sábado, 30 de março de 2013


My Choice - Richard Abel: Valses Charmantes

CASAS Hermosas - Richard abel barcarolle enricoac6

Thème musical - Richard Abel Cercle de Vie

Richard Abel - Automn Butterflies


31 de março de 2013 | N° 17388
MARTHA MEDEIROS

Na parede

Existem diversas maneiras de se conhecer uma pessoa, não só através do que ela diz, mas também através de seus gostos, atitudes, preferências, escolhas. Por exemplo, uma das maneiras de sermos traduzidos é avaliarem o que penduramos na parede. O que as suas paredes revelam sobre você?

Lembro do quarto da minha infância. Na parede atrás da cama havia o quadro de uma menininha de tranças, com as palmas das mãos unidas, rezando ao lado do seu gatinho. Não era escolha minha, mas eu não desgostava, era uma imagem que me transmitia conforto e segurança. Aí veio a adolescência, e a menininha rezando foi trocada por um pôster do David Cassidy. Começava ali a manifestação pessoal das minhas transformações internas.

Assim que minhas filhas tiveram seus próprios quartos, permiti que usassem as paredes como preferissem. A casa é dos pais, mas o quarto é território de livre expressão, onde seu ocupante começa a criar o quebra-cabeça da sua identidade.

Circulam por suas paredes cartazes de shows, fotos de amigos, desenhos de próprio punho, cartões-postais. Aliás, cartões-postais é uma paixão familiar: no meu escritório, emoldurei dezenas deles reunidos.

Nenhum com imagens de cidades, nada de paisagens convencionais – são cartões artísticos que trazem propagandas de filmes, fotos em preto e branco, estímulos visuais os mais variados. Cada um desses cartões reflete as coisas que amo: cinema, música, poesia, humor, erotismo, cotidiano. Um caleidoscópio estimulante e que me situa – olho para eles e me sinto em casa, mesmo.

Pessoas usam as paredes para pendurar calendários, relógios, fotos de família, espelhos, objetos trazidos de viagens, mandalas, telas de seus pintores preferidos, imagens ligadas ao esporte, tudo que traga substância e prazer para conduzir os dias.

Ou mantém as paredes nuas, que também é uma forma de expressão – o minimalismo comunica tanto quanto. A parede é o antepassado do Facebook, só que é uma página mais íntima e acolhedora: apenas têm acesso aqueles que fazem parte do nosso universo real, off-line.

Desperdício é quando a parede é utilizada com um fim apenas decorativo, sem nenhuma sintonia com os sentimentos e com a identidade do morador. O uso das paredes de forma protocolar, burocrática, torna a casa mais triste do que alegre, por total falta de inspiração do proprietário.

Use suas paredes. Troque as cores de vez em quando. Mude os quadros de lugar. Crie os seus. Invente moda. Acabo de encomendar com o superdiretor de arte Moisés Bettim uma tela que traz Woody Allen pintado ao estilo Andy Warhol – viva a pop art. Onde pendurarei?

Sei lá: na sala, no quarto, no banheiro, na cozinha, na sacada ou possivelmente no nicho que me serve de escritório – os cartões-postais hão de gostar da companhia. E a casa, preenchida de uma atmosfera tão diversa, habitada por tantos apelos e referências, ficará ainda mais parecida comigo.


RUTH DE AQUINO

O que os homens esperam das mulheres

"Talvez os homens sejam realmente mais básicos ou tenham expectativas mais reais. De minha parte, espero sobretudo que minha mulher me ame, seja companheira, leal, que me motive a andar para a frente, e que sejamos felizes juntos.”

Reproduzo acima o que ouvi de um amigo após a edição da revista ÉPOCA com um especial dedicado a 50 anos de feminismo. O título era “O que as mulheres esperam dos homens”. Em 1963, a mulher tentava escapar da armadilha de mãe doméstica, submissa e dependente, sem direito a divórcio. Era a pré-história da pílula anticoncepcional.

Hoje, meio século depois, me incomoda a maneira como meninas e meninos são educados pelas mães e pelos pais. A menina, desde que nasce, é “a princesinha”. Veste rosa, pinta as unhas e faz festa de castelo encantado. De tanto ouvir que é princesa, desejará um príncipe mais tarde. O menino é tratado como um super-herói, um durão. Seu nome raramente é falado no diminutivo em casa. Mimamos a “Flavinha” e estimulamos o “Paulão”. Por que a família e a escola perpetuam esses papéis e o desencontro na vida adulta?
Como o homem costuma falar menos e ocupa as posições de poder, a mídia relega os machos a um segundo plano. Isso até os favorece, porque não são tratados como um bloco homogêneo. Segundo estudos, a mulher fala 20 mil palavras por dia, e o homem 7 mil. O triplo, será? Para alguns especialistas em linguagem, isso não passa de mito. Se levarmos a generalização ao extremo, os assuntos favoritos costumam ser diferentes.

“Homem fala de futebol e mulher. Mulher fala, fala, fala...De empregada, filhos, sapatos, bolsas, cabelos, homens.” Esse é o comentário de um amigo poeta e provocador. Perguntei o que ele espera de uma mulher. “Que seja inteligente, sedutora, não fale muito e seja boa de cama.” Machista ou básico?

Também prefiro homens que não sejam tagarelas e apreciem a cama não só para dormir. Mulheres que se queixam de falta de preliminares devem perguntar-se: eu me debruço sobre o corpo de meu parceiro ou fico deitada aguardando carinhos? Mãos à obra, moças.
Tenho a impressão de que eles gostariam apenas que elas parassem de reclamar deles 

Reportagens sobre gêneros costumam concluir que “eles” estão confusos, perdidos e precisam de uma revolução, já que “elas” fizeram a sua. Será que os homens concordam? Duvido. Tenho a impressão, nada científica, de que os homens gostariam apenas que as mulheres parassem de reclamar deles o tempo todo. Ou reclamam deles ou da falta deles.

“As mulheres nunca parecem satisfeitas com nada. Se eles fazem o lanchinho do bebê, elas acham que não fazem direito. Se buscam o filho na escola, ah... por que não corrigiram o dever de casa? Uma lamúria sem fim”, disse uma amiga minha, mãe e profissional bem-sucedida, após ler ÉPOCA. “Acho as mulheres muito chatas. E os homens, à medida que vão se parecendo mais com as mulheres, ficam também cada vez mais chatos.”

Perguntei a um amigo, separado, pai de adolescentes e recém-casado novamente, como ele se sente. “De fato, é muito difícil ser esse macho ideal, que mata um leão por dia no trabalho e ainda precisa levá-la para jantar, cortejá-la, diverti-la e comê-la ardorosamente”.

O que a mulher espera de um homem mudou pouco. Encontrei, num mercado do Brooklyn, em Nova York, um cartão-postal de 1941 sobre “your ideal love mate” (seu amor ideal). A imagem é de um homem de cabelos bem cortados e gravata – bem parecido com o da capa de ÉPOCA. A descrição:

“O companheiro ideal é um homem com coração grande, caloroso. Impulsivo, mas com profundo senso de valores. Assume riscos, mas não riscos tolos. Encara suas responsabilidades sem hesitar, é honesto e gentil. Tem um talento real para aproveitar a vida e ajuda sua mulher a aproveitar a dela”. Esse perfil tem mais de 70 anos. Semelhante ao de agora?

O homem deseja o mesmo de sua mulher. Indagado sobre o segredo de 50 anos de casamento com a mesma mulher, tema de um de seus livros, o escritor americano Gay Talese respondeu: “Paciência e bom sexo”. Concordo. De ambos os lados. O ponto alto do especial de ÉPOCA é a entrevista com a socióloga americana Stephanie Coontz. O feminismo do século XXI é sobre defender pessoas e não gêneros. Há quem acredite na besteira de que o mundo é diferente quando dirigido por mulheres. Não sei onde.

A melhor pergunta hoje – especialmente quando vemos o mala do pastor Feliciano agarrado à função insustentável de defensor de direitos humanos – seria: “O que as pessoas esperam das pessoas?”. Que não sejam hipócritas é um bom começo.

sexta-feira, 29 de março de 2013


JAIME CIMENTI

Páscoa, Papa Francisco e o carisma de todos nós

Páscoa é momento de pensar em renascimento, em Jesus Cristo e em carisma, palavra que tem origem cristã e que depois passou a ser usada por todos. O Papa Francisco está encantando o mundo com sua simplicidade, seu sorriso e seu carisma. É legítimo esperar muito dele e do seu carisma, especialmente nós, latino-americanos, habitantes do fim do mundo, como ele mesmo disse, brincando, depois de ser escolhido Papa.

É bom que a gente o abençoe e passe carisma também como ele pediu. Semana passada, a revista Voto, dirigida pela jornalista Karim Miskulin que trata de política, cultura e negócios e tem como editora a Rosane Frigeri, promoveu um encontro com Germano Rigotto e Sérgio Zambiasi para falar sobre carisma.

Durante mais de duas horas, Rigotto, Zambiasi e os convidados conversaram, animada e profundamente, sobre o tema. Antigamente, carisma era considerado dom divino e graça concedida pelo Espírito Santo, depois passou a ser o conjunto de qualidades inerentes a um certo  tipo de líder e, finalmente, carisma hoje é aquela luz na testa, aquele brilho nos olhos e outros sinais que fazem qualquer pessoa se destacar e iluminar o ambiente.

São Francisco de Assis, considerado o homem do segundo milênio pela revista Time, Napoleão Bonaparte e Madre Teresa de Calcutá são considerados carismáticos do bem, enquanto que Hitler, por exemplo, seria carismático do mal. O fundamental é o uso do carisma para coisas boas, seja em casa, na política, no trabalho, onde for.

Mais importante é se dar conta de que todos nós temos a capacidade de, ao menos por alguns momentos e em alguns lugares, de sermos carismáticos. Carisma tem de ser democrático, universal e todo mundo deve ter direito a alguns minutos dele. Só os tais quinze minutos atuais de fama para cada um não bastam. Sempre é bom lembrar o que disse Madre Teresa: se te aproximas de alguém, é melhor sair do encontro melhor do que quando chegaste.

É isso. Bom aproveitar a Semana Santa para fazer reviver coisas, pessoas, ações, emoções e pensamentos. Bom pensar que todas as pessoas e formas de vida merecem respeito e carregam algum carisma, ainda que escondido, aguardando o momento para se revelar. O carisma do Papa Francisco vai ajudar o mundo, mas temos que fazer a nossa parte. Não pergunte o que o carisma pode fazer por ti, pergunte o que tu podes fazer por ele. Por aí. Feliz Páscoa!
Jaime Cimenti

FELLIZ PÁSCOA PRA VOCÊ

terça-feira, 26 de março de 2013


Ernesto Cortazar – Orchidea

Ernesto Cortazar - Dying of love

Ernesto Cortáza - La Vida Es Bella
Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a postagem.


26 de março de 2013 | N° 17383
FABRÍCIO CARPINEJAR

Ótimo

Eduardo está namorando há seis meses e ainda não conhecemos a felizarda.

Ele foge de nossos encontros de terça-feira. Diz que vai levá-la e sempre surge uma desculpa de última hora e aparece sozinho. – Ela tinha aula. Ela tinha treino. Ela tinha inglês.

A Raquel é uma incógnita. Se não existisse o Facebook, imaginaríamos que era uma invenção de sua carência.

No fundo, ele não deseja nos enfrentar. Vem adiando ao máximo a avaliação da presa pela nossa roda. Ainda mais que nossa turma está solteira e não pouparíamos olhares constrangedores.

Não duvido que se case escondido, para evitar o ultraje do inquérito. As mulheres temem apresentar o namorado para a família. Já os homens temem apresentar a namorada para os amigos.

O pânico da rapaziada não é tolerar as chacotas dos irmãos, as provocações do pai, o álbum de fotos resgatado pela mãe. O churrasco de domingo com os parentes não é nenhum martírio ao início de relacionamento. Eles não têm vergonha do nu da infância, dos apelidos fofos, das marolas dos costumes.

Mas odeiam ter que enfrentar a curiosidade dos colegas de bar. Odeiam com todas as forças a estreia da namorada entre os seus iguais.

É mesmo uma cena patética e traumática. A mesa inteira lançará risinhos debochados ao casal recém-formado. As piadas sussurradas lembram códigos entre submarinos ou desenho soletrado de forca.

O par amoroso não achará uma posição reconfortante no espaldar da cadeira: se abraçará, se dará a mão, deitará a cabeça nos ombros em profundo e pesaroso silêncio. Pois é duro apanhar e ser simpático.

É o fim quando um homem vem com a nova namorada para seu tradicional ponto de encontro boêmio. Tenho pena do sujeito porque fui ele. Assim como da acompanhante que descobrirá que ele só tem amigo ogro e boçal e admitirá seriamente a possibilidade de abreviar o romance.

A sabatina do Senado com o candidato a presidente do Banco Central é moleza comparada à roda dos comparsas. Não conheço um outro jogo psicológico tão desonesto.

Ninguém será indiscreto com o passado amoroso do amigo a ponto de prejudicá-lo. É a ameaça de contar que assusta.

Insinuamos histórias para mudar propositalmente de assunto. São manchetes vazias, sem notícias, porém que pegam de jeito o rim do gajo. – Recorda aquele nosso acampamento em São Gabriel? – posso perguntar de repente.

Naquele camping, nosso companheiro de trago ficou com duas jovens em sua barraca. Entende a maldade?Ele gela mais do que o próprio chope, mas a lembrança não prospera e não precisa se explicar.

Conheço gente que não aguenta o tranco, que chora no banheiro, troca de sexo e passa a tomar gim tônica. A acareação também explica o motivo de muitos homens se manterem solteiros até hoje.

O coliseu masculino é feito de inveja e admiração. Implacável, incorruptível, não há como fraudá-lo. O que nós queremos é testar a jovem, ver se ela merece tirar nosso ilustre sócio das delícias noturnas.

Ela será aprovada se não nos xingar após o bombardeiro de picuinhas e bravatas. O que apenas desejamos ouvir de sua boca é:

– Seus amigos são ótimos!

quarta-feira, 20 de março de 2013



20 de março de 2013 | N° 17377
MARTHA MEDEIROS

Um papa singelo

É cedo para saber como será a atuação política do papa Francisco. Porém, assim que foi anunciado, ele não precisou nem de cinco minutos diante da multidão que lotava a Praça de São Pedro para angariar uma simpatia praticamente unânime.

A minha, ao menos, foi instantânea, bastou para isso a descontração do comentário de que o haviam achado quase no fim do mundo – nada como o bom humor para congregar, aproximar, romper carrancas e barreiras. A despeito da sua eleição para uma função de tamanha relevância, estava ali, diante de todos, um homem, um semelhante. Alguém familiar.

Não acredito que, a partir de agora, os fiéis deixarão seus automóveis na garagem para andar de ônibus (ainda que o trânsito e a poluição das cidades se beneficiariam muito), ou que trocarão o uso do ouro pela prata, ou que reprisarão qualquer outro gesto humilde já tornado público pelo Papa. No entanto, é preciso, com urgência, captar o espírito dessa nova forma de exercer liderança.

Liderar não tem nada a ver com arrogância e empáfia, mas muitos ainda acreditam que sem pose e ostentação não se conquista o respeito dos outros. Um engano lastimável. Pode-se no máximo conseguir subserviência através de atitudes arrogantes, mas respeito é um valor muito mais profundo e que só se cativa com honestidade – e se formos honestos, de fato honestos, teremos que admitir que nossa importância é a mesma que a de qualquer outra pessoa.

Podemos ter lido mais, vivido experiências diversas, apreendido ensinamentos a que alguns não tiveram acesso, mas de forma nenhuma isso justifica uma hierarquia dominadora. Aliás, hierarquia é um conceito que me parece cada vez mais obsoleto.

Numa relação vertical, o “superior” ordena e os “inferiores” cumprem, e assim elimina-se a troca, que é o elemento mais necessário para a evolução dos costumes, das nações e dos relacionamentos. Trocar é horizontal. É o que possibilita o olhar, o diálogo e a identificação.

No instante em que eu contribuo para a sociedade com o que sei, e aceito que colaborem comigo na mesma medida, me ensinando o que não sei, estabelece-se uma relação producente e o respeito mais absoluto, aquele que não é fruto de imposição, mas de admiração sincera.

Então, mesmo sem poder adivinhar como será o pontificado desse nosso hermano, desde já me sinto otimista por ele trazer em seu semblante a doçura dos que não se deixam levar pela vaidade e dos que não consideram a modéstia uma fraqueza, e sim resultado de uma consciente avaliação de si mesmo: somos todos iguais. Frágeis, é verdade, porém todos capazes de doar-se a fim de tornar a vida mais fácil para aqueles que nos cercam. Essa é a corrente universal que nunca deveria se romper, e que nos une (ou deveria nos unir) inclusive para além das religiões.

quarta-feira, 13 de março de 2013



13 de março de 2013 | N° 17370
MARTHA MEDEIROS

Deus em promoção

Pouca coisa me escandaliza, mas fiquei perplexa com o vídeo que andou circulando pela internet, que mostra um culto da Assembleia de Deus conduzido pelo pastor Marco Feliciano – sim, o polêmico presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o maior para-raios de encrencas da atualidade.

O vídeo mostra o momento da coleta de dízimos e doações, a parte mercantilista da negociação dos fiéis com o Pai Supremo, de quem o pastor se julga uma espécie de contador particular, pelo visto.

Entre frases inibidoras, como “Você vai mesmo ficar com esse dinheiro na sua carteira?”, dirigida a pessoas da plateia, e estimulando que os trabalhadores cedam uma porcentagem do seu salário dizendo “Aquele que crê dá um jeito”, aconteceu: alguém entregou seu cartão de crédito nas mãos do pastor. No que ele retrucou: “Ah, mas, sem a senha, não vale. Depois, vai pedir um milagre pra Deus, Ele não vai dar, e aí vai dizer que Deus é ruim”.

Entendi bem? Deus está à venda? Cobrando pelas graças solicitadas?

Essa colocação do pastor bastaria para abrir uma CPI contra os caras de pau que, abusando da esperança de gente sem muito tutano, arrecadam fortunas e depois vão fazer suas preces particulares em algum resort em Miami. Quem dera houvesse um Joaquim Barbosa para colocar ordem nesse galinheiro falsamente místico, mas quem ousa? Se essa simples crônica já sofrerá retaliações, imagine alguém peitar judicialmente um representante de Deus, ou que assim se anuncia.

Religiosidade é algo extremamente respeitável. Cada um exerce a sua com a intensidade que lhe aprouver, de forma saudável, a fim de conquistar bem-estar espiritual. Todas as pessoas religiosas que conheço, e são inúmeras, nunca precisaram comprar sua fé nem dar nada em troca – conquistaram-na gratuitamente através de cultura familiar ou de uma necessidade pessoal de conforto e consolo que é absolutamente legítima.

Religião é, basicamente, isso: conforto e consolo.

Já os crentes fazem parte de outra turma. São os que acreditam cegamente em pecado, castigo, punição e numa recompensa que só virá depois de algum sacrifício. Quando não pagam em espécie, abrem mão de prazeres terrenos como forma de penitência, para se tornarem dignos da vida eterna – que viagem.

É preciso ser muito iludido para acreditar que pagar a conta de luz é menos importante do que pagar pelo milagre encomendado a Deus através de seus “assessores” – e que, segundo o pastor Marco Feliciano, só será realizado se você não tiver caído na malha fina do Serasa Divino.

O que fazer para tirar os crentes desse transe? Colocar na cadeia esses ilusionistas que se apresentam como pastores? Duvido que ajude. A bispa Sonia e seu marido Estevam Hernandes foram condenados por lavagem de dinheiro e de nada adiantou. Se fossem condenados por lavagem cerebral, quem sabe.

sábado, 9 de março de 2013



10 de março de 2013 | N° 17367
MARTHA MEDEIROS

Diga-me o que veneras

Talvez isso diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que ainda não conseguimos vencer

Venerar: prestar culto, adorar. Respeitar ou admirar muito. Reverenciar. Isso segundo os dicionários, pois eu ainda acrescentaria: ficar com os quatro pneus arriados, perder o senso, surtar. Pois é, tenho pensado nesse verbo venerar e descoberto coisas.

O que você venera? Refiro-me a algo que você idolatra íntima e secretamente, algo que lhe parece inatingível – ao menos você supõe que é inatingível. Não estou falando de se aproximar de ídolos ou visitar lugares paradisíacos, e sim das suas carências de infância: o que você venera e que nunca possuiu, e, por não possuir, acabou tornando-se refém?

O que você venera é seu ponto fraco.

Digamos que você venere a inteligência e a cultura. Foi criado sem acesso a cursos, livros e cinema, e acabou desenvolvendo uma fissura por tudo o que pareça intelectualizado num grau acadêmico que você nunca sonhou roçar.

Fica pasmo diante de qualquer pessoa que fale sobre o que você não conhece, extasia-se diante de tanta erudição, que talvez nem seja tanta assim, mas que você vê como imensa. Olhe para si mesmo: tão aparentemente seguro, mas embasbacado diante de qualquer um que saiba meia-dúzia de palavras em latim ou que lembre quem ganhou o Oscar em 1972.

Digamos que você venere a beleza. Foi o patinho feio da escola, desde cedo compreendeu que não ganharia nem o título de miss simpatia, e foi o que bastou para dar pane no cérebro: diante de um belo espécime, cai de joelhos. De que adianta tanta leitura, tanto estudo, tamanho acervo de conhecimento? Basta um par de olhos verdes piscantes em sua direção e seu QI cai a níveis subterrâneos.

Digamos que você venere a segurança, já que nunca teve certeza de que seu pai voltaria para casa ao fim do dia e de que sua mãe não fugiria com o vizinho. Basta que alguém tenha um cargo de poder, opiniões bem sedimentadas e um endereço fixo para que você o adote como pai ou mãe substitutos. Enfim, uma muleta que o sustente. A pessoa eleita sabe como conduzir o dia, articula claramente as ideias, reage bem a imprevistos. Você funda uma religião: ele ou ela é agora seu Deus, e você será um eterno discípulo.

Digamos que você venere o dinheiro: sempre teve que implorar por trocados, nunca teve o suficiente para seus sonhos, considerava-se o mais pobre da turma, aquele que os professores, insensíveis, delatavam na frente da classe como o aluno com a mensalidade da escola atrasada. Basta saber que a parceira de escritório passa as férias em Fort Lauderdale ou que o companheiro de bar tem um carro que vale um iate, e seu conceito de “amizade de infância” se expande a uma velocidade surpreendente.

O que você venera? Seja o que for, preste atenção. Talvez diga tudo sobre aquela incômoda sensação de inferioridade que cada um de nós, disfarçadamente, ainda não conseguiu vencer.



09 de março de 2013 | N° 17366
CLÁUDIA LAITANO

Um homem fora do lugar

Somos o país da gambiarra ideológica. Quem sacou a inclinação brasileira para o “gato” de ideias foi o crítico literário Roberto Schwarz. Escrevendo sobre o Brasil do século 19, Schwarz mostrou como o país da escravidão e da desigualdade extrema estava aquém das elegantes ideologias liberais que, assim como os vestidos das senhoras mais exigentes da época, costumavam ser importadas da Europa.

O crítico chega a usar a expressão “comédia ideológica” para descrever a tentativa de enfiar um Brasil atrasado, analfabeto e escravagista na fatiota desconfortável do liberalismo político e econômico – que, obviamente, pressupunha conquistas básicas como liberdade de trabalho, igualdade perante a lei e universalismo.

O teste da realidade e da coerência, escreve Schwarz, não parecia necessário para os senhores que defendiam a liberdade em praça pública e os escravos dentro de casa. Eram ideias fora do lugar. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.

Quase 40 anos depois da publicação do livro Ao Vencedor as Batatas (1977), que inclui o clássico ensaio Ideias Fora do Lugar, e mais de 120 depois da abolição da escravatura, o Brasil continua ensinando ao mundo como adaptar o céu das boas intenções ao pedregoso purgatório da realidade.

Pega-se uma ideia lustrosa como a defesa dos direitos humanos, baseada no princípio de que todos os homens nascem iguais em dignidade e em direitos e devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade, e cria-se para ela uma comissão no Congresso Nacional – o que, imagina-se, deve fazer bonito em relatórios internacionais e em discursos de campanha nos rincões mais civilizados.

Criada a comissão, algum espírito suíno-pragmático percebe que, por mais que a ideia lustrosa pegue bem em determinados ambientes, não é tão relevante assim como moeda política. Abandona-se a comissão, então, não apenas à própria irrelevância, o que já seria ruim o suficiente, mas à porta daqueles a quem, desde o princípio, a comissão contradiz em essência.

Como se a Princesa Isabel entregasse a redação da Lei Áurea a um senhor de escravos. Ou o próximo conclave chegasse à conclusão de que Richard Dawkins, afinal, até que daria um bom papa.

Graças ao YouTube, qualquer um pode iniciar-se na vida e na obra do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que responde a processos por estelionato e homofobia. Aviso, porém, que as pregações do pastor presidente da Igreja Catedral do Avivamento não são recomendadas para os fracos de estômago.

Assim como os relatórios da ONG Todos pela Educação divulgados esta semana, que revelaram quedas em índices de aprendizado já suficientemente vergonhosos, a escolha para um fórum de direitos humanos de um homem que não apenas pensa torto, mas tem coragem de defender ideias discriminatórias em público mostra que, no Brasil, o que está ruim sempre pode tornar-se infame.

quarta-feira, 6 de março de 2013



06 de março de 2013 | N° 17363
MARTHA MEDEIROS

O que é ser mulher

Sempre que chega essa época do ano, prometo a mim mesma: minhas próximas férias serão tiradas em março. Vou alugar uma choupana em Ushuaia e só volto quando pararem de falar no Dia da Mulher. Apenas para evitar a pergunta que tantos pedem que a gente responda: “O que é ser mulher?”.

Basicamente, ser mulher é ter nascido com os cromossomos XX. Será que isso responde à questão? Responde, só que de modo desaforado. Espera-se que colaboremos: “Ser mulher é ser mãe, esposa, profissional... ”. Alguém ainda aguenta essa churumela?

Se é para refletir sobre o assunto, então sejamos francos: ninguém mais sabe direito o que é ser mulher. Sofremos uma descaracterização. Necessária, porém aflitiva. Entramos no mercado de trabalho, passamos a ter liberdade sexual e deixamos para ter filhos mais tarde, se calhar. Somos presidentes, diretoras, empresárias, ministras. Sustentamos a casa. Escolhemos nossos carros. Viajamos a serviço. Saímos à noite com as amigas. Praticamos boxe. O que é ser mulher, nos perguntam. Pois, hoje, ser mulher é praticamente ser um homem.

Nossa masculinização é um fato. Ok, nenhuma mulher desistirá de tudo o que conquistou. A independência é um ganho real para nós, para nossa família e para a sociedade. Saímos da sombra e passamos a existir de forma plena. E o mundo se tornou mais heterogêneo e democrático, mais dinâmico e produtivo, em suma: muito mais interessante. Mas não nos deram nada de mão beijada, ganhamos posições no grito, falando grosso. E agora está difícil reconhecer nossa própria voz.

“Sou mais macho que muito homem” não é apenas o verso de uma música de Rita Lee, é pensamento recorrente de cérebros femininos. Alguém ainda conhece uma mulher reprimida, omissa, sem opinião, sem pulso? Foram extintas e deram lugar às eloquentes.

Nada de errado, repito. Acumulamos uma energia bivolt e isso tem nos trazido inúmeros benefícios – deixamos de ser um simples acessório, nos integralizamos. Mas essa nova mulher ainda se permitirá um segundinho de “cuida de mim”? Se os homens estão se permitindo ser frágeis, por que não nos permitimos também, nós que temos os royalties dessa condição?

É no amor que a mulher recupera sua feminilidade. É na relação a dois. Na autorização que dá a si mesma de se sentir cansada e de permitir que o outro tome decisões e a surpreenda. É através do amor que voltamos a confiar cegamente, a baixar a guarda e a deixar que nos seduzam – sem considerar isso ofensivo. Muitas mulheres estão desistindo de investir num relacionamento por se julgarem incapazes de jogar o jogo ancestral: eu, provedor; você, minha fêmea.

Os homens sabem que já não iremos nos contentar em receber mesada e ficar em casa guardando a ninhada, mas, na intimidade, que tal deixarmos a testosterona e o estrogênio interpretarem seus papéis convencionais?

Um amor sem tanta racionalidade, sem demarcação de território, sem guerra pelo poder. Amolecer de vez em quando, com entrega, com gosto. É onde ainda podemos ressuscitar a mulher que fomos, sem prejuízo à mulher que somos.

terça-feira, 5 de março de 2013



05 de março de 2013 | N° 17362
CLÁUDIO MORENO

Homens e mulheres (19)

(41) Os que pensam que o brasileiro inventou o culto ao traseiro feminino não sabem que esta nobre parte do corpo sempre foi valorizada na tradição cultural do Ocidente – principalmente pelos povos do Mediterrâneo.

Na Grécia antiga, uma das representações de Afrodite mostrava a deusa erguendo displicentemente a parte de trás do seu manto para conferir, com ar satisfeito, a beleza de seu traseiro. Não por acaso, essa escultura, em que o próprio olhar da deusa conduzia o olhar do espectador, ficou conhecida como Afrodite Calipígia (“a de belas nádegas”).

Uma das saborosas histórias contadas por Ateneu, cronista de curiosidades, falava de duas irmãs de Siracusa que, para decidir qual delas era mais atraente, abandonaram as sutilezas e foram, sem o menor pudor, mostrar na beira da estrada o que tinham de melhor. Diante do primeiro rapaz que lhes agradou, ergueram – com uma desinibição bem brasileira – a parte de trás das vestes e pediram que ele decidisse qual era o derrière mais bonito. Maravilhado, ele escolheu uma delas, e seguiu o seu caminho com a cabeça tomada por aquela visão.

Ao contar ao irmão mais jovem a causa de sua perturbação, este o convenceu a levá-lo até lá no dia seguinte – e realmente lá estavam as duas, magníficas, com tudo ao vento. Refeita a pergunta – qual a mais bela? –, ele escolheu justamente a outra irmã, o que permitiu que a história terminasse num duplo casamento. Como os dois jovens tinham uma grande fortuna, as duas irmãs, agora ricas, erigiram naquele lugar um templo a Afrodite Calipígia, a quem deviam a sua felicidade e o seu sucesso social.

(42) Um gênero literário muito pouco estudado – talvez por ser tão breve e fugaz – é o grito de guerra, aquele brado que os soldados emitem no instante decisivo em que vão mergulhar no inferno das batalhas.

Ao longo de nossa história, os tipos mais cultivados geralmente ficaram entre o religioso e o patriótico, como “Em nome de Cristo!”, “Pelo rei e por São Jorge!” ou “Pátria e liberdade!”; não seria justo, no entanto, deixar no esquecimento o inusitado grito de guerra do Conde Caetano de Bourbon, pequeno personagem da história espanhola que nem seria mencionado não fosse por sua originalidade.

Casado com a infanta Isabel, filha da rainha Isabel II, nem pôde aproveitar sua lua-de-mel: acabada a cerimônia, o jovem casal estava chegando a Paris quando, na Espanha, uma revolução depôs a rainha-mãe.

Sem hesitar, Caetano despediu-se da jovem esposa e foi se juntar ao exército legalista, que se preparava para uma derradeira e infrutífera tentativa de resistir aos rebeldes – e ali, na batalha na ponte de Alcolea, em Córdoba, à frente de uma unidade de cavalaria, surpreendeu amigos e inimigos ao entrar em combate aos gritos de “Viva minha sogra!”. Seu exemplo, ao que se saiba, não encontrou seguidores.

domingo, 3 de março de 2013


DANUZA LEÃO

Um homem fiel

Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos

As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: "não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair".

A certeza com que ela disse isso -e a felicidade-, me levaram a pensar: será que essa é mesmo a maior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nos trair? É um caso a pensar.

Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca -por ele.

Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de traí-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa -ou nada- que vai ser amada da mesma maneira?

O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foi mesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher?

Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios.

Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.

Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do que saber que a qualquer momento pode ganhar -ou perder- a vida, o dinheiro, o homem amado.

Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.

Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo.

Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre -e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de ir para o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder- bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra.

Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estão agora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.

É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa -embora seja raro-, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.

Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida. 

sábado, 2 de março de 2013



03 de março de 2013 | N° 17360
MARTHA MEDEIROS

Entreouvidos por aí

“De todas as pessoas que eu conhecia, ela era a candidata menos provável de eu vir a ter uma história. Extremamente carola, cheia de nove horas, o oposto do meu estilo. Sou um cara moderno, livre, desimpedido em todos os sentidos.

Sempre gostei de mulheres bem resolvidas, e ela me parecia uma menininha à espera de um anjo salvador. No entanto, quando dei por mim, ela estava sob as minhas asas. Não era o que eu buscava na vida, não era mesmo. Não sei como chamar isso”.

“Se cruzassem nossos perfis em qualquer rede social, daria um curto-circuito. Ele não gosta de nada do que eu gosto, e eu tenho aversão ao jeito que ele se comporta. Mas, desavisados, numa festa trocamos um beijo que fez alguma coisa acender, e desde então é briga atrás de briga. Ambos se perguntam: o que justifica essa nossa insistência?”

“O Caetano tem uma música que diz: mexe qualquer coisa dentro doida. É bem assim que me sinto. É do departamento das loucuras inexplicáveis. Sou bonita, inteligente, bem educada. Sei que agrado, não ficaria sozinha jamais, a não ser que quisesse.

No entanto, estou há dois anos namorando um colega de faculdade que me esnoba, mas não me deixa, e eu vou arrastando esse relacionamento na esperança de que ele amadureça. Tem nome um troço desses? Carência, doença, masoquismo?”

“Namoro uma mulher bem mais velha que eu. Minha mãe torce o nariz. Meus amigos me chamam para a balada a fim de que eu conheça umas garotas da minha idade. Ela própria acredita estar empatando a minha vida. Meu terapeuta acha que está tudo bem do jeito que está, e eu também acho, mas ninguém a minha volta parece compreender. Às vezes nem eu compreendo”.

“Meu casamento durou apenas quatro anos. Não conseguíamos viver bem, era um desgaste emocional que fazia ambos sofrerem. Decidimos terminar de comum acordo e nós dois estamos agora respirando melhor, com a vida mais destravada. Até já estou saindo com outro cara, mas quando toca o celular, fico torcendo para que seja meu ex. Queria entender o que se passa comigo”.

“Já fui casado e sei bem o que é uma relação saudável, bacana, estruturada. Estaria com ela até hoje se não tivesse enviuvado. Achei que nunca iria me recuperar do baque, mas anos depois comecei outra relação séria, só que era o oposto do primeiro casamento: um tumulto, parecia que falávamos idiomas diferentes, ninguém se entendia, mas a atração era incontrolável e estamos juntos até hoje, nem eu nem ela temos coragem de sair fora, mesmo sem entender o que nos faz ficar”.

“Sabe relação ioiô? Vai e volta, vai e volta? Nenhum dos dois têm mais paciência pra isso, é ridículo. Se não conseguimos nos acertar até aqui, qual a esperança de um milagre acontecer? Teimosia, é o nome disso. Se não é teimosia, não sei o que é”.

Quando a gente não sabe o que é, é amor.


02 de março de 2013 | N° 17359
NILSON SOUZA

Dentuça cinquentona

Mônica faz 50 anos neste domingo. A garotinha dentuça criada por Mauricio de Sousa é uma espécie de Mafalda brasileira, embora lidere a sua turma de meninos e meninas mais pela força bruta do que pelos argumentos e pelo posicionamento político, que eram a característica da genial criação do argentino Quino.

Com Mônica não tem muito diálogo: escreveu, não leu, o coelho de pelúcia canta na orelha do insolente. Mas ela também sabe ser divertida e terna. Por isso conquistou o coração de milhares de leitores infantis – e também de muitos adultos.

A turma da Mônica é um achado, pois reproduz jeitos e trejeitos das crianças e adolescentes brasileiros de todas as classes sociais. Ainda que sejam inspirados nos próprios filhos do autor (e ele tem 10), os personagens transitam por todos os setores da sociedade. Quem nunca falou “elado” como o Cebolinha?

Quem não conhece uma Magali comilona? Quem não convive com um Cascão na escola? Quem nunca identificou um amigo com cara de Anjinho ou Franjinha? E quem não gostaria de ter à mão um Sansão, o coelho azul, para castigar os abusados sem causar-lhes ferimentos?

As histórias de Mauricio de Sousa são quase sempre ingênuas e até um tanto moralistas, mas encantam exatamente pela semelhança com a vida real.

Mônica, apesar do seu temperamento explosivo, é totalmente do bem – tanto que já recebeu o título de embaixadora do Unicef por transmitir valores essenciais de convivência, como a amizade, a solidariedade, o apreço pela educação e pela família. O Fundo das Nações Unidas para a Infância a reconhece como defensora dos direitos das crianças.

Ela e os demais personagens de Mauricio saltaram das tirinhas dos jornais para as revistinhas e agora espalham-se por diversas plataformas, incluindo televisão, cinema, internet, videogames e até mesmo um parque temático que o desenhista mantém em São Paulo.

As histórias em quadrinhos foram – e ainda são – a cartilha de alfabetização de muitas gerações. Este escriba, por exemplo, aprendeu a ler por conta própria, antes de entrar na escola, motivado pela curiosidade de ler os balõezinhos dos gibis que circulavam pela casa paterna.

E que trocávamos na porta do cinema. Os garotos de hoje custam a acreditar que íamos para a matinê (que era como se chamavam as sessões da tarde) com pilhas de gibis debaixo do braço, para trocá-los com outras crianças. Pode parecer meio ridículo, mas garanto que era muito mais saudável do que entrar no cinema com um pacotão de pipocas e um litro de refrigerante. Essa, infelizmente, a Magali venceu.

Bom, mas voltando à aniversariante: Mônica e sua turma de amigos – graças ao talento de Mauricio de Sousa – são dignos representantes da alegria e da irreverência do moleque brasileiro.