nós que enviamos alunos para se qualificarem nos melhores centros de pesquisa do universo.

Não foi diverso o que sucedeu em nações como a China, a Índia e a Coreia do Sul, que aprenderam que não havia outro caminho para se equiparar com as economias de ponta do que aprender com elas. Por isso, incentivam os seus mais promissores alunos a se aperfeiçoar no Exterior e oferecem atrativos para que regressem.

Conta Renata Betti que o programa brasileiro vai na mesma linha, projetando garantir aos retornados boas condições de pesquisa e remuneração acima da média.

Temos muito que andar. O Brasil conta com apenas um pesquisador para cada mil pessoas ativas, um sétimo da média dos países mais industrializados.

Essa desproporção ajuda a entender o abismo que nos divorcia das economias mais prósperas.

Resta esperar duas coisas: que as pesquisas produzidas atendam às verdadeiras demandas do desenvolvimento nacional e que as bolsas não se limitem ao território das ciências exatas, mas abranjam igualmente o riquíssimo domínio das ciências humanas.

domingo, 18 de dezembro de 2011



PÓS-MODERNOS DE TACAPE

Que somos homens das cavernas fantasiados de pós-moderninhos, isso todo mundo sabe (poucos sabem o que seria esse “pós-moderno”). Estamos em forma, visitamos os melhores resorts, temos vários cartões de crédito e dívidas que se acumulam, mas quem liga? Marido um gatão, mulher uma gatinha, os filhos olhando. Ai o cara das cavernas desperta, grunhe, ou ruge, e ataca. Pega a clave, o tacape – que pode ser de material sólido mesmo ou matafórico, feito de palavras, ou de atitudes -, e pau no outro.

A hostilidade deve andar de mão dadas com o stress, que hoje desculpa quase tudo. No trânsito, o número de loucos à solta cresce assustadoramente: costuras bizarras, pára-choque do carro ameaçando uma trombada sem motivo, gestos obscenos pela janela ou atrás do vidro. No estacionamento, alguém te amassa o pára-lama ou risca a porta claramente com a chave do seu carro: maldade, divertimento boçal, retardados cidadãos.

Nos condomínios, nem sempre as coisas são pacíficas: onde tem gente reunida floresce vizinhança boa e amizade, mas também muita insensatez, falta de compostura, de consideração. Nas ruas, cotoveladas para abri caminho, nos ônibus senhoras em pé e mangolões atirados nos bancos. No cinema comilança, conversa e arrotos, nas salas de aula celulares e outros a pleno vapor.

Greves trancam a educação já tão por baixo. Agora deram para protestar queimando livros, (ouvi falar de alguém que fazia isso em outros tempos, chamava-se Adolf...) Transportes, aeroportos, hotéis, precários, tudo parando, vivam as férias. Viva a Copa e semelhantes. E nós, cada vez mais irritados, quer dizer, também agressivos. Viver e conviver é difícil. Tem de sublimar para continuar curtindo o seu canto abrindo seu caminho sem pisar no outro.

Vai ver a gente pede demais, espera demais, quer demais, quer compostura e paz, onde já viu? Confesso que eu queria, sim, que a gente fosse um pouco mais manos (trouxa, nunca), mais construtivo, mais aberto às possibilidades boas pois as ruins não são as únicas.

Queria que em vez de hostis e agressivos fôssemos mais gentis mais civilizados. E que, em lugar desta sociedade fascista do “tem de”, a gente se permitisse uma atitude mais bondosa consigo mesmo, perguntando, afinal, o que é que eu quero, O que é que eu posso, o que me deixa mais realizado, mais contente, mais produtivo, mais feliz – ou o que me faz assim ansioso e hostil?

Deixando de transformar o ressentimento em insulto, ou stress em pedradas, usando esterco para sujar o que existe de positivo, e ainda cuspir em cima, assim, gratuitamente, sem fundamento que não a nosso errática agressividade. Eu ando sem paciência e pouco simpática. Fora da realidade, me disse alguém. Pode ser. A idade tem suas chatices, mas pode nos fazer mais tolerantes (ou mais implicantes), o que nos torna mais alertas – porque, como diz o dito popular, o diabo não é esperto por ser diabo, mas por ser velho.

A gente entende que basta um momento só nosso, parar pensar, contemplar o outro, curtir a natureza, a vida, indagar dentro da gente mesmo, para diminuir essa irritação dos estressados. Pois, hostil, o agressivo, não se manifesta a toda hora nem em toda parte: talvez sem seja a maioria sempre pronta a rosnar e atacar. Muito jovem estuda e trabalha com grande dificuldade e é amoroso com a família. Muito velho ainda curte afetos. Muito trabalhador, do gari ao intelectual, dá o melhor de si para um mundo mais habitável.

Qualquer um pode escapar, de graça para uma beira da estrada com borboletas de um espantoso azul; descobrir as nuvens por cima dos telhados, num jogo de cores que pincel nenhum pode criar. Curtir a algazarra de crianças no pátio do edifício, mesmo entre altos muros; ou ter alguma visão de beleza dentro da mais modesta casa.

E vai se reconciliar com este atrapalhado, sedutor e hostil mundo nosso, da corrupção, da impunidade, do endividamento, da miséria, da grandeza e da iniqüidade: não se consegue por todo o sempre, mas por algum tempinho. E já será bom.
Lya Luft

Ferreira Gullar

Liberou geral

Atrasado que sou, acreditava que, se a lei proíbe o uso dessas drogas, é que elas são prejudiciais

DEPOIS DE aprovar a Marcha da Maconha, o Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, liberar também manifestações públicas a favor de toda e qualquer droga, seja lícita ou ilícita.

Já disse, aqui, que sou da terra da maconha, o Maranhão, onde ela era chamada (não sei se ainda o é) de diamba e só consumida por marginais, e não por todos. O maior uso da Cannabis era feito pelo Cotonifício Cândido Mendes, que dela fazia tecidos usados em sacos para cereais. Hoje, a maconha é assunto do Supremo Tribunal Federal e também da Procuradoria Geral da República, que solicitou ao STF a liberação da marcha em favor das drogas entorpecentes.

Como se vê, o assunto é sério, de interesse da República. Não me lembro de ter a Procuradoria Geral da República interferido junto ao STF em favor, por exemplo, dos direitos de cidadãos brasileiros que não gozam de atendimento médico nos hospitais públicos, muito embora isso lhes seja garantido pela Constituição.

Muitos desses hospitais -conforme se vê com frequência nos jornais e na televisão- não possuem equipamentos indispensáveis para o tratamento dos pacientes, alguns dos quais morrem em seus corredores e nas salas de espera.

E fico por aqui, pensando nessa gente de alto coturno debruçada sobre um processo de fundamental importância para nação em que se decide ser lícito ou não defender publicamente, em passeatas, o uso da maconha e da cocaína. E do crack também, não?

Pois é, graças a esses altos órgãos da República, descobri o quanto perde a cidadania em ter cerceado o consumo das drogas ilícitas. Eu aqui, atrasado que sou, acreditava que, se a lei proíbe o uso dessas drogas, é que elas são prejudiciais às pessoas e ao convívio social. E, se a lei o proíbe, sair à rua para defendê-las seria contra a lei.

Engano meu. Conforme o Supremo, contra a lei seria fazer a apologia das drogas. Mas quem sai às ruas pedindo a legalização do consumo delas não está, implicitamente, afirmando que elas são benéficas?

Você, leitor, sairia às ruas para defender algo que considere maléfico? Ninguém o faria, nem mesmo -creio eu- os ministros do Supremo e o Procurador Geral da República. Logo, o argumento do STF de que permite a defesa do consumo de drogas mas não sua apologia é um sofisma.

Mas não é esse o aspecto do problema que gostaria de examinar agora, e sim o fato de que a decisão do STF, baseada em dispositivos constitucionais, parece conduzir a contradições insolúveis. Um dos ministros disse que permitir manifestações públicas pela liberação das drogas é fazer valer plenamente o direito dos cidadãos. Pode ser, mas, ao mesmo tempo, tais manifestações contrariam as leis que proíbem a venda e o consumo de drogas.

Não obstante, outro ministro chegou a afirmar que "os brasileiros não suportam mais falsos protecionismos cujo único resultado é o atraso". Se isso é verdade, por que pouco mais de 5.000 brasileiros participaram da marcha da maconha numa cidade de 5 milhões de habitantes? Atraso a meu ver é pretender anular a Lei da Ficha Limpa para manter no Congresso parlamentares comprovadamente corruptos.

Não discordo dos ministros quando defendem o amplo direito de o cidadão manifestar seu pensamento. Mas a questão é, em si mesma, complexa. Embora não seja advogado nem jurista, atrevo-me a afirmar ser pouco provável que alguma Constituição preveja todas as implicações das ações humanas.

Aprova o STF manifestações em favor da pedofilia? Certamente não. Então a liberdade de pensamento tem limites. Isso leva a crer que, a partir de determinado ponto, terão que prevalecer o bom senso, os valores e interesses que atendem às necessidades vitais da sociedade, como a segurança, o convívio fraterno, o respeito à paz e à vida humana.

É uma ilusão supor que a liberdade sem limites seja sinônimo de justiça, já que, como observou um dos ministros, é impossível manter a liberdade de pensamento quando ela resulta em legitimar atos ofensivos aos direitos fundamentais e à convivência democrática. A justiça eficaz é a justiça possível, uma vez que, como disse Rimbaud, a visão plena da justiça "é um prazer somente de Deus".

sábado, 17 de dezembro de 2011



18 de dezembro de 2011 | N° 16921
MARTHA MEDEIROS


A vida da gente

Como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas

Desde que estreou, assisto a A Vida da Gente sempre que posso. Primeiro, porque já estava habituada a ligar a tevê no horário das 18h para ver Cordel Encantado, que foi uma obra de arte. Segundo, pela autora, Lícia Manzo, cujo trabalho segue a linha da excelente Maria Adelaide Amaral. E, por fim, por bairrismo mesmo: fiquei curiosa em ver como retratariam Porto Alegre, onde a trama ficcional se passa.

A Vida da Gente tem a medida da realidade. Por mais que saibamos que existem, na sociedade, vilões que mandam matar, mulheres que se vendem barato, familiares que se sacaneiam e barracos que acabam em delegacias, tudo isso é sempre over nas novelas – ninguém presta. E as motivações são fúteis, maniqueístas e sem respaldo psicológico.

A trama principal da novela: uma tenista entra em coma por quatro anos e, ao acordar, depara com uma filha crescida e um namorado que já não é seu. Foram transferidos para sua irmã, que não é uma cobra, e sim um doce de garota que apenas respondeu às exigências da continuidade da vida: criou a filha da irmã desacordada e acabou se apaixonando pelo pai da garotinha. Incomum, mas verossímil, até porque todas as nuances são abordadas sem simplificações. O público apenas testemunha as urdiduras do destino.

Em paralelo, um pai cuida das filhas em casa enquanto a mãe trabalha. Outro pai e sua esposa fútil não cuidam do filho, terceirizando-o para uma babá. A dificuldade de se relacionar com enteados. Uma mulher sequelada se anula para viver a vida da filha favorita. O amor na terceira idade.

A aproximação de uma filha adotiva com o pai biológico. Uma mulher com urgência para procriar busca um pai compatível, em vez de um amor de verdade. Pais, pais, pais. Eles nunca tiveram tanto protagonismo numa novela – finalmente, os papéis masculinos ganharam humanidade, em vez de se dividirem entre bandidos inescrupulosos ou galãs insípidos.

Não há apelos sensacionalistas – os homens não andam sem camisa, as mulheres não são periguetes, os diálogos não são vulgares, o humor é sutil, e não caricato. A canastrice foi abolida. E ainda que as atuações sejam discretas, pouco mobilizantes, não há como não se render ao trabalho de Ana Beatriz Nogueira, Nicette Bruno, Gisele Froes, Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcellos – sem desprezar nenhum dos não citados.

Mas, de tudo, o que mais me anima é o bom gosto. Não só o bom gosto da luz, da trilha sonora, da fotografia, do texto, mas da conduta. Não há grandiloquência no heroísmo nem na vilania. O que existe é a vida de todos nós: frágeis, inseguros, divididos, carentes, buscando acertar sem cometer muitos furos.

Não que Terezas Cristinas sejam totalmente irreais, mas como é bom se reconhecer em personagens menos alegóricos e voltar a acreditar que não somos tão cafonas.


17 de dezembro de 2011 | N° 16920
NÍLSON SOUZA | NILSON SOUZA - INTERINO


Coadjuvantes

Todos sabemos o que esperar de Messi e Neymar amanhã, quando Barcelona e Santos estiverem em campo para decidir o Mundial de Clubes da Fifa. O argentino é um fenômeno do drible rasteiro, moldado na escola de futebol do clube catalão e perfeitamente integrado num elenco de virtuoses com coração e mente de operários. O brasileiro é uma revelação multitalento, nascido no terreno fértil da Vila Belmiro, onde passaram a germinar craques intuitivos a partir da semente Pelé.

São fora de série, e deles se pode esperar sempre o lance de desequilíbrio numa decisão, mesmo que sejam vigiados o tempo todo pelos carcereiros de Alcatraz.

Difícil é prever o que farão os coadjuvantes – também profissionais qualificados em suas respectivas funções. O Mundial pode ser decidido por uma cabeçada de Puyol, por uma falta de Elano, por um rebote de Piquet, por uma chegada inesperada de Arouca. Os que cercam e marcam, os que se entregam ao coletivo, os que carregam o piano, estes invariavelmente têm o seu momento de brilho.

Correr riscos

Na visão do treinador Paulo Roberto Falcão, a única maneira de derrubar o favoritismo do Barcelona é correr riscos. “O Barcelona caminha em campo quando quer ganhar, e corre quando quer golear. É um favoritismo tão gritante que deve ser utilizado pelo treinador adversário”. Como? Atacando. Falcão acha que existe um motivo simples e definitivo para atacar o Barcelona: já está provado que ficar atrás, apenas se defendendo, é suicídio.

Videogame

Neymar confessou que Puyol, seu provável marcador amanhã, é um dos ídolos preferidos no seu videogame. O santista tem 19 anos, o catalão fará 34 em abril. O improvável confronto é um daqueles momentos de magia que só o futebol proporciona.

ET

Por aqui se costuma dizer que o árbitro ideal para um Gre-Nal seria um extraterrestre, que desembarcasse no estádio na hora do jogo, sem conhecer nem se deixar tocar pelas paixões que movem o futebol local. A primeira impressão que se tem é de que esse foi o critério para a escolha do juiz da final de amanhã: Ravshan Irmatov, do Uzbequistão. Mas é um equívoco. Ele já apitou a final de 2008, entre Manchester United e LDU, e trabalhou em cinco jogos da Copa de 2010. Além disso, o Uzbequistão, na Ásia Central, não é tão inocente no futebol. Até já contratou Felipão para trabalhar lá.

Agora vai

Aprovada pelo Conselho Deliberativo do Internacional, a parceria feita para transformar o Beira-Rio num estádio digno da Copa do Mundo deverá, finalmente, deslanchar. O episódio lembrou o processo de privatização das estatais brasileiras: dói entregar os anéis para manter os dedos, mas a alternativa sem romantismo é a amputação. Resta agora torcer para que não termine em livro de denúncia.

Já foi

Enquanto isso, a Arena do Grêmio cresce “assustadoramente”, como definiu equivocadamente um comentarista outro dia. É impossível passar pela freeway sem ter a atenção voltada para o gigante de concreto que se ergue na margem da rodovia. As notícias sobre acidentes naquele local indicam que alguns motoristas andam se distraindo demais com a visão.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011



14 de dezembro de 2011 | N° 16917
MARTHA MEDEIROS


Não pega

Hoje será votado o projeto que pretende alterar o nome da Avenida Castelo Branco. A ideia é de que a avenida deixe de homenagear um representante da ditadura militar para se chamar Avenida da Legalidade, que é um movimento que orgulha os gaúchos.

Os autores do projeto, os vereadores Fernanda Melchionna e Pedro Ruas, estão bem-intencionados e seus argumentos são razoáveis, mas é uma iniciativa que, vitoriosa ou não, pouca diferença fará. Ninguém vai passar a dizer: “Me atrasei, fiquei preso na Legalidade”. Todos continuarão saindo e entrando livremente de Porto Alegre pela Castelo Branco.

No Rio, as pessoas desembarcam no Galeão, mesmo que o aeroporto se chame Antonio Carlos Jobim desde 1999. Alguém se refere a Cat Stevens como Yusuf Islam? É o nome do cantor desde que ele se converteu ao islamismo. Quem escutava Jorge Ben quando criança não consegue chamá-lo hoje de Jorge Benjor, e muitos moradores vizinhos à Praça Carlos Simão Arnt (praça o quê? Ah, a praça da Encol) seguem chamando o supermercado Nacional de Febernatti.

Não importa se por homenagem, conversão religiosa, numerologia ou mudança de propriedade: temos profunda resistência a trocar de hábitos. Na época da escola, tínhamos uma colega cujo apelido era Gorda. Hoje, a Gorda é uma mulher linda e magra que faz questão de que a chamemos pelo nome, Marina.

Mas alguém consegue? Quando ela nos apresenta algum namorado ou se está diante de uma cliente, ai de nós, suas amigas de infância, se perguntarmos: “Onde é que tu conheceste a Gorda?”. Ela nos fulmina com os olhos como quem diz: “Te pego na saída”.

Mas não pega.

Porque, depois de um tempo, Gorda deixa de significar acima do peso, assim como Castelo Branco deixa de significar presidente do regime militar. Ninguém racionaliza sobre nomes próprios. A menção torna-se automática, sem nenhuma codificação, sem nenhum racionalismo. Tanto faz se uma loja for inaugurada com um nome esdrúxulo ou chique, pois todos os nomes são rapidamente despidos de qualquer sentido.

Lembro que houve uma época em que a butique mais elegante de Porto Alegre chamava-se Levajeito: nome de lojinha de subúrbio. Assim como lanchonetes de fundo de quintal são batizadas com nomes em inglês e apóstrofo – identificações superficiais, pois o que segue relevante é a identidade intrínseca do local.

Infelizmente, é assim: o costume elimina a significância. Vá saber se em algum rincão do Brasil não há uma rua chamada Orlando Silva, que tanto pode estar homenageando o cantor das multidões como o ministro que saiu do governo sob acusações de irregularidades.

Na hora de dizer Orlando Silva, 256, apartamento 101, quem pensa no ilustríssimo que a inspirou?

Não que seja um mau projeto. Só me parece inútil.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011



13 de dezembro de 2011 | N° 16916
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


No coração de Paris

Há lugares que é agradável visitar lá fora, mesmo que não estejam entre as grandes atrações do lugar. São simplesmente pontos em que você se sente bem com a vida e com o mundo. Duas reportagens me marcaram encontro com eles no outro fim de semana.

O caderno Donna, de Zero Hora, me reapresentou ao Harry’s New York Bar, de Paris, ou, mais simplesmente, o Harry’s Bar. Frequentei-o muitas vezes, no número 5 da Rue Daunon. O local, inaugurado há precisamente cem anos, tornou-se famoso nas décadas 20 e 30 do século 20. Entre seus habituês estavam Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, mais o restante da Geração Perdida e adjacências. O Harry’s Bar continua firme e forte, com toda a tradição que construiu sua fama.

Já a revista Veja percorre a história de uma espécie mais frágil. Passam mal os pubs da Inglaterra. Diz a matéria que, sem público e sem dinheiro para pagar os salários dos empregados, 37 deles fecham as portas, em média, toda semana na terra da Rainha Elizabeth.

É uma pena, porque os pubs fazem parte da crônica histórica e literária do Reino Unido. “Uma caneca de cerveja é um prato de rei”, escreveu ninguém menos do que William Shakespeare.

Dickens ambientou parte de um de seus romances na Trafalgar Taverne. E os contos e romances de Somerset Maugham trazem alusões à centenária invenção, que decreta, além do fim de um hábito secular, uma ameaça a 2 mil marcas diferentes de cerveja que resistem no reino da Princesa Kate.

Tudo isso é, no fundo, mais um resultado da economia combalida pela crise avassaladora que assola a Europa, das severas leis antifumo e das mudanças nos hábitos de consumo de bebida.

Mas, como lembra Duda Teixeira em Veja, é preciso não esquecer que a inflação dos últimos quatro anos reduziu o poder de compra dos ingleses.

Mas nada muda uma realidade: os pubs não desaparecerão, apesar de todas as crises, e o Harry’s Bar seguirá sendo uma bandeira de bom gosto no coração de Paris.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


JAIME SPITZCOVSKI - jaimespitz@uol.com.br

O túnel escuro das férias

Além do problema da rejeição, a população canina nas ruas aumenta também devido aos rojões

Nuvens escuras se avizinham para quem cultiva o bem-estar animal. Férias e festas de fim de ano conspiram para uma alta significativa no número de pets abandonados e daqueles que, sem aguentar o barulho ensurdecedor de rojões, fogem de seus lares na esperança de chegar a um porto silencioso.

O aumento de abandonos ocorre por motivos dantescos. O dono, sem local para deixar o animal durante a viagem de férias ou sem disposição para resolver o problema, descarta o suposto companheiro. Deixa-o no meio do caminho, na estrada, próximo ao terminal rodoviário, ou mesmo nos arredores do destino turístico.

A condenação à pena do abandono se infiltra em países dos mais diversos perfis socioeconômicos. Na Holanda, uma associação de proteção animal recorreu a um vídeo polêmico. A primeira cena mostra um carro se dirigindo a um bosque. Uma criança no banco traseiro segura uma bola. A sonoplastia sugere um clima de descontração e relaxamento típico das épocas de veraneio.

O veículo escapa da estrada principal e estaciona num local ermo. O motorista desembarca, abre a porta para a criança e os dois caminham alguns passos. O adulto pega a bola, dá um chute de longa distância e o petiz dispara exultante, em busca do brinquedo. É quando o motorista dá meia-volta, entra no carro e sai em alta velocidade. Desolado e inerte, o menino observa, bola na mão, a fuga de quem o levava.

A imagem congelada, impactante, serve de pano de fundo para uma frase com a triste constatação da realidade holandesa: "Todos os anos 150 mil pets são abandonados". E o vídeo termina exortando que se pense duas vezes antes de assumir a responsabilidade de cuidar de um animal.

Além da crueldade do abandono, outros aspectos colaterais surgem. Segundo levantamento feito na Itália, 85% dos cães descartados por seus donos morrem em até vinte dias, sobretudo em atropelamentos. As cifras seguem para apontar que, em 2004, houve 754 acidentes provocados por cães ou gatos na pista. Número de humanos mortos: 380.

A população canina nas ruas aumenta também devido ao uso de rojões, hábito tão enraizado em festas de fim de ano. A explosão de alegria humana corresponde a uma tortura para ouvidos famosos pela exacerbada sensibilidade, especialmente quando comparada aos de seus donos. Nessa comparação, vale registrar que o cão consegue captar barulhos quatro vezes mais distantes.

Fim de ano também corresponde ao término do Campeonato Brasileiro. Mais rojões espocam e como que lancetam tímpanos caninos. Sei que esta coluna não corresponde ao espaço para tal discussão, mas pergunto se não é hora de adotar no Brasil o calendário futebolístico europeu.

A argumentação aqui se reveste de interesse canino. Pelo menos as finais aconteceriam em outra época do ano, e os castigos em decibéis impostos aos amigos de quatro patas deixariam de se concentrar tanto em dezembro.

Luiz Felipe Pondé

Marketing do desejo

Vivemos a época das "verdades construtivas de comportamento", a ciência da mentira dos "loosers"

"Mais importante do que o sucesso é passar uma imagem de sucesso." Você pode ouvir uma frase como esta em qualquer palestra brega de motivação em recursos humanos.

Já disse antes que acho palestras assim a coisa mais brega que existe. Mais brega do que isso só mesmo achar que o mundo melhorou porque existe o Facebook.

A melhor forma de manter a dignidade na era do Facebook (se você não resistir a ter um) é não contar para ninguém que você tem um Facebook. Quase tudo é bobagem nas redes sociais porque o ser humano é banal e vive uma vida quase sempre monótona e previsível.

E a monotonia é o traje cotidiano do vazio. E a rotina é o modo civilizado de enfrentar o caos, outra face do vazio.

A ideia de que aprendemos a falar porque quisemos "conhecer" o mundo é falsa. Segundo os evolucionistas, é mais provável que tenhamos aprendido a falar para falar mal dos outros e fofocar.

O "Face" é, neste sentido, um artefato paleontológico que prova que nada mudou.

Sempre se soube que não basta à mulher de Cesar ser honesta, ela tem que parecer honesta, portanto, a imagem de honesta é mais importante do que a honestidade em si. Mas aqui, o foco é diferente: aqui a questão é a hipocrisia como substância da moral pública. Todo mundo sabe que a mentira é a mola essencial do convívio civilizado.

No caso de frases como a citada no primeiro parágrafo, comum em palestras de motivação em recursos humanos, é que são oferecidas como "verdades construtivas de comportamento". E não como o que verdadeiramente são: estratégias para desgraçados e "losers" se sentirem melhor.

Ficamos covardes. Fosse esta geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que tivesse que enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra.

Provavelmente esses estragados por décadas de "estado de bem-estar social" teriam dito "não à guerra em nome da paz". Grande parte do estrago que Hitler fez no início foi causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente medrosa mesmo.

Mas nossa época, como eu costumo dizer muitas vezes, é a época do marketing de comportamento. A "ciência da mentira dos losers". Dentro desta disciplina geral, existe o marketing do desejo, especializado em mentir para as pessoas dizendo que "sim, confie no seu desejo que tudo dará certo".

Mesmo alguns psicanalistas (vergonha da profissão) embarcaram nesse otimismo de classe média. "Nunca traia seu desejo", dirão os traidores da psicanálise.

Sabe-se muito bem que é o desejo que nos trai porque ele está e vai além do que, muitas vezes, conseguimos suportar.

Uma das grandes tragédias de nosso tempo é o fato de que não existem mais recursos "simbólicos" para aqueles que resistem ao desejo em nome de "um bem maior", como no caso da família, do casamento, ou simplesmente resistir a virar canalhas com desculpas do marketing. O legal é ser "escroto" se dizendo "livre". A "ética do desejo", que recusa abrir mão do próprio desejo em nome de algo maior do que ele, destruiu a noção de caráter.

Para a moçada do marketing do desejo, resistir ao desejo é coisa de gente idiota e mal resolvida porque ter caráter não deixa você muito feliz o tempo todo.

É verdade que resistir ao desejo não garante felicidade alguma, mas uma cultura dominada pela ideia de felicidade é uma cultura de frouxos. Mas outra verdade, não menor do que a anterior, é que o desejo pode ser um companheiro traiçoeiro. A afetação da felicidade faz de nós retardados mentais. Eu nunca confio em gente feliz.

O mestre Freud dizia que o desejo é desejo de morte. Afirmação dura. Mas o que ela carrega em si é o que já sabemos: o desejo nos aproxima do nada (morte) porque desvaloriza tudo que temos. Por isso, quando movidos por ele, sem o cuidado de quem se sabe parte de uma espécie louca, flertamos com o valor zero de tudo.

Nada disso significa abrir mão do desejo, mas sim saber que ele nos faz animais que caminham sobre tumbas que sorriem para nós como mulheres fáceis. Resistir ao desejo talvez seja uma das formas mais discretas de amar a vida.

ponde.folha@uol.com.br