sábado, 27 de maio de 2023



27 DE MAIO DE 2023
BRUNA LOMBARDI

BASTA UMA SÓ MULHER PARA FAZER UM PAÍS MAIS FELIZ

Assim como toda criança nasce feliz, dentro de todo adolescente que se preze tem que ter uma boa dose de rebeldia. Que vai desde? "o mundo não me compreende?" até "quero mudar tudo porque não concordo com nada!". A proposta nessa época da vida é sempre grandiosa, ousada, tem a audácia dos que sonham.

Todo jovem saudável tem uma natureza inconformista, sente que não pertence, acha tudo um absurdo. Quer ir contra o status quo, não quer repetir os erros das gerações que o antecedem.

Ele veio pra mudar todas essas convenções idiotas que não o traduzem. O que fazer e por onde começar? E como diz a canção, se os nossos ídolos ainda são os mesmos, vamos também sem perceber, acabar sendo como os nossos pais?

Mas se a gente pensar bem, a cada nova geração a coisa muda aos poucos. As ideias se ampliam, uma semente desse entusiasmo fica e nos tornamos agentes de alguma transformação. Até que de repente, numa dessas, vem Rita Lee e transforma tudo em maravilha.

A nossa Santa Protetora de todas as ovelhas negras das famílias já chegou propagando rebeldia. Mostrando aos mais comportados que era possível ter liberdade, humor e fantasia. Desfraldando convenções com a magia do lúdico. Com ela é possível criar uma realidade, inventar uma persona e o resultado é a alegria geral da nação.

A Rainha do Rock da Beleza, a Feiticeira que abriu a caixa mágica da criatividade e foi nos mostrando a Sabedoria de Todas as Coisas. A mulher que um dia resolveu mudar e fazer tudo o que queria fazer. E fez. E fez muito mais por todos nós do que seria possível sonhar. Com ela o sonho nunca acabou. O sonho foi se reinventando e seguiu mutante transformando e abrindo todas as portas da sua belíssima alma.

Tive a alegria de compartilhar momentos próximos com a Rita. Teve muita troca, conversa e risada. Tínhamos em comum um instinto de desobediência, uma certa indignação e uma vontade de abraçar o mundo.

Conversei com ela algumas vezes e numa dessas gravamos meu programa Gente de Expressão. Uma conversa de intimidade, sem máscaras, uma entrega feliz. Uma vez disseram numa matéria que nós falamos sobre o prazer da mulher, ela na música e eu na poesia, de uma forma inovadora. A gente simplesmente botou nossa verdade pra fora com vontade de dizer pro mundo: chega de repressão!

Num outro grande momento tive a delícia de estar com ela no palco, carregando a netinha dela no meu colo. Um desses presentes da vida, cantando junto "Toda mulher quer ser feliz".

Rita nos deixou e o nosso desejo continua. Todas queremos ser felizes. E podemos nos ajudar umas às outras, assim como a Rita nos ajudou a todas. Ela com certeza cantou sentimentos de todas nós, explodiu a paixão e nos libertou de papéis opressores.

A coragem da Rita deixou um lastro por várias gerações e um rastro luminoso que a gente segue pra não se perder mais no caminho. Ela teve uma linda e duradoura história de amor e nos fez amar mais e melhor.

Basta uma só mulher para fazer um país mais feliz.

BRUNA LOMBARDI


27 DE MAIO DE 2023
TECNOLOGIA

OMS FAZ ALERTA SOBRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

ORGANIZAÇÃO TEME ERROS MÉDICOS E DANOS A PACIENTES COM ADOÇÃO PRECIPITADA DA IA

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou recentemente um comunicado que pede cautela no uso de inteligência artificial (IA) "para proteger e promover o bem-estar, a segurança e a autonomia humanas e preservar a saúde pública". Na avaliação da OMS, falta a preocupação comum à inserção de tecnologias em saúde.

"A adoção precipitada de sistemas não testados pode levar a erros por parte dos profissionais de saúde, causar danos aos pacientes, minar a confiança na IA e, assim, minar (ou atrasar) os potenciais benefícios e usos de longo prazo de tais tecnologias em todo o mundo", diz o comunicado.

No mesmo dia, Sam Altman, diretor-executivo da OpenAI, criadora do programa ChatGPT, disse no Senado dos EUA que regular a inteligência artificial é "crucial" para limitar os riscos do uso dessa tecnologia.

A OMS preocupa-se com a possibilidade de treinamento das IAs com dados tendenciosos, geração de respostas incorretas que parecem verdadeiras e possível estímulo à desinformação. A organização recomendou que formuladores de políticas se dediquem a garantir a segurança e a proteção do paciente enquanto as empresas de tecnologia trabalham na comercialização.

Segundo a OMS, os modelos de linguagem (LLMs, em inglês) gerados por inteligência artificial, como a que compõe o ChatGPT, tentam imitar a compreensão, o processamento e a produção da comunicação humana. A "difusão pública meteórica" e o "crescente uso experimental para fins relacionados à saúde estão gerando um entusiasmo significativo", avalia.

A OMS também se diz "entusiasmada" com o uso apropriado de tecnologias, incluindo LLMs, para apoiar profissionais de saúde, mas diz estar preocupada "de que o cuidado que normalmente seria exercido para qualquer nova tecnologia não esteja sendo exercido de forma consistente com as LLMs". É "imperativo" que os riscos da adesão dessas tecnologias sejam "cuidadosamente" avaliados.


27 DE MAIO DE 2023
INFRAESTRUTURA

Gargalo para o fluxo atual de veículos

No lado brasileiro, a rodovia termina no meio da Ponte Internacional Getúlio Vargas/Agustín Pedro Justo, no quilômetro 726, que liga a cidade gaúcha da Fronteira Oeste à argentina Paso de los Libres. A estrutura, construída na década de 1940, foi a primeira travessia entre Brasil e Argentina.

A construção leva o nome dos presidentes dos dois países à época do lançamento da pedra fundamental. O combinado era de que a estrutura seria dividida em duas partes iguais, usando ferro brasileiro e cimento argentino. A inauguração, comemorada principalmente por comerciantes da região, foi em maio de 1947. Desde então, o movimento sobre a ponte aumentou, mas as pistas não foram ampliadas. Ao mesmo tempo, uma via férrea, onde passava um trilho de trem, foi desativada e hoje está coberta por vegetação.

- Foi planejada para um trânsito vicinal e muito pequeno se comparado com o que cruza hoje. Não estava nos sonhos de ninguém que cruzariam, pelo menos, 20 mil caminhões por mês - conta a diretora-executiva da Associação Brasileira dos Transportadores Internacionais, Gladys Vinci.

As intempéries do tempo e a sobrecarga de veículos sobre a ponte cobraram seu preço e, em setembro do ano passado, a estrutura apresentou rompimento na laje, na região central do arco de acesso. Em março deste ano, houve cerimônia de entrega da restauração emergencial do trecho. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), foram investidos mais de R$ 6,3 milhões em serviços de recuperação da laje, viga e o reforço dos pilares.

O asfalto foi renovado e o guarda-corpo, pintado. Porém, passados alguns metros da parte revitalizada em direção à Argentina, já ficam evidentes buracos, sinalização apagada na pista e guarda-corpo danificado. O Dnit destaca que "no lado brasileiro da Ponte Internacional de Uruguaiana não há buracos no pavimento no momento e, quando surgem, a empresa responsável pela manutenção realiza o reparo o mais breve possível", e garante que "a sinalização é presente na ponte".

A estrutura não tem acostamento, e a pista é simples nos dois sentidos. Logo, motoristas de veículos de passeio e do transporte internacional de cargas trafegam pela mesma faixa, e não é incomum ver condutores dos veículos menores ultrapassando caminhões de maneira irregular.

O Dnit informou, em nota, que, "no que diz respeito à previsão de duplicação da ponte de Uruguaiana, o Dnit analisa reabilitação com alargamento da seção transversal. Há um projeto brasileiro pronto e estão sendo aguardadas as considerações do lado argentino para prosseguir na contratação das obras".

Gladys sugere uma solução para desafogar o movimento, que se intensifica na época do verão, quando turistas estrangeiros, principalmente argentinos, vêm passar as férias no Brasil:

- Ela tem duas calçadas laterais que não podem ser utilizadas pelos pedestres por uma questão de segurança. Elas poderiam ser retiradas para dar um espaço maior aos veículos.

A dirigente também apoia a criação de uma terceira pista que poderia ser liberada para os dois sentidos conforme fluxo ou bloqueios. Para isso, sugere um aproveitamento da estrutura que abriga o trilho desativado.



27 DE MAIO DE 2023
ACERTO DE CONTAS

Paradas de milhões

Terminou mais uma parada de manutenção da CMPC, fábrica gigante de celulose em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre. O investimento foi de R$ 63,3 milhões e envolveu 3 mil profissionais de 97 empresas. Tradicionalmente, a fabricante direciona recursos para fornecedores locais. Desta vez, empresas gaúchas ficaram com R$ 25 milhões. Deste montante, R$ 14 milhões foram para companhias de Guaíba. E tem mais paradas de manutenção em 2023, ou seja, novos investimentos. Normalmente, a fábrica faz duas, mas serão três neste ano. As próximas duas serão no segundo semestre.

A do final do ano conectará os equipamentos do BioCMPC, projeto de ampliação que está com 80% das obras concluídas e soma um investimento de R$ 2,75 bilhões, antecipado pela coluna ainda em 2021.

Quando os carros ficarão populares

Após o Ministério da Fazenda definir os detalhes, a redução dos tributos dos carros será por decreto e medida provisória que passa pelo Congresso. Mas quando chega na loja? Integrante da diretoria do sindicato que representa as revendas no Rio Grande do Sul (Sincodiv-RS), Hugo Pinto Ribeiro disse à coluna que, apesar de não haver certeza de prazos, assim que sair o desconto exato para cada modelo, as lojas poderão praticar os novos preços com os estoques. O abatimento pode chegar a 10,96%.

Voo a Joinville

Começam em 1º de junho os voos diretos entre Porto Alegre e Joinville (SC). As viagens serão diárias, pela Latam em parceria com a empresa Voepass.

A rota faz parte de um combo de novos destinos que a Latam anunciou no Rio Grande do Sul, explicou à coluna o deputado Frederico Antunes, presidente da Frente Parlamentar da Aviação.

GIANE GUERRA

Tropeço na LRF adiou conta do incentivo a automóveis

Era visível o certo desconforto do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ao anunciar os estímulos fiscais para veículos com preços abaixo de R$ 120 mil, no Dia da Indústria.

E mais intrigante foi outro anúncio: o de que as regras ainda levariam 15 dias para ficar prontas. Não é coincidência que isso tenha ocorrido no dia seguinte à aprovação do novo marco fiscal. Na sexta-feira, os motivos apareceram: foi preciso voltar à prancheta porque a equipe do Mdic levou em conta, nos cálculos para justificar a medida, um suposto aumento de arrecadação com outro suposto aumento de vendas dessas unidades - o que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe.

Esse cálculo é crucial porque redução de tributos significa renúncia fiscal, o que, por sua vez, implica menos arrecadação, justo quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, luta para enxugar a montanha de estímulos fiscais que ele mesmo estima em R$ 600 bilhões - e tenta diminuir ao menos R$ 150 bilhões, com sérias dificuldades para conseguir.

Nas contas para avaliar quanto o governo perderá em arrecadação com a redução de IPI, PIS e Cofins nos veículos de menos de R$ 120 mil, foi incluída a projeção de aumento de receita com maiores vendas. O problema é que essa é uma hipótese que carece de confirmação na vida real. Acima de tudo, é vedada pela LRF.

No anúncio, Alckmin avisou que esse estímulo seria temporário. Os problemas de Haddad para reduzir os já concedidos evidenciam que encerrar um programa como esse é ainda mais difícil do que dar a partida.

Shopping a povoar

Quem circula pelos corredores do Pontal Shopping, aberto oficialmente no final de abril, percebe que há poucas lojas funcionando - menos de um terço do total.

Conforme Ricardo Jornada, diretor corporativo da SVB Par, empresa que controla o empreendimento, há 40 unidades em operação, enquanto a ocupação total prevista é entre 130 e 140 - são 160 módulos, mas há expectativa que alguns sejam unidos por maior área.

- Os shoppings têm duas datas no ano para abrir portas, antes do Dia das Mães e antes do Natal, porque são duas datas que marcam o varejo - explica o executivo sobre a decisão de abrir as portas ao público mesmo com baixa ocupação.

E apesar do baixo número de operações já em funcionamento, Jornada diz que mais de 80% dos espaços estão comercializados, incluindo todas as âncoras.

- Cerca de um terço já está aberto, e um segundo terço deve passar a operar em 60 dias. Prevemos abrir 10 lojas a cada mês e chegar a cem no final do ano. Entre a assinatura do contrato e a abertura, há um trâmite de aprovação do projeto com o shopping, que leva de 30 a 45 dias, e as obras, que levam ao menos 60 dias.

Angelo Boff, sócio-diretor da SVB Par, afirma que o Pontal é considerado um "sucesso" do ponto de vista da comercialização:

- Temos fechado três novas operações por semana. Depois que o shopping foi inaugurado, aumentou a procura dos lojistas. As pessoas não sabiam como seria, porque o Pontal não é um shopping convencional.

Segundo Angelo, o Pontal é um complexo multiuso, mais do que um shopping. Admite que o cenário econômico impacta o varejo, mas a SVB Par aposta em atividades com "enorme potencial turístico"

MARTA SFREDO 

27 DE MAIO DE 2023
DIÁRIOS DO PODER

entrevista

ALEXANDRE BUBLITZ Pediatra que atuou na crise yanomami em Roraima.

Que realidade o senhor encontrou entre as comunidades yanomami?

Eu estava em Surucucu, onde há várias comunidades yanomami. É um lugar onde há muitos pontos de garimpo, sobretudo em regiões de rios. A grande crise humanitária ocorreu em Surucucu e Auaris. Em todas essas regiões, já existia um sistema de saúde prévio, com profissionais que faziam atendimentos. Mas, nos últimos anos, todo esse sistema de atenção aos pacientes indígenas estava debilitado. 

Houve um processo de sucateamento, não houve contratações de tantos profissionais. Junto a isso, veio o garimpo, com destruição de terras dessas comunidades, poluição dos rios e conflitos entre indígenas e garimpeiros. Essa região foi uma das mais afetadas por esse processo. Começaram a ocorrer vários problemas de saúde. Como os rios estão poluídos, fica dificultada a pesca e a caça. As terras onde havia plantações de mandioca e bananas foram afetadas. Começou a haver casos de desnutrição infantil e malária.

Como é a estrutura para atendimento médico à população indígena?

Esse local em que fiquei, Surucucu, é um polo base, um centro de referência para atendimento dessas comunidades. Sempre que havia um problema de saúde, a pessoa era levada para lá. A estrutura é composta por uma casa de madeira na qual havia local para a internação dos pacientes. Como a população indígena não usa cama, são montados leitos em redes. Depois da intervenção do governo, foram criadas tendas para maior atendimento, onde há ventilador mecânico, desfibrilador e uma estrutura para pacientes mais graves. Outra curiosidade é que, em qualquer hospital, você tem direito a um acompanhante. Lá também, dificilmente o paciente vai sozinho. Mas busca atendimento médico com um monte de gente: se vai a mãe e um dos filhos, tem de ir os demais filhos juntos.

Em que situação o senhor encontrou as crianças?

A ideia era fazer um tratamento de casos agudos, sobretudo de crianças com desnutrição. Usamos um "Middle Upper Arm Circumference" (Muac) para medir o grau de desnutrição pelo tamanho da circunferência do braço. Quando ela é menor do que 115 milímetros, a criança é classificada como desnutrida. Havia algumas com quadro de malária e outras com desnutrição crônica. Elas vinham recebendo pouco alimento havia muito tempo. Isso afeta crescimento, imunidade e desenvolvimento. Mas elas se mantinham. O problema é que, quando pegam uma doença, uma pneumonia, uma infecção intestinal ou malária, afundam. Não conseguem se alimentar direito. E aquele quadro, que é estável de desnutrição crônica, agudiza e vira uma desnutrição aguda severa. É o que a gente acaba vendo: emagrecimento nas pernas, na região das costelas, no rosto.

Qual era a sua função?

Existe lá, hoje, uma equipe com cinco médicos, todos contratados pelo programa Mais Médicos. Fomos em duas equipes, com um médico em cada, e dois enfermeiros, para darmos suporte à equipe local, que é muito boa, mas voltada para medicina de família.

Que dificuldades havia para trabalhar?

Há várias questões culturais que são difíceis. A língua yanomami naquela região não tem números. Eles não contam as coisas com números. Se preciso dar um antibiótico, que a gente tem de fazer uso de oito em oito horas por sete dias, por exemplo, não consigo prestar esse tratamento. Então, fazemos de forma assistida: precisa ter alguém que vá lá, dê o remédio, veja que a pessoa está tomando e segurá-la pelos dias necessários. Isso dificultava muito nosso trabalho. O próprio entendimento de saúde que aquela população indígena daquela região tem é muito mais vinculada a uma questão espiritual. (...) Quando você precisa internar um paciente, pegar um acesso, colocar uma sonda, isso causa uma estranheza muito grande e, por vezes, é visto como uma violência para eles.

Como o senhor viu a relação dos indígenas com o garimpo?

O garimpo está presente em todos os locais. E boa parte da comunidade indígena acaba também se vinculando e trabalhando no garimpo. Essas comunidades são, muitas vezes, compradas com escambo, como há 500 anos, quando indígenas recebiam espelhos (dos colonizadores). Eles fazem essas trocas hoje: armas, sabonetes, bolachas. Os garimpeiros entram nas comunidades e compram o acesso às terras.

O senhor visualizou áreas de garimpo?

Só a partir do helicóptero. O garimpo fica sempre junto ao rio. Consegue-se ver que há o rio e, em volta, áreas desmatadas e com terra. A água é desviada para bolsões, onde é utilizada para limpar, peneirar e se fazer a retirada do material. O problema no território indígena yanomami é crônico. Hoje, existe uma situação emergencial lá, e o governo está tentando melhorar a situação daquela população, mas a gente sabe que ainda há muitas coisas por fazer. 

Esses desafios não vão ir embora tão cedo. Inclusive são desafios que existem diante da população indígena como um todo no Brasil: entre yanomami na região Norte, mas também aqui no Sul, os guaranis e os caingangues. Só vamos conseguir solucionar esses problemas quando tivermos a participação da população indígena junto, quando eles puderem tomar a frente desse processo e pudermos ouvi-los e ajudá-los nessa luta, que é de todos nós. A tragédia humanitária dos yanomami resultou na morte de pelo menos 570 crianças em Roraima e no Amazonas, segundo o governo federal. 

Diante das fotos de crianças indígenas esquálidas que chocaram o Brasil e boa parte do mundo, em janeiro, o pediatra gaúcho Alexandre Bublitz decidiu se inscrever, como voluntário, para participar da Força Nacional do SUS, que atua no tratamento emergencial das vítimas. O médico de 36 anos adiou plantões no Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre, e reorganizou a agenda na Unisinos, onde é professor, e embarcou em 2 de maio para o norte do país. Trabalhou, durante 20 dias, em Surucucu, a 270 quilômetros de Boa Vista. De volta à capital gaúcha, ele contou como está a crise. Confira os principais trechos.

RODRIGO LOPES


27 DE MAIO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Se eu puder te dar um conselho

Há pais e filhos com relações rompidas. Há aqueles que não se veem há tempos e, quando finalmente se reencontram, brigam de novo e partem para mais 10 anos sem dar notícias. Há os que não conseguem superar a teimosia mútua, os conflitos geracionais e as visões de mundo incompatíveis, incapazes de fazer concessões, de dar o primeiro passo ou de estender a mão.

Há quem tenha duas mães ou dois pais. Há quem não tenha mais pai nem mãe. E há quem nunca os tenha tido.

Muitos perderam as figuras de referência para sempre e hoje se arrependem do que fizeram ou deixaram de fazer. Pais e filhos motivaram livros e músicas, sessões de terapia, teses de doutorado, artigos de jornal, poesias e posts no TikTok. Não é por menos.

A relação parental é feita de fases. Algo acontece quando os filhos atingem a maturidade e viram, eles próprios, adultos como seus pais. Aí tudo faz sentido. De certa forma, nos tornamos iguais, com alguns anos de diferença, que já não fazem mais tanta diferença assim.

Acabo de voltar de uma longa viagem com meus pais. Decidi levá-los comigo para, juntos, vivermos uma nova experiência em um país diferente. Tenho 43 anos. Minha mãe tem 69 e meu pai, 70 (fotos).

Dividimos o vinho e as descobertas com a cumplicidade de velhos amigos. Brigamos e fizemos as pazes, rimos de nós mesmos, registramos selfies memoráveis, nos emocionamos ouvindo uma banda qualquer tocando Stand By Me nas ruas de Lisboa. "Fique do meu lado", diz a canção eternizada na voz John Lennon.

Tive o privilégio - e meu amigo Fabrício Carpinejar vai gostar de saber disso - de comemorar dois dias das mães com quem me trouxe ao mundo. Em Portugal, a data é celebrada no primeiro domingo de maio. No Brasil, é no segundo. Na dúvida, festejamos as duas. Sorte ter a mãe por perto.

Se eu puder te dar um conselho, não hesite nem por um minuto: caso ainda seja possível, caso eles estejam aí ao lado ou mesmo a quilômetros de distância, convide seus pais para uma viagem em família. Não precisa ir longe. Não precisa de hotel de luxo. Se eu puder te dar um conselho, não deixe para depois.

Isso para mim é uma falsa cosmética, porque esqueceram de uma "pequena coisa" no projeto: dos barcos.

AMYR KLINK

Navegador e escritor, fazendo reparos às obras de revitalização da orla do Guaíba, em Porto Alegre.

O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições, é a do governo que perdeu.

MARINA SILVA

Ministra do Meio Ambiente, criticando a retirada de atribuições de sua pasta pelo Congresso.

A questão foi a forma que uma publicidade de medicamentos foi feita, induzindo a população a consumi-los em um momento difícil para o país e sem as advertências necessárias.

SUZETE BRAGAGNOLO

Procuradora do Núcleo de Seguridade Social, Previdência Social e Assistência Social do Ministério Público Federal, uma das responsáveis por ajuizar a ação que condenou defensores do chamado tratamento precoce contra a covid-19.

Todos têm que entender que o Congresso brasileiro conquistou maior protagonismo.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, dando recado do governo Lula sobre nova correlação de forças, após votação do marco fiscal.

Tem dias que a gente acorda com notícias parecendo que o mundo acabou. Eu fui ler as notícias hoje, na verdade, tudo parecia normal.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República, minimizando revés do governo no Congresso relacionado a pautas ambientais e de funções de ministérios.

Não foi a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira. O racismo é normal na La Liga.

VINICIUS JR

Jogador do Real Madrid e da Seleção Brasileira, após ser alvo de ataques racistas de torcedores do Valência.

Pelos números que vêm sendo apresentados, é muito possível termos preços abaixo de R$ 60 mil.

MÁRCIO LIMA LEITE

Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), sobre política do governo federal para ter automóveis populares mais baratos.

arte - Cena de Família

Escolhi para esta edição uma obra de 1891, do pintor paulista Almeida Júnior - que seria conhecido como um dos grandes nomes da pintura brasileira no século 19. Na tela Cena de Família (ao lado), da Pinacoteca de São Paulo, o artista retratou o núcleo familiar de um engenheiro chamado Adolfo Augusto Pinto em uma cena cotidiana, ao lado da mulher e dos cinco filhos, em uma elegante sala de estar. Almeida Júnior caiu nas graças da burguesia paulista depois de uma temporada de estudos na Europa, custeada por dom Pedro II.

INFORME ESPECIAL

sábado, 20 de maio de 2023


20/05/2023 - 09h00min
Atualizada em 20/05/2023 - 09h00min

Egressas avaliam como a graduação pode ser um lugar de experimentação

Intercâmbio e projetos em conexão com o mercado podem garantir experiências únicas, segundo as ex-alunas

A diversidade de experiências que uma graduação pode trazer envolve, na maioria das vezes, situações que vão além da estrutura da instituição escolhida. As possibilidades de troca são tão importantes em um currículo quanto um bom laboratório para exercitar na prática a teoria aprendida em sala de aula. Garantir o contato com profissionais que possuam experiência acadêmica e de mercado, viagens de estudo e a relação com diferentes realidades e culturas são pontos a serem levados em consideração nesta etapa da formação profissional.

É buscando aproximar cada vez mais teoria e prática que a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) aposta em experiências além da sala de aula durante a jornada de formação de seus alunos. O currículo de graduação em Administração – Gestão para Inovação e Liderança (GIL) é um exemplo: durante o curso, o aluno pode realizar uma viagem internacional de estudos.

Francesca Dal Ben concluiu o curso em setembro do ano passado e estudou por um semestre na Universidade Autônoma de Barcelona, momento que ela considera como um dos mais desafiadores e maravilhosos de sua graduação.

– Acredito que essa oportunidade de morar em outro lugar, com uma cultura diferente da nossa, é uma das possibilidades mais bacanas que o curso proporciona. Por causa dos desafios como uma estudante estrangeira, pude desenvolver várias habilidades como a resolução de problemas, maior resiliência e inteligência emocional. O poder que um intercâmbio tem em transformar e ensinar sobre a vida é surpreendente. Esses seis meses me possibilitaram construir uma nova visão de mundo e uma nova visão de mim mesma – conta a administradora.

Francesca destaca que as múltiplas propostas encontradas no curso foram importantes para que ela pudesse experimentar diferentes áreas de atuação, além do desenvolvimento da pesquisa científica, de estágios observatórios, de visitas técnicas e do desenvolvimento de projetos sociais. Além dos seis meses na Espanha, ela teve a oportunidade de participar de um workshop sobre empreendedorismo no Peru.

Você pode conferir os mais de 70 cursos de graduação oferecidos pela Unisinos no site da instituição

– Acredito que a estrutura do curso me possibilitou desenvolver várias habilidades e competências. Pude me conectar com várias empresas e empreendedores, conhecer profundamente sobre o mundo da inovação, aprender na prática com professores incríveis e descobrir o mundo da sustentabilidade, no qual atuo como profissional hoje – revela Francesca.

Empreender e estudar

Fabiane Kuhn, egressa da Ciência da Computação da Unisinos, é um exemplo de que uma experiência dentro da graduação pode gerar frutos e relações importantes mesmo após o término do curso. Criadora da Raks Tecnologia Agrícola, startup incubada no Tecnosinos, o Parque Tecnológico de São Leopoldo, a estudante afirma que a criação do empreendimento surgiu dentro de um projeto de pesquisa, quando cursava o Ensino Médio em uma escola técnica. Mas, foi somente durante a graduação que a ideia virou realidade como um produto vencedor do Prêmio Rouser, promovido pela Unisinos.

– Em 2017, eu e meus colegas Guilherme de Oliveira Ramos e Vinicius Muller Silveira abrimos a Raks. Eu fiz toda a minha graduação trabalhando na minha própria empresa, que fica dentro da universidade. Já entrei no curso de Ciência da Computação dentro dessa linha de empreendedorismo – relembra Fabiane.

Por tratar-se de uma empresa tecnológica, o desenvolvimento da Raks aconteceu em paralelo a formação da empresária, ajudando em vários aspectos técnicos e humanos.

– Cursar Ciência da Computação na Unisinos me auxiliou no conhecimento de programação e gestão de projetos para desenvolver nossa plataforma. Também foi muito importante na construção de relações e de contatos. Hoje, temos na nossa equipe uma colega de graduação que trabalha conosco. Essa conexão com profissionais e professores permite que a gente desenvolva outros aspectos pessoais, como a comunicação, algo que no ambiente profissional faz toda a diferença – avalia.

Para quem já pretende iniciar uma graduação ainda em 2023, a Unisinos está com inscrições abertas para o seu processo seletivo. No site da instituição é possível conhecer mais sobre os diversos cursos oferecidos e ainda verificar as possibilidades de financiamento da mensalidade, em que parte dos juros são pagos pela própria universidade.

Fique sabendo de todas as novidades pelo perfil do Instagram da Unisinos 


Atualizada em 19/05/2023 - 13h10min
Leandro Staudt

Sai do ar uma das rádios mais antigas do interior do RS 

Rádio Cultura de Bagé foi inaugurada em 1946. Há um ano, Rádio Cultura já não estava no histórico prédio da Avenida Sete de Setembro, em Bagé

Depois de quase 77 anos, a Rádio Cultura de Bagé saiu do ar na madrugada da última quarta-feira (17). Com problemas financeiros e dificuldades para regularizar a concessão, o empresário Odilo Dal Molin decidiu encerrar as atividades. Ele conta que comprou a emissora há mais de 20 anos, mas nunca conseguiu a transferência no Ministério das Comunicações. 

Dal Molin diz que pagou as indenizações para todos os funcionários, ficando pendente apenas a dívida com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que cobra direitos autorais de músicas. Agora, o empresário pretende dar baixa na firma.

A Rádio Cultura 1470 AM, prefixo Z.Y.G-4, foi a primeira de Bagé. Em 4 de julho de 1946, iniciou as transmissões na Rainha da Fronteira. De acordo com o professor de jornalismo e pesquisador Luiz Artur Ferraretto, a emissora fez parte do primeiro grupo de comunicação voltado à radiodifusão no Rio Grande do Sul. Atahualpa Dias implantou, a partir de 1933, as rádios Cultura em Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santana do Livramento e Jaguarão. 

Pelos microfones da Cultura, "A Pioneira", passaram grandes nome do rádio no interior do Estado. Nos primeiros tempos, o radioteatro estava em destaque da programação. Um programa que fez muito sucesso foi o "Corrente da Solidariedade". Na música gaúcha, um sucesso antigamente era o "Céu e Chão da Querência".

Na terça-feira (16), o radialista Edgar Muza apresentou seu último programa na Rádio Cultura de Bagé, que transmitia no 1460 AM e 107.5 FM. Ele começou a trabalhar na emissora em 1958. Depois de uma pausa entre 1963 e 1969, voltou à emissora para criar o programa "Visão Geral", que completou 54 anos no ar. 

— O fim da Rádio Cultura é como perder um filho - compara Muza. Outro radialista triste com o fechamento é Geraldo Saliba, que completou 35 anos na emissora. Saliba, Muza e outros colegas da Cultura não ficarão fora do ar por muito tempo, já que levarão os programas para uma rádio comunitária da cidade.

Integrante da Rede Gaúcha Sat, a Cultura retransmitia programas da Rádio Gaúcha. Lembro de apresentar duas edições do Correspondente Ipiranga no estúdio da emissora, em Bagé, em 2006. Na maior parte do tempo, a rádio ficou em um prédio da Avenida Sete de Setembro, de onde saiu pela última vez há um ano. Na fachada do imóvel de dois andares, está o nome da Rádio Cultura.  

Sobre a chance de reabrir a Rádio Cultura, Dal Molin disse que um interessado na emissora o procurou depois do anúncio do fechamento. O empresário afirma que encaminhou toda documentação para análise. 

O tempo dirá se a emissora ficará somente na memória dos ouvintes de Bagé.


19/05/2023 - 16h30min

Fabrício Carpinejar

Sombras e pés 

Mães são a nossa sombra, para sempre cuidarmos de onde estacionamos os nossos sonhos. Mães são nossos pés, para sempre olharmos onde estamos pisando. Quando passeávamos de carro com a mãe, mantínhamos a consciência, mesmo crianças, de que nenhum trajeto seria maior do que o tempo de estacionar.

Não que a mãe tivesse algum trauma com balizas ou dirigisse mal, pelo contrário, ela dirige com prudência. E continua dirigindo até hoje, com 83 anos (84 no próximo dia 27). Renovou a carteira de habilitação pela enésima vez.

O dilema na época é que ela não aceitava qualquer vaga, precisava encontrar uma sombra. Sua obsessão se resumia a achar um cantinho debaixo das árvores. Ela não se preocupava apenas com o espaço livre entre os veículos, mas com o teto de galhos que proporcionaria refrigério para que não sofrêssemos com o abafamento depois.

Não havia direção hidráulica, mas um guidão impossível de se segurar com a exposição inclemente ao sol. Tornava-se ferro em brasa. Já o ar-condicionado se fazia presente apenas em automóveis de luxo.

Dávamos voltas e voltas no quarteirão, como se estivéssemos em um carrossel de cavalinhos, em busca da sagrada penumbra. A mãe poderia parar longe do nosso ponto de encontro sob o pretexto da sombra. Caminhávamos mais do carro para o nosso compromisso do que se partíssemos a pé desde o início da jornada.

Mas esquecíamos o cansaço da expedição ao testemunharmos a felicidade materna e seus gritos de comemoração. Não queríamos estragar a sua alegria com as nossas reclamações e protestos. Quando conseguia o seu intento, ela passava a manhã inteira se elogiando e agradecendo a Deus.

— Valeu o esforço. Localizei uma sombra maravilhosa, meus filhos. Uma sombra perfeita. Os ipês, os jacarandás, os chorões, as paineiras foram nossos flanelinhas por muito tempo. Não sei se recebiam gorjetas. Fora de casa, ela teimava com a sombra. Dentro do lar, sua preocupação era outra. O que eu mais ouvia dela era “não fique de pés descalços”.

Eu acordava e andava pela cozinha sem nada nos pés no azulejo frio. Fora de casa, ela teimava com a sombra. Dentro do lar, sua preocupação era outra. O que eu mais ouvia dela era “não fique de pés descalços”.

A mãe nem se preocupava que eu me cortasse ou que minha sola acabasse imunda na hora de colocar o tênis e ir para a escola. Sua observação se referia ao choque de temperatura após a cama quentinha. Ela insistia que eu iria gripar.

Hoje não largo o chinelo. Dificilmente estou sem ele. Para qualquer percurso. Saio com ele desde a cama. Conservo, inclusive, a marca branca da tira entre os dedos.

Minha esposa, diferentemente, permanece acordando de pés descalços. Perguntei para ela o motivo de nunca atender o meu pedido de cuidado e de proteção. Ela disse:— De pés descalços, eu ainda tenho a sensação de que a minha mãe está viva e vai aparecer chamando a minha atenção.

Eu me calei. E entendi: existem papéis, cadeiras em nossa vida que nunca mais serão ocupadas. Mães são a nossa sombra, para sempre cuidarmos de onde estacionamos os nossos sonhos. Mães são nossos pés, para sempre olharmos onde estamos pisando.

Mães são o chão da nossa saudade.


20 DE MAIO DE 2023
EVENTO

CINCO HORAS ILUMINADAS DE CULTURA E ENCONTROS

7ª Noite dos Museus leva mais de cem atrações a 16 espaços de Porto Alegre das 19h à meia-noite do sábado

Depois de aquecer uma noite fria em 2022 com o calor humano de 180 mil pessoas, a Noite dos Museus volta no sábado para a sua sétima edição, oferecendo uma programação com 16 instituições participantes, além de mais de uma centena de atrações culturais. O evento é gratuito e tem como objetivo democratizar a arte, prometendo uma grande festa entre as 19h e a meia-noite pelas ruas de Porto Alegre.

Neste ano, retornam 13 locais que já fizeram parte do projeto: o Centro Histórico-Cultural Santa Casa, a Cinemateca Capitólio, o Espaço Força e Luz, a Galeria de Arte do Dmae, o Instituto Goethe, o Museu da Brigada Militar, o Museu da UFRGS, o Museu de Arte do Paço Municipal de Porto Alegre, o Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, o Museu Militar do Comando Militar do Sul, o Palácio Piratini, a Pinacoteca Ruben Berta e o Planetário da UFRGS.

Somam-se outras três instituições que fazem as suas estreias na Noite dos Museus: o Theatro São Pedro, o Centro Cultural da UFRGS e a Fundação Ecarta.

Estes espaços serão os protagonistas do evento, após a saída de cinco locais ligados à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) - entre eles, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e a Casa de Cultura Mario Quintana, que reuniram grande público nas edições anteriores.

- A saída dos espaços ligados à Sedac não diminui o evento. A cultura não é restrita, não é ditada por cinco espaços. Ela é muito mais do que isso. E a gente está muito feliz porque os espaços que estão participando entendem a proposta perfeitamente, que é democratizar a cultura. O movimento de descentralização é ótimo, pois vai valorizar outras instituições maravilhosas que temos na cidade - afirma Rodrigo Nascimento, CEO da Rompecabezas, agência idealizadora da Noite dos Museus.

Com a proposta de facilitar o acesso do público, diminuindo as longas filas, que eram alvo de reclamações nas edições anteriores, a organização do evento está trabalhando neste ano com agendamentos prévios. A Noite dos Museus oferece opções de visitas livres e guiadas, com interpretação em Libras - esta última categoria, porém, já está esgotada. Os ingressos podem ser resgatados pelo site sympla.com.br. A exceção é o Palácio Piratini, que possui seu próprio sistema de ingresso no local.

Reforço

Tanto nas ruas quanto nas instituições, o público encontrará artistas que fazem parte da cena cultural da Capital, bem como atrações vindas de outras cidades do Rio Grande do Sul, sessões de cinema, trechos de espetáculos teatrais e de dança, roda de slam e parcerias inéditas entre músicos. Serão oferecidos shows de variados estilos musicais, passando pelo jazz, pelo blues, pela música nativista e pelo rock. Haverá ainda programações infantis e um show surpresa de uma atração internacional.

O público poderá conferir a inauguração de uma fotogaleria em homenagem a Porto Alegre, que ficará permanentemente nos Jardins do Dmae. A exposição foi concebida coletivamente através de um edital público lançado pela Noite dos Museus e conta com 30 trabalhos de fotógrafos locais que registraram pessoas e paisagens urbanas da Capital.

O evento, de acordo com os organizadores, terá reforço na segurança, com 130 soldados da Brigada Militar, 150 agentes de segurança privada, além de efetivo da Guarda Municipal no entorno dos espaços participantes e dos palcos no Centro. Para a limpeza, haverá empresas especializadas contratadas e a participação de agentes do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) - no total, serão disponibilizados 150 banheiros químicos. Para auxiliar o público, foram ainda contratados 50 monitores. Estas melhorias buscam sanar os pontos negativos das edições passadas do evento.

Nascimento acredita que todos estes fatores somados minimizem a ausência das instituições da Sedac e colaborem para cinco horas de celebração à cultura:

- Vamos ver se o tempo também nos ajuda. Aparentemente, não vai chover e vamos ter um clima ameno, ao contrário do ano passado, que foi muito frio.

O organizador ainda aponta que o público está sendo conscientizado para colaborar em relação ao descarte de lixo e na preservação das instituições e das obras.

- As pessoas são coadjuvantes do evento. Então, a gente está justamente convidando elas a colaborar. Pretendemos, inclusive, atender o público espontâneo (que não reservou entradas antecipadamente), que é a maioria, orientando a resgatar os ingressos nos espaços. É um trabalho em conjunto. E a nossa expectativa é muito positiva, porque a gente vê que as pessoas estão felizes e engajadas nas redes sociais - aponta Nascimento.

Segundo ele, o evento deste ano não deve contar com a mesma efervescência do ano passado, em que as pessoas estavam ansiosas para sair de casa, depois de dois anos de pandemia. Mesmo assim, ele aposta em uma noite memorável para a cultura da Capital. E, para o ano que vem, o organizador do evento promete uma reformulação do projeto, além de destacar que está "de coração aberto" para voltar a firmar parceria com a Sedac.

Consulte a programação completa da Noite dos Museus pelo link gzh.rs/museus23_prog.

CARLOS REDEL


Mais do que um sonho

Destaque em duas das principais novelas atuais da Globo, Barbara Reis revela como trilha seu caminho em direção ao sucesso e fala sobre planos de casamento e maternidade

Há 10 anos, o nome Barbara Reis, provavelmente, não diria muita coisa a quem é fã de uma boa novela. Hoje, no entanto, quem ligar a TV no horário nobre da Globo ou buscar uma indicação de título campeão de audiência no streaming, vai deparar com a presença da atriz.

- Estou em um momento muito especial, único. É como se a vida tivesse organizado as coisas para, neste momento, estar com tudo, 100% entregue e dedicada. E muito feliz - comenta ela, em conversa por telefone, na pausa para o almoço de um dia frenético de gravações.

Aos 33 anos, a carioca que não nasceu no Méyer, mas ostenta uma bagagem de criação que atribui ao subúrbio do Rio de Janeiro, vive realmente uma fase de vibrações em alta. Ela acaba de estrear em Terra e Paixão, na pele de Aline, a protagonista, ao lado de grandes nomes da dramaturgia, como Tony Ramos, Débora Falabella e Leona Cavalli. Ao mesmo tempo, preenche boa parte das tramas de Todas as Flores, no Globoplay, dando vida a Débora, que cresceu a ponto de ser considerada personagem-chave na novela.

Sobre esta dualidade, entre uma batalhadora que encara desafios assustadores para defender o que acredita e a malvadona que entretém, a artista revela a qual das duas empresta mais de sua personalidade.

- Sempre correlaciono a Barbara com a Aline. A gente é muito parecida. Costumo dizer que o personagem vai atrás e encontra seu intérprete. Então, tenho muito dela e ela tem muito de mim - pontua a atriz.

Antes de consolidar seu lugar no time titular de elencos dos mais relevantes do Brasil, no entanto, a artista chegou a se aventurar por outros caminhos. Sua vida profissional começou na pet shop da família, em que fazia a tosa de animais, e inclui duas faculdades interrompidas - afinal, seu plano A funcionou, abrindo um alfabeto inteiro de oportunidades, desde 2016, quando apareceu pela primeira vez em novelas, com um papel secundário na primeira fase de Velho Chico, da Globo.

Novos capítulos também têm sido escritos em sua vida pessoal. Em um relacionamento de dois anos com o ator Raphael Najan, 39, tornou-se oficialmente noiva no dia 25 fevereiro, com direito a um pedido nada tradicional. O casamento, contudo, ainda não está no horizonte, embora façam planos com muito romance envolvido. Na entrevista a seguir, confira mais detalhes sobre essas e outras histórias de Barbara.

Como é se ver na tela como vilã e heroína simultaneamente?

Aline e Débora são completamente opostas em relação aos seus ideais, porém, igualmente fortes. As duas lutam por sobrevivência, sabe. O ideal delas é permanecer. Elas resistem para sobreviver e essa é a ideia que faz das duas também parecidas. Estar no streaming com um trabalho - que logo vai para a TV aberta também - ao mesmo tempo em que dou vida à Aline no horário das 21h, carro-chefe da emissora, é algo que nem em meus melhores sonhos imaginaria. Ser protagonista de dois produtos seguidos em horários um depois do outro: em um, protagonista, a principal da história, e em outro, vilã - porque, as pessoas vêm dizendo que ela realmente é a vilã de Todas as Flores - para mim, artisticamente, é um momento muito rico.

Tu chegaste a considerar outras duas profissões, certo?

Sim, há duas faculdades incompletas. Na verdade, elas entraram na minha vida em uma espécie de plano B, caso a carreira não caminhasse, pois me formei atriz primeiro. E fui tentar fazer Jornalismo para ter outra forma de me manter, mas a vida artística acabava sempre me puxando. Aí, abandonei e fui gravar, fazer minhas coisas. Só que, naqueles períodos de "entressafra", sempre vinha o medo, a angústia, o "será que vão me chamar para fazer outros trabalhos?".

Não quis ficar esperando, então, me matriculei na faculdade de Produção Audiovisual, que, na verdade, nada mais é do que algo que envolve meu trabalho, só que atrás das câmeras. E fui fazer. Até que a vida artística me convocou novamente e não consegui fazer as duas coisas juntas. Abandonei a faculdade para poder estar 100% dedicada. Naquele momento, era Velho Chico. Fiz essa novela e fui fazendo outra e outra e mais outra e não consegui voltar.

Tu costumas dizer que não temes críticas. De onde vem tua segurança?

Na verdade, parto do princípio de que ninguém sabe mais da minha personagem do que eu e quem está envolvido na construção da novela. E Walcyr Carrasco, que escreveu, é claro. Crio do zero, sei como isso acontece. Quando ouço críticas que não têm fundamento, de pessoas que não sabem de onde partiu aquela construção, penso que não tenho que me importar. É um trabalho tão particular e profundo, que ouvir coisas não construtivas é algo que descarto. Quando ouço algo construtivo, com certeza, vou agregar e tentar implementar na construção. Fora isso, não ligo.

Como é a tua relação com o público na internet?

Uso as redes sociais e gosto mais do Twitter, porque é um caminho mais rápido de perguntas e respostas. Interajo bastante, mas também com certo limite. Gosto muito de expor meus pensamentos com a proposta de que participem para que eu possa falar de volta. É uma galera muito questionadora e fiel, ao mesmo tempo. Gosto de usar como um termômetro essa rede social.

Tua bio no Instagram diz que és uma "atriz do Méyer". Qual o papel desse lugar na tua história?

A gente diz que "quem é do Méyer não bobéyer" (risos). É a grande especialidade de quem vem de lá. Me considero cria, porque é onde moro desde os seis anos até hoje. Faz parte da minha formação como ser humano, das minhas vivências, das amizades, de quem sou. É um lugar muito especial, pelo qual tenho muito respeito. Coloco na bio mesmo, para não esquecer de onde vim. Para abrir e pensar: "Olha de onde você veio. São suas raízes, que você não pode esquecer". É um lugar na Zona Norte, de uma mulher que teve as bases da sua educação focadas na honestidade, no pé no chão. É sobre isso.

Como te definirias hoje?

A Barbara é tranquila, relaxada, sempre tem uma palavra amiga, mas também é muito da escuta. Às vezes, recebo chacoalhões de quem quer debater e digo que a gente precisa escutar. Sou muito discreta e é difícil me abrir para novas interferências na vida. Meu ascendente é capricórnio, então, sou desconfiada e preciso ser conquistada nesse lugar de confiança. Para me abrir, tenho que sentir que estou em ambiente seguro.

E concordas que essa tendência à escuta leva a um maior acolhimento?

Confesso que tenho a característica de ser maternal com meus amigos. A partir do momento em que me abro, tento, de alguma forma, sempre cuidar. E, além disso, acabo tendo percepções muito maduras de determinadas situações, mesmo com o pouco de experiência que tenho, aos 33 anos. São 13 de vida adulta... 15, 20, talvez. É pouco tempo comparado ao de uma pessoa de 50, por exemplo.

Pensas em ser mãe?

Com certeza, não é o momento. Minha única filha agora é a Aline. Mas, claro, um dia, se tudo caminhar bem, sim. Sigo muito o fluxo da vida, mas desejo, um dia. E também, se não for, tudo bem. A gente vai preenchendo a vida com coisas que nos fazem felizes. Por enquanto, não tenho planos.

E o casamento? Vem logo?

O primeiro passo é estar noiva, né (risos)? Até tem gente que pula essa parte. Tem quem questione se ela é tão importante assim. Sou uma mulher romântica e as tradições valem muito para mim, mas não está nem perto da hora de pensar nessa possibilidade de casamento, festa. A gente planeja, sim, mas para esse ano, não. Nem para o ano que vem. Ainda nem conversamos sobre isso.

Tu te consideras uma mulher tradicional, nesse sentido?

Não acho que os rituais tenham que ser como sempre foram. Cada um tem que ter o seu. Meu pedido de noivado não foi com jantar, nos moldes tradicionais, joelho no chão. Nada disso. Na verdade, foi uma coisa muito natural, mas rolou o pedir, trocar aliança e coisa e tal.

Como foi?

Estava voltando de uma viagem ao Mato Grosso do Sul, de gravação da novela, e ele foi me buscar no aeroporto. Lá mesmo, de uma forma até destrambelhada, ele empurrando carrinho de mala, tentando pegar a caixinha dentro do bolso (...). Abriu e foi falando umas coisas que eu não estava entendendo. Aí, ele perguntou: "Você quer dividir a vida comigo?". Foi dessa forma surpreendente, que acho que é o mais importante. Às vezes, a pessoa fica repetindo "quero casar" e o outro acaba ficando nesse lugar de "ai, meu Deus, preciso fazer o pedido". Foi uma forma bem natural. O mais legal é a surpresa.

Tens alguma preocupação com a estética no dia a dia?

Na verdade, penso no autocuidado. Hoje, não vou dizer que no passado não me preocupava em relação ao corpo, mas a gente não deve tentar se encaixar em algum padrão. Me preocupo com uma vida de qualidade, pensando na terceira idade, no que posso fazer hoje para envelhecer com saúde e que não precise de uma ajuda para coisas básicas, sabe. Então, cuido de mim na alimentação, indo para a academia, por mais que não goste, porque sei que isso vai me dar qualidade lá na frente.

Uma coisa que tem me deixado feliz é que, quando a gente cuida da saúde, faz atividade física, se alimenta bem, não tem como o resultado não refletir esteticamente. Porque não acontece do dia para a noite. Coisas que vêm do dia para a noite não são legais. Se você não fica naquela ansiedade pelo resultado, quando menos espera, ele acontece. Me vejo numa fase feliz fisicamente e é tudo fruto dessa nova forma de enxergar. 

MARY SILVA 


20 DE MAIO DE 2023
PERFIL

A VOZ DO TAMANHODO MUNDO

Inesperadamente, um canto doce e harmonioso se prolifera pelo Jardim Lutzenberger na Casa de Cultura Mario Quintana. É uma tarde nublada, e os visitantes no local são surpreendidos com uma performance suave e ao mesmo tempo intensa. Eles silenciam e se voltam absortos para a voz. Que voz. Ao interpretar uma música em uma sessão de fotos para ZH, Luiza Hellena parou o tempo por ali.

O tempo, aliás, correu bastante para que a cantora e compositora finalmente gravasse seu disco de estreia. Com 78 anos, ela prepara o primeiro álbum por meio do edital Natura Musical 2022. O projeto intitulado Dona Luiza Hellena e a Velha Guarda da Praiana - Uma Voz, Um Encontro prevê não só um disco, mas também a gravação de um clipe e um show presencial com transmissão online.

Antes disso, uma amostra: a artista protagoniza o espetáculo Luiza Hellena, Uma Voz, no próximo sábado, dia 27, na Fundação Ecarta, na Capital. A entrada é franca, e também haverá transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da instituição. Acompanhada de Silfarnei Alves (violão) e Heleno Goulart Rodrigues (percussão), ela cantará sambas, serestas e canções da MPB, além de seu trabalho autoral.

Luiza é uma das vozes negras da noite de Porto Alegre que atravessaram décadas cantando pelos bares da cidade, além de ser lembrada por sua atuação no Sindicato dos Músicos do RS (Sindimus-RS) pelos profissionais da área, mas seu potencial ficou invisibilizado. Sempre às margens.

Responsável pela produção do projeto contemplado pela Natura, além de atuar na produção do disco, o músico e pesquisador Paulinho Parada abordou a história de Luiza em sua dissertação de mestrado intitulada "Nós da noite: memória, esquecimento e atividade musical profissional em Porto Alegre", da pós-graduação em Música da UFRGS. Em 2021, ele dirigiu o curta documental Luiza Hellena - Uma Voz (disponível no YouTube), que venceu o Prêmio Açorianos de Música 2022 na categoria clipe do ano. Segundo o realizador, a produção tinha como finalidade refletir sobre a invisibilidade da mulher negra.

- Vi a força que ela tinha em sua história - atesta Parada sobre a ideia de trabalhar com a cantora.

Natural de São Lourenço do Sul, no sul do Estado, Luiza migrou ainda pequena para Pelotas. A artista crê que tenha nascido com o dom para a música, algo que a acompanhou desde o berço. Ela começou a cantar para valer aos 13 anos, tendo participado, naquela época, de um concurso da Rádio Cultura. Ficou em primeiro lugar, passando a integrar o casting de cantores da emissora pelotense. Porém, a atividade artística não era bem aceita pela família.

- Era penoso para mim porque minha mãe não aceitava - relata. - Eu tinha de me comportar muito bem para poder ir semanalmente cantar, aos domingos, em um programa de auditório.

Luiza salienta que, naqueles tempos, a menina que cantasse era "mal falada". Recorda que levava "surras homéricas" da família por cantar. Mesmo assim, tudo o que mais queria era ser cantora. E ela não via nada de errado nisso.

Aos 16 anos, Luiza saiu de casa rumo à Porto Alegre para realizar seu sonho. Tendo vivido na Restinga e na Medianeira, estabeleceu-se na Vila Farrapos há 35 anos. Porém, ao chegar à cidade ainda nos anos 1960, quebrou a cara:

- Não sabia nada da vida. Descobri que cantar não era glamour, era luta. Eu não conhecia ninguém, ninguém me conhecia, era uma menina. Passei muito trabalho.

Foi aos 16 que ela teve o primeiro filho, Cláudio Luís. Foi mãe solteira. O segundo de seus dois filhos, Otone, viria três anos depois. Aos 19, ela se casou e deixou os palcos. O marido a proibiu de cantar.

- Ele tinha o mesmo pensamento arcaico, de que mulher cantora era mulher da vida. Preconceito enorme - queixa-se. - Fiquei sem cantar enquanto estive casada. Era um período dificílimo, quando tinha oportunidade, lá estava eu gorjeando, e ele ficava apavorado.

Poucos anos depois, quando Luiza já tinha 27, o matrimônio chegou ao fim. Então, ela se jogou na música. Passou a cantar na noite no início da década de 1970. Com um repertório de MPB, samba, samba-canção e o que ela define como "música de fossa" ("muito de Lupicínio Rodrigues"), a cantora se apresentou ao longo do tempo em bares e casas noturnas como Clube da Saudade, Sandália de Prata e Encouraçado. Também viajava para se apresentar no Interior, em outros Estados e até no Exterior - o que inclui passagens por Argentina, Uruguai e México. Ainda, marcava presença em programas de rádios.

- Queria voltar naquele tempo. Me sentia valorizada - suspira. - Depois de tudo, sigo achando que a música me eleva. Sempre digo que cantar é orar duas vezes. Cantando a gente viaja, se realiza, vive amores. É uma utopia que vivemos.

Luiza também cantava em bailes de Carnaval, chegando a ser intérprete de escola de samba em São Leopoldo. Em Porto Alegre, adotou a Praiana como escola do coração por ter pelotenses entre os fundadores.

Com tanta rodagem, resolveu entrar no sindicato dos músicos em 1993, chegando a integrar quadros administrativos da organização. Define-se como "extremamente radical" quanto ao respeito ao músico.

- Sempre fui de defender a classe, lutar pelos nossos direitos, sou meio rebelde (risos). E sou meio estourada. Me reconheço como difícil.

Para o antigo companheiro de palco Carlinhos Santos, 67 anos, é o contrário. O violonista garante que o bom humor dela é a primeira característica que chama atenção de quem a conhece. Ele também a define como obstinada por sua atuação no Sindimus:

- A Luiza é a própria figura quando se fala em sindicato dos músicos, sempre dedicada e maravilhosa. Fez de tudo para manter o sindicato atuante e fortalecido, mesmo nos momentos de dificuldades financeiras. Isso os músicos devem a ela.

Quando a noite não rendia, Luiza se virava. Diz que a música não é um conto de fadas. Então, foi cabeleireira, costureira, datilógrafa, recepcionista, telefonista e doméstica. Aprendeu de tudo um pouco.

Com previsão de lançamento para o segundo semestre, o disco de Luiza está em pré-produção. O álbum terá participações da Velha Guarda da Praiana - o que inclui o violonista Silfarnei Alves. Além de diretor musical, produtor e tocar violão 7 cordas, Paulinho Parada também é o responsável pelos arranjos, junto a Edu Neves (Zeca Pagodinho e Elza Soares). Segundo Parada, o cavaco fica com Fábio Azevedo Cabelinho, a percussão, de Manoel Macedo e Maicon Paquetá, além dos percussionistas da noite Bebinho e Maciel. Com foco no samba e no samba-canção, o projeto reunirá composições emblemáticas que fizeram parte da história da Praiana - como As Alegrias da Vida e Janaína -, mas também da trajetória de Luiza.

Ela também deve gravar Cantando a Vida, de Paulinho Parada; Minha Dor, de Nêgo Izolino; e Iemanjá, de Durque Costa Cigano. Mas a verve compositora de Luiza também será evidenciada no álbum. Ela lembra que começou a criar suas próprias canções nos anos 1980, geralmente motivada por desilusões amorosas.

- Componho mais quando levo uma guampa. Aí é meu chão - diverte-se. - Sou taurina, portanto sou extremamente passional.

Em Aviso Prévio, por exemplo, verbaliza sobre um parceiro ausente ("Eu já cansei de viver com todo seu descaso/ Você só vem em casa às vezes por acaso/ Então nosso caso não tem solução") e dá um "grito de independência" ("Se eu me arrepender amanhã, paciência/ Hoje sem brigas eu quero mudar").

- Tive um relacionamento que durou 19 anos. Como gosto de ser enganada! (Risos.) Uma hora eu cansei e dei o xeque-mate. Dei um aviso prévio para ele - brinca.

Já em Justiça, ela declara: "Cansei das injustiças que você me fez/ Mas não farei justiça com as minhas próprias mãos/ Um dia a justiça divina irá julgar você/ Portanto, agora, não adianta me pedir perdão". Ao lembrar sobre o episódio que inspirou a canção, Luiza reflete que os homens "culpam as mulheres das coisas que eles fazem".

- Quando reagimos, a errada é sempre a gente - aponta. - Quando o encurralei, ele disse que estava com intenção de reverter nossa situação. Respondi que não, "cansei das injustiças que você me fez". Tive problema de saúde, ele não ia em casa. Assim nasceu Justiça.

Como compositora, Luiza segue o legado de Lupicínio Rodrigues, versando sobre desamores, porém na perspectiva feminina. Umas das faixas previstas para o disco homenageia o compositor da Ilhota: Lupi - Sua Arte, Sua Glória. Há também um blues intitulado Longa Espera ("Que espera longa/ Mas o tempo não conta/ Peço passagem/ Ei de chegar, ei de chegar"), outro petardo da dor de cotovelo.

- Cantar o amor é muito fácil. Agora, ao cantar a tristeza, tu põe mais a alma, aí que sai melhor - avalia. - Às vezes a gente está cantando uma música triste de doer, daí você se dá conta, bah, mas o cara me fez isso. "Bem que eu podia chorar, mas não, tu não pode chorar, vou botar na voz." Dá tudo de ti. Tu quer mostrar que foi apaixonada. Isso enriquece a arte.

Presente no disco e no show da Ecarta, Silfarnei tem 66 anos, dos quais calcula conhecer a Luiza há quase 40. Os dois se apresentam juntos esporadicamente. Para o violonista, a cantora tem bom gosto ao escolher o repertório, que costuma permear nomes como Elis Regina, Alcione e Lupicínio. Estima, em especial, a interpretação que ela dá a Sonhos de um Palhaço, sucesso na voz de Antônio Marcos.

- Ela é uma das últimas grandes cantoras - diz Silfarnei. - Não que a gente não tenha boas cantoras agora, mas aquele jeito dela de cantar, aquela elegância, aquele respeito à música, deixa marcas.

A designer de moda Suelci Silva conheceu Luiza por meio da Praiana. Com 64 anos e integrando da Velha Guarda, ela é autora de temas enredos das escolas de samba. Suelci frisa que a companheira de escola leva as pessoas a viajar com seu o timbre e a doçura da voz.

- Isso é o diferencial da Luiza. Há muitos cantores, mas os que te fazem viajar são raros. A leveza dela te inebria, e tu prestas atenção naquela figura mionzinha, pequena, mas com um vozeirão do tamanho do mundo - descreve Suelci.

O músico, compositor e produtor cultural Henrique Mann observa que a artista tem boa presença de palco e segurança da execução. Ele assegura que Luiza foi uma das melhores cantoras com quem trabalhou em estúdio - na coletânea Nós da Noite, em que canta Justiça. Destaca a afinação da artista:

- O tempo passa e ela continua com a voz forte, mesmo tendo problemas de saúde, enfrentando muitas situações adversas, sua voz adapta-se e não perde a afinação. Acho que isso tem muitas explicações, como o fato de ela sentir-se feliz quando canta, a experiência de cantar por muitos anos e nas circunstâncias mais variadas, que tornou-a muito experiente. Ela sabe escolher os caminhos mais seguros.

Prestes a chegar aos 80, Luiza lida com diabetes e insuficiência renal. Sofreu um infarto em 2021 e, a parti daí, passou a fazer hemodiálise. A cantora, então, vê o disco como um projeto de vida que chega bem a tempo.

- Nunca deixei meu sonho de lado, nunca morreu, nunca deixei de acreditar. Veio agora um prêmio. Fico emocionada. É ainda melhor receber esta homenagem agora, porque ainda estou viva e vou colher os frutos - anima-se.

Para Suelci, Luiza sempre foi uma pessoa à frente de seu tempo. - Abandonar o sonho ao casar, ter filhos e depois voltar para o sonho... Ela é uma pessoa que se reinventa a cada instante - define.

Parada relata que Luiza crê que a história dela é uma história comum. De uma mulher que casou cedo, constituiu família, que foi impedida de cantar, era surrada por ser cantora de rádio - algo que ela entende ser só mais uma história corriqueira. Mas, para o produtor, não se trata apenas disso:

- Ela é uma voz que representa milhares de vozes invisibilizadas. Trata-se de uma representatividade.

Depois que Dona Luiza interpretou As Alegrias da Vida, samba-enredo da Praiana no Carnaval de 1980, no Jardim Lutzenberger, ela foi aplaudida pelos visitantes ali presentes.Ninguém a conhecia. Ela parou o tempo por ali e o devolveu. 

WILLIAM MANSQUE