domingo, 27 de março de 2016



26 de março de 2016 | N° 18483 
MARTHA MEDEIROS

O dia seguinte

Não importa qual foi a força oculta que ajudou a desanuviar o problema, o que importa é que funcionou e confirmou que é pra isso que existe o dia seguinte

Você chorou quase a noite inteira, imaginou que não haveria saída e se sentiu tão desamparado e incrivelmente só que nem se atreveu a torcer pelo telefonema que tanto desejava, mas que, surpreendentemente, chegou ainda pela manhã, acalmando toda aquela aflição. É pra isso que existe o dia seguinte.

Você se envolveu num amor que nem era amor, apenas entusiasmo, uma necessidade de superar dores passadas. Então, de uma forma madura, resolveu que era hora de deixar as coisas bem claras, mesmo provocando algum sofrimento. Sempre é melhor a verdade do que a farsa. Acordou sozinho, porém íntegro e pronto para histórias que não sejam forjadas. É pra isso que existe o dia seguinte.

Você não sabia como pagar, não sabia como argumentar, não sabia como sair daquela sinuca, e dormiu com todos os demônios rogando pragas nos seus ouvidos, até que acordou calmo como um Buda e encontrou um jeito de resolver. Talvez a solução tenha sido assoprada durante o sono, não se sabe, mas não importa qual foi a força oculta que ajudou a desanuviar o problema, o que importa é que funcionou e confirmou que é pra isso que existe o dia seguinte.

Foi a noite mais fantástica da sua vida? Valeu a pena se preparar por sete meses para viver aquele encantamento de poucas horas? Saiu tudo como o esperado? Mais espetacular impossível? Também é pra isso que existe o dia seguinte: congratular-se.

Você não devia, mas enviou aquele e-mail com palavras rudes, acusações exageradas, uma histrionice que nem combina com você, mas que saiu assim, teatral e colocando tudo a perder – e estaria tudo perdido mesmo, não houvesse o dia seguinte e a oportunidade de pedir desculpas.

Você se iludiu, como todos sempre se iludem. Acreditou em meia-dúzia de palavras sedutoras e construiu uma fantasia. Bem-vindo ao clube. Preferiria continuar fantasiando? Pra isso existe o dia seguinte: reconduzir você à realidade, que nem sempre é animadora, mas ao menos é honesta.

Foi o dia mais tedioso da sua vida, mais sem nexo, perdido em sonolência e paralisia, 24 horas inúteis, uma postergação de tudo, porém serviu para alertar que este abatimento não representa você, e o dia seguinte, mesmo não sendo tão diferente, ao menos lhe devolveu o ânimo para ler um livro, sempre há uma maneira de se salvar do nada absoluto.

E se todos os dias seguintes têm sido repetecos dos dias anteriores, se você está cansado de aguardar que o dia seguinte traga alguma novidade que lhe tire o chão e abra um novo céu, se você já se convenceu de que o dia seguinte é uma esperança que nunca se concretiza e que só serve para enganar os trouxas, ainda assim, prepare-se: um desses dias seguintes iguais a todos não terminará como você espera.



26 de março de 2016 | N° 18483 
CARPINEJAR

Não é brincadeira

Não é o trabalho que me cansa. Não é viajar três vezes por semana e dormir três horas por dia. Não é acordar cedo e conciliar casa, filhos e contas a pagar. Não é o excesso de tarefas, de obrigações e de responsabilidades. Não reclamo por não parar quieto, por ler em trânsito, por comer voando, por render os intervalos apressados de mim para a musculação e rústica. Não reclamo das olheiras e dos cochilos de pé no ônibus.

Só me falta na vida não mais me preocupar com o amor. O que me exaure é a procura de alguém: alguém que esteja dentro da minha solidão para não precisar mais estar sozinho.

Se quem é solteiro já sofre, imagine a situação de quem ainda por cima é romântico, pretende casar e seguir um relacionamento sério.

É uma maratona que começa nos aplicativos e redes sociais, é peneirar fotos, hábitos e postagens, é convidar no Facebook, é adicionar o telefone, é manter agenda ativa de eventos, é tentar fazer uma piada que não será entendida por diferença de geração, é perdoar gente com alternância absurda de humor, é gostar daquela que não gosta de você e recusar aquela que se interessou por você, é distinguir psicopatas e doidas das intensos e apaixonadas, é não saber se segue os conselhos dos familiares (vá devagar!) ou dos amigos (não deixe de ir!), é se defender de grosserias e gratuidades, é adorar a aparência e não suportar a burrice, é admirar a inteligência e não aguentar a cafonice, é se arrumar todo para não conhecer ninguém interessante, é enfrentar a estranheza de um novo corpo, é receber em casa, perceber que não há futuro e gastar os bons modos fingindo simpatia, é comparar as relações de antes com os problemas de agora, é atravessar as cantadas chatas dos bares, 

é decodificar os gritos nas baladas, é sair para jantar, é explicar um filme, é acreditar que achou, é perceber que não achou ainda, é festejar um velório, é enterrar uma festa, é recomeçar a busca, é alternar momentos de extrema esperança e excitação com picos de desânimo e ceticismo, é temer a recaída com ex com as sucessivas desventuras, é acompanhar os colegas em fracassos, é errar a medida da bebida e arcar com a ressaca moral, é retomar a terapia, é abandonar a terapia.

Não existe canseira maior, tanto física quanto espiritual, do que a expedição pelo par ideal.

Cada mês do solteiro romântico equivale a um ano do casado, tamanha a volta na alma, os passeios pela Cidade Baixa e pelo Moinhos de Vento, as promessas infundadas e os romances abortados.

O curioso e engraçado é que, quando encontrar a minha mulher, esquecerei todo o esforço que tive, não protestarei pela demora, não xingarei os percalços. Graças a Deus, a felicidade sempre foi desmemoriada – a boba da dor é que não esquece nada e jamais perdoa.



26 de março de 2016 | N° 18483 
CARPINEJAR

Não é brincadeira


Não é o trabalho que me cansa. Não é viajar três vezes por semana e dormir três horas por dia. Não é acordar cedo e conciliar casa, filhos e contas a pagar. Não é o excesso de tarefas, de obrigações e de responsabilidades. Não reclamo por não parar quieto, por ler em trânsito, por comer voando, por render os intervalos apressados de mim para a musculação e rústica. Não reclamo das olheiras e dos cochilos de pé no ônibus.

Só me falta na vida não mais me preocupar com o amor. O que me exaure é a procura de alguém: alguém que esteja dentro da minha solidão para não precisar mais estar sozinho.

Se quem é solteiro já sofre, imagine a situação de quem ainda por cima é romântico, pretende casar e seguir um relacionamento sério.

É uma maratona que começa nos aplicativos e redes sociais, é peneirar fotos, hábitos e postagens, é convidar no Facebook, é adicionar o telefone, é manter agenda ativa de eventos, é tentar fazer uma piada que não será entendida por diferença de geração, é perdoar gente com alternância absurda de humor, é gostar daquela que não gosta de você e recusar aquela que se interessou por você, é distinguir psicopatas e doidas das intensos e apaixonadas, é não saber se segue os conselhos dos familiares (vá devagar!) ou dos amigos (não deixe de ir!), é se defender de grosserias e gratuidades, é adorar a aparência e não suportar a burrice, é admirar a inteligência e não aguentar a cafonice, 

é se arrumar todo para não conhecer ninguém interessante, é enfrentar a estranheza de um novo corpo, é receber em casa, perceber que não há futuro e gastar os bons modos fingindo simpatia, é comparar as relações de antes com os problemas de agora, é atravessar as cantadas chatas dos bares, é decodificar os gritos nas baladas, é sair para jantar, é explicar um filme, é acreditar que achou, é perceber que não achou ainda, é festejar um velório, é enterrar uma festa, é recomeçar a busca, é alternar momentos de extrema esperança e excitação com picos de desânimo e ceticismo, é temer a recaída com ex com as sucessivas desventuras, é acompanhar os colegas em fracassos, é errar a medida da bebida e arcar com a ressaca moral, é retomar a terapia, é abandonar a terapia.

Não existe canseira maior, tanto física quanto espiritual, do que a expedição pelo par ideal.

Cada mês do solteiro romântico equivale a um ano do casado, tamanha a volta na alma, os passeios pela Cidade Baixa e pelo Moinhos de Vento, as promessas infundadas e os romances abortados.

O curioso e engraçado é que, quando encontrar a minha mulher, esquecerei todo o esforço que tive, não protestarei pela demora, não xingarei os percalços. Graças a Deus, a felicidade sempre foi desmemoriada – a boba da dor é que não esquece nada e jamais perdoa.



25 de março de 2016 | N° 18482 
NÍLSON SOUZA

AMOR ANTIGO

Amo minha cidade muito antes de conhecê-la.


Trabalhei durante 14 anos no Beco do Fanha, tive uma namorada na Rua da Figueira, andei de bonde pela Rua do Paraíso, estacionei meu Fusca muitas vezes na Rua do Arvoredo e percorri, por incontáveis dias e noites, a Rua Formosa, o Beco do Império, a Rua da Varzinha, a Rua do Cotovelo e tantas outras localizadas nas proximidades.

Falo, como já perceberam os mais antigos e os estudiosos da geografia porto-alegrense, desta Capital aniversariante, onde nasci e onde – a exemplo de Quintana – serei provavelmente poeira ou folha levada no vento da madrugada.

A Porto Alegre dos meus andares já era outra quando realmente a conheci. Meu primeiro emprego no jornalismo foi na Rua Caldas Júnior, onde um dia morou um taberneiro fanhoso, segundo o historiador Sérgio da Costa Franco. Minha namorada, hoje minha mulher, morava na Rua Coronel Genuíno quando a conheci, mas lá já não estava mais a figueira que lhe deu o nome romântico. A Rua do Paraíso já tinha virado José Montauri quando me pendurei no bonde-gaiola, que se inclinava pelas cercanias da Praça XV. E os arvoredos da Fernando Machado, testemunhas do célebre episódio do açougueiro que fazia linguiça com carne humana, já eram escassos quando passei a estacionar por lá.

Frequentador compulsório do Centro Histórico, onde trabalhava, perambulei pela Duque de Caxias, que um dia foi mais formosa, pela Espírito Santo, que substituiu o beco imperial, pela Demétrio Ribeiro, que já não tinha mais várzeas, e pela Riachuelo, que ainda rima com cotovelo. Há tantas mais, inclusive a inspiradora Rua dos Pecados Mortais, rebatizada para homenagear um dos nossos generais – o cachoeirense Bento Martins.

Porto Alegre, que completa 244 anos neste sábado, ainda tem ruas encantadas que nem em sonhos sonhei, mas basta uma consulta ao mapa do passado para se perceber que a vida nesta cidade já foi mais tranquila, criativa, pacífica e deliciosa.

Tenho saudade da Porto Alegre que conheci e também daquela que não conheci, mas amo esta que me abriga e me desafia. Feliz aniversário, meu chão!

25 de março de 2016 | N° 18482 
CLÁUDIA LAITANO

Silêncio


Para a maioria das pessoas, tradições familiares costumam estar associadas a festas religiosas – Natal e Páscoa em especial, para os cristãos. Como o Natal compete com a enorme carga de compromissos de fim de ano, a Páscoa acaba oferecendo mais oportunidades para uma celebração familiar, religiosa ou não, mais plena. Vejo amigos de hábitos solidamente seculares pintando ovinhos, decorando a casa e preparando brincadeiras para as crianças no domingo de manhã. Não apenas porque “todo mundo faz” ou “todo mundo sempre fez”, mas pela sensação de aconchego que esses rituais que fogem à lógica prática do dia a dia proporcionam para adultos e crianças.

É curioso o caminho que rituais e tradições percorrem ao longo do tempo dentro de uma família. Alguns atravessam gerações, sobrevivendo praticamente inalterados à passagem do tempo e à miscigenação com outras famílias. Outros são recriados, adaptados aos novos tempos, reinventados pelos mais jovens, recombinados com outros hábitos. 

E há os que se perdem – de uma vez só, por decisão consciente de quem decide cortar laços com tradições que já não fazem sentido, ou aos poucos, por falta de energia para retransmitir experiências significativas da infância para as gerações mais novas. Muita gente, porém, tem percorrido o caminho inverso, retomando contato com o passado em busca das raízes e da sensação de pertencimento que fazem falta para além da vivência propriamente religiosa.

Não venho de uma família muito ligada a rituais, mas na Sexta-feira Santa pelo menos uma coisa era sagrada lá em casa: ninguém podia brigar. Sabíamos, eu e meus dois irmãos mais velhos, que falar alto e ouvir música não era muito santo perto da Páscoa, mas a única regra da qual nossa mãe não abria mão mesmo era a da trégua nas disputas mais acaloradas por algum brinquedo ou programa de TV. 

Como filha caçula e única menina, em geral servia apenas de plateia para as brigas dos mais velhos e portanto era fácil guardar o silêncio e a compenetração exigidos pelos adultos. Mesmo um pouco forçada, a paz da Sexta-feira Santa me caía bem. Como se aquele dia mundial da paz artificial fosse realmente especial e diferente de todos os outros.

Ainda assim, nunca me ocorreu, na vida adulta, que essa tradição já meio esquecida me fizesse falta. Até este ano. Em meio a tanto ruído e confusão, a ideia de uma sexta-feira reservada para o silêncio e a contrição nunca me pareceu tão apropriada – e sagrada.



23 de março de 2016 | N° 18480 
MARTHA MEDEIROS

Nós, o povo


Ninguém tem bola de cristal pra saber como terminará este inquietante 2016, mas acredito que o momento é perfeito para deixar de lado a disputa entre coxinhas e petralhas e pensarmos juntos no país que desejamos para o futuro. Nunca participei de nenhuma manifestação, pois não concordava com o espírito partidário das mesmas e não tinha vontade de caminhar lado a lado com alguns reaças notórios, mas, a partir de 16 de março, aderi ao constrangimento e à vergonha nacionais. 

Ficou confirmado tudo o que intuíamos: nossa classe política é um desastre. Todos os governos fizeram algo de bom durante suas gestões, mas a volúpia pelo poder e pelo dinheiro sempre estraga tudo. Admito que me incomodam os grampos telefônicos realizados recentemente, considero violência qualquer invasão de privacidade, mas a situação é de guerra e estão todos usando as armas que têm – de ambos os lados. Não é uma coisa bonita de se ver, mas é o que temos pra hoje.

Qual o nosso papel nisso tudo? É preciso ter consciência de que a corrupção não começa no governo: termina ali. Começa dentro de nossas casas, no trânsito, no nosso cotidiano civil. Somos um povo que passa trote em telefones de emergência, que falsifica carteiras de estudante, que faz gato para roubar energia elétrica e telefonia a cabo, que atravessa a rua fora da faixa de pedestre, que alerta os carros velozes na estrada para o radar que está logo em frente, que estaciona em vaga para deficientes e idosos, que forja atestados médicos para faltar ao trabalho, que molha a mão do policial para evitar multas, que pula catracas, que guarda lugar em auditórios para os amigos atrasados, que leva para casa cabides de hotéis, que joga lixo nas calçadas, que acha normal não cumprir o horário combinado, que falsifica a assinatura dos pais, que adultera o odômetro do carro antes de vendê-lo e mais um longo etcetera. 

Não estou falando dos outros, e sim de nós. Sem isenção. Os políticos não vêm de Marte, eles são frutos desta mesma sociedade. Nunca teremos representantes éticos se não formos uma sociedade ética.

Então, tudo bem ocupar as avenidas e protestar, mas sem hipocrisia: ou a gente muda, ou nada muda. Que essa catarse coletiva leve em consideração a nossa responsabilidade nisso tudo. Que aproveitemos para amadurecer e reconstruir essa nossa mentalidade viciada em jeitinhos. E que, finalmente, venham novos dias.



22 de março de 2016 | N° 18479 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

PARA OUVIR


Quando você chegou a tudo transformou. Chegou tranquilamente – quase levitei, como se fosse leve tudo ao meu redor, como se fosse algo que nunca perdi, como se tivéssemos nos escondido. Hoje você está aqui, para sempre está.

Este é o Carlos Badia, trecho da letra da Filho, uma linda canção, doce, um acalanto em forma de balada, uma saudação a quem chega neste mundo estranho. É uma faixa de um dos dois discos publicados juntos no projeto Zeros – um de músicas sem letra, outro de canções. Tudo elegante, muita variedade de estilos, sempre agradável ao ouvido, uma companhia de qualidade que nunca subestima o ouvinte.

A lei é cega, cega que tão bem enxerga quando lhe convém. A lei não quer ver, serve a quem melhor lhe paga, para o mal e o bem, e sobe o seu altar para ser só letra morta que se apaga com tum tiro à queima-roupa.

Agora é o Nei Lisboa, cantando A Lei, que não se refere ao juiz Moro ou a qualquer outro, porque se dirige ao ar geral que respiramos, de vez em quando sufocante, logo ali, espero, agradável. O disco tem nome longo e faz tropeçar um pouco, Telas, Tramas & Trapaças do Novo Mundo. Gravado ao vivo, com energia e aquele violão baladeiro que a gente acostumou a ouvir ao fundo da voz e das sempre inteligentes letras do Nei.

A paz não é uma pomba. A paz não está no esquife, nem na tumba, nem no além, nem no credo, nem no amém, na aposta ou no cacife: a paz não é uma grife ou um logotipo eficiente. Paz será paz plenamente quando for a paz comum de todos e cada um.

E este é o Richard Serraria, numa das canções performáticas do eletrizante cd/projeto Bataclã FC & Mastigadores de Poesia. Tem música e tem mastigação – um conceito novo, ou uma imagem nova, para a tarefa estranha de dizer poesia.

Três projetos musicais e poéticos com capacidade de ajudar a atravessar esse trechinho estranho da vida brasileira. E tenho dito.



19 de março de 2016 | N° 18477 
MARTHA MEDEIROS

A verdadeira virilidade

Que todos nós temos um lado masculino e um lado feminino, acho que não há o que discutir, mesmo que a ideia não agrade a alguns. Alguns homens, claro.


Outro dia, conversava com duas amigas sobre essa questão. Nós três somos mulheres eloquentes, determinadas, independentes e nem por isto desprovidas de doçura e feminilidade. O fato de termos algumas virtudes associadas ao padrão masculino de comportamento não gera em nós qualquer espécie de desconforto, ao contrário: só nos faz sentir mais interessantes. A tranquilidade é tamanha que, se alguém associasse nosso lado racional a alguma inclinação homossexual, receberíamos essa hipótese descabida com um sorriso absolutamente relaxado. 

Mulher não se preocupa com o que os outros pensam sobre sua sexualidade. Ela sabe quem é e do que gosta. Não precisa evitar os abraços calorosos nas amigas, nem as declarações de amor mútuas que costumamos fazer umas às outras. Manifestamos naturalmente nosso afeto sem nenhum motivo para autocontrole. Temos coisas bem mais importantes com o que nos preocupar.

Bem diferente do que acontece entre alguns homens. Nós três, durante o jantar, lembramos com um carinho quase maternal de alguns exemplares XY que fazem questão de afirmar sua macheza constantemente, como se alguém estivesse desconfiando de alguma coisa. Eles nem cogitam conviver amistosamente com a ideia de ter um lado feminino – que obviamente todo homem tem, em maior ou menor grau. 

Para muitos deles, essa dualidade é algo bem assustador. Uma pena, porque a homofobia está bastante associada ao medo latente de que os outros confundam quem eles são. Se não ficassem obcecados em demonstrar que têm uma identidade sexual acima de qualquer suspeita, não precisariam ficar agredindo quem é diferente deles.

Eu ainda era uma adolescente quando Pepeu Gomes compôs: “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”, enquanto Gilberto Gil corroborava: “Vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria”. Claro que os brucutus se apressaram em rotulá-los de bichas para liquidar o assunto, mas os homens antenados e inteligentes não se estressaram, captaram a mensagem e hoje estão unidos a nós na defesa de uma sociedade menos homofóbica, menos careta, menos provinciana. É justamente a porção feminina que eles têm (e que em nada ameaça sua virilidade) que faz com que não fiquem irritadinhos à toa e que também tenham mais com o que se preocupar.


19 de março de 2016 | N° 18477 
CARPINEJAR

O fim de um livro ou de um amor

Já perdi todo um livro de poemas, na época em que ele era datilografado e não existia ainda computador. Esqueci na mesa do bar do Antonio na UFRGS e jamais recuperei. Deve ter ido para alguma lixeira ou servido de rascunho para um escritório. Guardei o título: Minha Pequena.

Lembro que tentei reescrever e fracassei, pois tinha a sensação de tê-lo escrito, não havia mais aquela emoção que me movimentava a desabafar.

O fim de uma relação é igual. É como um livro feito durante meses, verso a verso, que acaba extraviado. Um livro que não existe mais, que tampouco será lido. Só você conhece o valor que estava ali, mais ninguém, a outra pessoa jamais receberá a mensagem por inteiro, jamais compreenderá o quanto você amou, o quanto mantinha fotografias mentais em sua saudade, o quanto se esforçou para dar certo e encontrar o ritmo da felicidade a dois.

Você disse e não disse, você explicou, mas não foi entendido. Sua voz se misturou ao vento, é chuva e não faz sentido gritar pela autoria com o estrondo dos relâmpagos. Não será ouvido, não convencerá de seu talento de amar, não inspirará remorsos com as rimas, não assegurará a longevidade das suas palavras.

Não disporá de chance de revisão dos acontecimentos, da releitura e do lápis sublinhando as passagens prediletas. Não experimentará o purgatório de uma biblioteca. Perdurará o ruído externo, cada um com a sua versão, e não virá à tona o testamento íntimo.

Não tem a prova de que os dias foram reais, de que o romance foi verdadeiro, de que valia a pena insistir pelas brechas dos risos e da cumplicidade em meio ao caos das dúvidas e das brigas. Contará apenas com a solidão de sua palavra contra a dela. De que modo comprovar a hemorragia de um coração que sangrou fora do tecido?

Até você duvida de sua sanidade, até você desconfia que não exagerou, inventou e distorceu as lembranças. Pois o desejo corrompe a memória e modifica os fatos de acordo com as vontades imediatas, que mudam com o sim ou com o não. O que poderia reconfortar é o preto no branco, a letra impressa, o papel juramentado que desapareceu no anonimato.

Não desfrutou de backup e da salvação dos arquivos temporários. É um cansaço sem recompensa. Uma exaustão sem finalidade.

O final de um amor traz a injustiça de um livro extraviado. Morreu escrevendo o que não virou vida e esperança. Talvez tenha sido a sua obra-prima, nunca descobrirá.



19 de março de 2016 | N° 18477 
DIANA CORSO

FIU, FIU!

Por que é tão difícil para alguns homens acreditar que as mulheres não querem ser assediadas? A rua não é uma floresta onde haveria o predador e a presa na caçada do sexo. Quase sempre elas caminham alheias a tudo, tendo outras tantas coisas em que pensar, e com eles costuma ocorrer o mesmo. Mulheres e homens só são despertados eroticamente em circunstâncias particulares e pelo tipo de pessoa que corresponde a seu desejo.

Ao contrário do que se acredita, o desejo sexual masculino não é tão imperioso. Seria até um repouso para sua virilidade exausta se eles não precisassem sentir e demonstrar-se onívoros e eretos o tempo todo. O assédio é frequentemente um comportamento grupal, o que leva a pensar que eles não dedicam essa performance exatamente para as mulheres, mas sim uns aos outros. Os homens tornam-se mais admirados e, portanto, com mais valor entre si, quando se mostram desejantes na presença de um corpo feminino.

Todas nós já tivemos experiências de assédio, inclusive quando pequenas. Se avaliamos que não é preciso sair correndo, apenas fitamos o chão e andamos mais rápido. Sabemos bem marcar o ritmo dos passos de qualquer homem que divida uma calçada conosco a qualquer hora do dia, e isso muito antes de nossa cidade ter virado o velho oeste.

Paradoxalmente, o machismo é filho da existência da figura supervalorizada da mãe, uma mulher onipresente, totalmente dedicada ao filho. Na infância ela é uma giganta de cujas vontades e benesses os meninos, principalmente, dependem trêmulos e amorosos. Homens têm sido criados, há séculos, pelas próprias mães, acreditando ser a encarnação de uma dádiva e tendo suas vontades atendidas com devoção. O destino das meninas é diferente. Embora a relação com a mãe também seja imensa, é marcada por conflitos que estremecem esse amor.

Creio que o patriarcado, além de uma tradicional forma de poder, é também uma defesa contra o amor e a submissão a essa mãe poderosa. Para livrar-se da fragilidade resultante dos restos desse vínculo, os homens adultos habituaram-se a separar as fêmeas em duas categorias desvalorizadas: as virginais, destinadas a ser mães e esposas subjugadas, e as prostitutas, a serem tratadas como mercadoria.

Porém, felizmente está difícil encaixá-las nesses papéis. Quem lê os romances da escritora inglesa Jane Austen percebe que já no século 19 elas se ensaiavam em interessar-se por relações mais igualitárias e homens mais complexos e sensíveis. O orgasmo feminino, outrora dispensável e até indesejável, passou a ser uma meta para ambos os parceiros amorosos. Aos homens, outrora bastava ser eretos, agora eles têm de ser virtuosos e duradouros na cama. O prazer do casal passou fazer parte intrínseca da relação sexual. Para elas, sexo significa o engajamento erótico do corpo todo, assim como mais tempo, considerando a disposição para os orgasmos múltiplos. O prazer agora envolve pessoas livres que se permitem mais intimidade, longe do orifício inanimado e complacente a que se havia reduzido o corpo das mulheres ditas de bem.

Para os homens emocionalmente mais limitados e presos a uma subjetividade infantil, o sexo tornou-se perigoso e incompreensível, e as mulheres, ainda mais assustadoras. Daí provém a sobrevivência do machismo, pois é mais difícil crescer, amadurecer e enfrentar o fato de que todas as mulheres do mundo não são uma extensão permissiva da mamãe amorosa que imaginavam ter. Os assediadores reduzem as mulheres àquelas prostitutas com quem se relacionam sem medo nem respeito, por isso afirmam que suas agressões são resultado de que elas agem de modo provocante.

Para nossa sorte, há muitos homens interessantes, os quais provavelmente sejam filhos de mulheres que não os criaram como se fossem seu troféu e de casais que souberam mostrar-se capazes de dividir prazeres e desafios. Quanto aos outros: “Eles crescerão, esses homens, para fora do homem-criança que definiu a masculinidade até então”, foram os votos da feminista Betty Friedan, que aqui torno meus.



18 de março de 2016 | N° 18476 
NÍLSON SOUZA

O PAÍS DOS AMIGOS DA ONÇA


Aprendi a ler na falecida revista O Cruzeiro, quando tinha seis anos de idade. Naquela época, não havia escola para crianças dessa idade, mas era tão grande a minha vontade de ler os gibis manuseados por meus irmãos mais velhos, que acabei juntando as letrinhas por conta própria. Pois naquela publicação histórica, que chegou a alcançar a estratosférica tiragem de 750 mil exemplares na cobertura do suicídio de Getúlio Vargas, nasceu o Amigo da Onça, personagem do cartunista pernambucano Péricles, mais tarde redesenhado por Carlos Estevão e agora ressuscitado no tumultuado ambiente político de Brasília e do Brasil. O senador delator chamou o ministro desafeto de “amigo da onça”.

Quem era o Amigo da Onça? Era uma figura simpática, de olhos arregalados e nariz vermelho, sempre de gravatinha borboleta e sempre disposto a fazer uma sacanagem com alguém. O nome vem de uma anedota da época, em que dois caçadores desenvolvem o seguinte diálogo:

– Se você estivesse na selva e aparecesse uma onça?

– Eu dava um tiro nela.

– Mas se você estivesse sem arma de fogo?

– Eu usava o meu facão.

– E se estivesse sem facão?

– Pegava um pedaço de pau.

– Se não tivesse um pedaço de pau por perto?

– Eu subia numa árvore.

– E se não existisse árvore?

– Eu correria.

– E se você estivesse paralisado pelo medo?

Aí, o outro, irritado, questionou:

– Afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?


Saudosos tempos aqueles das anedotas ingênuas e das brincadeiras inconsequentes do Amigo da Onça, que ganhou vida própria no folclore popular e se transformou em sinônimo de pequenas traições. Hoje, os amigos da onça se tornaram extremamente danosos, utilizam gravadores escondidos e não hesitam em lançar seus interlocutores à execração pública.

A própria onça talvez seja menos perigosa.



18 de março de 2016 | N° 18476 
CLÁUDIA LAITANO

Pílulas de ilusão


Em meio a tantas aflições rocambolescas na política e na economia do país, passou quase despercebida a aprovação na Câmara dos Deputados, na semana passada, do projeto de lei que libera o uso da “pílula do câncer” (fosfoetanolamina).

Apesar de aparentemente não ter nada a ver com direita ou esquerda, governo ou oposição, o uso político de um remédio que não conta com a chancela de médicos e pesquisadores e que na melhor das hipóteses não faz bem nem mal (há um estudo que associa o medicamento ao crescimento de tumores de mama em ratos) ajuda a explicar por que estamos estacionados em uma espiral de malfeitos e desinteligências. 

Está tudo ali na pílula mágica do dr. Pangloss: desprezo generalizado pela ciência de ponta, leigos tomando decisões graves sem consultar os especialistas (tanto no STF quanto no Congresso), mau uso do parco dinheiro público (preciosos R$ 10 milhões que poderiam ser destinados a cientistas sérios despejados em uma pesquisa que atravessou o samba por pressão popular), ignorância, autoengano e, claro, populismo em doses asininas.

Perdi minha mãe e alguns amigos queridos para o câncer. Vi outros serem curados, alguns de maneira espetacular e contra todos os prognósticos, graças a procedimentos muito recentemente desenvolvidos pela medicina mais avançada. Sei que, diante da dor e da perspectiva bastante concreta da finitude, até o mais racional dos pacientes pode tomar decisões desesperadas. Minha mãe chegou a ir até uma igreja que alguém recomendou como um local “infalível” de cura. 

Mesmo assustada com a doença, o ritual lhe pareceu humilhante e assustador, e ela saiu correndo do templo poucos minutos depois de entrar – talvez mais abatida ainda do que antes. Morreria poucos meses depois. Steve Jobs, que não tinha nada em comum com minha mãe além da doença, acreditou que poderia vencer o câncer com a mesma determinação com que reergueu a Apple. Recorreu ao melhor que a ciência havia produzido até então, mas também não adiantou.

Todas as famílias têm histórias tristes como essas para contar. Mas, se hoje podemos comemorar casos de curas que seriam impossíveis há cinco anos, é porque muita gente está trabalhando em conjunto, em várias partes do mundo – e isso só é possível quando procedimentos científicos permitem que o conhecimento seja testado, compartilhado, aperfeiçoado.

Doentes e suas famílias nem sempre têm condições de decidir o que é melhor para eles sem a ajuda de um profissional de confiança. Por isso, é tão importante que o Estado garanta que eles sejam protegidos da ilusão e do charlatanismo. A ciência, como a democracia, não é perfeita, mas é o melhor que temos – e sem ela ainda estaríamos morrendo aos 30 anos à luz de lampiões. No Brasil, muitos cientistas têm sido heróis, conduzindo pesquisas que salvam vidas às vezes em condições precárias e com pouco ou nenhum apoio do governo. Investir na fosfoetanolamina é um escárnio contra eles – e uma vergonha para todos nós.

quarta-feira, 16 de março de 2016



16 de março de 2016 | N° 18474 
MARTHA MEDEIROS

Mascando cana

Outro dia puxei um Trident da bolsa e ofereci para minha mãe: quer? Ela negou pela milionésima vez. Nunca vi minha mãe mascando chiclete. Jamais alguém viu. Simplesmente porque ela nunca, nunquinha na vida, mascou um chiclete.

Nunca, mãe? Não teve infância? Sempre achei meio nojento, é a resposta dela.

Eu adorava mascar chiclete quando pirralha – indolência sabor tutti frutti. Gostava muito de Ping Pong, de Ploc e um pouco menos daqueles que vinham em caixinhas. Mas curtia mesmo era os chicletes Mini, que se amontoavam dentro de uma embalagem plástica que simulava um sorriso vazado. Os chicletinhos minúsculos ficavam aparentes, feito dezenas de dentinhos estraçalhados. 

Ninguém achava que era antipropaganda, já houve uma época em que havia mais humor. Eu pegava um punhado na mão e mascava todos de uma vez só. Era uma falcatrua, porque o sabor durava um minuto e meio, nada além disso, e logo a gente tinha que se empanturrar com mais e mais para atiçar de novo o gosto. Ah, você certamente lembra, era um clássico e acho até que essa marca ainda existe.

Hoje eu só masco Trident, chiclete pra adultos que, por terem uma agenda cheia, ficam fora de casa por muitas horas e sentem falta de sua escova de dentes. A indolência ficou lá atrás, coisa de criança.

Mas não para Monica Moura, que foi presa ao lado do marido, o marqueteiro João Santana. A cena em que ela sai do camburão e entra na sede da Polícia Federal foi reprisada exaustivamente pelos telejornais. E, a cada reprise, eu não conseguia tirar os olhos do chiclete da mulher. Ela não estava no recreio do colégio. Tampouco parecia ser um caso de substituição da escova de dentes – não acredito que um hálito fresco ajudaria alguma coisa na hora de prestar depoimento. Aquilo era pura indolência juvenil. Sua descompostura mandava um recado: “Olhem como estou preocupada com este circo”.

Vi até um sorrisinho sarcástico no canto da boca. Conheço aquele sorriso. James Dean sorria do mesmo jeito a bordo de sua moto e de sua jaqueta de couro.

Pode ser que o casal seja inocente como uma criança no dia da primeira comunhão. O julgamento aqui não é político, mas social. Uma questão de etiqueta (na ausência da coluna da Celia Ribeiro, que provavelmente concordaria comigo). Não fica bem uma senhora ficar abrindo e fechando a boca com displicência enquanto joga um pedaço de goma para um lado e para o outro, como um ruminante qualquer. No mínimo, pode soar como arrogância. Como se quisesse demonstrar que o dinheiro fala mais alto do que a lei.

Minha mãe tem razão, é meio nojento. A gente deveria manter a elegância até mesmo quando está indo em cana.

sábado, 12 de março de 2016



12 de março de 2016 | N° 18471 
MARTHA MEDEIROS

Se você estivesse sozinho

Quem é você em meio a tantos? A camuflagem autoriza o despertar da besta-fera

Faz muito tempo. Um grupo de teatro local apresentava uma peça. Era um texto para paladares exigentes, só que a única coisa que a plateia queria era gargalhar e voltar cedo para casa, ou seja, não estava sendo atendida. A peça era dramática e com um texto infinito – e meio chato. Alguém na terceira fila tossiu porque precisou tossir. 

Alguém na quinta fila tossiu também, porque o primeiro tossiu: é contagioso. Alguém na última fila tossiu de sacanagem. E aconteceu. A plateia inteira começou a tossir. Era um novo tipo de vaia. Cerca de 40, 50, 60 pessoas tossindo de propósito e ao mesmo tempo. Ninguém mais conseguia escutar o que estava sendo dito no palco. Os atores foram linchados sem derramamento de sangue.

Estar em grupo é um conforto, mas também é um perigo. Podemos cantar juntos durante um show, rezar juntos durante uma missa, mas também podemos odiar juntos, ser vulgares juntos, fazer besteira juntos. Deixamos de ser um indivíduo responsável pelos próprios atos para nos transfigurar numa massa espessa sem identidade – “todos” e “nenhum” se confundem.

Quem é você em meio a tantos? A camuflagem autoriza o despertar da besta-fera.

Antes de se deixar levar pela horda, valeria a pena se perguntar: se eu estivesse sozinho, faria o mesmo?

Se você estivesse sozinho, teria praticado bullying contra a gordinha do colégio?

Se você estivesse sozinho, teria experimentado aquela droga pesada?

Se você estivesse sozinho, teria partido para cima do torcedor do time rival?

Se você estivesse sozinho, teria saqueado o caminhão tombado no meio da estrada?

Se você estivesse sozinho, teria tacado fogo no ônibus?

Se você estivesse sozinho, teria humilhado o calouro da universidade com aquele trote?

Se você estivesse sozinho, teria amarrado aquele cachorro no cano de descarga de um carro?

Diversão é um conceito muito elástico. Para arrancar algumas risadas, nos tornamos idiotas. Para ser aceito no grupo, somos capazes de infringir leis. Para demonstrar que não temos medo, desafiamos perigos e corremos riscos tolamente, misturando-se a ogros sem consciência. Corajoso é quem interrompe a onda destrutiva, não faz quórum para as estupidezes alheias e continua agindo como agiria se estivesse sozinho, sem o respaldo da massa.

Ninguém é mais criança. Um adulto que se mete em encrenca para depois poder alegar “foi ele que começou” está apenas se escondendo atrás do slogan dos covardes.



12 de março de 2016 | N° 18471 
CARPINEJAR

Bodas de prata


Fazer de conta que nada aconteceu é o melhor jeito de não se separar. E o mais irritante. Não ceder aos encantos da fúria vigora como a estratégia perfeita para a imortalidade dos laços.

Não revidar a briga com ofensas nem devolver as cobranças com atitudes passionais costuma neutralizar o ódio. A separação é uma urgência momentânea, uma raiva da hora. Alterando o estado de espírito, perde a validade. Longe do consenso, é apenas uma crise. O amor perdura pelas sobrevidas da tolerância.

Meu amigo já foi despejado pela mulher dezenas de vezes, já foi convidado a ir embora semestralmente. Ela discute a relação sozinha, diz que não aguenta mais, manda o sujeito aprontar as malas, alegando que ele jamais escuta as suas reclamações, o que é uma verdade.

O marido concorda com a cabeça e se tranca na cozinha. Em 20 minutos, chama a mulher:

– O jantar está pronto, arruma a mesa?

– Mas eu lhe mandei embora!

– Vamos comer primeiro, depois pensamos nisso. Fiz a massa pesto que adora.

No dia seguinte, ainda estão juntos e ela se envergonha de insistir com o fim da relação, já que ele foi imensamente carinhoso e impregnado de gentilezas.

Transcorridos alguns meses, ela volta a explodir pela falta de empatia e cumplicidade, pois não aceita a mornidão e o tédio da rotina. Os ressentimentos retornam à superfície. Então, xinga e amaldiçoa a falta de iniciativa do seu par, assinala o término, esbraveja que não dá mais e ordena que arrume as suas coisas.

Alheio ao apocalipse, ele senta na frente da televisão com os pés estirados no sofá. Não parece preocupado. Não parece abalado. – O que pensa que está fazendo? Acabou tudo! Não vai se mexer?

– A dor não tem pressa, amor. Estou assistindo o último capítulo da novela, deita aqui comigo, é imperdível – explica, doce, com voz mansa de quem saiu do banho.

Ela aceita a trégua, engole a insatisfação, deita um pouquinho em seu colo e cochila sem querer. Logo ao amanhecer, ele prepara o café, traz uma bandeja de suco e croissant na cama, e ela novamente não tem forças para insistir com a ruptura. Brigar é excessivamente cansativo, exige mais do que se manter casado.

Assim, com a surdez de um e a compaixão do outro, o casal completa bodas de prata neste domingo.



12 de março de 2016 | N° 18471 
DAVID COIMBRA

AS DUAS JUSTIÇAS DO BRASIL

Nós jornalistas adoramos entrevistar cientista político. Faz parte da nossa ânsia de encontrar objetividade no que é essencialmente subjetivo.

Vã ilusão. Um cientista político é uma contradição em si mesmo, porque política não é ciência.

Não existe nenhum cálculo ou experimento capaz de comprovar uma teoria política de forma irrefutável. A política é uma atividade puramente humana. Depende de humores, coincidências, vontades e desejos vis.

Pascal dizia que a História do mundo seria outra se o nariz de Cleópatra fosse maior.

Marx dizia que a História se repete a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Boa frase. Mas nem sempre verdadeira. No caso do Brasil, por exemplo, a História não cessa de se repetir como farsa.

Não é por acaso que cientistas e filósofos tentam explicar o mundo a partir da matemática. Porque a matemática é exata e demonstrável. Seria um alívio se conseguíssemos transformar cada fato da vida em uma fórmula matemática. Estaríamos salvos. Nossos problemas teriam solução lógica, e os psicanalistas iriam à falência.

Só que não é assim que funciona.

A mais científica das áreas humanas, a medicina, é inquietantemente inexata, porque lida com organismos vivos, que volta e meia se tornam imprevisíveis.

O jornalismo, a sociologia, a política, a filosofia, há muito que estudar nessas áreas, mas elas não são científicas.

O Direito também não é.

O ideal seria um Direito técnico e impessoal. Tudo teria de funcionar com precisão de máquina:

1. O povo elege seus representantes.

2. Os representantes fazem as leis de acordo com a vontade de seus eleitores.

3. O governo cumpre a lei feita pelo Legislativo.

4. O Judiciário, uma vez solicitado, dirime pendências e pune, ou não, de acordo com a lei.

E essa lei, centro de toda a democracia, baliza para todas as ações, reguladora de todas as relações, essa lei seria de tal forma clara e criteriosa, que o juiz seria apenas um conhecedor da letra fria, quase que um técnico do Direito.

Mas a realidade estraga miseravelmente esse plano tão bom.

A prova é o Brasil de hoje, onde, mais do que febris paixões políticas, discute-se, quase que de forma clandestina, um tema mais importante: a Nova Justiça.

Existem duas Justiças, no Brasil do século 21. Vou defini-las, grosseiramente, como a Justiça de Marco Aurélio Mello e a Justiça de Sergio Moro.

A Justiça de Sergio Moro, a Nova Justiça a que me referi, é uma Justiça de estilo norte-americano: ágil, rápida, punitiva, focada na defesa da sociedade.

A Justiça de Marco Aurélio Mello, a Velha Justiça, é vagarosa, ponderada, tolerante e focada nos direitos do indivíduo.

O que torna Sergio Moro diferente de Marco Aurélio não é o conhecimento: é a idade. Sergio Moro não foi traumatizado pelo regime militar. Sergio Moro não se sente um repressor quando se guia friamente pela letra da lei e impõe uma condenação grave a quem cometeu grave crime.

Sergio Moro é o que há de mais próximo da tecnicidade da Justiça. Marco Aurélio, ao contrário, é um juiz político.

Isso não significa que Marco Aurélio seja um juiz partidário. Ele é político porque interpreta a lei de acordo com a circunstância e os protagonistas envolvidos.

No caso Lula, Moro foi quase impessoal. Deu algumas prerrogativas ao ex-presidente, como a proibição de filmá-lo. Mas, no geral, considerou-o um brasileiro como qualquer outro.

Marco Aurélio criticou. Fez considerações. Chegou a se espantar:

– Então, eu seria levado sob vara? 

Um juiz americano responderia: – Por que não?

Alguns intelectuais brasileiros argumentaram que Lula não poderia ser conduzido a depor por sua “biografia”? Biografia? Estou vendo Sergio Moro se questionar:

– Onde está escrito isso de biografia na lei? Qual biografia pode? Qual não pode? Só vale biografia de político? Empresário vale também? Então é só o trabalhador, sem “biografia”, que pode ser alcançado pela lei?

Desse caldo efervescente do Brasil de hoje, o que menos me preocupa é o destino do governo. Preocupa-me mais o destino da Justiça.

Que Justiça quer o Brasil? A Justiça de Mello ou a Justiça de Moro? A Justiça que teme reprimir o indivíduo ou a Justiça que não teme proteger a sociedade? As respostas a essas perguntas dirão como será o novo Brasil.


12 de março de 2016 | N° 18471 
PAULO GERMANO

A rua da amargura


Tem gente que debocha do vereador João Carlos Nedel (PP), conhecido por batizar ruas, avenidas, praças, travessas, becos, acessos, alamedas, passagens, viadutos e qualquer coisa por onde circule gente em Porto Alegre. Uma ruela sem nome? Nedel fica louco, dizem que sente até comichão. Em cinco mandatos na Câmara, já apresentou mais de 400 projetos nomeando logradouros do Sarandi ao Lami.

Tem uma vila na Zona Leste onde as ruas se chamam Pintassilgo, Siriema, Andorinha, Gaivota, Bem Te Vi, João de Barro, Beija-Flor, Albatroz e Gralha Azul. Tudo coisa do Nedel. Uma vez, ele conversava com a comunidade sobre qual seria o nome ideal para uma viela, aí o traficante do morro soube da visita e enxotou o vereador aos berros, porque, se a rua tivesse nome, seria mais fácil descobri-lo. Deve ter sido chato.

Confesso que sempre achei uma tolice essa fixação do vereador. Até que um dia, ao encontrá-lo na porta do plenário, questionei-o duramente: que orgulho ele poderia sentir, após quase 20 anos de Câmara, ao ostentar como marca de sua trajetória um amontoado de alcunhas viárias?

– Muito orgulho, sim! – endureceu ele, e eu ergui a sobrancelha. – Você não sabe o que é viver sem um endereço. As pessoas sofrem para pagar suas contas, porque a correspondência nunca chega. O Samu não consegue encontrá-las. Parentes que vêm de fora não conseguem achá-las. Se precisam da CEEE, ninguém aparece. Se precisam do Dmae, é a mesma coisa. Nem uma pizza podem pedir, meu amigo! O cara diz que mora na Rua 2, por exemplo, mas só na Restinga tem 40 ruas 2. Uma pessoa sem endereço, acredite, é uma pessoa sem dignidade.

E eu calei a minha boca. O vereador tinha toda a razão: uma rua batizada é mais do que importante, é uma prerrogativa para exercer direitos.

Lembrei do Nedel nas últimas semanas, quando sua colega Mônica Leal, também do PP, apresentou um projeto para a Avenida da Legalidade voltar a se chamar Castelo Branco. Tenho me perguntado que interesse público pode haver nisso. A controvérsia começou há dois anos, quando os vereadores Pedro Ruas (hoje deputado estadual) e Fernanda Melchionna, ambos do PSOL, propuseram que a avenida trocasse de nome porque homenageava um ditador.

Não sou contrário às revisões históricas, desde que cumpram critérios claros. Se o critério é erradicar menções a ditadores em equipamentos públicos da cidade, tudo bem, Castelo Branco foi mesmo um déspota, mas o governo de Getúlio Vargas, por exemplo, matou, perseguiu, torturou e censurou muito mais do que nos três anos de Castelo como presidente. E a Avenida Getúlio Vargas segue lá, tranquilona.

Deus me livre defender os anos de chumbo. O que quero dizer é que, quando não há critérios claros guiando discussões candentes, abre-se espaço para uma picuinha ideológica que pouco importa à população. E a perda de tempo ganha tal proporção que, veja só, Mônica Leal continua, dois anos depois, gastando energia nessa bobagem.

Trocar o nome da Avenida Castelo Branco nunca foi uma bandeira que o povo ergueu – era uma bandeira de Pedro Ruas e Melchionna. E derrubar o novo nome, Avenida da Legalidade, tampouco interessa ao grande público: interessa a Mônica Leal.

De todas as funções de um vereador, nenhuma é mais nobre do que se imiscuir entre as pessoas, recolher suas queixas e lutar para resolvê-las. Nesse sentido, as recônditas ruas Pintassilgo e Gralha Azul – nomes que os próprios moradores sugeriram, eis o critério – representam muito mais do que a ilustre avenida cujo nome nenhum de nós escolherá.


Como assim, Paulo Pimenta?
Deputado federal do PT e amigo de Lula

A Lava-Jato já teve 117 conduções coercitivas. Por que só agora, quando Lula foi atingido, o PT se revoltou contra esse instrumento? Lula merecia tratamento diferente dos outros 116?

Estamos há muito tempo denunciando o caráter autoritário das conduções, das delações premiadas e das prisões sem julgamento. Do ponto de vista de direitos, não acho que Lula merecia um tratamento diferente, mas em qualquer lugar do mundo, quando a Justiça ouve alguém com certo nível de projeção, percebe-se um respeito. E o que fizeram foi para humilhar o ex-presidente. Está muito claro que uma parcela do MP, da PF e do Judiciário atua em um projeto político-partidário com o objetivo de atingir o governo Dilma e impedir que Lula seja um candidato competitivo em 2018.

12 de março de 2016 | N° 18471
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

JUÍZO E PERDÃO


A intransigência, que se tornou a marca registrada da civilização contemporânea, talvez tenha existido sempre, apenas não nos dávamos conta porque era muito difícil saber a opinião dos que não faziam parte do nosso restrito círculo de convivência.

Com as redes sociais, tudo o que acontece é jogado no mundo dos abutres da razão desnaturada que têm uma necessidade visceral de opinar, sem nenhum pudor, mesmo que o assunto não lhes diga respeito. Como calar a boca passou a ser interpretado não como um sinal de prudência e recato, mas, sim, de alienação, as pessoas se manifestam. E ainda mais esbravejantes se o tema tem alguma remota relação com uma opinião pré-formada ou no mínimo com a timidez assumida de um “ouvi dizer”. Isso lhe garantirá pelo menos um “curtir”.

Se o tema for técnico, era de se esperar que os acreditados no assunto se manifestassem primeiro, para depois, examinando prós e contras da argumentação, dar o seu pitaco em cima do exposto. Mas não, a premência de se fazer presente naquele fórum improvisado impõe que se exteriorize o que pensam sobre um assunto no qual nunca pensaram.

Como toda a bobagem pode ser sofisticada, o requinte fica por conta duma tendência moderna de se expressar por analogias, e então se chega à consagração da estultice quando o que foi usado como comparação não passa nem perto do comparado.

Mas o que mais impressiona não é apenas a necessidade de opinar, mas a compulsão e urgência por julgar. Ninguém se conforma com a função de promotor e se arvora logo à condição de juiz, e com uma intolerância implacável, característica de espíritos humilhados ou reprimidos. Uma sociedade constantemente fraudada e desprotegida explica, por exemplo, o sucesso de histórias que tratem de vingança, atribuível à nossa necessidade de retaliação, mesmo que nunca tenhamos sido agredidos. Uma espécie de vingança preventiva.

Por trás desse comportamento intransigente, está a nossa ausência completa de senso crítico que outorga-nos o direito de julgar os outros com modelos de perfeição que nos condenariam se tivéssemos a isenção de aplicá-los às nossas vidas.

Albert Schweitzer, o grande médico, filósofo e pensador, uma das maiores autoridades mundiais no estudo da ética, Prêmio Nobel da Paz, confessou que só se sentiu em condições de emitir julgamento sobre condutas quando assumiu seus próprios pecados e passou a ensinar que a condição mínima de um juiz é que ele seja capaz de condenar a si mesmo.

Aos 70 anos, mantinha viva a recordação de que, aos três ou quatro anos de idade, depois de sofrer uma picada de abelha numa das mãos, desabara num choro convulsivo que atraiu toda a família para consolá-lo, o que fez com que ele, encantado com o poder que esta cena lhe proporcionara, seguisse chorando por um longo tempo, depois que a dor há muito já passara. Na sua opinião, a consciência assumida dessa atitude como a sua primeira fraude, contribuiu para o aperfeiçoamento de sua capacidade crítica de julgamento, que deve caracterizar as pessoas equilibradas, generosas e puras. Essas criaturas imperfeitas que, por se reconhecerem assim, têm dificuldade de julgar seus semelhantes.

sexta-feira, 11 de março de 2016


Jaime Cimenti

Um homem, sua esposa e um jacaré
DIVULGAÇÃO/JC
  
Albert, um jacaré na família (Harper Collins Brasil, 384 páginas, tradução de Carolina Caires Coelho), do engenheiro aposentado, paleontólogo amador, ex-mineiro de carvão e veterano do Vietnã Homer Hickam, norte-americano que atualmente mora no Alabama e nas Ilhas Virgens, é, antes e acima de tudo, uma história quase verdadeira de um homem, sua esposa e um bicho muito mimado, no caso, um jacaré. O jacaré se chama Albert e Elsie, a esposa, o ama. Homer, o esposo, ama Elsie e o clássico triângulo amoroso, como se vê, não é lá muito clássico.

Homer Hickam, escritor desde o Ensino Fundamental, também conhecido como Homer H. Hickam Jr., é autor best-seller de vários livros premiados, incluindo o número 1 do jornal The New York Times, Rocket Boy, a memoir. O romance foi adaptado para o cinema com o título O céu de outubro.

Albert, um jacaré na família narra a história de Elsie Lavender e Homer Hickam, futuros pais do autor do romance, que foram colegas de escola na pequena cidade de Virginia Ocidental. Homer pediu Elsie em casamento, em pleno período da Grande Depressão. Ela não aceitou. Mudou-se para Orlando. Lá, se apaixonou pelo ator e dançarino Buddy Ebsen. Quando Buddy mudou-se para Nova Iorque, os sonhos de Elsie se dissolveram. Ela voltou para a Virginia e aceitou o pedido de Homer, o ex-namorado.

Insatisfeita como esposa de um mineiro, Elsie tinha como lembrança de Orlando (Flórida) um presente de casamento meio estranho: um jacaré chamado Albert, que vivia no banheiro de sua casa. Um dia, Homer não aguentou mais: Ou o jacaré, ou eu! Elsie decidiu levar o bicho de volta para a Flórida.

A viagem, cheia de aventura e perigo com o jacaré e mais um galo como companheiro, é contada de forma leve e calorosa. Homer conhece o homem que se tornou ator famoso em Hollywood e enfrenta um furacão enorme, de verdade, e também um na alma. Ao fim e ao cabo, a história é uma bela homenagem à estranha e maravilhosa emoção que chamamos de amor.

O narrador, até sua mãe contar sobre Albert, não sabia nada sobre a bizarra viagem dos pais, sobre como tinha sido o casamento deles e o que havia acontecido, para torná-los do modo como eram.
O narrador descobre muito sobre as vidas dos pais, deles e de todos nós, especialmente quanto não estamos entendendo o porquê.

Nas páginas finais do volume desta história engraçada e comovente, que é um verdadeiro épico de família, estão 15 fotografias em preto e branco, mostrando Elsie, Homer, o irmão de Elsie e Aubrey, o tio Rico, que a hospedou na Flórida.

Jaime Cimenti

Dia Internacional da Mulher


Terça-feira passada, dia 8, comemoramos mais um Dia Internacional da Mulher. Elas merecem nossas homenagens, por tantas vidas, tantas lutas, tantas transformações e contribuições para o planeta. Desde o tempo em que eram as rainhas da vida privada, esperando pelo homem que tinha ido matar algum javali, passando depois pelos milênios de mudanças, até chegar ao reinado da vida pública, as mulheres foram deixando o mundo melhor. 

Dizem que o poder não tem sexo, e alguns pensam que as mulheres no poder não têm atitudes muito diferentes das dos homens. Há controvérsias. É meio cedo para uma opinião mais definitiva. O certo é que o empoderamento feminino está aí e chegou para ficar.

Tomara que a democracia, a ética, o poder e o surgimento de pessoas e mundo melhores realmente não dependa de um dos sexos e que sejam pessoas a seguir caminhando e construindo um planeta mais saudável, justo, igualitário. Aliás, tomara que não demore muito para que a gente possa instituir o Dia Internacional da Pessoa, no qual o ser humano, descendente de uma só raça, como disseram os cientistas, vai ser festejado independentemente de sexo, religião, cor de pele, condição social, nacionalidade e outras diferenças, que, no fundo, mostram que devemos ser iguais.

Sei, você deve estar pensando que sou um sonhador, que ando ouvindo muito Imagine do John Lennon, que sou chegado numa utopia. Tudo bem, mas não sou o único. Te junta e vamos lá, a vida é sonho, os sonhos, sonhos são, disse o outro.

Mas, voltando ao que interessa, ao Dia Internacional da Mulher, acho que elas são melhores, mais inteligentes e mais sensíveis que nós. E, claro, são mais bonitas. Merecem o espaço e tudo mais que vêm conquistando. E, de mais a mais, como disse o Jorge, meu amigo poeta dos bons, quando a gente as trata bem, ainda pode merecer uns miminhos.

Ainda há muita luta a acontecer por salários iguais, pelo fim da brutal violência doméstica, por mais espaços na política, na Justiça e na administração pública, no esporte e em todos os lugares que as mulheres quiserem ocupar. Shortinho na escola acho que não precisa, não é? A luta pelo shortinho é muito mais que isso, tem validade e aponta novos caminhos, mas, vamos combinar, escola não é fashion week. Uniforme elegante e democrático deixaria todo mundo feliz, até porque, como faziam as gurias do Instituto de Educação, puxando as saias e as meias, sempre dá para personalizar o uniforme, ao menos na hora da saída.

Nesses tempos, que acho melhor que sejam chamados de pós-feministas, torço pelo diálogo e pelo entendimento entre homens, mulheres e demais gêneros. Uns dizem, brincando, claro, que lá pelo quarto milênio, de repente, a gente se entende. Menos, né? Sei lá, acho legal a ideia de um grande jogo de frescobol, no qual as pessoas joguem, se divirtam e no final não há ganhadores ou perdedores. É o único jogo que não tem vencedor/perdedor.
Lançamentos

Grande Desejo - Dinorá Bohrer Silva encontra Adélia Prado é o catálogo da exposição Tapeçarias de Recorte, de Dinorá, no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, que vai até 2 de abril. Dinorá inspirou-se em Adélia Prado para elaborar suas tapeçarias. Coordenação de Maria Rita Webster, curadoria de Paula Ramos, que escreveu: Dinorá se reencontrou através da obra de Adélia.

Zac & Mia (Novo Conceito, 288 páginas, tradução de Sylvio Monteiro Deutsch), da escritora australiana A.J.Betts, narra a tocante história de dois adolescentes comuns que se encontram em circunstâncias inesperadas, lado a lado, num hospital. Mia é bonita, irritante, mal-humorada e tem gosto musical duvidoso. Zac precisa dela? Ela precisa dele?

Caçadores de bons exemplos - Em busca de brasileiros que fazem a diferença (Leya Livros, 256 páginas), de Iara e Eduardo Xavier, conta sobre uma viagem de cinco anos pelo Brasil buscando histórias emocionantes e ideias inspiradoras. O casal vendeu o apartamento que morava e colocou o pé na estrada, pelo desejo de descobrir uma sociedade mais justa e humana.
A propósito...

Nesta semana, no evento Marcas de Quem Decide, do Jornal do Comércio, 18ª Edição, que estava fantástico, eu cumprimentei algumas mulheres presentes pelo Dia Internacional da Mulher. Disse que as mulheres são melhores, mais bonitas, mais inteligentes etc. Uma delas, bonita, inteligente, madura, jornalista experiente, disse: somos iguais. Pensando bem, acho que ela está certa, somos iguais, pessoas, seres humanos grandes e pequenos, mas não vou retirar tudo o que escrevi antes. Fica aquela parte que diz que a mulher é mais bonita. Bom, aí não somos iguais. Não mesmo. Elas sempre tiveram melhor acabamento que nós. Deus soube o que fez.