sábado, 29 de abril de 2023


29/04/2023 - 09h00min

Claudia Tajes

Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias

Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim. Felizes são os gatos, que têm sete vidas para se apaixonar.

Estive em uma comemoração de 40 anos de casamento. Quarenta anos. Sei que tem gente casada há mais tempo que isso, alguns há muito mais tempo, mas ainda assim não consigo deixar de olhar com um espanto respeitoso para essas quatro décadas. Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias. 

Quanta coisa aconteceu em 40 anos? Países se separaram ou foram anexados na marra. Algumas moedas foram criadas e outras submergiram nos desmandos da economia. Estrelas foram descobertas, Plutão deixou de ser considerado um planeta, coitado. Novas espécies de bichos e de plantas foram encontradas, outras sumiram para sempre. 

As ombreiras saíram da moda, voltaram e, graças à deusa, caíram no esquecimento outra vez. Ainda que sempre se corra o risco de algum estilista resgatá-las do cemitério das tendências passadas. Crianças cresceram, adultos envelheceram, nasceu gente que não acaba mais no mundo. Livros maravilhosos foram escritos, e uma tonelada de livros ruins, também. Amores começaram e terminaram.

E a Cíntia e o Luiz Paulo seguiram casados. Sou amiga dos dois há uns bons 20 anos, categoria dente de leite perto de outros presentes à cerimônia – alguns que, desconfio, têm com os noivos reincidentes relações que vêm de vidas passadas. Ainda que um longo casamento por vezes me pareça, digamos, exótico, eu que tenho uma ficha corrida amorosa regular, casais longevos não faltam e muitos estavam na festa. A Tânia e o Felicinho. A Chris e o Ricardo. A Nora e o Jorge. A Porto e a Maldo. A Diana e o Mário. A Paula e o Eduardo. A Lucia e o Luis Fernando. A Luciana e o Carlos. A Josa e o Zé. O Nestor e a Lúcia. Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim.

Raros são os encontros. Como é de praxe nos recasamentos, a Cíntia e o Luiz Paulo trocaram novas alianças e renovaram seus votos para mais algumas décadas. Os dois prometeram continuar cuidando um do outro, inventando reformas na casa, viajando sempre que o dólar permitir e lendo e escrevendo vida afora. Pausa para os nossos comerciais. A Cíntia está começando mais uma edição da sua clássica Oficina do Subtexto, que já revelou muitos autores e que publica um livro ao final do curso. As aulas são online e as informações você consegue aqui: cintiamoscovich@gmail.com

Entre lágrimas e risos, só sei que a festa foi até as seis da manhã e o Luiz Paulo ainda bebeu a última cerveja antes de dormir e entrar oficialmente no quadragésimo-primeiro ano do casamento. Encerro com os votos da Cíntia para ele: “No mais, prometo continuar fazendo o que sempre fiz, porque foi isso o que me trouxe até aqui. Sem prestar atenção a promessas, prometo te dar o restante da minha vida. Porque a maior parte dela já tiveste – e foi bem bom”. Adoro continuações felizes.


29 DE ABRIL DE 2023
CAPA

CINTILANTES

Com estilo assinado por Xico Gonçalvez, o Miss Universo Rio Grande do Sul terá como narrativa principal a Era do Ouro. Do figurino à evolução das classificações, o espetáculo prometido por Bebeto Azevedo culminará na referência ao valioso ouro branco. A coroa da grande vencedora será entregue, assim como a faixa, por sua atual detentora, Alina Furtado.

No próximo sábado, o Estado conhecerá a nova representante de seu mais relevante concurso de beleza, o Miss Universo Rio Grande do Sul. Em 6 de maio, além de saber quem será a grande vencedora, os gaúchos serão apresentados a uma nova dinâmica, com mulheres casadas e com filhos, além de uma participante transgênero, entre as candidatas. E a transformação vem no mesmo ano em que se celebram seis décadas da primeira vez em que a beleza brasileira foi destaque na etapa mundial. Foi em julho de 1963 que o país entrou para a elite do Miss Universo e a conquista veio pela graça e desenvoltura da gaúcha Ieda Maria Vargas Athanásio que, na época, tinha 18 anos e nem tanta fé assim na própria vitória.

- Quando ouvi meu nome, "Maria Vargas from Brazil", nem acreditei. Não esperava. Passou um filme na cabeça enquanto caminhava para o centro do palco - relembra ela, aos 78. E arremata: - Concorri a representante do (clube) Cantegrill, simplesmente, porque um amigo da famíla me inscreveu sem ninguém saber. Nem eu! Seis meses depois, estava ganhando o Miss Universo.

Nos últimos 60 anos, muita coisa mudou, não apenas na trajetória de Ieda, que deixou a maratona internacional dos concursos em 1968 para se dedicar à vida que construiu em Porto Alegre. Para a pioneira no reinado, se trata de um reflexo natural da evolução, da modernidade:

- Confesso que não acompanho mais tanto os concursos, mas não vejo problema. Desde que sejam aceitos e não impostos.

Mesmo tendo em suas raízes uma outra visão sobre a imagem feminina, para quem conhece um pouco da história da eterna Miss Universo, não é novidade a sua postura descolada. Reconhecida entre as personalidades gaúchas mais relevantes do século 20, manteve a elegância em meio às adversidades. Nos últimos anos, anotou em sua conta de potenciais traumas pelo menos um acidente vascular cerebral (AVC) e a morte do marido, José Carlos Athanásio, que carinhosamente chama de Zé, vítima de câncer, em 2009.

E foi com a perda do companheiro de toda a vida que veio a grande mudança. Cerca de um ano depois, rumou para Gramado, determinada a realizar o que sonharam juntos e levando na bagagem lembranças felizes embaladas com muito aprendizado. Parte das memórias, é verdade, acabou se perdendo aos poucos pelo impacto dos problemas de saúde. Porém, para Ieda, viver plenamente o hoje é reconfortante.

Ao lado da filha, Fernanda, 48, e dos netos, Enzo, 21, e Carmela, 15, curte o ar sempre renovado da Serra em um dia a dia que inclui exercícios ao ar livre, uma programação cultural diversa e momentos com amigos. Na agenda cabem ainda idas regulares ao salão para fazer as unhas com a Lídia e maquiagem na medida de seu olhar crítico com o Laudo. Foram eles, a propósito, que assinaram sua beleza para as fotos de Jefferson Botega, que tu conferes aqui e em nossa capa. Nomes entre os que cita com carinho em nosso bate-papo. Veja, a seguir, os melhores momentos.

Na tua opinião, qual a função de uma miss na sociedade hoje?

Não mudou muito desde a minha época. A miss exerce o papel de exemplo para outras mulheres. Não só na beleza, mas para conseguir conquistar seus objetivos - sejam eles profissionais ou pessoais.

Ela tem que apoiar causas sociais e, principalemnte, representar o seu país. E mostrar sua cultura, pois ela se torna a representante de toda uma nação.

E o que pensas sobre o Miss Universo ter passado a aceitar novos perfis de candidatas?

O nome "Miss", em inglês, significa mulher solteira. Assim, teriam que mudar o nome do concurso, não é verdade?

Mas, ampliando o conceito para mulher, em vez de solteira, como a palavra miss significa, não vejo problema nenhum. Como já disse, desde que isso seja aceito de boa vontade, e não imposto.

Como resumirias os últimos 10 anos em tua vida?

Já moro em Gramado há uns 15 anos, desde que o Zé morreu. Nesses últimos anos, só aumentei a quantidade de remédios diários (risos). Tem sido ótimo morar em Gramado. Não poderia ter escolhido melhor.

Mas, com a idade, vêm as doenças e limitações inerentes. Estou esquecendo palavras, memórias. Inclusive, tenho um projeto de um livro para publicar, pois quero deixar minhas memórias para quem tiver interesse em saber sobre minha vida.

Inevitavelmente, todos morreremos... Quando esse dia chegar, só espero não ter muitos arrependimentos. Espero que, realmente, tenha feito tudo para ser o mais correta possível com todas as pessoas que passaram pela minha vida.

Tenho certeza de que criei meus filhos da melhor maneira possível. Tanto eu quanto o Zé fizemos tudo o que poderíamos. Erramos e acertamos. Afinal, não existe um manual para criar os filhos, mas acho que fizemos bem.

Os ares de Gramado fazem diferença para tua saúde física e mental, de alguma forma?

Adoro Gramado. Era meu sonho e do Zé nos aposentarmos e morarmos em Gramado.

Ele, infelizmente, não conseguiu, por causa do câncer. Então, vivo aqui por nós dois.

A qualidade de vida é fantástica. As ruas são limpas e seguras, os automóveis param nas faixas de segurança e tem muito verde. Não consigo imaginar uma outra cidade para morar.

Como tem sido a tua rotina desde a aposentadoria?

Acordo, normalmente, cedo. Tomo um café bem gostoso, depois faço uma caminhada. Mesmo estando aposentada, sempre tem o que se fazer.

Segues fazendo exercícios físicos regularmente? Confesso que deveria fazer mais, mas qualquer academia custa uma fortuna, hoje em dia. Então, faço o básico, uma boa caminhada. Como lidas com a vaidade?

Sem frescura. A idade chega para todas nós e temos que conviver com ela. Perdemos em beleza, mas ganhamos em maturidade e experiência. Mudou muita coisa, neste sentido, desde quando participavas de concursos de beleza?

Na minha época, a beleza era natural. Hoje em dia, se faz todo o tipo de cirurgia plástica.

Colocam peitos, bumbum, preenchimento labial. Nada contra isso, acho que faz parte, inclusive, da evolução da ciência, não é mesmo?

Quais os principais benefícios da maturidade para a mulher? Não se cobrar tanto. Conforme envelhecemos, convivemos com nossas rugas, com nosso corpo e com doenças da idade. E, claro, usar a experiência para tentar deixar mais leve a vida.

Como és como avó?

Boa pergunta. Acho que sou uma avó como tantas outras. Acabo estragando os netos (risos). Tens algum ritual de autocuidado de que não abres mão? Principalmente, beber bastante água. Comer vegetais e dar uma boa caminhada.

Quais são as tuas atividades favoritas para o lazer?

Gramado sempre tem diversas programações. Principalmente, no inverno. No último sábado (22), mesmo, fui ao festival Caminhos de Outono, teve jazz. Além disso, fiz diversas amizades aqui. Sempre nos encontramos para botar a fofoca em dia.

O que te faz feliz hoje?

Ver meus netos crescerem. Isso me faz muito feliz. É o que me faz mais feliz hoje em dia. Algum sonho ainda por realizar? Voltar a Miami e conhecer a Espanha. São meus dois sonhos que ainda faltam para realizar. E espero conseguir. 

MARY SILVA

29 DE ABRIL DE 2023
CAPA

Seis décadas de soberania Um novo olhar sobre o Miss Rio Grande do Sul

Às vésperas da final do Miss Universo Rio Grande do Sul, gaúcha Ieda Maria Vargas Athanásio fala sobre os novos rumos do concurso e conta como tem vivido a aposentadoria na Serra, 60 anos após colocar o Brasil na elite da maior competição de beleza do mundo

- A Ieda foi eleita em um momento em que se valorizava mais a beleza, mas penso que ela extrapolou isso à medida em que se tornou uma mãe maravilhosa, uma quase chefe da sua família. Isso é muito importante: a gente também reconhecer nela alguém que iniciou os passos que seguimos até hoje, 60 anos depois. E sigo procurando uma Ieda Maria Vargas. Continuo procurando uma joia rara, que é o tema do concurso.

A declaração de Bebeto Azevedo, coordenador do Miss Universo Rio Grande do Sul, resume um pouco de sua motivação para a condução da histórica edição do concurso, que tem sua grande final marcada para a noite de 6 de maio, em Canoas. A possibilidade de abrir novas portas para a realização de sonhos, explica o médico pediatra, é o fio condutor deste trabalho para o qual afirma se ver desafiado desde que assumiu.

- Não pretendo fazer um concurso, mas um espetáculo. Essa abertura e as novas expectativas de candidatas com filhos, casadas, belezas diferentes, merecem. O Miss Universo hoje não é a beleza pela beleza. Tem propósito: é uma mulher com boa oratória, que faz trabalhos sociais, que pode motivar as mulheres a serem mais empoderadas, a fazer o que quiserem - declara.

Neste contexto, a ideia é ampliar as oportunidades dentro dos critérios da competição. Azevedo antecipa que um dos lugares entre as 12 finalistas já tem dona. A participante que apresentar o maior número de peças em doações para um brechó beneficente no dia seguinte à final levará a vaga. A iniciativa, chamada Segunda Vida, ocorre em parceria com a Federação das Apaes do Estado do Rio Grande do Sul (Feapaes-RS), no mesmo local da escolha da nova miss, o Centro de Eventos Multi Hall do ParkShopping Canoas.

Esta é uma das ações que integram a programação, de acordo com o coordenador:

- Temos também uma parceria com o Senac, que envolve feiras de oportunidades e de empregos com foco especial nas mulheres. Além disso, para auxiliar na produção do brechó e das candidatas, no sábado e no domingo, teremos alunos de formações em moda e beleza do Senac, colocando em prática o que aprendem nas salas de aula.

Com várias frentes, a etapa gaúcha do concurso materializa a potência feminina de forma diferente de como era feito décadas atrás. Desprendido do conceito puramente estético, o Miss Universo Rio Grande do Sul se propõe a iniciar em 2023 uma nova fase de sua história, impulsionada pela diversidade.

- Tudo o que as pessoas esperavam da Ieda em 1963 talvez seja o mesmo que procuram agora. Uma mulher que seja um ideal de pessoa, uma porta-voz das nossas ideias - reflete, fazendo um comparativo: - Os critérios antigos, sobre medidas corporais, não existem mais. Antes, cinco polegadas decidiam o concurso. Hoje, ela tem muitas polegadas a mais de inteligência, de bem-fazer, de trabalho social, de coisas legais e importantes. É uma mulher bonita e empoderada que passa a representar um país todo.



29 DE ABRIL DE 2023
MODA

Com vista para o Guaíba

Pompéia abre as portas de sua loja-conceito no Pontal Shopping

Inaugurar uma loja-conceito da Pompéia, que carrega no DNA uma moda democrática, em um dos mais badalados cartões-postais de Porto Alegre representa a realização de um sonho para Carmen Ferrão, superintendente do Grupo Lins Ferrão. A materialização do desejo, que começou com o lançamento da loja no Cais Embarcadero, foi concluída na última quarta-feira, com a inauguração da operação no Pontal Shopping. 

Se alguns anos atrás dissessem que iríamos abrir um projeto como o Donna Beauty Pompéia, e ainda mais no Pontal Shopping, ninguém acreditaria. É muito bom viver esse momento. Faz a gente se renovar. Acredito que muitas pessoas vão entrar com um olhar e vão sair com uma experiência diferente, vão se surpreender afirma Carmen. O empreendimento foi idealizado como um espaço onde a cliente possa encontrar tendências com preço acessível, fazer compras tranquila e trocar ideias com outras mulheres, leitoras, consultores de moda e mais. 

A diretora de marketing e e-commerce da Pompéia, Ana Paula Ferrão, explica que, por se tratar de um ambiente de tamanho menor na comparação com as demais unidades, a operação contará sempre com uma curadoria especial de produtos. A tecnologia também está a serviço da experiência: um totem instalado na entrada possibilita acessar a prateleira infinita e comprar itens para receber em casa. Tem tudo para ser um sucesso. Essa vista maravilhosa, um novo ponto turístico da cidade. Aqui é a casa de Donna e de Pompéia, portanto, sintam-se sempre bem-vindas, leitoras e clientes. 

Temos uma loja modulada, cujo layout pode ser mudado quando fizermos eventos. Temos também consultores de moda que estão sempre aqui para oferecer ajuda convida Ana Paula. Ao fundo da sala, à direita, há ainda um lounge especialmente arquitetado para receber jornalistas e clientes, com mesas, cadeiras flexíveis, plantas ornamentais e decorado com o logotipo de Donna. O recanto marca a parceria com a revista, para aproximar ainda mais as marcas e seus públicos. 

Para a diretora-executiva de Mercado do Grupo RBS, Patrícia Fraga, a inauguração representa o começo de uma nova fase do projeto Donna Beauty Pompéia: Queremos estar conectados a esse novo ponto da cidade que tem uma proposta muito alinhada à nossa. Não é só um ambiente de compras, mas onde também é possível curtir e ter trocas. Pretendemos trazer para cá muito conteúdo e discussões sobre assuntos que interessam às mulheres e às famílias, e convidar nossas leitoras e as clientes da Pompéia para participar das discussões em um espaço bonito, com uma vista maravilhosa. 

O lançamento também é a cereja no bolo dos 70 anos do Grupo Lins Ferrão, detentor da marca. Me sinto muito feliz de poder estar fazendo parte, ainda mais no ano da comemoração dos nossos 70 anos. Juntamente com nossa loja do Embarcadero, a Pompéia está acompanhando de ponta a ponta a orla do Guaíba, e tenho certeza de que o que nós estamos fazendo nessa região de Porto Alegre é um diferencial conclui Carmen Ferrão. 

LETÍCIA PALUDO

29 DE ABRIL DE 2023
FLÁVIO TAVARES

PERIGOS DA CEGUEIRA

A destruição é visível e a ciência adverte para o perigo, mas nos fazemos de surdos e cegos ante o horror. O derretimento das geleiras nos polos eleva o nível dos mares e, no último ano, atingiu proporções ameaçadoras à vida no planeta, como adverte a Organização Meteorológica Mundial em seu último relatório sobre o clima.

As mudanças climáticas transformaram-se em crise profunda, que exige uma mudança radical no comportamento de cada um de nós frente ao esbanjamento da atual sociedade de consumo. Nos últimos 10 anos, a taxa de aumento médio do nível do mar duplicou devido ao derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártica, adverte a Agência Espacial Europeia.

Os mares são uma espécie de ferramenta de captação do calor do planeta, aliviando os perigos do efeito estufa, mas, paralelamente, têm efeitos em cadeia quando os ecossistemas marinhos são ameaçados.

"Enquanto a emissão de gases de efeito estufa cresce e muda a temperatura, a população mundial é afetada pelo clima extremo e seus graves efeitos", adverte o relatório da Organização Meteorológica Mundial.

Continuamos surdos, porém, às advertências e às observações da ciência. Seguimos poluindo o ar com automóveis movidos a petróleo, enquanto os carros elétricos continuam inacessíveis pelo alto preço, além de não terem onde se abastecer. Chegamos ao absurdo de gerar eletricidade com usinas térmicas a carvão mineral, pouco desenvolvendo a energia eólica ou, até mesmo, aproveitando as ondas marítimas da extensa costa do Brasil.

As florestas continuam a ser tratadas como um estorvo, quando - em verdade - são a grande dádiva da natureza. A destruição da Amazônia e da Mata Atlântica continua em ritmo acelerado. Não respeitamos sequer a água (que deu vida ao planeta), permitindo que o garimpo polua os rios amazônicos com mercúrio.

O mais aterrador, porém, é o fantasma da fome no mundo inteiro, pois as mudanças climáticas interferem diretamente na agricultura, alterando o ritmo das lavouras.

O ex-presidente Bolsonaro incorporou a morfina ao anedotário político. Em longo depoimento à Polícia Federal, tentou defender-se atribuindo aos "efeitos da morfina" (usada numa obstrução intestinal) as afirmações de que o resultado da eleição presidencial havia sido fraudado?

FLÁVIO TAVARES


29 DE ABRIL DE 2023
ORLA DO GUAÍBA

Centro de eventos nos planos para o trecho 2

A prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado trabalham em conjunto para a divulgação de um projeto que buscará uma Parceria Público-Privada (PPP) para construção de um centro de eventos no trecho 2 da orla do Guaíba, onde atualmente existe o Anfiteatro Pôr do Sol.

Na próxima sexta-feira, o secretário estadual de Turismo, Vilson Covatti, deve se reunir com o governador Eduardo Leite para apresentar o Plano de Manifestação de Interesse (PMI) elaborado pela prefeitura. Se aprovado, será levado a público.

- Eu e o Ricardo (Gomes, vice- prefeito) já aprovamos um PMI sobre o centro de eventos no trecho 2. Vou mostrar para o governador, pedir uma parceria, antes de apresentar ao público - disse o prefeito Sebastião Melo a GZH, no evento de inauguração do Pontal Shopping, na quarta-feira.

Interesse

De acordo com Covatti, a pauta do encontro com Leite deve ser a análise do plano da prefeitura e de outras alternativas. O secretário ressalta que a condução do projeto será feita pelo Executivo municipal, mas que o governo estadual tem interesse - e até certa pressa - em ver o centro de eventos sair do papel.

- Na reunião com o governador, vou mostrar os planos que a Setur analisou, incluindo este da prefeitura. A proposta da Orla é a que parece mais perfeita neste momento, ainda que ela tenha um prazo mais longo do que outras para ser construída. Nosso objetivo é iniciar a construção do centro de eventos ainda no ano que vem - projeta Covatti. - A região é ótima, vimos eventos como o South Summit, no Cais, sendo um sucesso absoluto. Estamos enfrentando dificuldades para trazer outros grandes eventos para Porto Alegre sem este centro de eventos - complementa.

O PMI é norteado pelo decreto federal Nº 8.428, de 2 de abril de 2015. Em resumo, o texto estabelece as normas pelas quais entes públicos e privados devem iniciar um diálogo visando investimento nos moldes de PPP. Para isso, é preciso que o PMI seja publicizado e que as empresas interessadas procurem a prefeitura oferecendo soluções para a demanda estabelecida pelo Executivo municipal.

- Queremos mostrar (ao governador) o conceito (do PMI), para depois recebermos as críticas e as contribuições em consultas públicas - respondeu o prefeito.

ROGER SILVA

sábado, 22 de abril de 2023



20/04/2023 - 09h00min
Claudia Tajes

Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias

Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim

Beton Studio / stock.adobe.com

Felizes são os gatos, que têm sete vidas para se apaixonar

Beton Studio / stock.adobe.com

Estive em uma comemoração de 40 anos de casamento. Quarenta anos. Sei que tem gente casada há mais tempo que isso, alguns há muito mais tempo, mas ainda assim não consigo deixar de olhar com um espanto respeitoso para essas quatro décadas. Um pequeno passo para a humanidade, uma eternidade para duas pessoas que dormem e acordam juntas todos os dias. 

Quanta coisa aconteceu em 40 anos? Países se separaram ou foram anexados na marra. Algumas moedas foram criadas e outras submergiram nos desmandos da economia. Estrelas foram descobertas, Plutão deixou de ser considerado um planeta, coitado. Novas espécies de bichos e de plantas foram encontradas, outras sumiram para sempre. As ombreiras saíram da moda, voltaram e, graças à deusa, caíram no esquecimento outra vez. Ainda que sempre se corra o risco de algum estilista resgatá-las do cemitério das tendências passadas. Crianças cresceram, adultos envelheceram, nasceu gente que não acaba mais no mundo. Livros maravilhosos foram escritos, e uma tonelada de livros ruins, também. Amores começaram e terminaram.

E a Cíntia e o Luiz Paulo seguiram casados. Sou amiga dos dois há uns bons 20 anos, categoria dente de leite perto de outros presentes à cerimônia – alguns que, desconfio, têm com os noivos reincidentes relações que vêm de vidas passadas. Ainda que um longo casamento por vezes me pareça, digamos, exótico, eu que tenho uma ficha corrida amorosa regular, casais longevos não faltam e muitos estavam na festa. A Tânia e o Felicinho. A Chris e o Ricardo. A Nora e o Jorge. A Porto e a Maldo. A Diana e o Mário. A Paula e o Eduardo. A Lucia e o Luis Fernando. A Luciana e o Carlos. A Josa e o Zé. O Nestor e a Lúcia. Faltaria espaço aqui para citar todos, o que mostra que um casamento duradouro não é tão raro assim.

Raros são os encontros. Como é de praxe nos recasamentos, a Cíntia e o Luiz Paulo trocaram novas alianças e renovaram seus votos para mais algumas décadas. Os dois prometeram continuar cuidando um do outro, inventando reformas na casa, viajando sempre que o dólar permitir e lendo e escrevendo vida afora. Pausa para os nossos comerciais. A Cíntia está começando mais uma edição da sua clássica Oficina do Subtexto, que já revelou muitos autores e que publica um livro ao final do curso. As aulas são online e as informações você consegue aqui: cintiamoscovich@gmail.com

Entre lágrimas e risos, só sei que a festa foi até as seis da manhã e o Luiz Paulo ainda bebeu a última cerveja antes de dormir e entrar oficialmente no quadragésimo-primeiro ano do casamento. Encerro com os votos da Cíntia para ele: “No mais, prometo continuar fazendo o que sempre fiz, porque foi isso o que me trouxe até aqui. Sem prestar atenção a promessas, prometo te dar o restante da minha vida. Porque a maior parte dela já tiveste – e foi bem bom”. Adoro continuações felizes.


20/04/2023 - 15h02min

@brunalombardi / Reprodução/Instagram

Bruna Lombardi revela detalhes íntimos do casamento de 45 anos: "A gente está sempre numa conquista, num tesão..."

Atriz é casada desde 1978 com o ator e diretor Carlos Alberto Riccelli. Eles se conheceram nas gravações da novela "Aritana", exibida pela extinta Rede Tupi

A atriz Bruna Lombardi é casada com o ator e diretor Carlos Alberto Riccelli. A atriz e apresentadora Bruna Lombardi, 70 anos, está prestes a completar 45 anos de casamento com o ator e diretor Carlos Alberto Riccelli,76. Em uma entrevista à revista Cidade Jardim, a artista avaliou seu relacionamento e contou detalhes íntimos de sua vida pessoal.

De acordo com Bruna, apesar de tanto tempo juntos, ela e o marido não perderam o carinho e desejo que um sente pelo outro e estão sempre buscando tornar o relacionamento mais saudável.

— Nossa relação é muito passional. Obviamente, há momentos mais serenos, mas a gente está sempre numa conquista, num tesão, um prazer. Mas isso não veio pronto. É uma construção — revelou a atriz à publicação.

Bruna e Carlos se conheceram durante as gravações da novela Aritana, que foi exibida de novembro de 1978 a abril de 1979 pela extinta Rede Tupi. Na produção, eles deram vida ao casal protagonista, o indígena Aritana e a mocinha Estela.

O casal acabou se apaixonando na vida real também. Pouco tempo depois de iniciarem o namoro, em 1978, os dois resolveram se casar. Da relação, nasceu o filho Kim, 41 anos, que atualmente segue os passos dos pais e atua como ator e diretor, especialmente no cinema.

Antes de conhecer Bruna, o ator havia se casado com outra colega da Tupi, a atriz Carmen Monegal, 71 anos. O matrimônio durou de 1973 a 1977. 

Atualmente, a musa dos anos 1980 e o diretor vivem em uma mansão em São Paulo. Por conta dos seus projetos pessoais, a apresentadora divide seu tempo entre a capital paulista e Los Angeles, nos Estados Unidos.

Na última semana, a artista compartilhou nas redes sociais uma foto da época em que conheceu e trabalhou pela primeira vez ao lado do marido. "Assim começou nossa história...", escreveu. O post recebeu vários comentários. "O tempo passou e vocês continuam lindos", elogiou uma internauta. "Maravilhosos. Fazem parte da minha história também", contou outra. "Que o universo proteja os dois", desejou um usuário do Instagram.



20/04/2023 - 09h00min
Moara Steinke

Chegada de Mercúrio retrógrado exige atenção para imprevistos e falhas na comunicação

Para a astrologia, período entre 21 de abril e 15 de maio favorece contratempos no cotidiano

Mercúrio retrógrado começa no dia 21 de abril e vai até 15 de maio

Who is Danny / stock.adobe.com

Mercúrio retrógrado está chegando no céu astrológico. Entre 21 de abril e 15 de maio, a retrogradação do planeta regente da comunicação, das negociações, do comércio e das atividades diárias promete um período de revisões e reavaliações sobre temas relacionados a gastos, investimentos e vida financeira. 

Além disso, valores pessoais, segurança emocional e apegos devem estar em alta nas próximas semanas. Entenda as principais características do novo aspecto:

Finanças

Um dos principais temas que devem ser revistos e/ou reorganizados nas próximas semanas é a segurança e a estabilidade em relação à vida financeira. É o momento em que gastos excessivos ou imprudentes devem passar por uma verdadeira auditoria no nível pessoal, seja de forma voluntária ou por provocações alheias. 

LEIA MAIS

Horóscopo de abril de 2023: as previsões para cada signo - Horóscopo de abril de 2023: as previsões para cada signo

Eclipse solar de abril trará transformações para os próximos seis meses, aponta astrologiaEclipse solar de abril trará transformações para os próximos seis meses, aponta astrologia

O interesse por uma maior organização nos ganhos pessoais tende a aumentar e esse é um excelente momento para fazer uma triagem nas faturas e escolher melhor como administrar a grana. Mas, atenção: não é um bom momento para investimentos arriscados ou para ousar em novos projetos. O céu astrológico recomenda cautela e prudência ao lidar com dinheiro neste período.

Valores

Esse Mercúrio retrógrado traz de forma mais específica a energia de reavaliação sobre o que realmente tem valor na sua vida pessoal. Quais atividades, hábitos e até relações valem a pena? O convite astral é para atualizar e redefinir prioridades.

A segurança emocional também deverá ser tema de interesse nas próximas semanas. Por isso, não estranhe se algumas relações precisarem de ajustes. O desapego é uma das palavras-chave dessa posição astral: é hora de abrir mão do que não funciona mais e deixar a teimosia de lado. Touro é um signo que representa certezas e convicções. Portanto, cuidado para não ficar aprisionada nas mesmas opiniões. Aproveite o período para deixar ir o que já está velho e ultrapassado.

Comunicação

A posição de Mercúrio no signo de touro sugere uma comunicação mais prática, objetiva e até literal. Por isso, os diálogos podem perder um pouco da sensibilidade e da subjetividade. Esse aspecto é conhecido dentro da tradição astrológica por interpretar tudo ao pé da letra. Então, se quiser ser melhor compreendida durante o Mercúrio retrógrado, nem pense em deixar nada nas entrelinhas. É melhor falar na lata para se fazer entender e atingir o resultado desejado. 

Ainda assim, é de praxe que a comunicação fique truncada e com ruídos durante o aspecto. Por isso, paciência e persistência são grandes aliados nos diálogos das próximas semanas.

Intempéries

Para a astrologia, o planeta Mercúrio tem ligação com as atividades práticas do cotidiano. Durante sua retrogradação, é comum surgirem contratempos e imprevistos. Lidar com obstáculos inesperados é uma forte característica do Mercúrio retrógrado. Fazer um backup, salvar senhas, ter uma chave reserva e ficar de olho nos prazos são ações favoráveis no período. 

Vale lembrar que imprevistos e percalços podem servir para sair do piloto automático e observar com mais atenção o que se está fazendo e para onde está indo sua energia pessoal.


21/04/2023 - 19h16min
Rosane de Oliveira

Escalada de ódio está na raiz do atraso e da violência no Brasil

Polarização política não é a única explicação para esse aparente retorno à Idade da Pedra

A intolerância que divide famílias, extingue amizades, separa casais e nos catapulta para um mundo que substituiu o diálogo pelo grito (mesmo que seja um grito virtual, em letras maiúsculas) é a mãe dessa onda de ódio que só produz violência e atraso. Quando foi que o Brasil de uma população majoritariamente cordial começou a se transformar nesse país primitivo em matéria de relações sociais? 

É verdade que o “brasileiro cordial” de Sérgio Buarque de Hollanda comporta uma série de interpretações e não deixa de ser um mito. Afinal, nossa história nestes 523 anos desde a chegada dos portugueses é feita de revoluções em que se toleravam degolas e toda sorte de violências.

Seria muito reducionista atribuir à polarização política essa sensação de retorno ao tempo das cavernas – se é que na idade da pedra lascada não havia espaço para a gentileza. Um passeio pelos comentários em redes sociais ou em sites de notícias, mesmo aqueles que só tratam de banalidades, fornece uma pista para entender a violência que está nas pontas dos dedos.

2022 teve o maior número de denúncias de crimes com discurso de ódio na internet dos últimos cinco anos 2022 teve o maior número de denúncias de crimes com discurso de ódio na internet dos últimos cinco anos 

Brasil precisa responsabilizar big techs por publicações sobre ataques em escolas, dizem especialistasBrasil precisa responsabilizar big techs por publicações sobre ataques em escolas, dizem especialistas

Temor com discurso de ódio gera debate global sobre como regular redes sociais; Brasil também é destaqueTemor com discurso de ódio gera debate global sobre como regular redes sociais; Brasil também é destaque.

Primeiro, é impressionante que em um país que precisa urgentemente aumentar a produtividade para crescer tantas pessoas se prestem para dar sua opinião em sites de notícias ou de fofocas, como se isso fizesse uma grande diferença. 

Do divórcio de um casal de subcelebridades à coroação do rei Charles III, pode-se esperar avalanches de ódio em forma de palavras, não raro escritas com erros de grafia. Quando o assunto é política, então, tirem-se as crianças da sala, porque o que não faltam são mensagens obscenas, com frequência escritas por defensores da moral e dos bons costumes (para os outros).  

Quem lida com essas correntes de ódio tem saudade do tempo em que as pessoas escreviam cartas a mão, passavam a limpo e as levavam ao correio. Porque nesse processo tinham tempo para acalmar o espírito, podar as grosserias e fazer valer as lições de civilidade. Hoje não. O sujeito  nem termina de ler um texto e já corre para o computador xingar o emissário da notícia, incluindo a família inteira, ou o autor de uma opinião da qual discorda.

Essa escalada de ódio não produz nada de positivo. Ao contrário, está na raiz do atraso e na violência que assume diversas formas. Na política, o consenso possível foi substituído pela torcida para que o governo da vez fracasse, de forma a garantir a vitória do adversário na eleição seguinte. E assim andamos em círculo, sem conseguir avançar em qualidade de vida, meta que deveria ser de todos.

Aliás

A reprodução de discursos de ódio e o compartilhamento de supostas ameaças levaram pânico às escolas, o que em nada contribuiu para aumentar a segurança dos alunos. Quem tem responsabilidade sabe que o caminho é o outro.


O DESAFIO DE SER PAI

Há uns 30 anos, tive certeza de que os nossos filhos têm rotas independentes e autônomas e que a nossa participação será, no máximo, inspirá-los com exemplos. Claro que sempre torcendo que pelos menos algumas das nossas virtudes (essas que os pais sempre acham que têm de sobra) possam ser selecionadas para essa delicada missão de servir de modelo.

Naquela época, pela primeira vez, reclamei que uma encomenda tão preciosa viesse sem manual de instruções, justamente numa tarefa em que não podíamos errar, mesmo sendo falíveis como somos.

Com espírito científico, habituado a esgrimir teses por erros ou acertos, a acatar ou rejeitar hipóteses, me parecia desesperadora a possibilidade de que a conclusão, com a matéria pronta, pudesse resultar numa lacônica mensagem: "Inadequado para publicação e abaixo a relação de itens que precisam ser modificados para nova tentativa".

A vida avançando trouxe a descoberta de que o único elemento imprescindível no desempenho dessa tarefa puramente intuitiva é a disponibilidade de afeto, permanente e incondicional. Mas era frustrante não encontrar nem esta recomendação nos tratados de desenvolvimento do adulto.

Com tal pobreza bibliográfica, restavam-nos as âncoras afetivas de quem idolatramos desde pequenos, com lições que incorporamos não estudando nos livros, mas prestando atenção. Foi assim que aprendi com meu velho que o grande mérito de ser pai é se tornar confidente dos filhos. De modo que, diante de qualquer apuro, não tivéssemos dúvidas de a quem recorrer, e com a certeza de que haveria confidencialidade, fosse qual fosse o erro ou a crítica.

Senti muita saudade do meu pai quando o Evaristo, um fronteirista de 77 anos, com um jeitão sereno dos campesinos, submetido há apenas quatro dias a uma cirurgia torácica aberta, porque o SUS ainda não dá videocirurgia, me chamou para uma conversa séria. Quando entrei na enfermaria, estranhei a debandada dos outros quatro pacientes. Se a saída deles tinha a ver com a privacidade da conversa, então, de fato, era coisa séria. E era. "Pedi que eles saíssem quando o senhor chegasse porque nunca me acostumei com dividir problemas com quem não possa me ajudar", ele me disse.

Parecia meu velho ressuscitado, e me encantei com o Evaristo. "E eu, o que posso fazer, pelo senhor?", perguntei. "É um baita favor, doutor, e eu não estou preparado para ouvir um não."

Pela seriedade, eu tive certeza disso. "Bueno, doutor, mesmo que seja arriscado, eu preciso ir para casa amanhã bem cedinho!".

"Mas o que o aconteceu, seu Evaristo?" Ele me respondeu: "Essas coisas de filho. O mais moço, que anda sem trabalho, me ligou pedindo um dinheiro emprestado e eu disse que não era banco e que já era hora dele botar juízo na cabeça. Ele falou umas coisas que não gostei, eu disse outras, e ele desligou na minha cara. Mais tarde a minha velha me contou que ele tinha conseguido um emprego de tratorista em Melo, no Uruguai, e que o dinheiro era para a viagem! Imagine, doutor, tadinho do meu guri!".

Tentei argumentar: "Mas é uma viagem longa, e perigosa na sua situação. Seu menino não pode esperar?".

"Não, doutor, uma coisa que aprendi com a minha filharada é que aqui cabe a pressa, porque pai que é pai não deixa a mágoa de filho ressecar!".

J.J. CAMARGO 


22 DE ABRIL DE 2023
FLÁVIO TAVARES

OS RIVAIS IGUAIS

Já pensaram se, para caminhar mais rápido, fosse proposto dar um passo com as duas pernas ao mesmo tempo? Seria absurdo, tal qual fez o presidente Lula da Silva ao dizer que Rússia e Ucrânia são igualmente responsáveis pela guerra que já dura mais de um ano.

Comparar o agressor russo à agredida e invadida Ucrânia é uma forma direta de declarar-se a favor do invasor. Lula quis imitar os cangurus, que vão adiante saltando com ambas as pernas, mas cometeu um absurdo e se igualou ao antecessor e rival, Jair Bolsonaro. Só faltou visitar Putin no Kremlin?

Neste tema, serão iguais os rivais?

A repercussão negativa da desastrada visão do presidente do Brasil o levou, dias depois, a dizer o contrário, mas em discurso lido, redigido por assessor, no qual não se desgrudou do papel, mostrando que apenas lia, tal qual um papagaio repetidor.

A invasão da Ucrânia é a mais perigosa agressão da História, podendo transformar-se numa guerra nuclear, como já insinuou Putin. Mesmo assim, Lula recebeu com honras o chanceler russo, Serguei Lavrov, um dos ministros mais íntimos do chefe do Kremlin.

A imensa e poderosa Rússia é um país em guerra contra a pequena Ucrânia e, nessas circunstâncias, receber em Brasília o ministro de Relações Exteriores do país invasor significa amparar o agressor.

A invasão russa à Ucrânia é a mais tétrica guerra de todos os séculos, pois envolve uma potência com armas nucleares. Além disso, a Ucrânia se abastece de energia por centrais atômicas que, até agora, não foram bombardeadas, mas que podem (até por descuido ou erro) ser atacadas, disseminando o horror nuclear.

Quantas Hiroshimas significaria o bombardeio ocasional de uma única usina atômica da Ucrânia? Tudo é incalculável nesta guerra, até mesmo a semelhança, aqui no Brasil, da visão sobre o conflito dos rivais Lula e Bolsonaro?

O terror vandálico de 8 de janeiro concluiu-se só agora com a demissão do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias. Não fosse, porém, a liberdade de informar, continuaríamos desconhecendo que o general-ministro do GSI nada fez para conter os terroristas que invadiram o Palácio do Planalto. As imagens divulgadas por uma emissora de TV mostraram até militares do GSI dando água mineral aos terroristas.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

22 DE ABRIL DE 2023
OPINIÃO DA RBS

PERDA DE TEMPO

É desnecessário e inoportuno instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para tratar da invasão e da depredação dos prédios dos Três Poderes, no infame 8 de janeiro, em Brasília. São várias as razões que tornam uma pretensa investigação por parte de deputados e senadores, ao que parece agora inevitável, inadequada e inconveniente.

Este seria o momento de o Congresso - que pouco produziu desde o início da nova legislatura - se dedicar com afinco a debater e votar temas essenciais ao país. O novo marco fiscal, decisivo para sinalizar o controle das finanças públicas, acaba de chegar à Câmara. A matéria deveria ser prioridade máxima. É necessário analisar o texto com seriedade, aperfeiçoá-lo e levá-lo aos plenários com a maior celeridade possível. A aprovação de uma boa regra será capaz de começar a criar condições para a queda da taxa Selic. O juro alto sufoca a economia. Asfixia famílias e empresas.

O risco, no entanto, é de que tempo e energia preciosos sejam desperdiçados pelas atenções do governo e de congressistas voltadas à CPMI. O mesmo vale para a reforma tributária, há décadas clamada pela sociedade. O país tem finalmente uma oportunidade palpável de materializar uma alteração substancial no sistema de cobrança de impostos. Nunca se esteve tão próximo de um consenso. Mas arrisca-se que o interesse dos parlamentares acabe canalizado para a disputa de "narrativas", para utilizar a palavra que se tornou usual nos últimos anos.

O histórico das CPIs em Brasília mostra que raras chegam a alguma consequência e contribuem decisivamente com a justiça. Em regra, viram um palco de exibicionismo para que seus membros busquem ganhar popularidade. O caráter histriônico tende a se aguçar agora. Basta ver a performance lamentável recente de congressistas em comissões, com gestos desrespeitosos, gritaria, bate-boca e ameaças de agressão física. Se o decoro já é comprometido em reuniões menos explosivas, não se deve esperar comportamento ajuizado em um assunto que vai gerar ainda mais confrontos. Alguns nomes cogitados, do lado do governo e da oposição, reforçam essa percepção. Mais do que apurar, o esforço será por ter o domínio das versões que circularão pelas redes sociais.

Por fim, há o objeto da CPMI. Todo o contexto e a profusão de imagens, nos meses anteriores e no dia, são claríssimos ao mostrar que os atos golpistas foram incitados, organizados, financiados e perpetrados por bolsonaristas radicais. As recentes imagens divulgadas do então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, circulando no ambiente interno do Palácio do Planalto sem confrontar os extremistas, deram gás à oposição. G. Dias, como é conhecido, tem o que explicar, e ainda na sexta-feira prestou depoimento à Polícia Federal (PF).

O governo também cometeu o erro grave de não ser transparente e tentar evitar a divulgação de todas as cenas. Mesmo assim, há grande distância entre o que ainda é preciso esclarecer e a possibilidade de levar a sério a tese de que o governo recém instalado, uma das vítimas do ataque, ao lado do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), foi omisso de forma proposital. 

Nem é preciso lembrar de todos os fatos, amplamente conhecidos, o que não impede uma parcela da população de teimar em acreditar apenas no que confirma as suas crenças. As investigações, com técnica e sobriedade, estão sendo conduzidas pela PF, com supervisão do STF. Seria melhor deixar as apurações para quem entende do riscado, e o Congresso se dedicar aos temas em que pode ajudar o país. Além de ineficaz, a CPMI vai só acirrar a polarização destrutiva. 



22 DE ABRIL DE 2023
ACERTO DE CONTAS

Largada negativa da economia gaúcha

A economia gaúcha começou 2023 em queda. O Índice de Atividade Econômica Regional do Rio Grande do Sul (IBCRRS), calculado pelo Banco Central e considerado uma prévia do PIB, trouxe um recuo de 0,4% em janeiro sobre dezembro de 2022. Na média nacional, houve praticamente uma estabilidade, com redução pequena de 0,04%.

O mês trouxe avanço das vendas do varejo gaúcho (+1,6% no ampliado, que considera veículos e materiais de construção), mas estabilidade no setor de serviços (0%), que não avançou nem recuou. O baque veio da indústria, que produziu 3,4% menos, a queda mais intensa do país na pesquisa do IBGE.

O acumulado de 12 meses ainda traz alta de 1,4%. Economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL Porto Alegre), Oscar Frank pondera que o PIB, que demora mais para ser calculado, tem capturado com mais precisão o impacto de estiagens, trazendo índices mais negativos do que os do Banco Central. A safra de grãos de verão enfrentou prejuizo da falta de chuva pelo segundo ano consecutivo.

Taxa digital

Defensor da cobrança dos impostos devidos em compras em sites asiáticos, o presidente da Associação Gaúcha do Varejo, Sérgio Galbinski, acredita ser factível a taxa digital proposta por lojistas e cogitada pelo Ministério da Fazenda. Ele cita plataformas dos Estados Unidos que já calculam o imposto e cobram antes quando o consumidor informa ser do Brasil. Se não paga, a compra nem é gerada, diz ele.

- O computador soma o frete e calcula o imposto. É fácil programar. A pessoa que enviar a encomenda ao Brasil cola no pacote a nota fiscal e a guia paga. Sem elas, a mercadoria seria mandada de volta.

Nesses 40 anos, já vivemos vários ciclos. Já acompanhamos desde marcas e produtos que foram absolutos sucessos, mas que eram, na verdade, algum modismo e acabaram caindo a outras marcas e segmentos que permanecem até hoje. Também já acompanhamos momentos de inflação altíssima e outras crises, sendo a pandemia a mais recente. Não percebemos um determinado segmento que esteja sofrendo mais, porque é um ciclo. Teve uma época, há uns cinco anos, quando capinhas de celular foram um boom. Todo mundo queria, tinham várias lojas, e todas vendiam muito. Depois, acaba se estabilizando. Sim, iniciamos o ano impactados com a Americanas, que impactou todo mundo, e outras situações de varejo, mas não enxergo um mix específico sofrendo.

Calçadista fechada sem aviso

Empresa do setor calçadista, o Grupo São Francisco, que estava em recuperação judicial, teve falência decretada pela Justiça. O negócio tem as operações Madra, Hiker, G. da Silva e São Francisco Indústria de Calçados, em Parobé e São Francisco de Paula. O plano de recuperação seria votado agora em abril, mas, semanas antes, os funcionários foram surpreendidos ao chegarem nas fábricas e encontrarem as portas fechadas. Além disso, viram que documentos, bens e maquinários foram retirados.

- Agora a empresa está lacrada e estamos organizando o leilão dos bens - explicou o advogado Diego Estevez, do escritório Estevez Guarda, que era administrador judicial na recuperação e agora é responsável pela massa falida.

De acordo com o presidente que representa os sapateiros em Parobé, João Nadir, cerca de 120 funcionários foram impactados. A coluna não conseguiu contato com os donos da empresa.

GIANE GUERRA

sábado, 15 de abril de 2023


15 DE ABRIL DE 2023
PÓS-CREDITOS

7 FILMES IMPERDÍVEIS DO FANTASPOA

Já começou a 19ª edição do Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, principal evento na América Latina para filmes de fantasia, ficção científica, suspense e terror (mas não só esses gêneros: há também comédias, musicais e animações). Até o dia 30 de abril, serão exibidos 85 longas- metragens e 87 curtas, vindos de vários cantos do mundo, em quatro salas de Porto Alegre: Cinemateca Capitólio, Instituto Ling, Sala Paulo Amorim e Sala Redenção (confira a agenda em fantaspoa.com/programacao). Se você não tem tempo (ou mesmo disposição) para tanto, aqui está a primeira leva de filmes imperdíveis:

JARDIM LUNAR (EUA, 2022)

De Ryan Stevens Harris. O diretor levou seis anos para produzir esta mescla de filmagens em 35mm, sequências de animação stop-motion e trucagens cinematográficas. O roteiro poderia ser menos explicativo, mas há belas virtudes neste conto de fadas sombrio sobre uma menina de cinco anos, Emma (a encantadora Haven Lee Harris, filha do cineasta), que, em meio a mais uma briga dos pais (Augie Duke e Brionne Davis), sofre um acidente e entra em coma. Então, a garotinha embarca em uma jornada interior por cenários ora industriais, ora lunares, na qual vai deparar com personagens ora ameaçadores, ora acolhedores. Esses cenários e esses personagens são tanto reflexos das situações da vida real quanto frutos de sua imaginação - ou talvez do seu desejo de que os pais se reconciliem. Tudo é pontuado pela melancólica trilha sonora composta por Michael Deragón, que por vezes funde sua música com a canção Without You (1971), sucesso de Harry Nilsson.

Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 26/4, às 16h30min, e no dia 30/4, às 13h

TERCEIRA GUERRA MUNDIAL (Irã, 2022)

De Houman Seyyedi. Foi o selecionado do Irã para o Oscar internacional e ganhou dois prêmios na mostra Horizonte do Festival de Veneza: melhor filme e melhor ator (Mohsen Tanabandeh). Shakib, um sem-teto de meia-idade que mantém uma espécie de relacionamento com uma prostituta surda e muda (Mahsa Hejazi), vira operário em um canteiro de obras que vai se transformar no cenário de um filme sobre as atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Por incidentes fortuitos e por cair na simpatia do diretor, ele acaba escalado para substituir o ator que faria o papel de Adolf Hitler. Com essas tintas, Terceira Guerra Mundial faz um retrato das relações de poder, misturando as cores do absurdo e do abuso, e uma analogia dos campos de concentração nazistas, fazendo jus à epígrafe dos créditos de abertura: "A História não se repete, mas costuma rimar", uma frase atribuída ao escritor estadunidense Mark Twain. O roteiro é uma peça de ourivesaria: até os pequenos detalhes, supostamente desimportantes, vão ter um peso tremendo.

Sessões na Sala Paulo Amorim, neste sábado, às 17h30min, e no dia 19/4, às 15h30min

O TIO (Croácia, 2022)

De David Kapac e Andrija Mardesic. É como se fosse uma cruza de Feitiço do Tempo (1993), aquela comédia em que Bill Murray é condenado a reviver o mesmo dia indefinidamente, com os perturbadores filmes de Michael Haneke. Aparentemente, estamos no final da década de 1980, quando a Croácia ainda integrava a Iugoslávia, país que se dissolveu em várias repúblicas a partir do início dos anos 1990. Acompanhamos uma família - o pai (Goran Bogdan), a mãe (Ivana Roscic) e o filho (Roko Sikavica) - nos preparativos para um jantar de Natal, no qual terão como convidado o tio (Predrag "Miki" Manojlovic, assombroso) vindo da Alemanha. O que começa em um tom de humor esquisito e incômodo (o tio trata o sobrinho, que já tem seus 20 e tantos anos, como um adolescente imberbe e, lascivamente, compara a mulher da casa com Sophia Loren) vai ganhando contornos mais sinistros à medida que essa situação se repete, dia após dia. Mas por que essa situação se repete? O que explica alguns anacronismos? Quais são as reais intenções de todos os personagens? Desde já, O Tio é um dos filmes mais envolventes e intrigantes não só do Fantaspoa, mas do ano.

Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 16/4, às 14h45min, e no dia 19/4, às 16h30min

AS BESTAS (Espanha, 2022)

De Rodrigo Sorogoyen. Este eu ainda não vi, mas entra na lista por ter conquistado nove categorias no Goya, o prêmio da Academia Espanhola: melhor filme, direção, ator (Denis Ménochet), ator coadjuvante (Luis Zahera), roteiro original, fotografia, edição, som e música. A sinopse diz: Vincent (Ménochet) e Olga (Marina Foïs) são um casal francês que vive em uma aldeia no interior da Galícia. Lá, eles levam uma vida tranquila, cultivam vegetais e reabilitam casas abandonadas, embora sua convivência com os moradores locais não seja tão amistosa quanto desejam. Sua recusa em implementar um parque eólico acentuará os desacordos com os vizinhos, sobretudo os irmãos Xan e Lorenzo.

Sessões na Sala Paulo Amorim, no dia 18/4, às 19h30min, e no dia 29/4, às 19h30min

PÓS-CREDITOS

15 DE ABRIL DE 2023
POESIA

O LIVRO

Dividido em cinco partes, o novo livro de poemas de Celso Gutfreind é uma dádiva ao leitor. Já na partida, é perceptível o árduo trabalho com a linguagem, para torná-la sua, e a busca de expressão para os enigmas da vida. Ao longo da leitura, esse cuidado se confirma, na seleção das palavras, na suspensão das expectativas, inclusive sintáticas, em enjambements que violam sua própria natureza de ligação entre versos, nas pausas que deixam à imaginação o sentido escapadiço.

A obra exibe principalmente versos breves, acentuando o valor de suas poucas palavras. Um ritmo de rondó remete um verso a outro ou uma expressão a outra, um rondó vagaroso, como uma dança espaçosa para ser sentida aos poucos, movimento após movimento, calculadamente medidos para suscitar uma melancolia leve diante do que não se consegue evitar ou conquistar. Poder-se-ia associá-los ao efeito da Pavana para uma Infanta Morta, de Maurice Ravel, sem desmerecimento.

A primeira parte, Andarilhos, apresenta três seções. A primeira, No Parque, reúne poemas relacionados à descoberta de novos territórios, quando se sai do abrigo da casa, mas se encontra outra vez o refúgio no livro. Veja-se a recomendação de Idas e Vindas:

Sai do livro: só na rua vê o instrumentista rengo

rebocar o instrumento até escapar do silêncio.

Na segunda seção, No Mundo, o Eu lírico atende, em Fim de Moira, ao chamado:

- Vai, menino, ser viajante de ponte pênsil e dor!

Desafiando a autoridade, o menino se emancipa, lembrando os versos de Drummond, "Vai, Carlos! Ser gauche na vida", do Poema das Sete Faces. Já adulto, perambula pelo vasto mundo e invade os lados claro-escuros de cidades estrangeiras, no Caribe, em Cartagena, Paris, Havana, Lisboa, resgatados pela experiência ou pela contemplação da arte, nas figuras de artistas como Gaudí, García Márquez, Cervantes, Miró, que as redimem ou exaltam.

A segunda parte, Encontros, reparte-se como uma narrativa, em começo, meio e fim. Como sugere o título, examina o amor e os amores, em seus momentos jubilosos, desgastados e esgotados. A segunda seção, Meio, tematiza os vaivéns do amor, com suas perdas e achados. Na terceira seção, Fim, há mais anseio do que poderia ter sido, do que encerramento.

A segunda seção, Livre, começa evocando o lirismo triste/alegre de Manuel Bandeira, a ser praticado ante a "vida incognoscível", feita de perdas e ganhos, valorizando tanto a razão quanto o Eros, e a própria ignorância das coisas, compensada pela capacidade de brincar. A forma do soneto outra vez reaparece, em ritmo andarilho nos versos irregulares, com predomínio das nasalizações.

Em Mar, a quarta parte do livro, o Eu defronta-se com o elemento líquido, simbólico do nascimento e da morte, da incerteza e da instabilidade. Inclui sete poemas, todos atingidos pelos mistérios das águas, que podem fazer desaparecer ou ressurgir. No terceiro, o mar dos navios negreiros é figurado pela "vida seca sem veludo", vítima da "tirania", que termina na lâmina que talha o mar em "duas belezas contíguas", as quais podem ser entendidas como África e Brasil. Mas é na quinta parte, Morte, que o livro mergulha nos silenciosos abismos da finitude e de sua implacabilidade.

Leitor apurado de poesia, Gutfreind transita com facilidade entre nomes internacionais, de língua inglesa, Emily Dickinson, Kay Ryan, mas também aprecia a polonesa Wislawa Szymborska, Prêmio Nobel, o italiano Eugenio Montale e o francês Rimbaud. Não esquece os espanhóis, Lope de Veja e Antonio Machado, e os latino-americanos, os chilenos Vicente Huidobro e a uruguaia Ida Vitale. Na poesia brasileira, frequenta Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Murilo Mendes, Ferreira Gullar e Armindo Trevisan.

O livro de poemas de Celso Gutfreind enfeixa, nas suas diversas partes, um conjunto de saberes que se ocultam em metáforas evasivas, talvez de apreensão trabalhosa, que, de algum modo, repercutem sua experiência de terapeuta, impregnada de ternura ante as questões aflitivas da existência humana. Não se trata de uma poesia filosófica ou pedagógica: está voltada para a poetização dos assuntos cotidianos, que interessam a todos. Não hesita em violar os cânones do verso, mas o faz sem emular os modernos. É tecido de vislumbres da atualidade, apreendidos fragmentariamente, como se apresenta a nós a vida de hoje, iluminando-a ante o que mal compreendemos, e nos consolando de nossa inexorável finitude.

O Auge da Minha Liberdade É Quando Não Ando Sozinho

De Celso Gutfreind.

Ed. Artes & Ecos, 116 páginas, R$ 45. Pré-lançamento com conversa com o autor neste sábado, às 10h, no Contemporâneo - Instituto de Psicanálise (Rua Casemiro de Abreu, 651, em Porto Alegre). Lançamento dia 27, às 20h, online (evento em paralelo ao curso A Poesia na Psicanálise, no Espaço Criar, que fica na Rua Tobias da Silva, 137, também na Capital). Outras informações em arteseecos.com.br.