segunda-feira, 31 de dezembro de 2012



DESEJOS

O grande barato da vida é olhar pra trás e sentir orgulho da nossa história.

O grande lance , é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o AQUI e AGORA! Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o bolo sola, o pneu fura, chove demais...

Mas pensa só: Tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho?

Tá certo, eu sei, Polyanna é personagem de ficção, hiena come porcaria e ri, eu sei. Não quero ser cega, burra ou dissimulada. Quero viver bem. 2012 foi um ano cheio. Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de probleminhas...

Normal. Às vezes se espera demais dos outros e da vida, mas...Normal.... A grana que é curta, o amigo que decepcionou, o amor que acabou...Normal.

2013 não vai ser diferente. Muda o século, o milênio , o ano,  mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o que? Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?

O que eu desejo pra todos nós é sabedoria, é que todos nós saibamos transformar tudo em uma boa experiência! Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida.

Não pode ser responsável por um dia ruim. Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passa ela pra categoria 3, a dos conhecidos. Ou muda de classe, vira colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.

O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de uma frase que adoro: 'Cuidado com seus desejos, eles podem se tornar realidade'). Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso.

Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes...... Desejo pra todo mundo esse olhar especial......

2013 pode ser um ano especial se nosso olhar for diferente. Pode ser muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos, e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro.

Eu desejo que 2013 seja o máximo para todos nós, maravilhoso, lindo, maneiro, especial... Depende de mim! De você!  De Nós!

"Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensar tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!"

UM FELIZ  ANO NOVO E OLHAR NOVO PARA TODOS NÓS!!!!!



31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299
FABRÍCIO CARPINEJAR

Falo eu te amo fácil, fácil

Nada acontece por acaso.

Em tudo há um porquê.

Era para a gente se encontrar.

Apague essas frases, largue o curso preparatório de noivos.

Amor não é uma fatalidade, é algo que inventamos, é a responsabilidade de definir, de assinar, de honrar a letra.

Colocamos a culpa no destino para não assumirmos o controle, tampouco sustentarmos nossas experiências e explicarmos nossas falhas.

Amar é oferecer nossas decisões para o outro decidir junto, é alcançar o nosso passado para o outro lembrar junto, mas jamais significa se anular.

É vulnerabilidade consciente. É fraqueza avisada.

É entregar nossa solidão ciente de que é irreversível, podendo nos ferir feio, podendo nos machucar fundo.

Não existe nada mais horrível e mais lindo.

Ninguém nos mandou estar ali, ninguém nos obrigou a nos aproximar daquela pessoa, ninguém nos determinou a começar uma relação.

Não teve um chefão, um mafioso, um tirano, um ditador nos ordenando namorar.

Foi você que optou. Assuma até o fim que é sua obra, inclusive o fim. Assuma que sua companhia é resultado direto do seu gosto, sendo canalha ou santa. Não adianta se iludir e tirar o pé. Não vale fingir e mentir freios.

Amor não é hipnose, passe, incorporação. É você querendo o melhor ou pior para sua vida. É você roteirizando e dirigindo as cenas.

Aquele que tem receio de se declarar não se deu conta de que é o próprio diretor do filme, e que a tela vai mostrar o sucesso e o fracasso de sua imaginação.

Por isso, não tenho medo de dizer “eu te amo” desde o início. O amor aumenta para quem diz “eu te amo”.

Se vou errar, eu é que errei. Se vou acertar, sou eu que acertei. Se vou me danar, o inferno será meu.

Falo “eu te amo” já no segundo encontro. Já para assustar. Já para avisar quem manda. Já para estabelecer as regras do jogo.

Falo no calor da hora ou no moletom do entardecer. Amor não surge do além, amor se cria da insistência.

A precipitação é uma farsa. Não há como me adiantar e me atrasar em sentimento que eu mesmo realizo. É bobagem negacear prazos, esperar amadurecer limites.

Exponho minha paixão fácil, fácil. Nem precisa perguntar.

Aprendo a amar amando, para entender que a maior declaração ainda não é o “eu te amo”. É quando alguém confessa: “Não consigo mais viver sem você”.

Mas isso não é amor, é coragem.


31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Eu, uma forma do nada

Pensei em oferecer ao leitor passante um poema, nesta virada de ano. Uma peça dessas que a gente toca e, levada a sério, muda o dia e pode mudar a vida. Enquanto não sai o novo e excelente livro do Celso Gutfreind, que eu tenho o privilégio de conhecer antes de sair ao mundo e por certo encantar, enquanto ainda estamos celebrando os prêmios do Guto Leite poeta (prêmio Açorianos para inéditos) e do Paulo Scott romancista (prêmio Biblioteca Nacional), sugiro um soneto do Paulo Henriques Britto em seu Formas do Nada (Cia. das Letras, 2012), um dos grandes livros do ano que finda.

O livro todo, como já insinuado no título, é tecido de negatividade. Troço para quem tem estômago forte. O autor é tradutor do inglês, professor deste tema e poeta, em tudo reconhecido como um dos melhores. E neste livro parece que resolveu deixar escoar um tanto de descrédito nas possibilidades de ser feliz – mas isso dito em poemas de alto coturno, coisa para ler e reler, coisa para guardar em todos os sentidos desta engenhosa palavra, guardar.

Soneto VIII da série Biographia Literária (nome que antes serviu de título de um famoso livro de memórias e ensaios de Samuel Taylor Coleridge, poeta inglês):

Já se aproxima aquele tempo duro

de se colher o que ninguém plantou.

Sim, a coisa deu nisso. Eis o futuro,

exatamente o que se esperava. Ou

o exato oposto. Tudo faz sentido,

ainda que não, talvez, um que se entenda,

um que possa sequer ser entendido

nos termos de um passado agora lenda.

Sim. E no entanto essa lenda, essa fábula

sem moral nenhuma, é você. Embora

só um esforço de desmemória, tabula

rasa de si, leve ao que se perdeu,

revele o que resta. Vamos, é agora

ou nunca. Repita comigo: “Eu”.

Eu, uma forma do nada. Mas é o que temos. Bom ano para quem merece.


31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299
PAULO SANT’ANA

Monsenhor Ermillo

Dizem que 2012 foi o ano do compartilhamento. Foram compartilhados amigos, notícias, fofocas, fotografias, namoradas, sogras, tudo pela internet. O mundo ficou mais rápido, mais próximo e também mais pueril, banal, superficial em 2012.

Eu contribuí para isso. Respondi a todas as enquetes que me ofereceram pela internet. Sobre o penteado mais bonito do Neymar (o moicano castanho-claro), o melhor técnico para a Seleção (Tite), a melhor pizza (lombo canadense com abacaxi).

Votei na mais bela praia (Ibiraquera), no maior centroavante do Grêmio de todos os tempos (Alcindo), na separação do ano (Zezé di Camargo e Luciano. Mas depois os dois voltaram e votei então na separação de Zezé de Camargo e Zilu). Tudo bobagem, menos o Alcindo.

Em 2012, quase desaprendi a fazer minha assinatura. Tive cheques questionados, fui ao banco, desenhei tudo de novo. Fiquei inseguro ao escrever meu nome, como se estivesse tentando imitar a assinatura de alguém.

Aderi à parte da onda retrô. Tudo que é moda é retrô. Carro colorido, sapato de bico fino, terno de listra de giz, gravata amarela. Ainda espero a volta da camisa de ban-lon.

Vi uma corrida de Fórmula-1 em 2012, depois de muito tempo. Foi como assistir a uma carreira de galgos no Azerbaijão. Não sei mais nada de Fórmula-1. O único piloto que conheço é o Rubinho. Na corrida que vi, ele estava dando na Alemanha as últimas voltas do Grande Prêmio da Itália, de duas semanas antes. Nada é mais sem graça do que a Fórmula-1.

As eleições para prefeito também ficaram estranhas em Porto Alegre em 2012. Como pode uma eleição ser monopolizada por três candidatos à esquerda? Onde foi parar a direita de Porto Alegre?

No ano velho, descobri também, por e-mail, que tenho um fundo de investimento num banco da Holanda. Mas não me animei a abrir o arquivo que mandaram com o saldo. Posso ter perdido dinheiro. E se foi uma herança?

Uns vão dizer que o ano passou rápido. Outros, que foi lento. Uns, que mudaram; outros, que não aproveitaram o ano para mudar. É sempre assim. Eu me dei conta de que 2012 foi o ano em que voltei a rezar.

Conto como foi. Há duas semanas, reencontrei monsenhor João Ermillo nos corredores do Hospital Santa Rita. Trocamos informações sobre a saúde e concluímos que estamos bem. Aquele capelão de 85 anos, que estava indo à bica pegar água, é um homem bom.

Relembramos que por 40 dias, em duas internações, fui convidado por ele a rezar todas as manhãs. O capelão foi generoso, paciencioso e obsequioso ao perceber que orava com um paciente com o olhar opaco dos desesperados, mas com uma fé precária, pela metade.

Foi bom tê-lo por perto. Não porque eu acredite em tudo que ele acredita como religioso, até porque isso não importa. Importa que a reza me devolveu a uma área de proteção da minha vida, guarnecida pela memória das mulheres rezadeiras da minha infância, que me trouxeram até aqui.

Foi o que me confortou e o que me bastou. Boas rezas em 2013, monsenhor Ermillo.


31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Hugo Achugar

Há uma regra não escrita que desaconselha resenhas de livros indisponíveis no Brasil. Tem sua razão de ser; mas, se pensarmos que, por essa causa, deixamos de dar uma boa notícia literária, temos de relativizar o princípio. E se essa boa notícia faz justiça a um excepcional livro de poemas publicado em 2012 no Uruguai, um livro de Hugo Achugar, Incorrección (ed. Yaugurú), cabe dizer sobre o autor e a obra.

Hugo Achugar (1944) é um dos mais importantes intelectuais contemporâneos, com bons antecedentes no ensaio, na crítica, no magistério e, também, na poesia. Sua ação política levou-o ao cargo que hoje ocupa, de diretor nacional de Cultura do Uruguai, no governo José Mujica.

O livro é pleno de existência humana em seu estágio maduro, primórdios da velhice: Conoce su destino. Infringe todas las reglas./ Cada mañana / al despertar/ vuelve a dar um paso hacia el abismo/ se lava los dientes/ escribe um nuevo innecesario poema. Ou, mais adiante: Solo hay nubes / en el cielo encerado de mi frente calvicie. / Flor degollada por pampero aliento/ rueda sin prisa pelota pelón melón cabeza/ por los campos sin sueño de la madrugada.

O ápice do poemário está aqui: Todo deseo insatisfecho concluye / en un nuevo deseo que no logrará / calmar inagotable la sed aberta / la insondable fosa de las Marianas de esa avidez / hecha carne y hueso que lleva mi nombre // por eso la obligación el apuro la necessidad / el fondo blanco hasta el agua de los floreros / la cópula incessante aunque cesada tiempo ha// por eso la ausencia de horizontes / el infinito como aspiración y castigo / el anhelo el empeño la culpa deseante/ por eso el no acabar ni acabando / por eso el desasosiego aguijón la demanda / y también por eso / por lo que no se puede no me atrevo a pronunciar.

Simples, refinado, homem do mundo e da arte, Hugo Achugar desempenha-se com habilidade nos assuntos práticos de seu ofício político, criando situações inovadoras e brilhantes no sentido da inclusão e da cidadania cultural. Quando, por vezes, dizem que todos os poetas são uns imprestáveis na “vida real”, Achugar mostra-nos justo o contrário.

Resta-nos esperar que uma editora brasileira assuma a publicação dessa obra, para que possamos conhecer algo de um poeta verdadeiramente superior e que vive a nosso lado.

sábado, 29 de dezembro de 2012



30 de dezembro de 2012 | N° 17298
MARTHA MEDEIROS

O fim e o começo

Como era de se esperar, não teve fim de mundo. Mas 2012 não foi um ano qualquer. Muitas pessoas a minha volta sentiram algo parecido com o que senti: que este foi um ano de intensidade única, com uma energia capaz de encerrar etapas. Um ano de despedidas, algumas concretas, outras mais sutis.

Houve quem tenha terminado casos mal resolvidos, quem tenha se conscientizado de um problema que não queria ver, quem se deu conta da fragilidade de uma situação, quem tenha aceitado um desafio que exigiu coragem, quem tenha enfrentado uma situação transformadora, quem tenha se jogado num estilo de vida diferente. Olho para os lados e vejo que 2012 não passou em branco para quase ninguém. Pelo menos não para mim, nem para pessoas próximas.

Meu microcosmo não revela o universo inteiro, lógico. Você talvez não tenha percebido nada de incomum no ano que passou, mas ainda assim seria interessante promover um fim categórico, encerrar o ano colocando uma pedra em algo que não lhe convém mais. 

Geralmente chegamos ao final de dezembro focados apenas no recomeço, na renovação, nos planos, sem nos darmos conta de que, para que nossas resoluções sejam cumpridas mais adiante, não basta pular sete ondas, comer lentilhas e outras mandingas. É preciso que haja, sim, o fim do mundo. O fim de um mundo seu, particular.

Qual o mundo que você precisa exterminar da sua vida?

Sugestão: o mundo do bullying cibernético. Ninguém é autêntico por esculhambar o trabalho dos outros, sendo agressivo e mal-educado só porque tem a seu favor o anonimato na internet. Perder horas na frente do computador demonstra sua total incapacidade de convívio. Bum! Fim desse mundo estreito.

O mundo da prepotência, aquele que faz você pensar que todos lhe estenderão um tapete vermelho sem você precisar dar nada em troca. Qualquer um pode ser profético quanto a seu futuro: passará o resto da vida achando que ninguém lhe dá o devido valor, isolado em sua torre de marfim.

O mundo obcecado do amor doentio, aquele amor que só persiste pelo medo da solidão, e que de frustração em frustração vai minando sua possibilidade de ser feliz de outro modo.

O mundo das coisas sem importância. Quanta dedicação ao sobrenome do fulano, à conta bancária do sicrano, à vida amorosa da beltrana, o quanto ela pagou, o quanto ele deveu, quem reatou. Por cinco minutos, vá lá. Os neurônios precisam descansar. Mas esse trelelé o dia inteiro, socorro.

O mundo do imobilismo. Do aguardar sem se mover. Da espera passiva pelo momento certo que nunca chega.

2012 prenunciou um cataclismo, só que não era global, e sim individual. Impôs que cada um desse um fim à vida como era antes e que promovesse uma mudança interna, profunda e renovadora. Feito?

Então que venha um 2013 do outro mundo para todos nós.



29 de dezembro de 2012 | N° 17297
NILSON SOUZA

Saideira

Prezado Dois-Mil-e-Doze, sei que estás de saída, mas acho que ainda dá tempo prum mate de despedida. Já que o mundo não terminou, como previram os maias, vamos repassar os fatos dignos de aplausos e vaias. Pulemos janeiro e fevereiro – como sempre, teve verão, Carnaval, com homenagem especial ao saudoso Rei do Baião, mas o país só acordou no seu berço esplêndido, lépido e faceiro, depois que o cara da Fifa nos sentenciou um bom chute no traseiro.

Foi uma revolta geral, o ministro do Esporte chegou a vociferar um novo Independência ou Morte, mas logo caiu na real: não dá para brigar com quem comanda a torcida, então o melhor mesmo é liberar a bebida. Pelo menos a CBF trocou, finalmente, de chefe. Teixeira jogou a toalha e abriu espaço para o homem da medalha.

E a pátria mãe gentil ingressou célere pela Avenida Brasil. Paramos extasiados, na contramão da esperança, para ver Nina, Carminha e Tufão num enredo de vingança. Teve novela, eleição e o tal do mensalão – todo mundo grudado na televisão. Era um debate geral pela atenção do telespectador: de um lado o relator, do outro o revisor, parecia um Gre-Nal. Com farpa de todo lado e muito juridiquês, terminou com ex-ministro condenado ao xadrez. Teve poesia e prosa, teve fraude e peculato, mas quem dominou o fato foi mesmo Joaquim Barbosa.

E Lula, goste ou não goste, se exaspere e o peito estufe, se enredou com o Maluf e com a tal Rosemary, mas elegeu outro poste. Ainda assim faltou luz, de Brasília ao Maranhão, e de apagão em apagão, vamos carregando a cruz. Mudou a legislação: ficha limpa é obrigatória e o acesso à informação dá outro rumo à história. Mas não apaga da memória tanta gente que partiu para os chamados Campos Elísios: Millôr, Hebe, Niemeyer, dona Canô – e uma escolinha inteira de Chico Anysios.

Ninguém fica pra semente, seja justo ou pecador, nem passa impunemente pelo crivo acusador do mais implacável dos tribunais – a artilharia das redes sociais. Caiu, por exemplo, na Comissão da Verdade aquela moça que leiloou a virgindade. Cachoeira entrou calado e saiu mudo, mas acabou enjaulado e só então resolveu contar tudo. Demóstenes Torres falou, mas não convenceu nem evitou a cassação – perdeu, como Bruno e Macarrão.

Na questão ambiental, aconteceu o seguinte: nada na Rio+20 e, com mais vetos do que votos, o novo Código Florestal.

E o nosso herói nacional? Difícil essa eleição: tem juiz de tribunal, tem lutador de voz fina, tem seleção feminina, tem ginasta, tem judoca, todos pintados de ouro, tem goleiro de final, tem veterano e calouro, tem também o artilheiro que marca o gol salvador, tem o Mundial do Timão, tem uma nova Seleção, sem Mano e com Felipão.

Até mais, querido ano, obrigado pela emoção.

RUTH DE AQUINO

50 previsões que darão errado

1. Lula dirá que sabia de alguma coisa.

2. Serra ganhará uma eleição. De Mister Simpatia. Fará um implante capilar com o hair stylist de Haddad, Celso Kamura.

3. Lula elogiará a imprensa brasileira e dará entrevista coletiva anunciando que não será mais candidato a nada.

4. Dilma viverá lua de mel com a base aliada, em especial com o PT. Será eleita musa dos sindicatos.

5. O PIB crescerá mais que o anunciado por Mantega.

6. Aécio Neves se recusará a ser candidato tucano à Presidência e passará a organizar concursos de misses.

7. O PSDB revelará, enfim, o projeto alternativo da oposição para o Brasil.

8. Fernando Henrique deixará outra pessoa falar pelo PSDB.

9. Rosemary Noronha procurará o cirurgião plástico de Dirceu e cairá na clandestinidade – mas, antes, mudará os óculos.

10. Dirceu será preso sem regalias. Jogará fora o celular e doará as bermudas chiques para Carlinhos Cachoeira.

11. Cachoeira assumirá as têmporas brancas a pedido da namoradinha do Brasil, Andressa.

12. O jogo do bicho acabará.

13. Nenhum policial achacará bicheiros ou traficantes nem armará autos de resistência em ações de extermínio.

14. Vazarão na internet fotos de Nicole Bahls vestida.

15. A gostosa do BBB não posará nua.

16. Clarice Lispector deixará de ser citada nas redes sociais.

17. Ninguém mais postará fotos de comida no Facebook.

18. Arnaldo Jabor acordará feliz.

19. Chico Buarque e Fernando Morais pedirão mais liberdade e democracia em Cuba.

20. Michel Teló desistirá de fazer música chiclete.

21. Acabarão os comerciais com Ivete Sangalo.

22. Luana Piovani não tuitará o marido surfista e ficará invisível.

23. O orçamento das obras para a Copa e a Olimpíada será revisto para baixo, porque sobrou dinheiro.

24. A CBF será uma confederação acima de qualquer suspeita.

25. Meu Botafogo será campeão brasileiro depois que o time aprender holandês com o Seedorf.

26. A reforma tributária sairá e pagaremos menos impostos.

27. Renan Calheiros fará história na presidência do Senado votando projetos importantes para o país. Em 2013, Lula dirá que sabia de algo, Serra ganhará uma eleição – e a gostosa do BBB não posará nua 

28. Sarney & Filha doarão parte de sua imensa fortuna ao “Maranhão-esperança”, projeto ambicioso para reduzir o analfabetis­mo, a prostituição infantil e a miséria do Estado.

29. O Congresso aprovará o fim do 14o e do 15o salários para os parlamentares e proibirá notas frias.

30. Deputados e senadores passarão a trabalhar na segunda e na sexta-feira para votar questões proteladas há 12 anos.

31. Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski concordarão.

32. Serão ressuscitados os rios Tietê e Pinheiros.

33. A Baía de Guanabara será enfim despoluída. Quem chega de carro ao Rio de Janeiro deixará de sentir cheiro de podre.

34. A Rocinha acabará com o esgoto a céu aberto, antes de ga­nhar teleférico turístico e obra póstuma de Niemeyer.

35. Os pobres poderão fazer cirurgias de emergência. Nenhuma criança ou velho morrerá por falta de assistência médica.

36. Desabrigados por tempestades e inundações terminarão o ano reassentados em áreas fora de risco.

37. Os celulares de traficantes presos em São Paulo serão bloquea­dos e eles não poderão mais dar ordens para tocar o terror.

38. Nenhum bueiro explodirá no Rio, e os cariocas finalmente saberão o motivo das explosões.

39. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, impedirá que a especulação imobiliária acabe com os parques e as reservas ambientais.

40. Não haverá arrastões nos restaurantes de São Paulo e nas praias do Rio.

41. Não haverá apagões.

42. Aeroportos funcionarão direito e acabarão com o táxi-bandalha.

43. Passagens aéreas no Brasil ficarão mais acessíveis, e uma competição saudável no setor beneficiará a população.

44. Operadoras de celular deixarão de extorquir os consumidores, e as contas passarão a ser inteligíveis.

45. Bancos reduzirão as taxas dos correntistas, contribuindo assim para a saúde financeira de quem os sustenta.

46. Empresas, privadas ou estatais, respeitarão o tempo máximo de espera ao telefone e deixarão de enlouquecer quem recorre a seus serviços de atendimento.

47. Não receberemos mais nenhuma chamada de telemarke­ting na hora do jantar e no fim de semana.

48. O lixo – coleta e reciclagem – passará a ser encarado com seriedade pelos governos.

49. Famílias brasileiras deixarão de emporcalhar as praias e os parques. Cada um levará seu saquinho de lixo, ensinando às crianças que quem ama cuida.

50. Feriadões deixarão de ser pretexto para exterminar famílias nas estradas, por culpa de direção irresponsável, ultrapassagens imprudentes e álcool.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012


Jaimecimenti

2012, um ano ímpar

Como versejou Drummond, o último dia do ano não é o último dia do tempo e o último dia do tempo não é o último dia de tudo. Coragem, alegria, vamos em frente. Esse negócio de apocalipse morreu faz tempo, e o fim do mundo foi mais uma vez adiado. Hoje em dia, tudo e todos atrasam mesmo. Nenhuma novidade.

De mais a mais, bom lembrar o Mario Quintana, que disse que se esse mundo acabar, outro surgirá, qual o problema? Aliás, é bom lembrar que apocalipse significa revelação e não fim do mundo, como dizem por aí. Este 2012 foi um ano ímpar, com o perdão do trocadilho. O Supremo Tribunal Federal se transformou em nosso Maracanã e o julgamento do Mensalão ficará na história, independentemente dos previsíveis e imprevisíveis acontecimentos futuros.

O estado democrático ganhou de goleada. No Brasil, como a gente sabe, até o passado é imprevisível. Quanto ao futuro, é melhor mesmo deixar ele  pertencer a Deus e ao próprio futuro. Saber sobre o futuro não tem a menor graça. Melhor saber que a gente está vivo agorinha e que o sol não vai se atrasar nas novas manhãs. Se ele atrasar ou não aparecer, por um ou mais dias, paciência, a vida vai continuar. Não vamos pedir o dinheiro das diárias do hotel de volta.

O mar e o sol sempre vão e vêm, naquele eterno retorno, como devem ir e voltar nossos sopros e nossas esperanças. Melhor achar que o Eclesiastes, livro bíblico, precisa de uma pequena revisão. Ele diz que não há nada de novo debaixo do sol, que tudo é vaidade e vento que passa. Menos, né, Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém. No ano que vem, em vez de traduzir mais uma vez a velha Bíblia, quem sabe a gente não reescreve o texto, ao menos em parte.

Com todo o respeito, claro, a todas as religiões, que não vou começar o ano arranjando estresse com tribo alguma e não pretendo pisar no manto sagrado de ninguém. Pensando bem, em 2013, a melhor maneira de ganhar as discussões, como dizem os da sábia galera zen, será não iniciar certas discussões.

Quanto às polêmicas inevitáveis, fazer o quê? Bem, dá para fazer como disse um político esses dias: precisamos nos unir, com nossas individualidades, respeitando a diversidade e a pluralidade, a bem do conjunto. Bom, deu, né? Feliz Ano Novo! 
Jaime Cimenti

Jaime Cimenti

Arte, humor e espionagem na Madrid pré-revolução

O romance Rinha de gatos - Madrid 1936, de Eduardo Mendoza, é mais um bom exemplo da vitalidade da literatura espanhola na atualidade. A obra mereceu o prestigiado Prêmio Planeta em 2010 e apresenta muita ação, arte, humor e espionagem, numa trama intensa e repleta de surpresas.

Eduardo Mendoza nasceu em Barcelona, em 1943, já publicou dezenas de livros e conta com mais de dois milhões de leitores espalhados pelo mundo. No Brasil, a Planeta, que publicou Rinha de gatos, já lançou, do mesmo autor, A assombrosa viagem de Pompônio Flato (2010) e O mistério da cripta amaldiçoada (2011).

Rinha de gatos é ambientado na Madrid de 1936 e com nada menos do que o genial pintor Diego Velázquez servindo de pretexto. Em um cenário politicamente tenso, o especialista em arte inglês Anthony Whitelands é contratado para ir à Espanha autenticar uma obra que pode ser do famoso pintor barroco.

O britânico chega a bordo de um trem, na primavera e, conforme o melancólico estrangeiro empreende sua visita por Madrid, com uma guerra civil prestes a explodir na cidade, suas atividades um tanto obscuras atraem a atenção de facções políticas opostas interessadas em se apoderar da pintura. Afinal, um Velázquez original poderia pagar uma enorme quantidade de armas e ajudar a vencer a guerra que se aproximava.

Anthony vai lidar, entre outros, com um charmoso fascista, José Antonio Primo de Rivera, amigo do dono do quadro. Ofertas de sexo de condessas ninfomaníacas, investidas de uma prostituta menor de idade, manipulações de espiões britânicos e alemães e até ameaças de um conspirador soviético estão embolados na mirabolante narrativa.

O protagonista inglês se sente em meio a uma rinha. Mas uma rinha de gatos. O início do romance é sóbrio, comedido, mas já carregado de suspense. Depois, a narrativa evolui para um desconcertante tom humorado. Aliás, subverter as expectativas dos leitores é marca registrada deste autor que, nesta obra, apresenta personagens excêntricos, casos amorosos complicados, conspiração política e a paixão pela obra de Diego Velázquez.

A missão do inglês em Madrid pode até mudar o curso da própria história da Espanha, e o olhar dele sobre o panorama político e cultural revela situações brilhantes e engraçadas. Todos parecem perseguir todos e a cidade parece uma grande armadilha. O final, adequadamente, é eletrizante. Editora Planeta, 296 páginas, tradução de Clene Salles, www.editoraplaneta.com.br.


28 de dezembro de 2012 | N° 17296
FALTA DE LUZ

Dilma duvida que raio cause apagão

Presidente diz que argumento é risível, aponta para falha humana e considera ridículo falar em risco de racionamento no país

Nem raios nem falta de investimento. Para a presidente Dilma Rousseff, os apagões que têm deixado diferentes Estados às escuras por horas são resultado de falha humana.

Ontem, Dilma admitiu ainda que, apesar dos investimentos em produção e transmissão, houve redução nos gastos com manutenção.

– Se falarem para vocês que é raio, gargalhem. Cai raio todo dia neste país. Raio não pode desligar o sistema, se desligou é falha humana – afirmou a presidente ontem em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.

Desde 1999, apagões que deixam vários Estados sem luz por horas são atribuídos a raios. O mais recente, em 15 de dezembro, atingiu as regiões Sudeste e Sul. Na semana seguinte, Hermes Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), e Ildo Grüdtner, secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, disseram que raios podem ter causados apagões recentes.

A presidente admitiu, contudo, que houve nos últimos anos redução dos investimentos manutenção, apesar do crescimento em transmissão e produção. Disse que a questão não é política, mas de regulamentação do setor.

Dilma ainda disse considerar “ridículo” falar em risco de racionamento de energia no Brasil. Mas afirmou que há cerca de 3 mil quedas de energia por ano que as pessoas nem ficam sabendo e admitiu que, com o tempo, o sistema fica cada vez mais sujeito a estresse.

Sobre se Mantega pode sair: “não há a menor hipótese”

Em meio à descontração em reação a um blog do jornal britânico Financial Times em que coloca Dilma como uma rena apelidada de Roussolph e Guido Mantega como um elfo (confira quadro ao lado), a presidente fez questão de enfatizar que não há “a menor hipótese” de seu ministro da Fazenda deixar o governo.

– A não ser que ele queira – ressalvou Dilma, embora desconversando sobre mudanças em seu ministério – Não quero (que ele saia) e, posto que sou eu quem decide, não há a menor hipótese dele sair do governo.

Dilma demonstrou otimismo com o país, afirmando que o Brasil vai “crescer mais” em 2013, a inflação “vai continuar” sob controle e o déficit das contas públicas será “decrescente”. Mas essa confiança não é traduzida em números. A presidente evitou fazer qualquer projeção sobre indicadores econômicos.

– Não faço previsão ou esse tipo de conta – resumiu.

Também se recusou a falar sobre o rumo da taxa básica de juro, a Selic, assim como o nível considerado ideal para a taxa de câmbio no país.

– Não me manifesto quanto a juros e, tampouco, câmbio. Eu nasci há 65 anos – acrescentou.


28 de dezembro de 2012 | N° 17296
CINTIA MOSCOVICH

A força do gesto

Filho de imigrantes, nosso pai se esfalfava de trabalhar e recusava luxos – tinha ojeriza a novo-riquismo. Mas havia uma coisa à qual não resistia: bons carros. E era no Fairlane rabo-de-peixe ou nos Galaxies LTD que ele nos levava a viajar, geralmente para o Uruguai, terra da mãe. A gente rodava horas protegidos pela robustez do carro e pela promessa de pasculinas e dulce de leche.

Numa dessas viagens, eu estava dormindo no banco de trás, quando ouvi um estrondo, um guincho de freada e logo a voz assustada do pai:

– Acho que matei um cachorro.

Ele saiu correndo do carro. Pelo vidro traseiro, a gente não via sinal de bicho morto ou vivo. Nada no leito da estrada, muito menos nos matinhos laterais. Intrigados, nossa única alternativa era seguir viagem. E por todo o trajeto o pai foi se martirizando: o cachorro tinha vindo do nada e se metido na frente do carro, nem tempo de frear, ele tinha matado o animal.

Meia hora de luto adiante, ele parou para abastecer e todos descemos do carro. Foi então que vimos: de baixo da carroceria, saía, se esgueirando, um cachorro. O bicho bocejou, alongou as patas dianteiras, se sacudiu todo e, como se nada fosse, se afastou a passo, vivinho da silva. O pai deu uma gaitada bonita: decerto o animalzinho tinha se protegido na lataria do carro, que sorte, graças a Deus. Ficamos tão aliviados com a proeza que parecia uma festa no posto de gasolina.

Agora, quando se aproxima a época de veraneio, eu me lembro do pai e dessa história – porque vai começar a temporada infeliz na qual as pessoas, de férias, abandonarão seus animais de estimação nas estradas. Os cachorrinhos, que nem sabem trair, serão largados como se fossem estorvos: serão atropelados, causarão acidentes, morrerão à míngua.

Muitos desses que abandonarão seus bichinhos estarão com seus filhos como testemunhas. Que exemplo dão pai e mãe que descartam uma vida? Qual é o sentido de colocar a própria conveniência acima de qualquer outra coisa? Vamos combinar: quem não respeita a vida de um animal dificilmente respeitará a vida de um humano. Na falta de empatia com o sofrimento de um ser vivo, a maioria dos valores se subverte, a estupidez começa a ditar as regras do convívio e as pessoas passam a seguir uma moral torta e amalucada.

Peço aos donos de animais de estimação que pensem, mas pensem muito, antes de abandonar seus amigos de quatro patas. Quem tem a guarda de um animal é responsável por suas condições de vida e sobretudo pelas condições de sua morte. Àqueles que têm filhos e que não sabem o que fazer com os bichos nas férias, peço que reflitam no exemplo que deixarão. Meu pai ensinou e eu nunca mais esqueci: as palavras comovem, mas os exemplos arrastam.


28 de dezembro de 2012 | N° 17296
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)

A síndrome

O Sant’Ana está de férias. Mas não parem de ler só porque estou aqui como usurpador deste espaço. Pablo anunciou que pretende passar duas semanas no regime semiaberto. Vai andar por aí, ninguém sabe por onde, e poderá voltar antes, a qualquer momento.

O semiaberto impõe uma tentação diária. É como a abstinência para o alcoolista. O preso do semiaberto repete para si mesmo: não some, não foge, não desaparece. Há casos mais graves, em que o sujeito desiste do semiaberto e, ao invés de fugir, deseja retornar ao regime fechado. O Sant’Ana já avisou que pode querer voltar.

Entenda-se o drama de Pablo. Só escreve com pulsação sobre o cotidiano quem divide uma Redação com duas centenas de condenados a tentar entender o que se passa todos os dias do lado de fora. Sant’Ana gosta dessa prisão porque aqui interage com os outros presos. A comparação não é desqualificadora do ambiente de um jornal.

Alguns médicos só se consideram médicos confinados em ambientes hospitalares. Há engenheiros que só vivem a profissão monitorando a obra nos barracões. Sant’Ana só é cronista por inteiro na Redação. As férias lhe tiram o prazer de poder relaxar e comemorar, depois da tortura de encontrar um bom assunto e de conseguir escrever a respeito – muitas vezes, algemado. Por isso a liberdade do semiaberto é um sofrimento para viciados em regime fechado.

Há uns cinco anos, visitei a ala de detentos do semiaberto de um presídio da Serra. Chegavam no início da noite, todos de banho tomado, cheirosos, cabelos lambidos. Vinham de casa, onde deixavam a mulher e os filhos, e iam passar a noite com uma pilha de homens.

Um moço grandão, cara de adolescente, arrombador de caixas eletrônicos, me contou que teria mais quatro anos para ser tentado, todos os dias, a não voltar. Me disse por que estava preso e me tranquilizou:

– Nunca assaltei e nunca vou assaltar pessoa física. Só assaltei pessoas jurídicas. Vou me regenerar.

À noite, o arrombador dividia um lastro de cimento com outro preso, numa cela com uns 40 detentos. Fiquei sabendo por um guarda que presidiários do semiaberto enfrentam a síndrome do entardecer, quando têm de retornar ao presídio. Foi esse guarda quem me falou dos que, no dilema do ir e vir, preferem voltar ao regime fechado.

Cada um que se entenda com as próprias prisões, como diria Paulo Coelho. Sant’Ana pode estar em estado de sofrimento neste momento, com a síndrome caribenha do entardecer. Acontece quando os turistas são obrigados a abandonar as águas dos mares de azul-turquesa e se recolher a bares, restaurantes, shows, cassinos, todos lotados.

Por antecipação, Pablo sofre por não poder escrever sobre o assunto do dia. Só refletir sobre o que se passa, olhando as gaivotas, é um desperdício para o cronista. É preciso escrever, e diariamente, mesmo que às vezes isso seja um suplício sombrio e úmido como a cela da solitária.

Você entende. Pior do que férias no semiaberto, só férias em prisão domiciliar, numa casinha de dois quartos invadida pelas dunas do Nordestão, com 10 parentes dentro, incluindo a irmã da sogra e um ex-cunhado que veio de Rosário com uma paleta de ovelha.

Pois estou aqui, neste espaço, cumprindo parte da pena a que Pablo foi condenado. Só espero que ele não desista logo do semiaberto e invente de voltar antes do tempo. Pablito, te peço: curte as férias, te entrega ao ócio, resiste à síndrome do entardecer e me deixa desfrutar por uns dias da fama e da glória desta penúltima cela. Ou, como queiram, desta penúltima página.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012



26 de dezembro de 2012 | N° 17294
MARTHA MEDEIROS

O que é que a baiana tinha?

Ontem faleceu, aos 105 anos (a mesma idade em que se foi o grande Niemeyer), dona Canô, cuja trajetória acompanhávamos como se fosse a avozinha do Brasil. De onde surgiu sua fama? Nem ela sabia explicar: “Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos que nunca se esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm”. O curioso é que ninguém nunca ouviu falar sobre a mãe de Gilberto Gil ou de Gal Costa, pra citar os outros “doces bárbaros”. O que é que dona Canô tinha, afinal?

Sem possuir a exuberância dos filhos cantores, dona Canô era, ao contrário, fisicamente minguada, discreta, pequena em estatura. Porém exalava força moral, trabalhava por benfeitorias para sua Santo Amaro e era uma mulher posicionada politicamente, gostassem ou não de suas escolhas – foi íntima amiga do senador Antonio Carlos Magalhães e depois se rendeu a Lula, defendendo-o publicamente, como no episódio em que rebateu as críticas feitas por Caetano, quando esse declarou apoio a Marina Silva dizendo que ela sabia falar, ao contrário do líder petista, que era grosseiro. “Caetano é só um cantor, não precisa ofender nem procurar confusão”, declarou ela na época. Arretada, a velhinha.

Dona Canô era uma mulher de personalidade forte, mas de hábitos simples. Aliás, como Niemeyer. Lógico que o arquiteto está eternizado pela importância incomparável à da baiana que ficou conhecida apenas por ter dado à luz dois filhos talentosos, mas ele compartilhava com ela ao menos uma afinidade: a visão de mundo extremamente humanista e sem afetações.

Quem sabe não está aí o segredo da longevidade? Na surrada lista de atitudes para atingirmos os cem anos (a saber: não fumar, não beber, praticar exercícios, seguir uma dieta balanceada, manter um hobby, conviver mais com os amigos e demais resoluções que, aposto, você pautou para 2013), talvez esteja na hora de incluirmos os cuidados com nosso estado de espírito a fim de envelhecermos com juventude na alma.

Morrer aos 80, que não faz muito tempo parecia pra lá de razoável, está ganhando ares de infanticídio. Dona Canô, Niemeyer e mais uma penca de centenários anônimos têm mostrado que é possível esticar essa corda e seguir contribuindo para a sociedade. O segredo?

Nem tanto as regrinhas de manual, e sim a consciência de que gostar do que se faz, posicionar-se frente às questões cotidianas, enxergar a beleza das coisas prosaicas, se despreocupar diante do que não temos controle, investir nos afetos verdadeiros, cercar-se de gente do bem, amar sem restrições, deixar a vaidade de lado e valorizar aquilo que traz substância à nossa existência formam um conjunto de medidas tão eficaz quanto apagar o cigarro ou comer mais espinafre.

Em tempos de balanço e planos para o futuro, fica a dica da dona Canô, em frase dita por ela em seu último aniversário: “Viver é muito bom, mas saber viver é muito melhor”.

domingo, 23 de dezembro de 2012


DANUZA LEÃO

Estar só

Vivendo só, às vezes a pessoa está melhor do que jamais esteve, mas ninguém acredita

Do que mais se precisa na vida para ser feliz? De calor humano, dizem; por calor humano entenda-se, para começar, de alguém com quem se compartilha a vida, uma família bem estruturada e amigos, muitos amigos. Trocando em miúdos: para não correr o risco de ficar só -nunca.

Mas, quanto mais gente em volta, mais problemas. Houve um tempo em que se dizia que os casamentos seriam felizes para sempre; mais tarde, que durariam sete anos. Mas o mundo mudou, a ciência moderna constata que o amor dura no máximo dois anos e, como ninguém suporta ser infeliz por mais de um fim de semana, o divórcio está em alta.

E a família, como vai? Ninguém conta, mas raras são as que se dão bem e, quanto maiores elas são, mais brigas. Por ciúmes, inveja e, sobretudo, por dinheiro. Aliás, dinheiro é o grande responsável por quase tudo; ouso dizer (mas sem muita certeza) que existem mais brigas por dinheiro do que por amor.

Quando se vê um homem ou uma mulher (sobretudo) com mais de 50 vivendo só, tem sempre uma amiga que diz -com a melhor das intenções- "ah, você precisa encontrar alguém". Às vezes a pessoa está bem, melhor do que jamais esteve, mas, como existe essa certeza de que os seres humanos não podem viver sós, ninguém acredita -ou não quer acreditar ou não entende.

Todos devem estar namorando, casando, ou qualquer outro nome que se queira dar, e se estiverem com um parceiro, mesmo tristes, infelizes, sem assunto, à beira de cometer suicídio ou um assassinato, qual o problema? O importante é estar acompanhada, o que aliás nos tira a felicidade de sermos as donas absolutas do controle remoto e poder passar o fim de semana com a geladeira vazia e sem arrumar a cama.

Aliás, o que as pessoas fazem para que isso não aconteça? Elas se cercam de pessoas com quem não têm quase nada em comum, das quais frequentemente não gostam e até falam mal. Numa mesa de restaurante com seis, oito pessoas, ninguém ouve o que o outro está dizendo, ninguém consegue trocar uma ideia com quem está ao seu lado; mas essas são as pessoas que falam mais alto, que mais dão gargalhadas, que mais parecem estar felizes.

Quem está só parece -parece- ser a mais infeliz das criaturas, sem ter um amigo para jantar e, em datas tipo Natal ou Ano Novo, dá até vontade de chorar de pena.

Mas é curioso como nos relacionamos com nossos amigos -com a maioria deles, digamos- estamos sempre tentando contar uma boa novidade ou sendo inteligente ou falando coisas muito interessantes, para que nos tornemos muito interessantes e assim possamos conservá-los. É bom ter um amigo animado, que entra em nossa casa falando alto, perguntando o que vamos beber e fazendo planos fantásticos para o próximo fim de semana

Mais curioso ainda é que não há amigo melhor neste mundo do que aquele em cuja companhia você se sente tão bem, mas tão bem, que pode até ficar calado pois parece que está só. Vai entender.

E aproveitando -e sendo bem incoerente, como é preciso ser às vezes-, um Feliz Natal para todos.

sábado, 22 de dezembro de 2012


Martha Medeiros

NATAL EM FAMILIAS

O Zé tem 61 anos e casou recentemente pela terceira vez. Possui duas exmulheres, e um filho com cada. Já tem inclusive uma netinha de dois anos por quem é alucinado.  Além disso, o Zé tem mãe viva. E um pai também, que se divorciou da mãe dele há muitos anos e casou de novo. E o Zé tem dois irmãos. 

O Zé é afetivo e curte a família, que é grande. Inclui as ex-mulheres, os novos maridos delas, os filhos, as noras, a neta, a mãe, os irmãos, as cunhadas, os sobrinhos, o pai, a esposa do pai. Cada um no seu endereço. Então vai chegando o Natal e o Zé fica tenso, sem saber como dar conta de abraçar todo mundo.

A nova mulher do Zé tem família também: mãe, irmãos, primos, aquela coisa toda. Ela quer passar o Natal com eles, e quer que o Zé fique em casa. A mãe do Zé não abre mão de juntar os três filhos. O Zé não vai fazer essa desfeita, vai?O pai do Zé é pacífico, mas a mulher dele se sente rejeitada por qualquer ausência, e se o Zé não aparecer, será responsabilizado por mais um chilique da madrasta.  

A primeira ex-mulher monopoliza a netinha. O Zé não pode ficar sem ver aquela menina adorável, a única criança da família, e Natal sem criança, você sabe. O Zé sabe. A segunda ex-mulher passa o Natal com o outro filho do Zé e mais todo o grupo de amigos que eles tinham quando casados e de quem o Zé sente falta, já que os amigos ficaram na partilha dela.

Então esse é o Zé em trânsito no dia 24 de dezembro. Ele passa primeiro na casa da mãe. Chega tão cedo que não encontra um dos irmãos. Fica o Zé, a mãe e o outro irmão tomando uma cerveja e beliscando umas amêndoas meio velhas.

Aí o Zé se despede e vai ver a netinha. Não resiste quando pedem para ele se vestir de Papai Noel. Faz a encenação, morre de calor com a barba postiça, toma uma cerveja gelada, afana uma fatia do peru e corre pra sua própria casa, onde sua mulher está furiosa, isso são horas de chegar?

Ele faz uma social com a família dela, aí bebe vinho e participa da ceia já meio enjoado, não deveria ter misturado cerveja e vinho. Pede licença, tem que sair para dar um beijo no outro filho. “Vá num pé e volte no outro”, ela ordena.

No meio do caminho, dá uma paradinha na casa do pai, marca presença com a madrasta, ouve três músicas natalinas, toma mais uma cerveja e segue seu périplo. Então chega na festa da segunda ex, que está bombando. Assim que atravessa a porta alguém coloca uma taça de espumante em suas mãos.

Localiza o filho, dá um abraço nele, depois outro abraço no amigo Tomás, um abração no Ricardo que não vê faz tempo, e também no Goes, que está enlaçado numa loira que ele nunca viu. Quem é? Separei, Zé, essa é minha namorada. Zé dá dois tapinhas nas costas do Goes a título de condolências.

Volta pra casa, a mulher que estava dormindo no sofá acorda e exige que ele leve a família dela em casa. Eles ainda estão aqui? Estão, Zé. Dormindo no nosso quarto. O Zé chega a cogitar um novo divórcio, mas o que lhe resta de sobriedade avisa: melhor não. Aí virá outra mulher, outros parentes, como encaixar?  

E suspira lembrando de quando era criança, quando reuniam-se todos embaixo da mesma chaminé.