quarta-feira, 29 de junho de 2011



29 de junho de 2011 | N° 16744
MARTHA MEDEIROS


Compostura

Uma das minhas fotos preferidas da infância mostra meu irmão e eu sentados em um degrau da casa da nossa avó. Eu deveria ter uns quatro anos de idade. Usava um vestidinho e estava sentada da forma mais moleca possível, de pernas abertas, sem perceber que a calcinha estava aparecendo. Certamente minha mãe não estava por perto, ou ela teria dito, como sempre dizia: “Fecha as pernas, menina, olha a compostura”.

A compostura era, para mim, um genérico do bicho-papão. Sempre à espreita. Se eu falava algum nome feio, olha a compostura. Se eu agia de forma mais folgada com algum idoso (qualquer um acima de 20 anos), olha a compostura. Se eu mastigasse o chiclete de boca aberta, olha a compostura. A danada da compostura me perseguiu a infância toda e, por causa dela, não tive escapatória, acabei virando uma moça educada.

No entanto, descobri com o passar dos anos que é possível ter compostura e ser espontânea ao mesmo tempo. Que compostura não é sinônimo de rigidez, e sim de adequação. Sempre acho estranho quando alguém defende a própria grossura argumentando que está sendo “ele mesmo”, como se ter uma postura elegante fosse falta de personalidade.

Lembrei disso outro dia, enquanto assistia na tevê ao Tiririca vestido de palhaço, fazendo campanha contra o nepotismo. A seu lado, dois personagens que representavam a mãe e o pai do deputado federal, eles também vestidos de palhaço. Tiririca, para deixar tudo bem explicado para a população, diz: “Pai, continue catando latinha. Mãe, continue lavando roupa pra fora. Não pode contratar parente” , enquanto ouvimos um forró de trilha sonora, dentro do clima de São João.

Propaganda eleitoral é sempre uma coisa muita chata, então Tiririca apostou na irreverência, sua marca registrada. E a intenção foi boa, corrige sua plataforma quando era candidato (“ajudar a todos, inclusive a minha família”). Compreende-se que precisa estar caracterizado para que seus eleitores o reconheçam, mas não consigo ser benevolente com essa papagaiada toda.

Nepotismo é assunto sério em qualquer lugar do mundo, e já que seus colegas parlamentares o escolheram para vir a público e usar a luta contra o nepotismo como bandeira para promover o partido, seria mais adequado fazê-lo com o traje que costuma usar em sessões do plenário, onde trabalha e recebe salário para garantir os interesses do povo que representa.

Ou com roupa casual, sem problema. Menos fantasiado. Por nada, não. Apenas por compostura. Para conferir um pouco de recato e decência a uma classe já tão desgastada como a política.

Tiririca não é mau sujeito, foi apenas “ele mesmo”. Uma criança mostrando a calcinha do país em rede nacional.

Ótima quarta-feira para você. aproveite

terça-feira, 28 de junho de 2011



28 de junho de 2011 | N° 16743
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


As melhores lembranças

Há poucas coisas mais agradáveis do que uma festa de família, aí incluídos os amigos mais próximos. Foi o que aconteceu nos cinco anos bem celebrados de minha sobrinha Olívia. Uma aprazível comemoração reuniu, no apartamento amplo, misto de estúdio, da Avenida Independência, pessoas que tinham experiências comuns de vida e outras ligadas pelos laços duradouros e bonitos da amizade.

Criou-se um clima mágico de alegria, uma suave sintonia de sonhos e de realidade. Na hora de arte, que sempre ocorre nessas ocasiões, meu neto Santiago revelou-se um excelente pianista, no que foi coadjuvado pelo elenco de meninos e meninas, ótimos na interpretação das canções.

Atento, na plateia, fiquei pensando por que a vida não podia ser sempre assim: horas encantadoras de deslumbramento e aconchego, sem prazo nem tempo.

No outro dia, presenciei a batalha feroz de dois motoristas. Ao que parece, um havia barrado a ultrapassagem de outro numa avenida movimentada e agora ambos se digladiavam numa raivosa batalha verbal.

Não esperei para ver o fim do combate, mas refleti que os dois estavam possuídos de uma ira insana e desarrazoada.

É esta a cidade em que vivemos: para alguns, uma selva. Leio em Zero Hora sobre a impressionante quantidade de homicídios, o alarmante rol de latrocínios. Lamento ainda mais a saga das mães que têm de acorrentar seus filhos para que não vendam o casebre onde moram para, com o produto, comprar crack. Não se trata de um monopólio das classes menos privilegiadas. Gente diplomada é prisioneira da droga.

Mas, passados estes parágrafos sombrios, a que eu poderia acrescentar muitos outros, deixem-me voltar para a festa de Olívia. Gerou-se todo um ambiente de confraternização e entendimento. Surgiram, do fundo do baú das memórias, histórias aparentemente esquecidas, mas que reinventavam nossa trajetória como família, mais as contribuições dos amigos.

Foi quando eu me dei conta de que existir poderia ser um permanente aniversário, em que pessoas convocavam suas melhores lembranças.

Algum dia, Olívia será uma moça.

Só gostaria de que ela então recordasse um sábado bonito, em que todos nós lhe desejamos, no Parabéns a Você, toda a felicidade do mundo.

Ainda que com todo esse frio uma terça-feira gostosa para você.

domingo, 26 de junho de 2011


DANUZA LEÃO

Sejamos civilizados

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se ela não se altera, não se irrita

PARA QUE SERVE ser civilizado?

Para não sair agredindo as pessoas que pegam a vaga do seu carro, não furar a fila, não puxar os cabelos daquela que ousou olhar mais de três segundos para seu amado, não roubar, não sair por aí atacando as moças.

Ser civilizado é saber que existem leis para frear nossos impulsos mais primários, leis que quando são quebradas acabam em escândalo e cadeia, às vezes -pelo menos para quem é pobre.
Mas existe um problema, entre pessoas civilizadas: de tão civilizadas, elas acabam praticamente iguais. Afinal, a educação, os bons modos, o traquejo, a cortesia, as boas maneiras, nivelam as pessoas -por cima, mas nivelam.

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se, pelo menos aparentemente, ela não se altera, não se irrita, não se enerva e tem sempre uma paciência infinita para lidar com todo tipo de problema?
Quanto mais civilizadas, mais parecidos são todos.

Pense um pouco: se você frequentar sempre um mesmo grupo, vai perceber que os homens se vestem praticamente da mesma maneira, bebem o mesmo tipo de bebida, frequentam os mesmos restaurantes, passam férias nos mesmos lugares e falam sobre as mesmas coisas.

Mais: todos têm como sonho de consumo ter um apartamento em Nova York, se possível no mesmo bairro dos amigos, se possível no mesmo quarteirão, se possível no mesmo edifício. Todos têm a mesma opinião sobre as coisas mais fundamentais, praticam o mesmo tipo de esporte e, se têm uma casa de campo ou de praia, é sempre na mesma região -se não for no mesmo condomínio.

Os filhos frequentam as mesmas escolas, se casam entre eles e os casais praticam o adultério também entre eles.

Mesmo que não se conheçam, eles sempre têm do que falar, mesmo com os estrangeiros, pois esta casta, digamos assim, é internacional e está sempre ligada nas mesmas coisas. Quando falam de gastronomia, falam dos mesmos restaurantes; dos de São Paulo, Nova York ou Tóquio, eles sabem de tudo -tudo igual, claro.

Nada, em nenhum deles, é original; dificilmente num jantar alguém chegaria sem sapatos ou começaria a cantar, entre o primeiro e o segundo prato. Como são muito civilizados, bem educados e conhecem perfeitamente as regras de etiqueta -que como são sempre as mesmas, são muito monótonas-, nada acontece em suas vidas que seja especialmente trepidante.

E quando a mulher de um desses homens tão elegantes e civilizados desaparece com um guitarrista obscuro, ninguém consegue compreender como isso pode acontecer.

Essa padronização, no fundo, é uma grande muleta; se todos usam o mesmo Rolex, o mesmo terno Armani, a mesma agenda Hermès, ficam mais seguros e protegidos; o mundo vira uma espécie de clube, e eles adoram um clube -são todos sócios do mesmo.

E a gente fica pensando: se acontecesse uma catástrofe que varresse da Terra essas tais muletas e se encontrassem todos num jardim, nus, sem os sinais exteriores que diferenciam as classes, o que fariam esses homens? E as mulheres, sem seus "tailleurs" Chanel e suas bolsinhas Prada?

Com tanta civilização, as mulheres não conhecem os maridos, os filhos não conhecem os pais, ninguém sabe o que o outro pensa sobre a vida e as coisas do mundo; a padronização civilizatória é de tal ordem que acaba ninguém conhecendo ninguém, e pouquíssimos se conhecem a si próprios.

E um dia a gente morre.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 25 de junho de 2011



26 de junho de 2011 | N° 16741
MARTHA MEDEIROS


Os bons tempos

Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor quanto a arte e também a rebeldia

A vida era melhor antes ou é melhor hoje? Quem faz parte do time dos nostálgicos não pode perder Meia-Noite em Paris, em que Woody Allen faz não só uma homenagem à mais linda cidade do mundo como também uma reverência aos efervescentes anos 20, quando grandes autores, músicos e pintores foram protagonistas da Era de Ouro do cenário artístico europeu.

Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor, quanto a arte e também a rebeldia. Ao mesmo tempo, sei que houve um antes desse antes, igualmente reverenciado. O personagem Gil (Owen Wilson), homem do século 21, não se conforma com a sociedade vazia e consumista de hoje, da mesma forma que a personagem Adriana (Marion Cotillard), musa dos anos 20, sonha em voltar para a Belle Époque, que teve seu auge em 1890.

Por sua vez, os artistas da Belle Époque não se davam conta da revolução que estavam promovendo naquele final do século 19 e afirmavam que prefeririam ter vivido durante a Renascença: o passado sempre parece mais consistente do que o presente.

Não há dúvida de que só um olhar distanciado pode nos dar a verdadeira dimensão do encanto que há nos dias que correm. Quando comparamos hoje com ontem, suspiramos ao lembrar de uma época em que tudo parecia menos superficial, em que a violência e a poluição não faziam parte das discussões, em que a tecnologia não pasteurizava a arte e não havia a patrulha do politicamente correto.

Lembro que, há alguns meses, assisti ao documentário Uma Noite em 67 (que traz imagens do Festival da Canção da TV Record) com o mesmo olhar saudosista do personagem do filme de Allen: 40 anos atrás, parecíamos mais modernos do que somos agora.

Mas será mesmo?

Se até hoje reverenciamos Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrude Stein, Cole Porter, Dalí e Buñuel (entre muitos outros retratados no filme), é porque a genialidade deles ultrapassou o tempo, tornando-os eternos. É comum enaltecer a significância de pessoas que inauguraram um novo mundo através de seu olhar criativo e inquieto, mas esses homens e mulheres fascinantes existem e existirão em todas as épocas.

Os atuais anos 2000 não entrarão para a história como “anos dourados” ou “anos rebeldes”, e sim como uma eletrizante era virtual, os anos que revolucionaram os contatos globais, ou seja, de alguma forma atraente os dias de hoje também farão suspirar aqueles que estiverem lá adiante, vivendo uma realidade que ainda nem supomos como será.

A humanidade jamais perderá o hábito de olhar poeticamente para trás, seja a época que for: saudade também é reciclável.

A partir desta edição, Carla Pilla passa a ilustrar a coluna de Martha Medeiros

quinta-feira, 23 de junho de 2011



23 de junho de 2011 | N° 16738
LETICIA WIERZCHOWSKI


Uma xícara de chá

Aos 14 anos, meu avô fugiu da fazenda da família em Terebin, no interior da Polônia, e viajou para Varsóvia como clandestino num trem; era um rapazinho corajoso e determinado, que queria uma vida na cidade grande, longe da dominadora figura paterna.

O avô chegou em Varsóvia somente com algumas moedas no bolso, e reza a história que, entrando num pequeno bar, faminto depois de vários dias de viagem, colocou sobre o balcão o dinheiro que tinha no bolso e perguntou ao atendente o que poderia comprar com aquilo. O homem do bar respondeu: “Uma xícara de chá com açúcar ou duas xícaras de chá sem açúcar”. Ao que o meu estoico avô respondeu: “Então quero duas xícaras de chá sem açúcar”.

Lembro dessa historinha familiar a cada vez que despejo a água fervente da chaleira no bule onde as folhas de chá esperam. Nunca fugi de casa, mas posso dizer que chego em casa de verdade depois que sirvo a minha primeira xícara de chá. Sou uma inveterada consumidora de chá, não sei se por herança ou por simples gosto.

Chá branco, verde, de menta, de lavanda — cada chá guarda em si o segredo de um aroma e a possibilidade de alguns minutos de aconchego. Um calorzinho bom como um abraço e um tempinho surrupiado às tarefas diárias, enquanto a fumaça perfumada sobe até o rosto e entra pelas narinas.

A história do chá é longa e encantadora, daria um belíssimo romance (que talvez já tenha sido escrito por alguém). Na China, o chá faz parte do ritual do casamento. No Japão, os visitantes são recebidos numa casa com a cerimônia do chá, na qual se desligam do mundo exterior, a fim de dedicar alguns momentos à paz de espírito junto aos anfitriões. Na Turquia, as jovens casadoiras eram analisadas conforme a sua destreza na preparação de uma infusão para o futuro esposo. No Tibete, o chá é uma oferenda.

Na Inglaterra, a terra do chá das cinco, as infusões vindas do Oriente chegaram no enxoval de Catarina de Bragança quando do seu casamento com o rei Dom Carlos II, e logo caíram no gosto da realeza britânica, espalhando-se então para toda a Europa.

Quando eu era criança, bebíamos chá com leite, blarg! Meu avô, muitos anos após a sua paupérrima chegada em Varsóvia, lutou na Segunda Guerra ao lado das tropas inglesas, gente pela qual guardou eterna admiração, e creio que introduziu quase como uma homenagem essa mania do chá com leite na família que formou aqui no Brasil. Eu o prefiro sem leite, sem açúcar e sem pressa... Para mim, muito mais do que uma bebida, o chá é um parêntese no dia.

quarta-feira, 22 de junho de 2011



22 de junho de 2011 | N° 16737
MARTHA MEDEIROS


O povinho

Todos que sonham com um Brasil mais íntegro e desenvolvido batem na mesma tecla, a de que devemos investir maciçamente em educação. Bato nessa tecla também, mas às vezes meu desânimo faz com que não acredite nem nisso.

Ao ver a matéria que foi ao ar no último Fantástico sobre médicos e dentistas que embolsam salários sem comparecer aos plantões, deixando centenas de pessoas doentes sem atendimento, pensei: isso lá é problema de falta de educação?

São profissionais que fizeram faculdade, tiveram formação acadêmica. Não passaram a infância soltos pelas ruas. E, mesmo assim, não possuem o menor senso de compromisso e ética. São tão corruptos quanto os políticos que eles xingam em mesas de bar, pensando que são diferentes.

Aí lembro daquela piada que diz que Deus criou o Brasil com uma natureza exuberante, um clima espetacular, um solo fértil, uma abundância de rios, sem risco de terremotos, “mas espera pra ver o povinho que vai ser colocado ali”.

Jamais deixaria de cumprir minhas obrigações, ainda mais se trabalhasse numa área tão essencial quanto a saúde pública, mas não adianta apontar o dedo para os outros e se excluir do problema. O povinho somos todos nós.

Uns sem nenhum caráter, outros com algum caráter (mas fazendo suas picaretagens habituais) e outros com um caráter muito bom, porém molham a mão do policial para evitar uma multa e bebem antes de dirigir, ninguém é perfeito.

Generalizando, somos um povinho essencialmente egoísta. Pensamos apenas no nosso próprio bem-estar. E ainda por cima vulgares, loucos por dinheiro, todos emergentes querendo mais, mais, mais. O governo rouba de nós através de impostos que não são revertidos em benefícios sociais e a gente desconta passando a perna em quem estiver por perto.

Se alguém encontra uma carteira de dinheiro e devolve para o dono, vai parar na primeira página do jornal como se fosse um peixe com braços, uma anomalia.

Seguimos morrendo no trânsito, a despeito das campanhas de conscientização, pois somos arrogantes, achamos que nada pode dar errado conosco, e se der, a culpa será sempre do outro. Obediência, respeito, espírito coletivo, nada disso pegou no Brasil. Nem vai pegar.

A miséria pode diminuir, o poder aquisitivo aumentar, haver mais emprego, mais crianças na escola, tudo ótimo, mas não soluciona a raiz dos nossos problemas: a índole. Algo que se depura em casa, na infância, no ambiente familiar, mas quem vai regulamentar isso, como controlar as regras internas, quem vai determinar o que é legal e ilegal entre quatro paredes?

Cada lar é um país. Somos milhões de presidentes. Está tudo nas nossas mãos. Um poder transformador, se soubéssemos fazer a coisa direito.

terça-feira, 21 de junho de 2011



21 de junho de 2011 | N° 16736
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Uma resposta

Leio reportagens sobre longevidade. Os autores recomendam pensamento positivo para reduzir o stress; manter-se em forma fazendo ginástica; permanecer casado e ganhar assim alguns anos; ter hobbies como jardinagem ou culinária; não trabalhar duro, relaxar; evitar preocupações, procurar uma religião; cuidar dos filhos; sentir-se amado; ter bom caráter.

Pensamento positivo me lembra aqueles velhos manuais americanos de como vencer na vida e fazer amigos, mediante fórmulas decoradas. Manter-se em forma é uma excelente ideia, mas ao invés de ginástica prefiro as longas caminhadas, como as que pratico diariamente. Permanecer casado é um assunto íntimo, em que os cientistas não deveriam interferir.

Manter hábitos como culinária ou jardinagem é algo que não me atrai. Frei Luís de León já ensinava há séculos que ser feliz é questão de natureza ou inclinação. Não trabalhar duro é um excelente conselho, mas difícil de seguir nestes tempos ásperos que navegamos. Evitar preocupações é uma utopia. Hoje cada dia é um desafio e cada manhã começa com a dúvida de que seu carro ainda está no lugar onde você o deixou.

Procurar uma religião faz sempre bem ao coração e à alma, mas há que dissociar as sérias desse empório de propaganda que lhe servem todos os dias na televisão. Cuidar dos filhos tem um sinônimo: amá-los. Não há mais verdadeira vocação para um pai. Sentir-se amado é a recíproca. E esta frase serve também para as amadas, os amigos e todos aqueles que nos são caros ou próximos. Ter bom caráter é uma condição de nossa caminhada sobre a Terra. Sem ela, não somos ninguém.

Mas digamos que você tenha seguido todos os conselhos dos repórteres da longevidade. Aí então se abrirão quase todas as perspectivas de uma vida longa e plena.

Não se trata de uma ilusão. Meu avô viveu 106 anos de uma trajetória que nos orgulhava a todos, seus filhos, netos, bisnetos e trinetos.

E aqui chego ao ponto que me inspirou esta crônica. Como empregar a longevidade, a vida extra que nos acrescentarem? Só tenho uma resposta: dividindo fraternidade e amor com todos os que nos acompanharam.

sábado, 18 de junho de 2011



19 de junho de 2011 | N° 16734
MARTHA MEDEIROS


A viagem dentro da viagem

Só mesmo se afastando da rotina para estabelecer uma intimidade menos invasiva e mais calorosa. Viagens propiciam isso

Quem acompanha meus textos sabe que estive em Tóquio algumas semanas atrás, e antes disso fiz um pit-stop em Honolulu, no Havaí. Foi vertiginoso: do clima paradisíaco e tropical da ilha americana, caí direto num cenário de Blade Runner, tudo no curto espaço de 15 dias.

No entanto, a cereja do bolo não foi uma coisa nem outra. É bem verdade que sou fascinada pelo mar e ter alugado um jipe para percorrer toda a ilha de Oahu entrou para meu compacto dos melhores momentos, assim como meu lado urbanoide ficou plenamente satisfeito com a eletrizante capital japonesa, em especial com o bairro de Shibuya, mas o entusiasmo não ofuscou minha consciência de que o mundo está se transformando num grande parque temático.

A globalização vem coisificando as grandes cidades, de forma que nada é muito surpreendente. Tudo que existe num lugar existe em outro. Ocidente e Oriente deixaram de ser polos tão opostos. Estando no modo “turista”, a programação se reduz ao que comer, o que comprar e a atrações turísticas obrigatórias. Talvez por isso venho pensando em deixar pra lá os cartões-postais clássicos desse vasto mundo e me dedicar a rotas alternativas, viagens de carro, turismo ecológico... mas isso já é outro assunto. Voltemos à cereja do bolo.

O que mais curti nessa viagem foi a companhia que tive a meu lado: minha filha de 19 anos. É sempre uma aventura sair da mesmice cotidiana e enfrentar duas semanas de convivência ininterrupta, compartilhando quarto, refeições, imprevistos, silêncios e blablablás. Sempre nos demos bem, mas família é família. Sobreviveríamos sem sequelas?

Deixei meu lado mãe em casa. Quem viajou com ela foi uma parceira de sonho. O Japão nunca fez parte dos meus anseios turísticos, mas tendo uma filha tão conhecedora de sua cultura, tão empolgada com sua música, com amigos que lá viviam e sabendo se comunicar em japonês, não tive escolha, ou melhor, tive: escolhi deixar de ser o general da banda e ceder o protagonismo da viagem àquela menina audaciosa que me orientava pelas ruas, que comprava os tíquetes de metrô, falava com os motoristas de táxi, me explicava o cardápio, ria do meu completo estrangeirismo e tirava as melhores fotos. Foi ela quem me levou, e não eu a ela.

Só mesmo se afastando da rotina para estabelecer uma intimidade menos invasiva e mais calorosa. Viagens propiciam isso, uma quebra de hierarquia e uma democrática união diante do desconhecimento mútuo.

O melhor de tudo não foi o mar verde-esmeralda da praia de Waikiki nem os painéis luminosos da noite de Tóquio, mas a descoberta de que a passagem do tempo pode ser muito gratificante. Ela, que tinha 19, hoje faz 20, e segue meu sol nascente.


18 de junho de 2011 | N° 16733
NILSON SOUZA


O brinquedo do Papai Noel

Domingo, Dia dos Namorados, aquele friozinho energizante do nosso pré-inverno: encontro Papai e Mamãe Noel no caminho do pôr do sol. Não estou fantasiando, eles existem mesmo. São meus vizinhos. O homem de longas barbas brancas chama-se Laércio. No dia a dia, é o pacato avô da Mauana, amiguinha da minha afilhada. Nos finais de ano, atua como Papai Noel num movimentado shopping da Capital. Mas, mesmo fora da temporada, não desencarna totalmente de seu personagem.

Dia desses, escrevi um texto mais poético e recebi um surpreendente telefonema já nas primeiras horas da manhã. Do outro lado, uma voz de trovão me advertiu:

– Serei rápido porque estou falando do Polo Norte...

Claro que pensei tratar-se de um trote. Mas não. O homem me cumprimentou pela crônica, brincou com a minha surpresa e só então identificou-se:

– Aqui é o Papai Noel, teu vizinho.

Passei o dia alegre com aquele presente inesperado do Bom Velhinho. Um elogio matinal levanta qualquer astral.

Pois bem, mas no domingo passado era ele quem parecia feliz. De longe percebi que carregava um objeto pendurado no pescoço. Era um binóculo. Ao aproximar-se, levou o brinquedinho aos olhos e novamente brincou comigo:

– Não chegue tão perto...

Foi a primeira vez que vi Papai Noel curtindo o seu próprio brinquedo, ele, que passa os dezembros distribuindo pirulitos e histórias para a criançada. Não sei aonde ia com aquele binóculo pendurado no peito. Talvez fosse observar seus duendes, que, segundo a lenda, passam o ano confeccionando carrinhos e bonecas para a garotada. Antes, recolhiam também as cartinhas com pedidos. Agora certamente se valem da internet para se comunicar com o público infantil.

Voltando à realidade, acho que Mamãe Noel nem percebeu a troca de sorrisos entre os dois vizinhos barbudos. Estava entretida falando ao celular – possivelmente também um presente daquele Dia dos Namorados cheio de fantasia.

Pude observar, porém, que falava sem pressa, embora aquele domingo frio e a cena inusitada do casal mitológico lembrassem mesmo o Polo Norte.

Ruth de Aquino

A calcinha da Luluzinha

República do salto alto, da saia justa, do gineceu. Bobagem! Homem ou mulher, quem comanda precisa é ser competente e honesto

O foco malicioso na calcinha branca de Gleisi foi o clímax de uma semana de besteirol político. O frenesi pró e contra as mulheres no poder empobreceu o debate de ideias do regoverno Dilma. Nunca li tanta bobagem sobre a decisão de um(a) presidente. República da Luluzinha. Do salto alto. Da saia justa.

No Planalto do gineceu, agora, só se contrata quem usa saia. Dilma voltou a usar terninho. Gleisi é normalista com nariz arrebitado. Ideli gosta de cantar e ama sargento triatleta 12 anos mais novo. São duras, mas são mães.

Elas gostam de mandar (é mesmo?). São tratores (é ruim?). Briguentas mas doces. E por aí vai. Gastou-se o verbo para analisar algo que não é substantivo. Não tem a menor importância se quem comanda é homem ou mulher. Precisa ser competente e honesto. Duas qualidades raras em Brasília. Qualquer que seja o sexo.

Uma jornalista escreveu que, “como mulher”, se orgulha de ver três mulheres no poder – mas desconfia que não vai dar certo porque nenhuma delas tem experiência. Elas não passam de “umas coadjuvantes”. Normal, não? Nos jornais diários e nas empresas, mulheres costumam ser coadjuvantes.

Os homens fizeram gozações de botequim sobre o triunvirato feminino. E pontificaram: o matriarcado é alto risco. Como se o patriarcado tivesse resolvido nossas mazelas de corrupção e falta de compromisso com o bem público e o futuro do país.

Abomino cotas sexuais ou raciais. Não acredito que Dilma tenha chamado Gleisi e Ideli por serem mulheres. Lula não chamou Zé Dirceu, Gushiken e Palocci por serem homens. Foram atrás de confiança. Torpedeada, Dilma nomeou fiéis escudeiras. Lula também, mas precisou se livrar dos amigões do peito.

Dilma, antes mesmo de assumir, abriu mão de Erenice. Todos os companheiros foram derrubados por acusações de desvio de verba pública e abuso de poder.

Não consigo engolir Ideli. Exatamente por representar a política de sempre no Brasil, o fisiologismo que é coisa nossa no Congresso. Não confio em Ideli por ter defendido Renan Calheiros e Sarney. Por prometer cargos e fundos para aplacar a oposição (o PT e o PMDB). O fato de ser vaidosa não influencia em nada meu julgamento.

É mau sinal que a própria Ideli, acusada de arrogante, caia na esparrela de prometer “uma operação limpa prateleira, coisa de mulher” e afirmar que nenhuma das três perderá “o lado mãezona”. Vamos trabalhar, minha gente varonil.

Não tem importância se quem comanda é homem ou mulher – precisa é ser competente e honesto

Há uns 15 anos, uma juíza rigorosa e irônica, minha amiga, comentou que só poderíamos comemorar a igualdade entre os sexos “quando as mulheres incompetentes também fossem promovidas, e não apenas as mulheres três vezes mais competentes”. Espero que não seja o caso porque torço pelo Brasil, pelas reformas, pela estabilidade.

E acho um nojo essas disputas palacianas que visam apenas ao bem-estar dos políticos. Não passam de chantagens. Ideli já foi avisada. Se os pedidos de grana não forem atendidos, o governo vai sofrer novas derrotas em votações no Congresso. É o bolso, e não a consciência, que está em jogo.

Criticar as três por não serem políticas profissionais demonstra certa condescendência com o estado de coisas. Estamos todos satisfeitos com o exercício convencional da política em Brasília? O toma lá dá cá. As conspirações, os desmandos e as infidelidades partidárias. A República das gravatas listradas ou vermelhas.

Dos mocassins. Dos ternos apertados nas barrigas estufadas. Do suor. Dos cabelos precocemente acajus. Das amantes e filhos bastardos. Dos casados com moças que poderiam ser suas netas. Mas, pensando bem, seria ridículo criticar o vice-presidente e os congressistas apenas por serem homens.

Me cansa esse discurso viciado de que a presidente e as ministras, “apesar de mulheres, têm fogo nas ventas”. É clichê demais. Não me orgulho porque temos três mulheres no poder. Minha torcida é pelo Brasil. Nomear uma ministra só por ser mulher é muita tolice. Menosprezá-la só por ser mulher é mais tolice ainda. É fraqueza. Não faz jus a machos e fêmeas minimamente inteligentes.

quarta-feira, 15 de junho de 2011



15 de junho de 2011 | N° 16730
MARTHA MEDEIROS


Interativos demais

Antigamente, os escritores eram admirados apenas pelo que publicavam em livros e revistas. Quando algum leitor gostava muito do que havia lido e queria compartilhar com alguém, dava o livro de presente ou emprestava o seu. O conteúdo mantinha-se preservado, assim como seu autor.

Ninguém divulgava um texto de Somerset Maugham como sendo de Virginia Woolf, ninguém infiltrava parágrafos do Rubem Braga num texto do Sartre, ninguém criava novos finais para os poemas de Cecília Meireles. O escritor e sua obra eram respeitados, e os leitores podiam confiar no que estavam consumindo.

Além disso, artistas de cinema, músicos e esportistas eram mitos a cuja intimidade não se tinha acesso. Marilyn Monroe, Frank Sinatra e Pelé entregavam ao público o que prometiam – sua arte – e o resto era especulação. Mais tarde pipocavam biografias, saciando a curiosidade do público, mas o legado desses ícones manteve-se para sempre incorruptível: eram os donos legítimos de sua imagem, de sua voz e de suas palavras.

Era uma época em que aceitávamos pacificamente nossa condição de plateia, até que se inventou o conceito de interatividade e as ferramentas para exercê-la. Por um lado, a sociedade ficou mais democrática, todos passaram a ser ouvidos, diminuiu-se a distância entre patrões e empregados, produtores e consumidores: as relações ficaram mais funcionais.

Mas o mau uso dessas ferramentas provoca muita maledicência. Hoje não se consegue mais ter controle sobre a própria carreira. Um artista de televisão diz oi para uma amiga na rua e na manhã seguinte correm notícias de que estão de casamento marcado.

Uma cantora cancela um show porque está afônica e logo surge o boato de que tentou suicídio. Um escritor publica um texto no jornal e três segundos depois o mesmo texto está na internet, atribuído a Toulouse-Lautrec.

E no nosso cotidiano acontece algo similar. Fofocas se disseminam no Facebook, vídeos íntimos são divulgados no YouTube, fotos de modelos vão parar em catálogos de prostituição internacional e, com isso, a credibilidade foi para o espaço.

Ninguém mais confia totalmente no que vê ou lê, e nem se importa. Informações são inventadas, adulteradas, inexatas porque, por trás das telas dos computadores, há muita gente querendo ter seu dia de autor, mesmo que autor de uma mentira.

Sinto nostalgia pelo tempo em que éramos seduzidos de frente, não pelas costas. Não se sabia toda a verdade sobre nossos ídolos, mas o mistério era justamente a melhor parte.

Sentíamo-nos honrados por sermos receptores apenas do que eles tinham de melhor, o seu talento. Hoje, não só engolimos qualquer factoide, qualquer manipulação, como também a produzimos. A invencionice suplantou a arte.

Uma excelente quarta-feira para você. Aproveite o dia.

terça-feira, 14 de junho de 2011



14 de junho de 2011 | N° 16729
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Férias de inverno

Por esta época, quando eu era adolescente, começava a doce expectativa das férias de inverno em Cachoeira. O mês de julho passado em minha terra ficou-me como umas das mais belas memórias de minha vida. Durante 31 dias eu não tinha outra preocupação que a de ser feliz.

E era. Tinha um sabor especial o reencontro com as amigas e os amigos. Mas o mais sedutor era o festival de reuniões dançantes, aniversários de 15 anos boates e bailes nos clubes. Ali floresciam amizades e namoros com vocação para durar toda a vida.

Lembro de um desses aniversários que foi celebrado numa fazenda, e no qual se dispôs um estrado de madeira por sobre a campina, onde os pares evoluíam, enamorados. Recordo de outro, na Casa das Araras, do qual conservo fotos até hoje.

Drogas? Nem pensar. O máximo que se permitia era uma cuba libre. Aliás, nem precisávamos de algum combustível extra, éramos movidos a amizade e amor. Esperar a chegada do carteiro era todo um exercício de impaciência, temperado de ternura e de curiosidade quando tínhamos o envelope fechado na mão.

Uma vez, minha namorada de Porto Alegre foi passar as férias em Cachoeira. Era uma garota extraordinariamente bela, e evoco aqui a tarde em que nos encontramos em um banco da Praça José Bonifácio. Mão nas mãos, olhos nos olhos, nunca nos sentimos mais próximos.

Era um momento excepcional vê-la assim tão linda, ao meu lado, sob as velhas árvores, ao fundo o céu multicolorido de minha terra, azul e rosa e brilhante na hora do crepúsculo. Depois nossos caminhos tomaram outros rumos.

Mas essa deusa não foi a única. Inconstante, tive muitas amadas. Volta-me ao pensamento uma garota de magníficos olhos azuis, a quem eu acompanhava até em casa depois de nos encontrarmos no Clube Comercial.

Não éramos namorados oficiais, mas eu tomava sua mão e navegávamos pela neblina, até que eu a depositasse sã e salva no palacete em que ela morava, no Bairro Rio Branco.

Nunca mais a revi. Nunca mais tornei a ser o adolescente que fui num tempo mágico de minha vida.

sábado, 11 de junho de 2011



12 de junho de 2011 | N° 16727
MARTHA MEDEIROS


Apesar de

Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele, e de também criticar o seu guarda-roupa (onde é que você desencavou esta calça amarela?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém.

Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada.

Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.

Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários.

E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca.

O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lumpur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes?

O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida.

E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada.

Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio.

Mas se adoram, apesar de.

Um lindo domingo para você. Feliz Dia dos namorados.


12 de junho de 2011 | N° 16727
MARTHA MEDEIROS


Apesar de

Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele, e de também criticar o seu guarda-roupa (onde é que você desencavou esta calça amarela?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém.

Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada.

Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.

Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários.

E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca.

O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lumpur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes?

O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida.

E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada.

Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio.

Mas se adoram, apesar de.

Um lindo domingo para você. Feliz Dia dos namorados.


12 de junho de 2011 | N° 16727
MARTHA MEDEIROS


Apesar de

Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele, e de também criticar o seu guarda-roupa (onde é que você desencavou esta calça amarela?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém.

Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada.

Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.

Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários.

E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca.

O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lumpur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes?

O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida.

E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada.

Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio.

Mas se adoram, apesar de.

Um lindo domingo para você. Feliz Dia dos namorados.


12 de junho de 2011 | N° 16727
MARTHA MEDEIROS


Apesar de

Apesar de ela sempre reclamar do corte de cabelo dele, e de também criticar o seu guarda-roupa (onde é que você desencavou esta calça amarela?), ele segue adorando esta ranzinza porque ninguém sabe, como ela, fazê-lo se sentir tão imprescindível na vida de alguém.

Apesar de ele nunca querer sair com os amigos dela e implicar com o jeito que ela dirige, ela não o abandona nem sob decreto, porque ninguém, como ele, sabe fazê-la se sentir tão desejada.

Não lembro quem disse que a gente gosta de uma pessoa não por causa de, mas apesar de. Gostar do que é gostável é fácil: gentileza, bom humor, inteligência, simpatia, tudo isso a gente tem em estoque na hora em que conhece uma pessoa e resolve conquistá-la.

Os defeitos ficam guardadinhos nos primeiros dias e só então, com a convivência, vão saindo do esconderijo e revelando-se no dia a dia. Você então descobre que ele não é apenas gentil e doce, mas também um tremendo casca-grossa quando trata os próprios funcionários.

E ela não é apenas segura e determinada, mas uma chorona que passa 20 dias por mês com TPM. E que ele ronca, e que ela diz palavrão demais, e que ele é supersticioso por bobagens, e que ela enjoa na estrada, e que ele não gosta de criança, e que ela não gosta de cachorro, e agora? Agora convoquem o amor pra resolver esta encrenca.

O par ideal não existe. Esta tal de alma gêmea é uma invenção que colou não sei como, porque é só pensar um pouco pra ver que não faz sentido: seria uma sorte excepcional sua alma gêmea morar na mesma cidade, frequentar o mesmo clube e o mesmo bairro que você. Sua alma gêmea pode muito bem viver em Kuala Lumpur ou em Helsinque, como é que você foi cair nos braços do primeiro candidato ao posto sem dar um giro pelo mundo antes?

O que existe é uma necessidade de extravasar nossos sentimentos mais nobres, uma vontade maluca de pertencer emocionalmente a alguém. Existe um sexto sentido que nos conduz em direção a uma determinada pessoa, existe uma vontade de estar junto, de trazê-la para o nosso mundo e também de entrar no mundo dela, existe uma aversão à solidão que nos impulsiona para o desconhecido – ou para a desconhecida.

E estes seres estranhos são gentis, bem-humorados, inteligentes, simpáticos, e o que mais? Ele deixa a casa esculhambada, ela é péssima cozinheira. Ele é pão-duro, ela gasta insanamente. Ele se irrita quando seu time perde, ela desmorona quando é criticada.

Ele tem medo de altura, ela tem medo de tempestade. Ele chega atrasado, ela nunca está pronta. Ele é muito distraído, ela é muito ciumenta. Ele não gosta de sair, ela não gosta de ler. Ele dorme tarde, ela tem insônia. Ele é gremista doente, ela nem sabe o que é um escanteio.

Mas se adoram, apesar de.

Um lindo domingo para você. Feliz Dia dos namorados.


11 de junho de 2011 | N° 16726
NILSON SOUZA


De passagem

Das minhas andanças matinais.

Passam dois ciclistas paramentados, luvas, capacetes, camisas e bermudas coloridas, bicicletas incrementadas. Pedalam devagar e conversam animadamente:

– Depois que a gente se vicia em endorfina, não tem, né? – diz um deles, entusiasmado.

– É muito bom... – concorda o outro.

No banco da praça, o velhinho que prepara um cigarro de palha capta o fragmento de conversa, me lança um olhar de cumplicidade e exclama:

– Desavergonhados!

Também sobre duas rodas, pai e filho passeiam no calçadão. O homem em silêncio, possivelmente para poupar o fôlego. O menino, acomodado numa confortável cadeirinha, disparando perguntas:

– Pai, o que quer dizer “relação”?

Antes que eles se afastassem, só ouvi o homem responder “ahn?”. Certamente tentava ganhar tempo.

Vestidas de preto, com roupas apropriadamente folgadas, as duas jovens senhoras andam no mesmo ritmo, um tanto lento para a minha passada. Antes de deixá-las para trás, ouço a mais gordinha desabafar:

– Todo ser humano tem um vazio interior...

Não sei se falavam de filosofia ou de dieta.

Dois garotos de aproximadamente 10 anos deslizam na calçada sobre seus brinquedos de rodas. Um deles para, pisa com força na ponta da tábua e faz o objeto dar piruetas no ar, antes de apará-lo com uma das mãos. Olha para o outro e diz:

– Esse cheipe não tá legal.

Só não fiquei devendo essa porque outro dia meu sobrinho da mesma idade deles me ensinou o que é shape.

Um grupo de homens grisalhos discute acaloradamente numa área mais espaçosa do calçadão. Nem preciso ouvir para saber que estão falando de futebol. Quando passo por perto, percebo que o mais loquaz fala por todos:

– Com esse frio? Vou ver na tevê, pois no campo não dá para ver direito.

Disso sei bem, depois de tantos anos de cobertura esportiva. No estádio não tem replay.

Pego uma rua lateral, já no caminho de casa, e encontro a carroça do verdureiro. O homem faz um ruído incompreensível com a boca e seu veículo para diante da casa de um possível cliente. Um menino que estava no portão corre para a porta da casa e grita:

– Mãe, o cavalo que vende laranja taí.

quarta-feira, 8 de junho de 2011



08 de junho de 2011 | N° 16724
MARTHA MEDEIROS


Quebrando o Tabu

Não assisti ao documentário Quebrando o Tabu, mas pretendo fazê-lo o mais breve possível, já que discute um assunto que interessa a todos: o combate às drogas. Ainda não tenho opinião fechada a respeito.

Simpatizo com a descriminalização (que de certa forma já está em curso: os usuários não são mais presos), mas tenho dúvidas quanto a liberar o comércio da maconha. Havendo rigor na regulamentação do uso (zero propaganda, nenhuma glamorização, rígida restrição aos locais de consumo, apreensão definitiva da carteira de motorista para quem for pego dirigindo sob efeito da droga etc.), a liberação poderia até ser benéfica, uma vez que afastaria o usuário do traficante e desaqueceria o mercado ilegal.

Por outro lado, não se pode prever as consequências quanto ao incremento do hábito junto àqueles que ainda não o possuem: o fato de não ser mais proibido atrairia novos adeptos? Desconfio que não com significância, mas vá saber.

É um assunto ainda muito movediço.

O que se sabe é que proibir não inibe o consumo e que o tráfico é responsável pela criminalidade assombrosa do país. E assim continuará enquanto não se enfrentar o tema com objetividade, sem dar espaço para preconceitos ou alarmismos.

Na falta de um consenso, só nos resta seguir chamando a atenção de nossos adolescentes para o tamanho do estrago que a droga pode provocar. Enquanto estive em férias, aconteceu um crime estúpido no litoral do Estado, provocado pela passionalidade do assassino, mas em que a droga teve um protagonismo evidente. Quem era o cara? Visto de fora, tudo o que um garoto deseja ser: bonito, esportista, rico, valentão. Mas de forte não tinha nada, ou teria sabido conduzir a vida de forma mais saudável e inteligente.

O surfe é o esporte fetiche de uma garotada que tem ao seu dispor, só aqui no Brasil, uma orla de cerca de 8 mil quilômetros de extensão. Praia, mar, ondas, meninas bonitas em volta, tudo faz parte de uma grande fantasia, mas o luau parece incompleto se não rolar um baseado para coroar o clima havaiano. É preciso acabar com essa caricatura. Uns conseguem fumar seus baseados na adolescência e depois fazer o rito de passagem para a vida adulta sem levar adiante o hábito, ou levando-o sob total controle.

Outros não conseguem, não têm esse autodomínio e colocam tudo a perder. São pessoas com um profundo vazio existencial que precisam de uma bengala a vida inteira, e uma bengala cada vez mais potente para lhes suportar o peso.

Migram para drogas mais corrosivas e aí, um dia, com o cérebro carcomido, cometem barbaridades. Que se aproveite essa tragédia lamentável que aconteceu num universo tão aparentemente sadio e tão idealizado para que se caia na real. Por enquanto, a única maneira concreta de combater as drogas é não usá-las.

terça-feira, 7 de junho de 2011



07 de junho de 2011 | N° 16723
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Falou e disse

Já tratei do tema, mas é tão importante que torno a ele. As Páginas Amarelas da Veja de primeiro de junho trazem uma entrevista com Evanildo Bechara, doutor em Letras e um dos mais respeitados gramáticos da língua portuguesa.

É esse professor internacional, membro da Academia Brasileira de Letras, quem diz que a nossa norma culta reúne infinitamente mais qualidades e valores que o linguajar popular.

Num país em que o próprio Ministério da Educação distribuiu às escolas 500 mil livros com pérolas como “nós pega o peixe”, é bom recordar que quanto mais a norma culta é praticada, mais esse idioma e sua gramática evoluem. Como lembra Bechara, qualquer pessoa, dotada de mínima inteligência, sabe que precisa aprender a norma culta para almejar melhores oportunidades.

Mas o que houve no Brasil, para que se gastem milhões de reais para difundir uma forma indigente da inculta e bela com o dinheiro de nossos impostos?

O entrevistado ajuda a entender. O ensino de português – aponta ele – é deficiente nas escolas. Uma das razões recai sobre o evidente despreparo dos professores. É espantoso, mas, muitas vezes, antes de lecionarem a língua, eles não aprenderam o suficiente sobre a gramática. Além disso, não detêm uma cultura geral muito ampla nem tampouco continuam a ler os grandes autores, como faziam os antigos mestres.

Sou testemunha desse preparo. No velho Colégio Anchieta, os professores se empenhavam em nos passar os traços de uma cultura universal. Estudávamos, no I Clássico, cinco idiomas: português, latim, francês, espanhol e inglês.

Não é só: filosofia era uma disciplina obrigatória, assim como sociologia, história e geografia, sem esquecer química, física ou matemática. Isso nos dava o que então se chamava cosmovisão. Mas nada disso interferia no aprendizado da gramática.

Às vezes era difícil encarar umas estrofes de Camões. Mas nada nos intimidava. Ao contrário: aprendi a apreciar trechos de Os Lusíadas, como o episódio de Inês de Castro. Mas toda a minha inclinação ia para a Lírica, em determinados sonetos o ponto alto do idioma em que navego.

Evanildo Bechara sustenta que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores. É a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências. Falou e disse.

domingo, 5 de junho de 2011


DANUZA LEÃO

Um punhado de vergonhas

Chantagear lembrando que tem na mão diamante de 20 milhões foi a coisa mais vergonhosa que ouvi falar

O NOTICIÁRIO está riquíssimo, cheio de assuntos palpitantes. Se a atuação dos políticos tirasse notas, estariam reprovados Palocci, José Sarney, Fernando Haddad e Garotinho -isso porque não estou aprofundando o assunto.

O problema é a reincidência; tem alguma coisa pior do que o que fez Palocci no episódio mensalão, com o caseiro Francenildo?

Do ponto de vista moral, um ministro usar seu poder para abrir a conta de um homem modesto é mais grave do que fazer lobby e ganhar tanto dinheiro em quatro anos.

Francamente, não sei qual foi pior, mas não vamos nos esquecer que, quando o sigilo do caseiro foi aberto por ordem de Palocci -com a desculpa de um depósito atípico-, em 24 horas Francenildo se explicou e mostrou que não tinha culpa em nenhum cartório.

O ministro pediu demissão, mas voltou, com aquela cara de santo.

Vamos agora a José Sarney, que nem Sarney é, seu nome é Ribamar; o Estado que ele comanda, o Maranhão, é o mais pobre do Brasil, e o senador já deveria estar aposentado há séculos, por amor ao Brasil.

Então o episódio Collor foi um "acidente" que não deveria ter acontecido? E a culpa, segundo ele, é dos funcionários do Senado, que escolheram os fatos que fariam parte do "Túnel do Tempo"?

Sobre Garotinho, não há muito a dizer; ele sempre foi o que pode haver de pior na vida pública, e o Rio de Janeiro não merecia ter sido governado por ele e por sua mulher, Rosinha. Chantagear a presidente lembrando que tem na mão um diamante de 20 milhões foi a coisa mais vergonhosa de que jamais ouvi falar -e Dilma quieta.

Agora, o capítulo Fernando Haddad. Eu queria que alguém me explicasse o que é Fernando Haddad, e por que razão ele é ministro da Educação.

Toda vez que ele aparece, é para se explicar: ou porque na prova do Enem aconteceu algum erro -em quase todas acontece, aliás-, as cores da impressão saíram erradas, os estudantes poderão - ou não- fazer uma segunda prova, ou o livro do "nós pesca" deu uma confusão; se quem redigiu o "nós pesca" queria dizer aos professores que, se chegassem ao colégio crianças falando errado, deveriam agir com calma e paciência para não espantar os alunos, e não ir logo corrigindo, então redigiu mal.

Fernando Haddad, que é o responsável, não viu, e acha melhor Stálin do que Hitler, porque sabia ler, ou era Hitler que era melhor? Francamente.

Quanto aos vídeos sobre a homofobia, cheguei a vê-los, e são francamente péssimos; mas Fernando Haddad, que é o responsável, não viu, e se viu, não notou que eram péssimos.

Como dizem que uma foto diz mais do que mil palavras, destaque para Lula, rodeado por seus aliados -de Sarney a Marta Suplicy, todos rindo como se fossem um punhado de misses; já a de Dilma com Michel Temer foi aquele desastre.

E os novos Estados do Tapajós e Carajás vão ter deputados e senadores também?

Cheguei a pensar que Dilma talvez fosse diferente; agora, querem o esquecimento dos escândalos, lançando um plano de Brasil sem miséria.

E Erenice, de quem nunca mais se falou? E quem matou Celso Daniel?

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 4 de junho de 2011



05 de junho de 2011 | N° 16721
MARTHA MEDEIROS


Tóquio fashion week

Muita coisa mudou desde os tempos das cavernas. Do uso de peles de animais para nos abrigar do frio (que hoje quase dá cadeia), passamos para o consumo de grifes que só mudam de logotipo, pois de resto oferecem basicamente a mesma coisa: calças, saias, camisas, casacos. É com esses itens que transformamos o ato de se vestir em um meio de expressão. Ao menos é assim que definimos o conceito de moda.

Pois se o que vestimos é um meio de expressão, os japoneses estão expressando o melhor da vida no seu jeito vale tudo de se produzir. Afora catástrofes naturais esporádicas, o cotidiano japonês é de uma retidão quase monótona, então o jeito é extravasar através do figurino.

A palavra ridículo não existe no glossário fashion de Tóquio. Classifique-os como divertidos, ousados, criativos. Estão todos dentro do mesmo espírito: o de não entediar os outros com um traje que nada inspire.

Uma garota passeando pela calçada é mais que uma garota, é um tratado sobre inventividade. Garotos, idem. A moda masculina é tão valorizada quanto a feminina, e não raro as duas se misturam: a androginia é um estilo levado a sério. É homem ou mulher? Não faz a menor diferença.

O tipo físico da japonesa favorece a elegância, esteja vestida como uma boneca ou como uma lady: quase todas são magras, possuem pernas finíssimas e não têm bunda. Podem não ser o sonho de consumo de homens que enaltecem protuberâncias e curvas, mas nós, familiarizadas com quadris largos, seios fartos, enfim, com as tais protuberâncias, sabemos como uma linha reta pode ajudar a compor um look.

O que elas usam, afinal? Nada que não conheçamos: meias três quartos, saias curtíssimas, saias longas, mangas com cavas quase no pulso e muito salto alto. Usam até galocha de salto alto. E a sobreposição de peças é obrigatória. Não existe saia-e-blusa, existem duas saias sobre legging e três camisas por cima de camiseta, muito enfeite no cabelo (que tem mais de uma cor) e maquiagem caprichada nos olhos: o rímel é o acessório indispensável do make.

Vi algumas aplicando curvex dentro do metrô, com o trem lotado, dá pra acreditar nessa façanha? Misturam renda, lurex, algodão, paetê e o resultado não é um bloco de Carnaval ambulante, e sim algo coeso que funciona, não me pergunte como.

Estou falando dos jovens, claro (a milenar Tóquio parece ter 15 anos), mas mesmo os mais maduros se vestem com despojamento, valorizando o toque pessoal – ah, e os quimonos não foram aposentados. Vale tudo é tudo mesmo, inclusive o 100% tradicional. Raro é ver por lá o 100% óbvio.

Aqui no sul, longe da irreverência dos trópicos (que é onde a moda brasileira se destaca mais), ainda seguimos dicas de revistas e não os próprios impulsos. Nosso “meio de expressão” expressa uma certa preocupação com o olhar do outro, e não com nosso olhar interno.

Acabamos nos uniformizando em prol do bom gosto, sem correr riscos. Não erramos, mas tampouco nos divertimos com o que usamos. Aqui o conceito do ridículo segue firme e forte.

Cada lugar com suas regras, seus códigos. Corremos risco no trânsito, corremos risco ao sair à noite, corremos risco ao deixar uma bolsa pendurada no espaldar da cadeira, vão querer que corramos risco ao nos vestirmos também?

Os japoneses, campeões em compostura moral, ética e social, só correm riscos em frente ao espelho – seja o que Buda quiser! E o que ele quer é que todos sejam livres de condicionamentos e atinjam o Nirvana, nem que seja combinando minissaia de tule com meia arrastão e tênis rosa-choque.


04 de junho de 2011 | N° 16720
NILSON SOUZA


Preconceito linguístico

Acho que desde os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, não se via uma polêmica tão grande em torno de um livro – e ironicamente no momento em que esses objetos de papel também vêm sendo condenados à morte pelos fundamentalistas da tecnologia.

Refiro-me ao igualmente satanizado Por uma Vida Melhor, distribuído à rede pública de ensino com a chancela do Ministério da Educação. No capítulo intitulado “Falar é diferente de escrever”, o autor sugere que a frase “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” pode ser pronunciada sem problemas, desde que o dono da palavra fique atento, porque corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico.

Como assim, preconceito linguístico? Também me doeu esta acusação. Num primeiro momento, achei que o livro estava defendendo o analfabetismo e se vacinando contra possíveis críticas. Depois, ouvi com atenção a defesa que o ministro da Educação fez do livro e fui olhar mais de perto.

Li o capítulo da controvérsia e não percebi qualquer atentado ao bom senso, a não ser a referida rotulação. Sempre os outros é que são preconceituosos. Mas o livro não desmerece o ensino formal. Até recomenda ao usuário que leia e pratique a escrita, como fazem todos os bons livros didáticos.

Há, porém, um visível ranço ideológico nas entrelinhas. É classe dominante para cá, preconceito social para lá. O texto é um tanto panfletário, mas passaria despercebido se não viesse acompanhado da advertência: cuidado, você pode ser vítima de preconceito linguístico. Ou seja: passa a impressão de que quem fala e escreve de acordo com as regras gramaticais é também um potencial preconceituoso da língua.

Ainda assim, acho que o livro é útil. Não me agrada que seja recolhido, como sugerem algumas autoridades. A censura sempre leva implícita uma mensagem de desconsideração a quem alega proteger. Professores e alunos têm todo o direito de examinar o livro, discutir a sua proposta e escolher o ensinamento que devem tirar dela. Não é um livro perigoso, como alguns críticos apressados rotularam. É apenas provocativo.

Sobre polêmicas gramaticais, o sempre genial Luis Fernando Verissimo foi definitivo no seu Gigolô das Palavras: “Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar”.

Também acho. E encerro fazendo um trocadilho do trocadilho: falar errado pode parecer certo, mas está errado, certo?

quarta-feira, 1 de junho de 2011



01 de junho de 2011 | N° 16717
MARTHA MEDEIROS


Um pulo até o Japão

Quando comentei com amigos que iria ao Japão, alguns duvidaram da minha sanidade, mas fui e voltei ilesa. Os tremores de solo foram poucos e a radiação não atormentou meu sono. Não sou de me impressionar facilmente, ainda que o Japão o tenha conseguido, mas por outros motivos.

Ninguém fala inglês, nem mesmo a meia dúzia que acredita que fala. Então, o jeito é levar uma dose extra de bom humor e alguma noção de mímica. E, se possível, levar também uma filha que arranhe o idioma japonês. Julia foi minha tradutora, intérprete, guia e mentora espiritual. Sem ela, eu não teria saído até hoje da estação de metrô Shinjuku, a mais movimentada do mundo, onde circulam cerca de 2 milhões de pessoas por dia.

Tudo é mega em Tóquio, e isso incluiu a disciplina, o respeito e a eficiência. Ninguém atravessa a rua fora da faixa de pedestre e todos aguardam o sinal abrir mesmo que Buda em pessoa venha dizer que nenhum carro surgirá em menos de meia hora. Não importa: espera-se. Tóquio, a capital mais eletrizante do planeta, calmamente aguarda a sua vez.

Há filas para tudo. Quase entrei em uma para ver um panda gigante no maior parque da cidade, mas preferi dedicar meu olhar aos magníficos templos que servem como oásis em meio ao futurismo da cidade. Vi prédios que desafiam a arquitetura convencional e constatei que mega é também a gentileza das pessoas. É o que há de maior em Tóquio: a educação.

O fato de eles entregarem o troco, devolverem seu cartão de crédito ou alcançarem qualquer coisa sempre com as duas mãos é de uma cordialidade comovente. Repare bem: usar as duas mãos é uma reverência, não uma banalidade. Um pequeno hábito que conceitua a mentalidade de uma nação.

Com mais de 30 milhões de habitantes, Tóquio é uma metrópole silenciosa, onde a pressa convive harmoniosamente com a paciência. Não ser um povo fominha é o que os torna tão avançados.

Claro que tudo que é muito contido fica devendo em vibração: minha filha foi a três shows de rock e estranhou a plateia ser também tão disciplinada. As pessoas ficam em pé na pista sem tocarem uma nas outras, respeitando uma distância protocolar, e as reações de entusiasmo são praticamente cronometradas pela banda, não se dá um único u-hu fora de hora. Japas não são barulhentos nem quando deveriam.

Até pensei em ir com ela, mas preferi dedicar meu tempo aos pagodes.

Foi uma viagem transcendental. Voltei devota de tudo o que eu temia não existir mais: o sorriso fácil, a consciência de que o coletivo só funciona quando cada um faz sua parte e a delicadeza como forma permanente de tratamento. O Japão está distante de nós não só por questões geográficas e de fuso. Está bem mais do que 12 horas a nossa frente. Está anos-luz à frente.

Uma ótima quarta-feira para você