domingo, 29 de novembro de 2009


DANUZA LEÃO

O maior dos poderes

Dependendo do humor daquele dia, esse presidente pode, justa ou injustamente, acabar com a sua vida

EU BEM QUE tentei entender o caso de Cesare Battisti, mas não consegui.

O Supremo decidiu pela extradição do terrorista? Decidiu. Então ele vai ser extraditado, é isso? É mais ou menos isso. Mas o Supremo não é o Supremo, a última das instâncias a que alguém pode recorrer? É. Então?

É, mas nesse caso, quem vai decidir é Lula. E quem decidiu que quem vai decidir não é o Supremo e sim Lula? Bem, isto não está perfeitamente claro, mas é o que ficou decidido. Ah, então agora entendi que não entendi mesmo.

Existem países -os Estados Unidos, por exemplo- em que, quando um criminoso é condenado à morte, o governador do Estado tem o direito de poupá-lo da pena máxima, exercendo seu direito de clemência.

Mas não é bem isso que está acontecendo; se eu ouvi bem, o presidente declarou que vai ler os votos dos ministros, estudar (naquele juridiquês facílimo), refletir e decidir se Battisti deve ou não ser extraditado. A decisão será baseada na interpretação das leis, na certeza de que o indivíduo em questão ou é um refugiado político, ou um criminoso comum, nada a ver com um possível gesto humanitário.

Ao que me consta, é a primeira vez que isso acontece, e assim abre-se um perigoso precedente. Quando José Dirceu perdeu seu direitos políticos, se o Supremo tivesse passado a bola para Lula decidir se o seu então ministro era culpado do que o acusavam, talvez o atual candidato à Presidência pelo PT fosse outro.

E no futuro? Se você, que está lendo esta coluna, for acusado de um crime e chegar a ser julgado pelo Supremo, este poderá decidir por sua condenação ou absolvição, e depois disso transferir o abacaxi para o presidente -seja ele quem for.

Dependendo das circunstâncias ou do humor daquele dia, esse presidente poderá, justa ou injustamente, acabar com sua vida ou deixar você ir para a praia tomar sol e uma água de coco, numa boa.

Nas mais sangrentas ditaduras, sempre houve um tribunal, mesmo que seus membros tivessem sido escolhidos a dedo pelo ditador, para simular a existência de uma Justiça.

Mas como, segundo o ministro Tarso Genro, se Cesare Battisti for extraditado estará sujeito à tortura ou à própria morte -já que, segundo o ministro, a Itália vive uma onda fascista-, está nas mãos de Lula a vida de Battisti.

Seja qual for a decisão, vai ficar mal para todo mundo. Para o Supremo já está, por ter aceito, sem espernear, que suas decisões não sejam acatadas sem discussão.

Se o presidente confirma a extradição, pode ser tachado de não ter vontade própria, que apenas baixa a cabeça e obedece. Se for contra a extradição e preferir um gesto humanitário, Battisti vai para a rua, lindo e louro, e Lula vai ter que se ver com o governo da Itália. De qualquer maneira, só um ventilador vai ser pouco para o que vai voar por aí.

E o pior: estamos chegando a um ponto extremamente perigoso, que é o julgamento de um homem, um só homem, ter mais peso do que o do Supremo Tribunal Federal.
Quem tem esse poder é quase um Deus.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 28 de novembro de 2009



29 de novembro de 2009 | N° 16170
MARTHA MEDEIROS


Só estou dando uma olhadinha

"Posso ajudá-la em alguma coisa?” A vendedora faz seu contato educadamente, e eu já tenho a resposta na ponta da língua: “Obrigada, só estou dando uma olhadinha”. Assim deixo claro que não sei se quero comprar algo, ainda não me decidi, vai depender do preço e da gamação que alguma peça me provocar, e enquanto eu não me decido, prefiro ficar sozinha, sem ninguém atrás de mim dando explicações.

A vendedora compreende e me deixa dar quantas olhadinhas eu quiser. Se eu perguntar o preço de algo, ela me responderá e seguirá a alguns metros de distância, de forma discreta. Eu então poderei chamá-la se resolver efetivar a compra ou sair sem levar nada, e nenhuma gota de sangue será derramada. É uma relação cortês e normal.

Só que o normal diverge, dependendo do país e de seus costumes.

Eu já havia estado em Istambul há uns oito anos, e portanto sabia onde estava me metendo quando fui ao Marrocos, mas não poderia deixar de percorrer as ruas da medina de Marrakesh. Como não se infiltrar em meio a lojinhas multicoloridas que vendem castiçais, tapetes, porcelanas, garrafinhas, caixinhas, panos e incensos? Você não vai pra Marrakesh para fazer compras na Zara.

Se você está de passagem marcada para algum país de cultura árabe e pretende trazer lembrancinhas, prepare-se. Os comerciantes partem pra cima dos turistas feito gaviões. Se você tem cabelos loiros e olhos claros, estará ferrado. Se tiver o mesmo aspecto muçulmano que tenho, estará ferrado igual: basta que leve uma mochila nas costas. Eu levava.

Eles vão seguir você pela rua. Perguntar de onde você é. Mesmo que você responda que é de Júpiter, eles vão encontrar algum assunto relativo ao seu lugar de origem, vão ser simpáticos ao extremo e tentarão arrastá-lo até a loja deles.

Estando lá, basta que você olhe com um leve ar de cobiça para o que estiver exposto e, pronto, danou-se. Você vai perguntar o preço e, sem saber, terá dado o pontapé inicial para o hábito que mais dá prazer aos residentes do país: pechinchar.

Pechinchar pode ser lucrativo e pode ser estafante. É lucrativo quando você sabe que o vendedor está pedindo demais e ele sabe que você está oferecendo de menos, e conseguem (depois de 20 minutos de prosa) chegar num valor de bom tamanho para ambas as partes.

E é estafante quando você está apenas dando uma olhadinha, sem tempo para trelelé, e o vendedor está desesperado para vender. Aí, escolham as armas.

Eu não tenho a menor paciência para esse jogo de cartas marcadas, em que um pede um valor absurdo, o outro oferece um valor humilhante, até atingir um empate conciliatório. Prefiro a paz de um preço fixo.

Fazer compras em terra de mercadores me deixou tão pirada que teve um dia em que um cara me disse que não me venderia um castiçal por menos de 80 dirham, que é a moeda local. Entrei no jogo: “O quê? 80 dirham? De jeito nenhum, só pago 100!”.

O Natal está aí de novo e já está todo mundo dando uma olhadinha, afinal, é uma data religiosa: a religião do consumismo.

Menos mal que aqui os vendedores não lhe seguem pelos corredores do shopping nem cultuam o teatro da pechincha, mas, ainda assim, cuide-se: ninguém está livre de pirar.

Um lindo domingo para você.


Tempestade no deserto

Estouro da bolha imobiliária faz o governo de Dubai anunciar a moratória no pagamento de suas dívidas. Mas a crise não deverá minar a transformação do emirado na meca do turismo no Oriente Médio

Giuliano Guandalini - Bjoen Goettlicher/TCS/ Zuma Press

FALTOU DINHEIRO



Pregão na bolsa de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos: dívida de 80 bilhões de dólares

Partiu do Oriente Médio, na semana passada, a lembrança de que a economia mundial ainda não se recuperou por completo de sua mais acerba crise financeira em oito décadas.

O governo de Dubai anunciou a seus credores a intenção de suspender, por ao menos seis meses, o pagamento da dívida da Dubai World, a gigantesca estatal do emirado que está por trás de alguns dos mais arrojados projetos imobiliários do planeta – entre eles as Palm Islands, um complexo faraônico de três ilhas artificiais no Golfo Pérsico onde estão sendo construídos milhares de mansões, além de uma centena de hotéis, parques de diversões e shoppings.

Um eventual calote de Dubai teria consequências sentidas em todo o mundo financeiro. Isso porque bancos europeus já combalidos, principalmente os ingleses, aparecem entre os principais credores do emirado e teriam de registrar novas e expressivas perdas. Daí a queda nas bolsas de valores na semana passada.

A moratória, se confirmada, ocorrerá em um momento em que os países do Golfo Pérsico davam sinais de recuperação, depois de terem sentido os efeitos da desvalorização do petróleo. Dubai, no entanto, sofreu com o estouro de sua própria bolha (o preço dos imóveis caiu pela metade desde o início do ano) e passou a ter dificuldades para encontrar quem bancasse o seu ritmo delirante de investimentos.

Ao contrário de seus vizinhos, Dubai não é rico em petróleo (a exploração desse recurso mineral representa apenas 2% de seu PIB). Por isso o emirado, um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, procurou diversificar sua economia. Primeiro, deu incentivos fiscais ao comércio e à instalação de empresas em parques industriais. Mais recentemente, lançou-se como o principal centro financeiro da região, ao mesmo tempo em que buscou se transformar na meca do turismo nas Arábias.

A estratégia deu certo, e o emirado passou a crescer velozmente. O salto veio depois de 2002, quando o governo, controlado hoje pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum (veja o texto ao lado), concedeu autorização para que estrangeiros fossem proprietários de imóveis no emirado.

Dubai, no entanto, contraiu empréstimos em excesso para erguer obras mirabolantes. Suas dívidas alcançam 80 bilhões de dólares, soma equivalente ao tamanho de seu PIB. Desse total, a maior parte (60 bilhões de dólares) pertence à Dubai World, que, além dos investimentos imobiliários no próprio emirado, controla as operações do lucrativo porto no golfo e participa de projetos no exterior – é sócia da CityCenter, em Las Vegas (veja mais).

O grande temor dos investidores internacionais é que Dubai protagonize um calote à moda argentina. Até sexta-feira, imperava a absoluta incerteza a respeito de como se daria a reestruturação da dívida.

A expectativa é de que o resgate financeiro saia dos cofres de Abu Dhabi, emirado rico em petróleo e dono do maior fundo soberano do mundo, com uma carteira de investimentos que soma mais de 600 bilhões de dólares, parte deles em Dubai. Mas os xeques de Abu Dhabi relutam em bancar mais uma vez a prodigalidade de seus vizinhos. Será a ruína de Dubai?

Provavelmente não. O emirado é mais liberal que outros países da região e se localiza em uma faixa menos conturbada do Oriente Médio. Além disso, boa parte de seus empreendimentos já foi vendida e está concluída. Tão logo corrija seus excessos, deverá continuar a representar um oásis para investidores e turistas às margens do explosivo Golfo Pérsico.

O xeque e sua bolha
Reuters

O PRIMO PRÓDIGO

Xeque Mohammed Al Maktoum: duas esposas, dezenove filhos e 16 bilhões de dólares

O esplendor de Dubai deve-se em grande parte a um único homem. Fã de corridas de camelos, o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de 60 anos, antes mesmo de ascender ao trono, em 2006, havia concentrado esforços em transformar o emirado numa espécie de Nova York do Oriente Médio, mas com arquitetura ao estilo de Las Vegas e marinas que emulam Mônaco.

O monarca, que descende da linhagem que domina a região desde 1833, possui hoje um patrimônio pessoal estimado em 16 bilhões de dólares. O xeque tem duas esposas, dezenove filhos – e mais de 100 000 seguidores no Facebook e no Twitter.

Em uma região onde o poder secular se mistura com o religioso, governa Dubai como uma autocracia que se pretende democrática. Prova disso é que, apesar da faceta progressista, seu governo ameaçou com pesadas multas quem fizesse menção às consequências negativas da crise para o emirado.

Em reunião recente com investidores, o monarca foi questionado sobre a saúde das finanças de Dubai e a suposta deterioração das relações com o primo rico, Abu Dhabi. A resposta do xeque foi um sonoro "Calem a boca".

Lya Luft

A praga moderna


"O que somos mesmo, neste período pós-moderno de que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados"

Nossas pestes – que também as temos – podem ser menos tenebrosas do que as medievais, que nos faziam apodrecer em vida. Mas, mesmo mais higiênicas, destroem. E se multiplicam, na medida em que se multiplica o nosso stress. Ou melhor: o stress é uma das modernas pragas.

Quanto mais naturebas estamos, mais longe da mãe natureza, que por sua vez reclama e esperneia: tsunamis, tempestades, derretimento de geleiras, clima destrambelhado. Ser natural passou a não ser natural. Ser natural está em grave crise.

O bom mesmo é ser virtual – mas isso é assunto para outra coluna, ou várias. Porque, se de um lado somos cada vez mais cibernéticos e virtuais, de outro cultivamos amores vampirescos, paixões por lobisomens, e somos fãs de simpáticos bruxos em revoadas de vassouras. Mudaram, os nossos ídolos. Não sei se para pior, mas certamente para bem interessantes. Pois nosso lado contraditório é que nos torna interessantes, em consultórios de psiquiatras, em textos de ficcionistas.

Também na vida cotidiana aquela velhíssima voz do instinto, voz das nossas entranhas, deixou de funcionar. Ou funciona mal. Desafina, resmunga, rosna. A gente não escuta muita coisa quando, por acaso ou num esforço heroico, consegue parar, calar a boca, as aflições e a barulheira ao redor.

O que somos mesmo, neste período pós-moderno de que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados. Não tem doença em que algum médico ou psiquiatra não sentencie, depois de recitar os enigmáticos termos médicos: "E tem também o stress". Para alguns, ele é, aliás, a raiz de todos os males.

Eu digo que é filho da nossa agitação obsessivo-compulsiva. Quanto mais compromissados, mais estressados: é inevitável, pois as duas coisas andam juntas, gêmeas siamesas da desgraça. Porque a gente trabalha demais, se cobra demais e nos cobram demais, porque a gente não tem hora, não tem tempo, não tem graça. Outro dia alguém me disse: "Dona, eu não tenho nem o tempo de uma risada". Aquilo ficou em mim, faquinha cravada no peito.

Um dos nossos mais detestáveis clichês é: "Não tenho tempo". O que antes era coisa de maridos e de pais mortos de cansaço e sem cabeça nem para lembrar data de aniversário dos filhos (ou da mãe deles), agora também é privilégio de mulher. De eficientes faxineiras a competentíssimas executivas, passamos de nervosas a estressadas, stress daqueles de fazer cair cabelo aos tufos.

Não sei se calvície feminina vai ser um dos preços dessa nossa entrada a todo o vapor no mercado de trabalho – pois ainda temos a casa, o marido, os filhos, a creche, o pediatra, o ortodontista, a aula de dança ou de judô dos meninos, de inglês ou de mandarim (que acho o máximo, "meu filhinho de 6 anos estuda mandarim") –, mas a verdade é que o stress nos domina. É nosso novo amante, novo rival da família e da curtição de todas as boas coisas da vida.

Que pena. Houve uma época em que a gente resolvia, meio às escondidas, dar uma descansadinha: 4 da tarde, a gente deitada no sofá por dez minutos, pernas pra cima... e eis que, no umbral da porta, mãos na cintura ou dedo em riste, lá apareciam nossa mãe, avós, tias, dizendo com olhos arregalados: "Como??? Quatro da tarde e você aí, de pernas pra cima, sem fazer nada?".

Era preciso alguma energia para espantar os tais fantasmas. Neste momento, porém, eles nem precisam agir: todos nós, homens e mulheres, botamos nos ombros cruzes de vários tamanhos, com prego ou sem prego, com ou sem coroa de espinhos.

São tantos os monstros, deveres, trânsito, supermercado, dívidas e pressões, que – loucura das loucuras – começamos a esquecer nossos bebês no carro.

Saímos para trabalhar e, quando voltamos, horas depois, lá está a tragédia das tragédias, o fim da nossa vida: a criança, vítima não do calor, dos vidros fechados, mas do nosso stress. Começo a ficar com medo, não do destino, eterno culpado, não da vida nem dos deuses, mas disso que, robotizados, estamos fazendo a nós mesmos.


Nas asas da autoajuda

O gênero que se propõe a auxiliar e confortar as pessoas nas questões espinhosas da vida é um fenômeno editorial que só faz aumentar: nunca tantos escreveram para
orientar, e nunca tantos leram em busca de orientação

Isabela Boscov e Silvia Rogar - Montagem com fotos de Pedro Rubens

"Nenhum homem é uma ilha", escreveu o inglês John Donne em 1624, em uma frase que atravessaria os séculos como um dos lugares-comuns mais citados de todos os tempos. Todo lugar-comum, porém, tem um alicerce na realidade ou nos sentimentos humanos - e esse não é exceção.

Donne foi um dos poetas extraordinários de seu idioma, conhecido sobretudo pelos versos sugestivamente eróticos. Mas, quando distinguiu os homens, dependentes uns dos outros por natureza, das ilhas, isoladas por definição, em sua Meditação XVII, estava em outra etapa de sua trajetória. Aferrara-se ao anglicanismo e virara pregador. Procurava, com essa estrofe célebre, expressar um tipo diverso de amor: o sentido de conexão que quase todos experimentamos com nossos semelhantes.

"Cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; (...) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano", prosseguia sua Meditação. Durante toda a história da espécie, a biologia e a cultura conspiraram juntas para que a vida humana adquirisse exatamente esse contorno, o de um continente, um relevo que se espraia, abraça e se interliga.

A vida moderna, porém, alterou-o de maneira drástica. Em certos aspectos, partiu o continente humano em um arquipélago tão fragmentado que uma pessoa pode se sentir totalmente separada das demais. Vencer tal distância e se reunir aos outros, entretanto, é um dos nossos instintos básicos.

E é a ele que atende um setor do mercado editorial que cresce a saltos largos: o da autoajuda, e em particular de uma autoajuda que se pode descrever como espiritual. Não porque tenha necessariamente tonalidades religiosas (embora elas, às vezes, sejam nítidas), mas porque se dirige àquelas questões de alma que, desde que o tempo é tempo, atormentam os homens.

Como a perda de uma pessoa querida, a rejeição ou o abandono, a dificuldade de conviver com os próprios defeitos e os alheios, o medo da velhice e da morte, conflitos com os pais e os filhos, a frustração com as aspirações que não se realizaram, a perplexidade diante do fim e a dúvida sobre o propósito da existência.

Questões que, como séculos de filosofia já explicitaram, nem sempre têm solução clara - mas que são suportáveis quando se tem com quem dividir seu peso, e esmagadoras quando se está só.
Ernani d’Almeida


CATIVADA PELA LEITURA

A ex-modelo Luiza Brunet, que há mais de vinte anos lê todos os dias, para si mesma ou para os filhos, algum trecho de O Pequeno Príncipe: mensagens de "bondade e simplicidade"

Uma olhada na lista dos livros mais vendidos de VEJA revela que aqueles que os leitores entendem como fonte de inspiração para uma vida mais harmônica estão espalhados por todas as categorias - a ficção, como no caso de A Cabana, a não ficção, como Comer, Rezar, Amar, e a auto-ajuda propriamente dita, como em O Monge e o Executivo (veja quadros nesta página). O gênero, de fato, é herdeiro de todas as formas de escrita conhecidas. O alento, o esclarecimento e a orientação espirituais podem vir de memórias e biografias.

Podem estar na poesia, cujas nuances captam tão bem os estados de ânimo mais indefiníveis, e na prosa, que nos irmana para além do tempo e das circunstâncias. Podem estar na Bíblia ou em outros textos sagrados, é claro, e na filosofia, que afinal de contas existe para refletir sobre a condição humana. Podem estar até nos quadrinhos - por exemplo, no minucioso estudo da frustração que é a tirinha Charlie Brown, ou na compreensão da angústia adolescente demonstrada em Homem-Aranha.

É, enfim, um propósito a que escritores e pensadores de todas as tendências e dimensões vêm se dedicando desde os primórdios da palavra escrita, porque a solidão e a perplexidade são inevitáveis à condição humana (veja frases). O que hoje torna o gênero específico um fenômeno é o seu ímpeto multiplicado: nunca tantos escreveram com o intuito de orientar, e nunca tantos leram em busca precisamente de orientação.

As mudanças que conduziram a isso não são poucas nem sutis: na sua segunda metade, em particular, o século XX foi pródigo em abalos de natureza social que reconfiguraram o modo como vivemos. O campo, com suas relações próximas, foi trocado em massa pelas cidades, onde vigora o anonimato. As mulheres saíram de casa para o trabalho, e a instituição da "comadre" virtualmente desapareceu.

Desmanchou-se também a ligação quase compulsória que se tinha com a religião, e que dava ao padre, ao pastor ou ao rabino o posto de conselheiros de todas as horas. As famílias encolheram drasticamente, não só no número de filhos, mas na sua extensão. Em lugar daqueles ajuntamentos ruidosos, que reuniam dezenas de tios, primos, avós e agregados de parentesco vago, mas firme, tem-se agora pequenos núcleos - pai, mãe e um filho ou, vá lá, dois. Nem esses núcleos resistem como antes.

Nos Estados Unidos, a pátria da autoajuda enquanto gênero próprio, quase metade dos casamentos acaba em divórcio. No Brasil, onde até 1977 havia no máximo desquite, e ele era um escândalo, a taxa anda pelos 25%. A vida profissional, ainda, se tornou terrivelmente competitiva, o que acrescenta ansiedade e reduz as chances de fazer amizades verdadeiras no local de trabalho.

Também o celular e o computador fazem sua parte, aumentando o número de contatos que se desfruta, mas reduzindo sua profundidade e qualidade. Com um grãozinho de misantropia, pode-se concluir que, bem, isso significa muito menos gente dando palpites indesejáveis.

Não deixa de ser verdade; mas, maior do que esse ganho, é a perda daquela vasta rede de segurança que, desde que a humanidade começou a se organizar em agrupamentos codependentes, mantinha cada um de nós ancorado.

Uma rede que, é certo, originava fofoca e intromissão, mas também implicava conselhos e experiência, amparo e solidariedade, valores sólidos e afeição desprendida, que não aumenta nem diminui em função do sucesso ou da beleza.

Essa é a lacuna da vida moderna que a autoajuda espiritual vem se propondo a preencher: esse sentido de desconexão que faz com que, em certas ocasiões, cada um de nós se sinta como uma ilha desgarrada do continente e sem meios de se reunir novamente a ele.


Alongar quanto, e para quê?

Ser muito flexível não significa ser mais saudável
Francine Lima

Uma vez fui experimentar uma nova aula de ioga e acabei arrumando uma briga com o professor. Eu era novata ali, mas não exatamente inexperiente na modalidade. Já estava razoavelmente acostumada a seguir as cuidadosas instruções dos professores, quase sempre suaves e tranquilos, e por isso estranhei quando ele mandou sentar com as pernas posicionadas de um jeito estranho (estranho para mim, pelo menos) e encostar o ombro no joelho.

“Professor, não entendi. Qual é o objetivo desse movimento? Não estou sentindo alongar nada.” Por algum motivo, ele não gostou da pergunta, se indispôs comigo e acabou não me tirando a dúvida. A briga depois foi resolvida e perdoada, mas a explicação do movimento eu nunca recebi.

Fazer exercício de alongamento sem saber o que precisa ser alongado não faz sentido. A coisa mais importante nesse tipo de atividade é justamente a atenção que se deve dar a cada parte do corpo. Se o objetivo de um movimento é, por exemplo, alongar a musculatura posterior da coxa, por que o professor diria que o aluno deve procurar encostar os dedos das mãos na ponta dos pés?

Por que focar nas mãos e nos pés se a intenção é trabalhar a coxa? Essa forma de aula era comum há alguns anos, mas hoje os profissionais mais atualizados ensinam alongamento de outro jeito.

Para começar, o meu alongamento não deve ser igual ao seu. O meu corpo tem um tamanho, um formato e uma organização articular únicos, frutos do meu histórico esportivo, da minha postura no dia a dia, da minha genética e sabe-se lá do que mais.

Minha musculatura tem um certo tônus, resultante da musculação e das minhas tensões. Tenho boa flexibilidade nos braços e nas pernas, mas meu pescoço às vezes precisa de cuidados especiais. Meu joelho direito ainda dói e o médico mandou alongar o trato iliotibial, o que eu achei bem difícil.

Quero manter minha coluna flexível, com facilidade para torções, mas não tenho a menor pretensão de virar contorcionista. É tudo isso e mais um pouco que a minha rotina de alongamento deve levar em consideração.

Segundo a professora Adriana Ramos Schierz, ou Drika, que é fisioterapeuta e dá aulas de alongamento postural na Competition, eu não preciso necessariamente encostar as mãos nos pés para conseguir a flexibilidade de que eu preciso na parte posterior das coxas.

O importante naquele movimento, diz ela, é sentar em cima dos ísquios (os ossos da parte baixa do quadril), espichar a coluna inteira (até o pescoço), abrir o peito (afastar os ombros das orelhas e um do outro) e buscar uma aproximação do peito com a parte de cima da coxa. Buscar.

Com essa postura, eu sentirei o músculo certo esticando. Pouco importa se eu não deitei o tronco em cima das pernas e se pareceu aos olhos alheios que nem me mexi.

O objetivo de alongar aquela parte da coxa terá sido cumprido. O que não tem o menor propósito é sentar com a coluna curvada e o pescoço torto, encostar as mãos nos pés com os joelhos flexionados, sentir dor na lombar e gerar tensões desnecessárias. Alongar errado é errado justamente porque, em vez de relaxar, tensiona.


28 de novembro de 2009 | N° 16169
NILSON SOUZA


Pássaros virtuais

Li outro dia a carta de um leitor indignado com o canto dos sabiás, que andam excitadíssimos nesta época do ano e não o deixam mais dormir aquele sono bom da manhã. Os bichinhos começam cedo mesmo a sua sinfonia: lá pelas bandas da Zona Sul desta capital arborizada onde moro, eles abrem o bico por volta das quatro da matina e não fecham mais.

Às vezes acordo, outras vezes já estou acordado, mas na maioria das vezes incorporo a cantoria em algum sonho retardatário e nem me dou conta de que a passarada madrugou. Nunca me incomodam.

Tem até um casal que se instalou no meu jardim. Nunca sei qual é o macho e qual é a fêmea, pois se vestem com as mesmas penugens, mas suponho que a senhora Sabiá seja a que passa a maior parte do tempo no ninho, estrategicamente construído nos galhos internos de um pingo-de-ouro.

Fica bem em frente à janela do meu escritório. Quando trabalho em casa pela manhã, procuro abri-la bem devagar para não assustar os hóspedes. Pelo que li a respeito deles, a estada será curta. Logo os filhotes estarão alçando voo para cantar em outra freguesia.

Enquanto isso não ocorrer, porém, podem ficar por lá o tempo que bem lhes aprouver. Não vou espantá-los, mesmo correndo o risco de ser denunciado por infrigir a Lei do Silêncio que vigora nesta cidade desde 1983 e que prevê em seu artigo 8º: “É proibido possuir ou alojar animais que frequente ou continuamente emitam sons que causem distúrbio sonoro”.

Por uma dessas coincidências do destino, o homem que assinou esse decreto, então no exercício do cargo de prefeito municipal, me mandou esta semana uma mensagem com pássaros virtuais.

Trata-se de um desses engenhosos programas de computador em que basta clicar na imagem de um dos pássaros retratados para se ouvir o seu canto. São bonitos, mas não se comparam à bela ladainha dos nossos sabiás, que, aliás, não estão contemplados no referido catálogo ornitológico.

Brinquei um pouco com os efeitos sonoros das aves de fantasia, mas logo me cansei. Prefiro ouvir o cântico espontâneo dos pássaros madrugadores do meu jardim. Seus gorjeios de amor e fome invariavelmente se transformam nas vozes dos personagens dos meus últimos sonhos e me ajudam a lembrá-los quando já estou desperto.

Tomara que o missivista mal-humorado não me leia.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009



25 de novembro de 2009 | N° 16166
MARTHA MEDEIROS


Vidas de plástico

Assisti no DVD a um filme que me sensibilizou, ainda que não tenha feito muito barulho quando esteve em cartaz, ao menos não que eu lembre. É uma produção norte-americana chamada A Garota Ideal.

É a história de Lars, um homem tímido e fechado em si mesmo. Ele mora nos fundos da casa do irmão e da cunhada, que tentam atraí-lo para uma vida mais social, só que ele não quer saber de fazer amigos, não tem namorada, vive da casa pro trabalho, do trabalho pra casa, sem nem mesmo apertar a mão de ninguém – é refratário a qualquer toque. Sua solidão não é bem aceita, e tanto pegam no seu pé, que ele encontra uma solução para que o deixem em paz: compra uma boneca sexual pela internet.

O que poderia não passar de uma piada vira um constrangimento, porque Lars trata Bianca, a boneca, como uma mulher real. Conversa com ela, a leva à mesa na hora das refeições, apresenta aos amigos, deixando a todos perplexos com esse delírio.

Uma psicóloga acaba sendo convocada e, pra surpresa geral, recomenda que todos entrem no jogo de Lars, tratando a boneca como uma mulher de verdade – é o único meio de ajudá-lo. E mais não conto, mas acreditem, esse roteiro aparentemente estapafúrdio rendeu um filme terno e inteligente.

Mostra um homem se refugiando na fantasia para vencer seus traumas e mobilizando todo um vilarejo a fazer o mesmo: a população, solidária, trata a boneca como se ela tivesse pensamentos e vida própria.

Em determinado momento do filme, Lars está saindo da igreja com a sua “namorada” (que se locomove numa cadeira de rodas: seria demais exigir que ela caminhasse) quando uma moradora da cidade deixa no colo da boneca um buquê de flores artificiais. Lars agradece, se afasta com a cadeira e sussurra à namorada: “Não são de verdade, por isso vão durar para sempre”. É a frase que, a meu ver, resume não só o filme, mas um comportamento que está se tornando epidêmico.

A melhor maneira de fugir dos problemas é inventar uma vida em que tudo dê certo. Não por acaso, as relações virtuais andam com um ótimo cartaz, já que, em vez de serem realizadas, elas são controladas à distância.

Você se relaciona com fotos, com palavras tecladas, com alguém que está amenizando a sua carência sem que haja interação pra valer – é a legítima “proteção de tela” para ambos. Assim, fica fácil alcançar o romance ideal: como não há um envolvimento de fato, também não haverá decepções de fato.

Flores artificiais não perdem a cor e não precisam ser regadas, por isso se assemelham às relações dos nossos sonhos: são imortais. No entanto, não têm beleza, cheiro, não exigem dedicação, há apenas tédio, e acabam esquecidas num canto.

Não são de verdade, já que a verdade pressupõe mais instabilidade e emoção. Um amor de plástico, assim como flores de plástico, apenas servem para não dar trabalho, mas seu valor é nenhum. Onde não existe a possibilidade de morte, a vida não acontece.

Aproveite o dia. Uma ótima quarta-feira para vc

terça-feira, 24 de novembro de 2009



24 de novembro de 2009 | N° 16165
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Entre dois mundos

Num entardecer de novembro de 1989, precisamente há 20 anos, Lauro Schirmer, então diretor de Zero Hora, me chamou à sua sala para mostrar o que foi um dos acontecimentos mais importantes do século 20. Na tela da televisão, uma multidão, na noite de Berlim, se apropriava do Muro e o punha abaixo, desafiando a bipolarização do mundo entre duas superpotências e acabando com a cisão de um país dividido contra si mesmo.

Contemplei emocionado aquele capítulo vivo da História e disse a Lauro que não me faltava ver mais nada.

Eu era sincero. Conheci Berlim em 1980, ainda dilacerada, e não esqueço a primeira vez que transpus suas fronteiras. O ônibus cruzou o Checkpoint Charlie, e logo um impressionante aparato da polícia oriental nos cercou. Meus companheiros de travessia e eu fomos cuidadosamente revistados e meu passaporte examinado como se fosse uma arma letal. Depois de uma excursão por entre ruínas da II Guerra e a monumental arquitetura socialista – imensos pombais de mínimos apartamentos – retornamos ao ponto original.

Aí aconteceu o ápice da vigilância. Guardas fardados nos cercaram, aparatos com espelhos escrutinaram a parte inferior do ônibus, cães enormes farejaram cada recanto do veículo. Nunca me esqueci dessa cena.

Tornei a Berlim em 1982. A rigidez do lado leste era a mesma. Ainda assim, em algum fim de semana – eu tirava um curso de Jornalismo Avançado que durava três meses – volvia a cruzar a fronteira, dessa vez por Friederichstrasse. O roteiro incluía a fantasmagórica visão de uma estação de metrô mantida exatamente como era no dia em que o Muro foi erguido, aí incluídos anúncios de artigos havia muito esquecidos e arquivados. Era como se o tempo tivesse parado.

Regressei em 1987 para outros três meses também assombrados pela divisão entre dois universos.

Houve 1989. Voltei em 1991, mas então os espectros se tinham dissipado. Onde antes resistia o Muro, já não se via sinal de sua existência.

Era como se eu caminhasse por um pedaço de calendário olvidado pela evolução da humanidade.

Melhor assim.

A liberdade é algo que não tem preço.

domingo, 22 de novembro de 2009


DANUZA LEÃO

Como é difícil ser feliz

É hora de inventar alguma coisa para sofrer; afinal, não há nada mais difícil do que viver a felicidade

POR MAIS louco que pareça, é difícil suportar a felicidade. Você conhece alguém feliz? Nem eu, e os poucos que têm tudo para serem felizes ficam inventando modas para complicar a vida.

Ter uma vida familiar satisfatória, sem nenhum daqueles problemas graves que existem em quase todas as famílias, já é raro. Além desse aspecto, ainda existem as relações entre os parentes, que na maioria das vezes costumam ser explosivas, para dizer o mínimo.

Sogras odeiam noras -e vice-versa-, irmãs querem esfaquear as cunhadas, e levante as mãos para os céus se na sua família nunca existiu quem se engraçasse com quem não devia.

Se do lado familiar está tudo bem, o que já é raro, vamos ao profissional. Suponhamos que você, depois de muita luta, tenha conseguido chegar ao ponto que queria: bem de grana e prestígio na praça, o que não é pouco. Mas ainda falta o lado sentimental; como vai ele?

Por incrível que pareça, esse também vai bem. Encontrou a pessoa certa -quase certa, a bem dizer-, com quem os filhos se dão bem, a quem os amigos não torcem o nariz e até a família, que não deixa passar nada, aceita.

Além disso, está morando numa casa legal, tem o carro do ano, pode viajar mais ou menos para onde quer mais ou menos quando quer, e o resultado do último check up não poderia ter sido melhor. E mais: modéstia à parte, o visual não deixa a desejar, muito pelo contrário, e as mulheres estão chovendo na sua horta.

Não são razões de sobra para estar feliz? São, e até demais. Então é hora de inventar alguma coisa, qualquer coisa, para sofrer; afinal, não há nada mais difícil do que viver a felicidade.

Um dos recursos mais usados é o medo. Ah, se ela me deixar; ah, se eu ficar doente; ah, se minha mãe morrer; ah, se eu perder o emprego; ah, se um incêndio queimar a minha casa; ah, se eu perder a inteligência e não puder mais trabalhar; ah, se a inflação voltar e não der para pagar as prestações do apartamento; ah, se o avião que vai me levar para fazer a mais maravilhosa de todas as viagens cair -e por aí vai.

As poucas pessoa felizes -e por isso são felizes- não têm medo de nada e nunca acham que a vida vai piorar, muito pelo contrário. Mas os que estão com a vida boa encontram sempre uma maneira de achar um drama em tudo.

As mulheres são especialistas nisso: se está tudo bem, elas lembram daquele dia, oito anos atrás, em que o marido bebeu demais e ficou fazendo charme para uma mulher. Daí para uma grande cena de ciúmes é um passo -ah, como nós podemos ser insuportáveis às vezes. E o pior: essa crise pode durar dias.

Se não é por aí, então quem sabe no trabalho? Como está tudo meio burocrático demais, fica pensando em como seria bom que fosse mandado para longe por uns tempos; até Brasília seria uma boa, só para mudar de ares e de função. Mas pensa na praia, na maravilha que é morar no Rio, e abandona a ideia antes que seja tarde.

Mas, como não há nada mais monótono do que a felicidade, é preciso arranjar pelo menos um problema, um pequeno problema, para que a vida fique mais interessante, e isso é simples.

Basta pensar: e se sua felicidade acabar?

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 21 de novembro de 2009



22 de novembro de 2009 | N° 16163
MARTHA MEDEIROS


Um oásis no deserto

Aconteceu no Rio, pelo que ouvi falar. Um garoto aparentando ter uns 19 anos resolveu improvisar um pocket show usando uma esquina da cidade como palco: a cada vez que o semáforo fechava, ele se posicionava na frente dos carros e tocava saxofone por um minuto. Aí o sinal abria e ele voltava para a calçada.

Não era malabarismo para garantir uns trocados. Ele fez isso por... sei lá, sugira você uma razão: farra, vaidade, benemerência, esperança de cruzar com um produtor musical? O que importa é que fez, e o curioso é que assim que o sinal abria, os motoristas custavam a arrancar seus carros, perdiam a pressa. Haviam deparado com um pequeno oásis em meio ao caos.

Cheguei do Marrocos há pouco, como comentei na coluna de quarta passada. Um país encantador, com uma biodiversidade de tirar o fôlego. Cruzei a árida cordilheira Atlas, percorri uma pequena trilha que já fez parte do Paris-Dakar e cheguei a dormir uma noite num acampamento de tuaregues em pleno deserto: tudo estupendo, mas seco.

Ainda assim, engolindo areia, fui surpreendida várias vezes por alguns oásis que quebravam o jejum. Fazia-se uma curva na estrada e de repente se vislumbrava um conjunto de palmeiras verdes, tão verdes que pareciam pinceladas à mão. De onde brotavam, de que solo fértil, de que estúdio cenográfico? Pareciam miragens.

Aterrissei de volta ao Brasil e entre as notícias de um apagão inexplicável e de um escândalo mais inexplicável ainda por causa de uma reles minissaia que gerou teses sociológicas, preferi me ater a essa história do garoto saxofonista que fazia shows de um minuto no agito das ruas, silenciando os buzinaços com sua música. Pensei: também é um oásis.

O que não falta por aí são pessoas com vidas desérticas, pensamentos viciados, gente presa em calabouços e respirando por aparelhos, sem dedicar um minuto, um minutinho que seja por dia, a criar seu próprio oásis.

Os nossos podem ser tão numerosos quanto os que eu encontrei naquelas paisagens marroquinas em tons de terracota, em que já não se distingue o que é cor original ou desbotado, uma estética da solidão que tem sua beleza e força, mas que clama por um pouco de oxigênio.

As pessoas dizem que a tecnologia, que deveria servir para agilizar o nosso trabalho e liberar mais tempo para o lazer, está, ao contrário, produzindo ainda mais trabalho e mais stress.

A culpa não é da tecnologia, que, pelo que sei, ainda não tem cérebro, mas de seus usuários, que deveriam pensar mais em vez de entrarem na paranoia de preencher cada hora do seu dia com atividades produtivas, ignorando a produtividade que também há num encontro entre amigos, num cinema, numa caminhada, na audição de um disco, na meditação, num final de semana longe da cidade, na leitura de um livro, num passeio de bicicleta, num namoro, no desprezo à lógica e no respeito aos acasos.

Esses são os verdadeiros oásis, ao contrário dos oásis fabricados, como, por exemplo, restaurantes da moda onde não se come bem nem se ouve ninguém.

O saxofonista no meio da rua nada mais fez do que ofertar à nossa vida opaca um toque de verde.

Um ótimo domingo para você.

Suzana Villaverde - Lailson Santos

O brinquedo dos famosos

No Twitter, gente que luta para preservar a vida pessoal passa o dia falando de sua vida pessoal. Às vezes, fala mais do que pretendia

DIA, NOITE E MADRUGADA


Sabrina, 310 000 seguidores: de tanto contar o que está fazendo, namorar escondido ficou difícil

É madrugada de uma segunda-feira e a apresentadora Sabrina Sato, acordadíssima, conta aos interessados o que está fazendo no momento. "Gente, estou até com vergonha, pareço uma coruja.

Não consigo dormir. Já tomei leite quente, rezei e li", lamuria-se Sabrina, que não passa mais de três horas sem fazer contato com seus mais de 300 000 seguidores, como é chamada a multidão cadastrada na sua página no Twitter, a rede virtual em que pessoas repartem sua rotina e suas impressões em mensagens rápidas, de até 140 caracteres.

No mesmo dia, depois de avisar na sua página que acabou de amamentar o filho Davi, a cantora Claudia Leitte (310 000 seguidores) fala com VEJA e, ato contínuo, twitta: "Acabei de dar entrevista! O assunto foi Twitter". Também cantora, também baiana, em outubro Ivete Sangalo fez questão de anunciar a seus 470.000 seguidores que estava indo para o hospital ter o filho, Marcelo.

"Crianças, agora vou parar de twittar porque acho que chegou a hora de ter meu baby. Obrigada pelo carinho de todos. Um beijo enorme!", digitou. Embora faça sucesso com meio mundo, ou mais, é entre as celebridades que a mania de dar palpite geralmente irrelevante, a qualquer momento, por celular ou computador, alastrou-se com mais vigor. Isto mesmo: quem antes fugia dos flagrantes para preservar a intimidade agora usa o brinquedinho para divulgar, por vontade própria, detalhes da vida pessoal.

"É o lugar que os famosos encontraram para chegar mais perto do público, impondo, ao mesmo tempo, a distância que querem estabelecer. O problema é que muitas vezes eles mesmos se esquecem e passam dos limites", alerta a consultora de imagem Renata Mello.

Até artistas muito reservados, como a cantora Sandy, apreciam a chance de manter uma relação mais próxima com os fãs. Ela lembra que, logo que entrou para a rede, em junho, chocou os seguidores (230 000, pelas últimas contas) com uma revelação espantosa: confessou que adorava picanha. Choveram comentários.

"Mesmo quando escrevo bobagem, as pessoas acham que é grande coisa. Recebi respostas do tipo ‘nossa, ela come a mesma comida que eu’", admira-se. Igualmente twitteira, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS, menos de 8 000 seguidores até agora) também mantém blog e perfis no Orkut e no Facebook, espaços que aproveita tanto para mostrar seu lado mais pessoal quanto para discutir com a oposição com menos formalidade. "Quem quer informação oficial vai ao meu site.

O Twitter é algo comportamental, não é uma central de informações", diz. Para os famosos, uma das maiores utilidades da ferramenta é a possibilidade de negar boatos infundados. Sandy apelou ao Twitter para desmentir que estivesse grávida; Manuela, para esclarecer que não, não estava de casamento marcado. Já Sabrina, nos tempos em que queria manter escondido seu namoro - hoje assumido - com o deputado Fábio Faria (PMN-RN), passou por apertos estratégicos.

"A gente ia ao cinema e eu comentava o filme no Twitter. Ele tinha de tomar cuidado para não comentar a mesma coisa", lembra Sabrina, que, viciada confessa, twitta até em reuniões - "Mas meu lugar preferido é sentada no meu banheiro".

Fotos Anderson Schneider e Lailson Santos
VIVA A INFORMALIDADE


Manuela (à esquerda, 7 800 seguidores) e Claudia (310 000): o gosto de falar sobre tudo, inclusive, ou principalmente, sobre as coisas mais irrelevantes

Gafes acontecem, claro (veja o quadro abaixo), e, lidas por seguidores que se contam aos milhares, viram um caso sério em questão de minutos. No começo do mês, a atriz Thaila Ayala escreveu que "é ruim sentar na primeira cadeira do avião. Todo mundo fica olhando, como se você fosse paraplégico!". Todo mundo, no caso, comentou. Thaila se desculpou e apagou a frase, mas o registro ficou.

"As pessoas ainda estão mais acostumadas com o mundo físico, onde você conta alguma coisa para um amigo e, por mais fofoqueiro que ele seja, vai falar para outras dez pessoas. No mundo virtual, qualquer comentário tem abrangência mundial", diz Wanderson Castilho, especialista em segurança na internet. Ele estima que em média 40% dos seguidores de uma pessoa no Twitter leem a mensagem no instante em que ela é enviada.

Ou seja: não adianta apagar - alguém já viu. Primeiro brasileiro a conquistar 1 milhão de seguidores, o apresentador Luciano Huck diz que se preocupa o tempo todo em não contar mais do que deve, mesma atitude de sua mulher, a também twitteira Angélica.

"A gente toma muito cuidado para não deixar escapar algo que não queremos dividir", diz Huck. "Famoso ou não, a dica é sempre olhar o número de seguidores antes de começar a escrever qualquer coisa", aconselha a consultora Renata.

Claudio de Moura Castro

Tecnologia para ricos ou pobres?

"Há pouco tempo, só rico tinha telefone. Hoje, empregadas domésticas saem fagueiras das lojas com seus celulares funcionando, prontos para lhes prestar serviços inestimáveis"

Revolução Industrial pesou no lombo do operariado. Marx e Dickens, com ânimos diferentes, descreveram a miséria opressiva de Londres. Mas, a longo prazo, os maiores ganhos foram para esse mesmo proletariado.

Para Schumpeter, o desenvolvimento econômico não é mais meias de seda para os ricos – que sempre as tiveram à vontade – mas meias para os pobres. Nos países mais prósperos, um operário hoje tem um nível de conforto que um rico da época de Marx não tinha. Nas nossas paragens tupiniquins, os benefícios para os mais pobres, trazidos pelo crescimento do século XX, foram superiores aos de todos os quatro séculos anteriores.

Apenas para ilustrar, a esperança de vida passou de 30 anos para mais de 70. Obviamente, falta muito, não são poucos os excluídos e não se trata de desculpar a horrenda distribuição de renda. Mas, é interessante registrar, os avanços tecnológicos têm sido muito generosos para com os mais pobres. Não que tenham sido pensados assim, mas é o que aconteceu.

A produção de motos (1,5 milhão por ano) corresponde a mais da metade dos brasileiros atingindo 18 anos. Um jovem empregado, morando com seus pais, consegue pagar a prestação de uma motocicleta simples, desfrutando a indescritível sensação de liberdade oferecida por ter seu próprio veículo.

O telefone celular é a redenção de quem trabalha por conta própria. Enterro em vala comum para o precário sistema de recados em telefones "de favor". De fato, só rico tinha telefone. Hoje, empregadas domésticas saem fagueiras das lojas com seus celulares funcionando, prontos para lhes prestar serviços inestimáveis.

As fotos de família estavam a cargo dos fotógrafos das praças públicas. Hoje, um celular melhorzinho fotografa tudo, a custo zero. O computador começa a chegar ao povão (em modestas prestações). Por exemplo, o meu borracheiro tem.

Quase um terço da população tem algum acesso a ele. O crescimento das vendas é espantoso. Para um universitário, um bom computador usado custa menos do que os livros indicados anualmente pelos professores.
Ilustração Atômica Studio

Quantos municípios brasileiros não têm livrarias? Ou, se têm, seu acervo é pífio. Mas, para que livrarias, se há a Amazon.com e suas versões caboclas? Qualquer um pode comprar quase 20 milhões de títulos pressionando algumas teclas.

Quem tem Google ri dos 32 volumes da Britânica, ao custo de 1.000 dólares, pois a Wikipedia é mais simpática e de graça. Pobre não tem dinheiro para revistas ou jornais, mas agora está tudo na internet. E pode ler, em português e gratuitamente, milhares de livros de domínio público.

O rico mandava o contínuo ou o moleque de recados ao correio para postar uma carta. Agora, o pobre passa um e-mail, igualzinho ao rico. E nenhum dos dois paga o selo. E o preço absurdo dos CDs? Hoje, qualquer música pode ser encontrada na web. E, com um pouquinho de astúcia, sem gastar nada.

E passam fagueiros os garis, com seus fones ligados nos tocadores de MP3. Como dito, longe deste ensaísta subestimar a situação de pobreza de grande parte da nossa população. Não obstante, a mensagem deste ensaio é que os avanços presentes da tecnologia trazem benefícios bem maiores para o povão.

Tais elucubrações nos levam de volta ao bando de hippies da Califórnia que inventou os microcomputadores, na década de 70. Era um grupo de contracultura que via na tecnologia um antídoto para a opressão, por parte de uma sociedade impessoal, comandada por grandes empresas e por "big brothers" sinistros.

Eles buscavam alternativas tecnológicas libertadoras. Queriam ferramentas que permitissem aos pequenos expressar-se em múltiplas direções. Precisavam de soluções pouco dispendiosas.

Com o sucesso dos microcomputadores, quase todos ficaram milionários. Não precisaram das soluções baratas que criaram. Mas as ideias estavam na rua. Suas aplicações foram herdadas por bilhões de pessoas.

Restam duas cogitações. Primeiro, o povo ficou mais feliz com seus novos apetrechos? Ou aumentou sua alienação e angústia? Segundo, ele saberá usar isso tudo? Ou as lastimáveis deficiências em sua educação o impedem de usar o melhor desse potencial criado pela tecnologia para aumentar sua cultura e qualidade de vida?

Claudio de Moura Castro é economista

Com reportagem de Laura Lopes Rick Gomez

O que desperta o desejo sexual feminino

Novos estudos sobre revelam um abismo entre o que as mulheres sentem e o que dizem sentir Ivan Martins e Francine Lima.

Ida Bauer aparece nos textos de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, sob o nome fictício de Dora. É uma moça bonita, de 15 anos, perturbada por tosses nervosas e incapacidade ocasional de falar.

Chegou ao divã do médico vienense queixando-se de duas coisas: assédio sexual de um amigo da família e indisposição do pai em protegê-la. Freud aceitou os fatos, mas desenvolveu uma interpretação própria sobre eles. O nervosismo e as doenças se explicavam porque a moça se sentia sexualmente atraída pelo molestador, mas reprimia a sensação prazerosa e a transformava, histericamente, em incômodo físico.

Como Ida se recusou a aceitar essa versão sobre seus sentimentos, largou o tratamento. Peter Kramer, biógrafo de Freud, diz que os sintomas só diminuíram quando ela enfrentou o pai e o molestador, tempos depois. Freud estava errado; ela, certa.

Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência, Freud escreveu uma passagem famosa: “A grande questão que nunca foi respondida, e que eu ainda não fui capaz de responder, apesar de 30 anos de pesquisa sobre a alma feminina, é: o que querem as mulheres?”.

Meredith Chivers, uma jovem pesquisadora da Universidade Queen, no Canadá, acredita que pode finalmente responder à pergunta. Sem os preconceitos e a ortodoxia de Freud, e com recursos experimentais que ele não tinha, reuniu 47 mulheres e 44 homens em laboratório e aplicou o mesmo teste a todos eles: viram oito filmes curtos sobre sexo, com temas variados, enquanto seus órgãos genitais eram monitorados por sensores capazes de medir a ereção masculina e a lubrificação feminina.

Ao mesmo tempo, Meredith pediu que indicassem, num sensor eletrônico, quanto estavam excitados com cada cena projetada. Essa era a parte subjetiva do teste.

Os resultados foram sensacionais. Meredith descobriu, primeiro, que as mulheres, sejam elas hétero ou homossexuais, se estimulam com uma gama muito variada de cenas. Homem e mulher transando, mulheres transando, homens transando, quase tudo foi capaz de produzir excitação física nas mulheres.

Até cenas de coito entre bonobos (os parentes menores e mais dóceis dos chimpanzés) causaram alterações genitais nas voluntárias, embora tenham deixado os homens indiferentes. Qualquer que seja a sua orientação sexual, eles parecem ser mais focados em suas preferências.

Homossexuais se excitam predominantemente com cenas de sexo entre homens ou com cenas de masturbação masculina. Heterossexuais se interessam por sexo entre mulheres, sexo entre homens e mulheres e atividades que envolvam o corpo feminino, mesmo as não-sexuais. O estudo sugere que as mulheres são mais flexíveis em sua capacidade de se interessar. Seu universo sexual é mais rico.

A outra surpresa da pesquisa de Meredith, talvez sua descoberta mais importante, foi a constatação de que existe uma distância entre o que as mulheres manifestam fisicamente e o que elas declaram sentir.

As cenas de sexo entre mulheres, por exemplo, foram as que causaram maior excitação física entre as mulheres heterossexuais – mas aparecem em segundo na lista de respostas sobre as imagens mais excitantes. Ocorre o mesmo com sexo entre dois homens. Os sensores vaginais mostram ser esse o terceiro tipo de cena que mais excita as mulheres, mas ele aparece na quinta posição nas declarações.

O fenômeno de divergência entre corpo e mente não poupa os macacos. Meredith diz que o relato subjetivo das mulheres sobre os bonobos não é coerente com a excitação física que elas demonstram. “O que eu descobri foi que as mulheres ficaram fisicamente excitadas (com os macacos), mas não declararam se sentir dessa forma”, ela disse em entrevista a ÉPOCA. Os homens demonstram um grau de coerência mais elevado entre as medidas objetivas e subjetivas.

Eles declaram gostar daquilo que fisicamente os comove, embora também se confundam com escolhas, por assim dizer, difíceis. No instrumento em que registram suas preferências, os homens heterossexuais marcaram as cenas de masturbação femininas como as mais excitantes, vencendo por pouco o sexo entre duas mulheres.

Mas os sensores genitais mostraram coisa diferente: a vitória pertence claramente às cenas de sexo entre mulheres. A conclusão é que também entre os homens há uma diferença entre excitação mental e excitação física, mas ela parece ser muito menor do que entre as mulheres.

Fernanda Colavitti

Em busca do Viagra cor-de-rosa

Uma nova droga está em testes para combater a falta de desejo feminino. Ela funciona mesmo ou é apenas uma jogada da indústria farmacêutica?

Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 21/novembro/2009.

Sexo, todo mundo sabe, é o grande barato do século XXI. Nunca se falou tanto do assunto, nunca ele foi considerado tão importante, nunca se gastou e se ganhou tanto dinheiro com isso.

Basta olhar os números de crescimento populacional – em 2050 seremos 9 bilhões de pessoas neste pequeno planeta apertadinho – para perceber outra óbvia novidade: nunca se fez tanto sexo como se faz agora. Não obstante, uma parcela imensa da população humana parece estar à margem dessa festa.

Algo como 1 bilhão de pessoas. Calcula-se que 30% das mulheres sofram de uma disfunção sexual chamada de Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH). Trata-se de uma doença descrita pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Americana de Psiquiatria.

Ela é caracterizada pela ausência de desejo sexual por um período superior a seis meses. Não é que essas mulheres não tenham parceiros, não tenham orgasmos ou não saibam obter prazer de alguma forma.

Elas simplesmente não têm vontade. São “frígidas”, para usar uma terminologia velha e quase insultuosa. E sofrem imensamente com isso. O desejo hipoativo, segundo os médicos especialistas, é uma grande fonte de angústia feminina.

Essa é a notícia ruim. A notícia boa é que o primeiro tratamento destinado especificamente a esse problema poderá chegar ao mercado entre o fim de 2010 e o início de 2011. Na última terça-feira, dia 17, o laboratório alemão Boehringer Ingelheim apresentou, durante um encontro médico na França, os resultados de um estudo que demonstrou a eficácia de uma substância chamada flibanserina no tratamento da baixa libido (leia na página 100 o quadro com os resultados completos do estudo).

As voluntárias que receberam o medicamento, já batizado “Viagra cor-de-rosa”, eram maiores de 18 anos, ainda não haviam atingido a menopausa e estavam em relações “estáveis, monogâmicas e heterossexuais” por pelo menos um ano. Todas sofriam de TDSH.

O estudo reuniu dados recolhidos por sete grupos de testes envolvendo mais de 5 mil europeias e americanas ao longo de 48 semanas. Enquanto tomavam o novo medicamento, pediu-se a elas que relatassem eventos sexuais de qualquer espécie. Valiam relação sexual, sexo oral, masturbação ou estimulação genital pelo parceiro.

O questionário perguntava se o ato foi satisfatório ou não.


21 de novembro de 2009 | N° 16162
NILSON SOUZA


Salamaleque

Obama fez uma reverência diante do imperador japonês e foi espinafrado pelos críticos de seu país sob a alegação de que não é apropriado para um presidente americano se curvar diante de um estrangeiro. “Nós não fazemos reverências a reis ou imperadores!” – vociferou um comentarista de televisão. Eta arrogância!

Que mal há em ser gentil? Ainda mais diante dos japoneses, que exercitam diariamente a mesura como manifestação de respeito. Além disso, o presidente estadunidense é mais jovem e tem quase o dobro da altura de seu colega nipônico.

Na linguagem gestual, Obama estava dizendo: “Eu sou igual a você”. Ou, numa interpretação mais otimista, talvez estivesse tentando dizer: “Não somos inimigos”. O nariz empinado é que gera hostilidades.

Pode ser até que o protocolo entre chefes de Estado exija uma certa formalidade, evitar tapinhas nas costas, abraços calorosos demais, beijos imprevistos. Mas governantes são, antes de tudo, seres humanos.

E nós, humanos, nos tornamos civilizados exatamente quando começamos a apertar as mãos de nossos oponentes para mostrar que estávamos desarmados, que não queríamos agredir e sim compartilhar a proximidade. Quando o aperto de mão é acompanhado pela inclinação da cabeça, mais respeitosa se torna a aproximação.

Claro que há povos e povos. Nós, brasileiros, somos em geral bastante afetuosos e irreverentes, às vezes até demais. Tem uma história do ex-ministro Paulo Brossard que é exemplar sobre o excesso de informalidade com as autoridades. Uma vez um jornalista aproximou-se do então ministro, colocou as mãos sobre os seus ombros e perguntou:

– Quais são as novidades ministro?

E Brossard, sem perder a fleuma, respondeu:

– Afora essa sua intimidade, nenhuma.

Temos até um certo orgulho da nossa irreverência. Quando um governante estrangeiro aparece por aqui, não sossegamos enquanto não o vemos cair no samba ou cobrar um pênalti de mentirinha.

Rainhas, príncipes e até ditadores são, invariavelmente, submetidos ao ritual da descontração. Se Obama tivesse feito aquele gesto diante de Lula, certamente teria recebido em troca um salamaleque ainda mais espalhafatoso.

E ninguém por aqui veria fantasmas. Aliás, o presidente americano até andou fazendo coisa parecida quando lançou um estranho olhar na direção de uma jovem brasileira. Na ocasião, pelo que me lembro, nenhum crítico achou que ele estava saindo da linha. Todo mundo achou graça. E assim é que tem que ser.

Deixem o homem ser humano.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009



18 de novembro de 2009 | N° 16159
MARTHA MEDEIROS


Salve a família irreal

Excetuando uma viagem escolar aos 15 anos de idade, nunca saí em excursão, e olha que já rodei esse mundo um bocado. Excursão, pra mim, sempre me pareceu uma espécie de Alcatraz, uma maneira de viajar com uma bola de chumbo nos pés, protegendo-se contra o que o desconhecido pode trazer de melhor, que é a liberdade e as surpresas.

Então sempre preferi viajar a dois, que é sublime, ou sozinha, que não é nenhum castigo. No entanto, conspirações cósmicas têm me feito aceitar que às vezes é preciso flexibilizar nossas certezas, e acabo de excursionar pelo Marrocos semissolitária, porque solitários somos todos, e semiacompanhada por outras 25 pessoas. Contrariando todos os prognósticos, deu certo.

A fórmula do sucesso é simples: entrar num grupo culturalmente homogêneo e aceitar que você deve se adaptar aos outros, e não eles a você. É imprescindível deixar em casa o “eu não quero”, “eu não vou”, “eu não gosto”, e com bom humor encarar o que for decidido comunitariamente.

Mas, mesmo nesse meu inspirado momento “topo todas”, não me aventurei no escuro: escolhi uma turma liderada por uma amigona que é professora de história da arte e que tem milhagens para dar e vender, nasceu com uma mochila nas costas. Portanto, a chance de entrar numa fria era remotíssima.

Três dias depois de voltar, estava dentro do cinema assistindo a This is It, documentário sobre os ensaios que Michael Jackson fez para os nunca estreados shows em Londres, já que uma overdose de medicamentos o tirou de cena.

O filme não chega a ser uma surpresa em termos de performance – quem não sabe o quanto o homem dançava? –, mas é um tributo à delicadeza, e não porque o protagonista vivesse num parque de diversões.

O filme mostra que Michael Jackson era um profissional adulto, rígido em suas escolhas, obcecado por qualidade. Mas era também obcecado por bons modos: nunca precisou levantar a voz para comandar seus dançarinos, nunca economizou nos elogios e agradecimentos, nunca permitiu que os nervos se alterassem.

O mérito do filme, além de destacar o inimitável talento pop de Michael, é deixar clara a eficiência da gentileza para unificar pessoas antagônicas. Havia um grupo a ser liderado, conduzido, gente de toda procedência, de tudo quanto é idade, e que juntos, naqueles meses de ensaio, se transformaram numa nova família Jackson. Não mais os Jackson Five, mas os Jackson 183, os Jackson 254, ou um número aproximado, se levarmos em conta todos os envolvidos numa megaturnê.

Uma excursão turística também é uma família. Aliás, era assim que a gente se chamava pelas ruas de Marrakesh ou perdidos na muvuca de Fez. Quando o grupo começava a se dispersar demais, a sumir pelas labirínticas medinas, soava alguma voz de comando: “Família!”. E todos rapidamente se reuniam e reverenciavam nossa divertida família irreal.

Éramos adultos gentis tentando administrar diferenças. Éramos seres que nunca haviam se visto, e nem visto aquelas cidades exóticas no norte da África, mas que sabiam a importância da cortesia para fazer a coisa funcionar. Éramos o que somos todos: participantes de uma coletividade em busca de uma convivência sadia.

O grupo do Marrocos sobreviveu. O de Michael, por razões óbvias, não. Mas o filme está aí para, além de nos extasiar com sua música, mostrar o quanto a boa educação também pode dar espetáculo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009



17 de novembro de 2009 | N° 16158
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Montevidéu na primavera

Algumas pessoas viajam para a Tasmânia, outras para Pago-Pago. Eu escolhi agora como destino, para uma breve temporada, Montevidéu, Uruguai. Fiz isso por pura saudade de um tempo que se foi. Minha primeira viagem fora das fronteiras de Porto Alegre e de Cachoeira, isto quando eu tinha 18 anos, foi a amável república que nos dá a honra de sua vizinhança. Quer dizer: meu combustível era a saudade.

Me aguardava em Carrasco um novíssimo aeroporto, que lembra Renzo Piano e outros grandes mestres da arquitetura. Mais do que ele, me esperava uma sedutora recepcionista: a primavera luminosa que me fez graciosa companhia durante todos os dias que passei na oriental, democrática república.

Embora conheça Montevidéu há tanto tempo, refiz percursos ao modo de quem recém lhes fosse apresentado. Cheguei a me inscrever em city tours que me levaram da renovada Ciudad Vieja a Playa Ramirez, Punta Carretas, Pocitos, Malvin e a uma infinidade de outros bairros em que nada havia mudado para tudo mudar. Eu sou o primeiro no entanto a reconhecer que havia um sentido de permanência no ar. Há detalhes da arquitetura de uma capital que no Brasil mudam a cada instante. Na do Uruguai, no entanto, resta uma atmosfera de completude que talvez nunca se altere.

Falo da arquitetura humana. As pessoas são amáveis. As fórmulas de cortesia são universais. Nada me tocou mais do que tornar a ouvir, depois de agradecer por qualquer favor, uma brevíssima sentença: Usted merece. São fórmulas que fazem parte natural da conversação, como quem diz bom dia ou por favor. A cidade em si praticamente é a mesma que conheci no distante ano da graça de 1963. Há, é claro, o novo palácio presidencial, uma escultura em aço e vidro, em azul e esmeralda, que encanta por suas linhas sóbrias e belas. Há também a torre das telecomunicações, mas esta é mais antiga. Restam intocadas as ruas margeadas de plátanos, as casas de um traço clássico, monumentos como o Palácio Salvo, os cenários da Rambla Costanera.

E sobrevivem, aparentemente muito bem da saúde, os cassinos, aí incluído um novo, Las Maroñas, em plena Avenida 18 de Julio. Foi instalado em um palácio restaurado em todo o esplendor, mas guarda para mim um pecado capital: as apostas não se fazem com o prestimoso auxílio do crupiê, mas com os bons ofícios de mecanismos eletrônicos.

Nada disso no entanto rouba o charme de Montevidéu. Este vai desde as crianças em seus uniformes escolares ao sóbrio desenho das mansões ancestrais.

Sem falar, é claro, na senhorita que nunca viste e de repente te lança todo um olhar de fascínio e de mistério.

Uma linda terça-feira, com muito sol lá fora e ai dentro de ti.

sábado, 14 de novembro de 2009



15 de novembro de 2009 | N° 16156
MARTHA MEDEIROS

Futebolzinho

Você já pensou em quantas mulheres dariam tudo para que o marido jogasse um futebolzinho de vez em quando?

VOcês se veem todos os dias. Conversam sobre todos os assuntos. Almoçam ou jantam juntos diariamente. Transam com alguma assiduidade. Viajam juntos. Vão ao cinema juntos. Dormem juntos. Passam todos os Natais juntos. As férias juntos. Pelo amor de Deus, como é que você tem coragem de reclamar do futebolzinho dele?

Todo mundo precisa respirar dentro de um casamento. Você, que vive se queixando do futebolzinho dos sábados, ou do futebolzinho das quintas, ou seja lá em que dia o seu marido jogue um futebolzinho com os amigos, deveria se ajoelhar e agradecer por ele ter um hobby e não compartilhá-lo com você.

Ele precisa ver outras pessoas, se desintoxicar do ambiente familiar, suar a camisa, perder a barriguinha, tomar um chopinho. Você não pode privá-lo de uma coisa tão inocente.

Você já pensou em quantas mulheres dariam tudo para que o marido delas jogasse um futebolzinho de vez em quando? Tem marido que fica em casa o dia inteiro, tem marido aposentado, tem marido que só faz dormir, tem marido que não sai da frente da televisão, tem marido sem amigo: bendita seja você que tem um marido que joga um futebolzinho.

Tem marido que viaja a trabalho toda semana, marido que vive jogando pôquer às ganhas (e sempre perde), marido que desaparece de casa e só volta três dias depois, marido que cheira, fuma e bebe todos os dias, marido que aposta até a sogra nos cavalos, marido que é violento, marido que é retardado: louvado seja o marido que só quer jogar seu futebolzinho em paz.

O futebolzinho permite que você enxergue as pernas do seu marido no inverno. O futebolzinho faz com que ele externe sua virilidade, sua fúria, sua raiva contra aquele juiz filho da mãe. O futebolzinho resgata o homem primitivo que ele tem dentro dele.

O futebolzinho ajuda-o a descarregar a tensão, dá a ele uns hematomas para se orgulhar. O futebolzinho é sua religião, e você quer acabar com isso só porque ele não tem prestado atenção em você? Vá procurar suas amigas e tomar um vinhozinho, bater um papinho, pegar um cineminha. Vá descolar seu próprio futebolzinho.

Eu achei que estava fora de moda o grude nas relações, que isso era coisa do passado, mas recebi um e-mail comovente de um homem apaixonado pela esposa que tenta, deseperadamente, preservar seu futebolzinho, que ela, por seu lado, tenta a todo custo exterminar.

Fiquem espertas, garotas. O futebolzinho, o vinhozinho e tudo o mais que homens e mulheres fazem separados um do outro é o que os mantêm juntos.

Diogo Mainardi

O bonde do MC Beltrame

"Desde que Lula passou por lá para visitar as obras do PAC, o Complexo do Alemão transformou-se num território da paz, mas unicamente para os traficantes do Comando Vermelho"

Em julho, no Morro da Chatuba, ocorreu um baile funk em homenagem a FB, o chefe do tráfico de drogas no Complexo do Alemão. MC Smith cantou:

"A festa do FB / está tipo Osama bin Laden"

No domingo passado, o Morro da Chatuba assistiu a mais um baile funk. Desta vez, os homens de FB comemoraram o abatimento de um helicóptero da PM. José Mariano Beltrame, a maior autoridade policial do estado do Rio de Janeiro, comparou o abatimento do helicóptero aos atentados terroristas de Osama bin Laden, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001. MC Beltrame, inspirado em MC Smith, já pode animar um baile funk no Morro da Chatuba.

FB está longe de ser um Osama bin Laden. Os policiais comandados por José Mariano Beltrame sempre souberam onde ele se escondia. Dez dias antes que FB ordenasse o assalto ao Morro dos Macacos, que resultou no abatimento do helicóptero da PM e na morte de mais de trinta pessoas, a deputada federal Marina Maggessi declarou o seguinte a um repórter de O Globo:

"A polícia não entra no Complexo do Alemão por causa das obras do PAC. Está todo mundo evitando tiroteio para não parar as obras do PAC. A bandidagem toda está indo para lá".

O "bonde" de FB (tema de outro funk de MC Smith), formado por mais de 100 criminosos, confirmou a denúncia de Marina Maggessi. Na última semana, ela repetiu que as obras do PAC criaram uma zona franca para o Comando Vermelho. Revelou também que as autoridades policiais foram alertadas sobre os planos de FB algumas horas antes de ele atacar o Morro dos Macacos. O que aconteceu depois disso? As delegacias da região foram impedidas de agir.

Em 4 de dezembro de 2008, Lula visitou as obras do PAC no Complexo do Alemão. Na mesma solenidade, que contou com um espetáculo do grupo AfroReggae, ele atacou o governo anterior e prometeu fazer "uma revolução para resolver o problema da segurança pública", transformando a área num "Território da Paz".

Quase um ano depois, já dá para analisar alguns dos resultados dessa revolução. Primeiro: Lula continuou a visitar obras do PAC e a atacar o governo anterior.

Segundo: poucos dias atrás, um dos integrantes do AfroReggae foi morto a tiros e a PM soltou seus assassinos. Terceiro: sim, o Complexo do Alemão transformou-se num território da paz, mas unicamente para os traficantes do Comando Vermelho.

De fato, desde que Lula passou por lá para visitar as obras do PAC, a polícia nunca mais realizou uma operação contra seus criminosos.

A última delas ocorreu em outubro de 2008. Nesse período, FB aumentou seu arsenal e reuniu suas tropas. Como diz o funk de DJ Will, ecoado por MC Beltrame:

"A PM aqui não entra / Aqui só tem talibã / Terrorista da Al Qaeda"


Academia de ginástica (mental)

"Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade"

As primeiras ondas encantaram os turistas. Eles ficaram então esperando as próximas. Contudo, foram salvos por uma inglesinha bem jovem, em cujo livro de ciências estava explicado o que era um tsunami e que perigos trazia.

Que corressem todos, o pior estava por vir! Em contraste, alguns pobres coitados de Goiânia receberam doses fulminantes de radiação ao desmontar o núcleo radioativo de um aparelho de raio X vendido como sucata. Os turistas foram salvos pelo conhecimento científico da jovem inglesa. Os sucateiros foram vítimas da sua ignorância científica. Não é fortuita a nacionalidade de cada um.

H. Habermeier mostrou que, dentro de níveis comparáveis de qualidade da educação, os países com melhor desempenho em ciências obtinham resultados econômicos mais expressivos. Ou seja, há argumentos poderosos sugerindo o efeito de uma boa base científica no desempenho econômico.

Estamos cercados de aparelhos com extraordinária densidade de ciência e tecnologia. Decifrar e manipular a natureza é crítico para a nossa produtividade. A liderança do país no etanol requer que um reles pé de cana incorpore melhoramentos genéticos de altíssima complexidade.

Esses argumentos vêm sendo repetidos ad nauseam. Apesar disso, é lastimável o desempenho brasileiro em ciências. Nas provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil está entre os últimos lugares, abaixo da média da América Latina, um continente de pífio desempenho educativo (vejam o livro recente O Ensino de Ciências no Brasil, do Instituto Sangari). Quero trazer mais dois argumentos possantes.

O primeiro tem a ver com a ideia de que aprender a pensar é uma das tarefas mais nobres e mais árduas da escola. Mas, ao contrário do que almas ingênuas poderiam imaginar, não se aprende a pensar em cursos do tipo "Como pensar".

Aprende-se pensando sobre assuntos que se prestam para tais exercícios. E, entre eles, as ciências oferecem um campo excepcional. Exercitamos os músculos nas academias. E exercitamos os músculos do intelecto lidando com as ciências e outros assuntos de lógica exigente.

Que fantástica academia para exercícios mentais são as teorias científicas! O rigor das definições, a precisão das leis e as abstrações disciplinadas oferecem um terreno ideal para ginásticas simbólicas. Portanto, mesmo que os conhecimentos não servissem para melhor operar em um mundo complexo, a ginástica mental que permitem é uma das fases mais nobres do processo educativo.

Ilustração Atômica Studio

Vejamos o segundo argumento. Se pensamos na contribuição da Europa nos últimos cinco séculos, muitas ideias nos vêm à cabeça. Mas talvez uma das mais decisivas tenha sido o desenvolvimento do método científico, salto que teve Bacon e Descartes como ícones. Por trás dos gigantescos avanços científicos está o método. Com ele, a ciência avança, seja com passinhos, seja com saltos. Não há marcha a ré, pois até o erro educa.

O método impõe a disciplina de formular as perguntas de maneira rigorosa e sem ambiguidades. Em seguida, propõe e fiscaliza um plano de ação para verificar se as hipóteses para responder às perguntas, de fato, descrevem o mundo real. Sem essa disciplina para escoimar de imprecisões e equívocos a busca científica das respostas, não poderíamos ter confiança nos resultados. A vulgarização do poder da ciência se traduz nas afirmativas publicitárias de que "a ciência demonstrou...".

Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade. Mas o meu argumento aqui vai em outra direção.

O método tornou-se uma espécie de roteiro seguro para pensar bem sobre todos os assuntos, não apenas para fazer pesquisas. Quem aprendeu a pensar como cientista e a usar o método científico tem um raciocínio mais enxuto e rigoroso. As perguntas são mais bem formuladas e já facilitam a busca sistemática das respostas.

Não importa o assunto (mas, obviamente, uma boa base científica apenas dá a embocadura para entrar com segurança no assunto, não substitui o conhecimento específico).

Só falta dizer que há uma enorme diferença entre aprender a pensar como um cientista e decorar fórmulas, teoremas e leis. Infelizmente, nosso ensino pende para a segunda versão. E o Pisa joga isso na nossa cara.

Claudio de Moura Castro é economista


Peso e etnia influenciam comportamento sexual de garotas

Estudo americano diz que as gordinhas usam menos camisinha. Já entre as de origem latinas, o comportamento sexual de risco é grande para meninas acima, abaixo ou com peso normal

Segundo pesquisa dos Estados Unidos, meninas que se sentem acima ou abaixo do peso usam menos camisinha

A etnia de uma adolescente e seu peso (real ou a percepção que ela tem dele) desempenham um importante papel em seu comportamento sexual, principalmente nas relações de risco. É o que sugere um estudo da Universidade de Pittsburgh publicada na Pediatrics, segundo o site ScienceDaily.

Das cerca de 7.200 garotas que responderam à pesquisa em 2005, metade disse nunca ter tido relações sexuais. Das garotas sexualmente ativas, as com sobrepeso, ou que pensavam estar acima do peso, usavam menos camisinha do que as que tinham peso normal. As meninas abaixo do peso também eram menos propensas a usar preservativo.

O estudo também mostra que as origens étnicas influenciam a atividade sexual das meninas e seu grau de risco. As de origem caucasiana que acreditavam estar abaixo do peso eram mais propensas a ter relações sexuais, tendo quatro ou mais parceiros. Aquelas acima do peso relataram usar menos o preservativo.

Dentre as afrodescendentes, as magrinhas estavam mais propensas a usar camisinha enquanto as gordinhas disseram ter tido quatro ou mais parceiros sexuais.

Já as de origem latina, seja qual fosse o peso, estavam mais propensas a se aventurarem em relações de risco: rejeitando a camisinha ou a pílula anticoncepcional, transando antes dos 13 anos, tendo mais de quatro parceiros sexuais e/ou fazendo uso de bebidas alcoólicas.

"Esse estudo contribuirá para a educação sexual porque mostra como as regras sociais em relação ao corpo, peso e ascendência podem influenciar na decisão sexual dos adolescentes. Saber como uma menina percebe o seu peso pode ser tão importante quanto saber o seu peso real", diz Aletha Akers, que liderou a pesquisa.

ROBERTA, 36 ANOS - Advogada paulistana fotografada em sua casa. Ela levou o namorado ao bordel e agiu como prostituta

Dezenove mil formas de fazer sexo

Chega ao Brasil um livro com a mais completa compilação das fantasias sexuais modernas. Angelina Jolie está lá, assim como a cunhada, o vizinho, o vagão do trem, as trigêmeas...

Espartilho, cinta-liga, máscaras. Eu e dois homens estranhos. Plateia? Não descarto, mas um lugar reservado talvez fosse melhor. Se houvesse uma segunda mulher, também seria uma bela experiência. Não acho que viraria lésbica por causa disso. Sem falar que o homem entre nós duas ficaria maluco. Uma travessura eu já fiz: um namorado me levou a um prostíbulo. Pedi permissão à dona, pagamos, me vesti a caráter e encenamos. Ele era meu cliente. Foi inesquecível.

Acho que fantasio muito porque sou curiosa. Mas não conto nem para minhas melhores amigas. As pessoas são muito preconceituosas. Já me separei de um homem que não era criativo e não fazia nenhum esforço para realizar minhas fantasias. Ele dizia que não tinha, mas era mentira, claro. Todo mundo tem, mas a maioria esconde.

O relato da paulistana Roberta, de 36 anos, advogada, ilustra uma certeza: o debate público sobre a sexualidade é cada vez mais natural, mas as fantasias sexuais permanecem tabu. Ela própria não quis se identificar. Os desejos secretos misturam prazer e dor, realização e sofrimento e embaraçam quem os experimenta.

Por isso é raro ter um vislumbre desse pedaço da intimidade humana. Agora, porém, escancarou-se uma janela. Durante cinco anos, o psicanalista inglês Brett Kahr pesquisou fantasias sexuais. Coletou tantos relatos que ficou conhecido na Grã-Bretanha como “o homem das 19 mil fantasias sexuais”.

Os depoimentos foram tomados no consultório, nas ruas e pela internet e depois organizados por temas e padrões. No livro Sexo e psique (Editora Best-Seller), que será lançado no Brasil no fim deste mês, Kahr transcreve mil relatos de homens e mulheres. Eles vão de vontades corriqueiras e totalmente realizáveis a transgressões ligadas a incesto, violência, escatologia e necrofilia.

A estrutura lembra o famoso Relatório Hite (de 1976, atualizado em 2004), no qual a sexóloga Shere Hite expôs pela primeira vez e com total crueza os hábitos e as fantasias sexuais das mulheres americanas. Kahr sentou-se “numa ruela escondida de Londres, com um divã e cadeiras aconchegantes” e, como Hite, ouviu o que parecia inconfessável. Seu relato nos leva a um mundo de incestos e perversões que o dramaturgo Nélson Rodrigues, uma espécie de patrono da libido oculta brasileira, reconheceria de imediato como seu, ainda que os devaneios sejam ingleses.

“Existem dois tipos de fantasia: aquelas mais festivas, que revelamos com orgulho aos amigos de bar, e outras, que vêm das profundezas de nossa mente, que muitas vezes não revelamos nem aos companheiros ou muito menos a estes”, afirma.

Para começar, explica Kahr, tais fantasias entranhadas na mente não têm nada a ver com o que somos na realidade. Cidadãos pacatos e civilizados podem simular violência sexual com a companheira e passar a vida sem fazer mal a uma mosca.

Um homem heterossexual pode se excitar com a ideia de uma relação com outro homem e não por isso ter uma tendência homossexual. Uma mulher independente e bem-sucedida pode se imaginar submissa e humilhada sem deixar de ser o que é.

Aquela que se imagina penetrando o marido com um pênis de borracha certamente não gostaria de vê-lo com outro homem. No livro, há uma paciente que fantasia ser torturada por Saddam Hussein, mas Kahr especula que ela fugiria se ele aparecesse perto dela – e não só porque ele está morto.


14 de novembro de 2009 | N° 16155
NILSON SOUZA


Páginas da vida

Zuca e Pedro estiveram na Feira do Livro em dias diferentes, mas com o mesmo objetivo: autografar suas obras.

Zuca saiu de São Sebastião do Caí com uma bolsa cheia de livros, edições do autor, custeadas com seus ganhos de consultor de vendas, primeiro trabalho do escritor iniciante de um texto centrado no combate à corrupção. Passou uma hora sentado sozinho na Praça de Autógrafos, uma espécie de multipalco das celebridades do livro. Vendeu um livro e assinou um autógrafo.

Pedro desembarcou na Feira do olimpo de campeão de vendas no país. Em 36 anos de ofício, 70 obras publicadas, mais de 21 milhões de exemplares vendidos e a glória suprema de atingir o coração de crianças e adolescentes. O autor de A Droga da Obediência já tem livro transformado em filme e reconhecimento internacional. Sua sessão de autógrafos provocou filas de pequenos leitores inquietos e de mães embevecidas.

Zuca e Pedro, como este cronista sabático e incontáveis escribas, usam as letras como tijolos para dar forma concreta a suas ideias e a seus sonhos. O livro é uma espécie de casa própria construída com as próprias mãos. Só para de pé se os alicerces estiverem bem plantados, se as paredes forem sólidas e se o telhado resistir às intempéries. E, principalmente, se for edificada com matéria-prima de qualidade.

A morada de páginas pode ser a casa de Zuca, frequentada apenas por ele mesmo ou por algum extraviado que aparece para pedir um copo d’água. Pode ser também a cidade de Pedro, visitada por multidões. Ambas, porém, são amadas por seus proprietários, porque contêm as páginas de suas vidas.

Zuca, o anônimo autor de Pela Decência da Política, é Luiz Augusto Flores, que passou sozinho a sua sessão de autógrafos no primeiro dia desta semana. Pedro carrega no sobrenome uma Bandeira de sucessos literários.

Os dois são personagens inesquecíveis desta obra aberta chamada Feira do Livro de Porto Alegre, que continua atraindo leitores viciados e curiosos ao centro da Capital.

Zuca tenta consertar o estrago moral e cultural do país com uma pregação ética dirigida a adultos. Pedro opera no mesmo sentido, mas sua missão talvez seja mais decisiva: ele lida com mentes infantis e adolescentes. Seus livros também abordam o contraste honestidade/desonestidade, em ritmo de aventura, de modo a fazer sentido para leitores em formação.

Bendita e democrática Feira, que oferece o mesmo palco para atores tão diferentes e revela que eles lutam pela mesma causa com a mais civilizada das armas: a palavra.

terça-feira, 10 de novembro de 2009


ELIANE CANTANHÊDE

O crime de ser mulher

BRASÍLIA - Noutro dia, uma mulher de mais de 60 anos foi amordaçada, torturada e violentada por um criminoso que entrou na sua casa, em Brasília, fazendo-se passar por bombeiro eletricista.

É dramático, mas comum. Pior foi a entrevista da delegada (delegadaaa!) a uma rádio, em que ela nem sequer fez referência ao crime e ao criminoso, centrando suas suspeitas (ou seriam certezas?) sobre a própria vítima: se nunca tinha visto o homem, como entabulou conversa com ele? Se morava sozinha, como deixou o estranho entrar? E sentenciou: "Há muita coisa estranha nessa história".

Nada disse sobre o estupro, a violência, a covardia, as escoriações, as muitas horas que a mulher havia ficado ferida, amarrada e amordaçada. No inconsciente da delegada, a vítima era a ré. Afinal, uma mulher madura, sozinha, sabe-se lá!

É o que ocorre na Uniban, quando vândalos recalcados promovem uma rebelião, perseguem, ameaçam e humilham uma colega indefesa, porque... Por que mesmo? Ah, sim! Era insinuante. E ela é que acaba expulsa pelo conselho universitário, até o reitor agir. A vítima virou ré. Afinal, uma mulher jovem, bonita, de saia curta...

São dois casos bastante simbólicos. No de Brasília, não foi um policial bruto e machista que inverteu as condições de vítima e réu: foi uma delegada mulher. No da Uniban, quem embolou os personagens foi o conselho de uma entidade acadêmica, que foi criada e é regiamente paga para cuidar da educação (e da segurança) dos filhos alheios.

Se a delegada e a cúpula da escola são os primeiros e mais insensíveis algozes, para onde correr? A quem recorrer? O "mal" e o "bem" se embaralham cruelmente, e a vítima passa a ser cada vez mais vítima -na condição de ré.

PS - Por falar nisso, no Estado de Maluf e na capital de Pitta, quem é condenada e paga a conta é Luiza Erundina. É de rir ou de chorar?

elianec@uol.com.br

domingo, 8 de novembro de 2009


DANUZA LEÃO

Para não esquecer

Nenhum brasileiro gosta de ser chamado, pelo presidente, de "eles", como se tivesse nascido em terra inimiga

EU JÁ FUI fã do presidente Lula.

A primeira e única vez que o vi de perto foi num encontro com a classe artística no Canecão, no Rio, isso antes do seu primeiro mandato; mesmo tendo achado que ele se comportava um pouco como Silvio Santos, andando no palco para lá e para cá com o microfone na mão, fiquei fascinada com o personagem.

Além de sua impressionante trajetória pessoal, Lula transpirava sinceridade e honestidade, além de enorme simpatia; e afinal, o PT era o PT, partido que ia levar a ética para o Planalto. Alguns amigos, poucos, me disseram que eu estava enganada, que esperasse para ver. Mas Lula encantou o país e foi eleito num clima de expectativa jamais visto, com a maior parte da população acreditando que tudo daria certo, enfim.

Sua posse, com Brasília vestida de verde e amarelo, foi uma apoteose, mas já naquela noite o novo governo, que comemorou a vitória no salão de um hotel, deixou uma impressão preocupante. Na porta do tal salão, a segurança dava medo, e não deixava ninguém chegar nem perto.

Alguns colegas da imprensa, que estavam lá para fazer seu trabalho, contar como tinha sido a festa, não conseguiram; Lula não deu o ar de sua graça nem para um alô de longe.

O clima ficou um pouco tipo linha-dura, sobretudo na comparação com Fernando Henrique, que foi o mais cordial dos presidentes.

Comecei a prestar mais atenção no noticiário político e vi que muitos dos que apoiaram Lula foram se afastando. Dava para desconfiar; por que seria? Depois vieram os escândalos, as antigas estrelas do PT sumiram e muitas são réus do mensalão.

Mas não vou falar de política, nem para elogiar os sucessos nem para cair de pau no governo. Vou falar de coisas aparentemente sem importância, e que não teriam mesmo nenhuma importância se não se tratasse de um presidente, e que incomodam, e não só a mim.

Logo no início, quando Lula e sua mulher, d. Marisa, recebiam para jantar, os homens levavam uma garrafa de bebida, as mulheres um pratinho de doces, economizando dinheiro do país, lembra? Oh, demagogia, teu nome é Lula, teu nome é PT. Ok, passemos.

Claro que não vou falar da prosperidade de Lulinha, nem de d. Marisa, que nunca fez rigorosamente nada -pelo menos para se distrair- em sete anos de primeira-dama, a não ser se vestir de verde e amarelo nas ocasiões propícias.

Além do chapéu de palha que o casal tem a mania de usar, como se fossem dois roceiros, Lula se deslumbrou com ele mesmo, mas não aprendeu que, como presidente, não pode dizer "o Obama me disse", ou "falei no telefone com o Sarkozy"; ficaria mais condizente com seu cargo dizer "o presidente Obama", ou "o presidente Sarkozy". O Itamaraty não podia ensinar essas coisas? E não acredito que jamais o presidente Obama ou o presidente Sarkozy dissessem um descalabro desses.

Mas o que me incomoda mesmo é quando Lula diz -e isso está se repetindo, ultimamente- que "eles" estão mordidos, "eles" estão com raiva -ou com seu sucesso, ou porque "eles" já sabem (é o que Lula acha) que vão perder a próxima eleição, ou sei lá o que, não importa; o que importa é o "eles". "Eles" quem? Presumo que sejam todos os que não são do PT, portanto inimigos.

Lembro o dia em que Lula, já eleito, se encontrou com Bush. Foi com a estrela do PT na lapela, quando deveria ter ostentado a bandeira do Brasil.

É como agora: espera-se que um presidente seja a favor do país para o qual foi eleito, não só ao partido que o elegeu. Nenhum brasileiro gosta de ser chamado, pelo presidente do seu país, de "eles", como se tivesse nascido numa terra inimiga.

E para não dizerem que não gosto do PT, vou dar uma mãozinha na candidata de Lula: para ter boa votação, quanto menos Dilma Roussef aparecer na TV, mais votos ela terá.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 7 de novembro de 2009



08 de novembro de 2009 | N° 16149
MARTHA MEDEIROS


O calor e o frio dos outros

MAntenho correspondência por e-mail com algumas pessoas que moram fora de Porto Alegre e fora do Brasil. Não há um único e-mail, de ida ou volta, em que não se fale rapidamente do tempo. Aqui está um calor dos infernos. Pois aqui choveu o dia inteiro e refrescou.

Uma conversa mundana que eu achava típico de pessoas mundanas como eu, mas quando li o livro que traz as cartas que Clarice Lispector trocava com alguns de seus amigos, reparei que 90% delas também continham observações meteorológicas. Por mais filosófico ou intelectual que fosse o teor da carta, sempre havia um momento para falar do sol ou do nublado lá fora.

Fico pensando o que significa isso. Que me importa se em Paris está chovendo ou se no Rio faz 42ºC à sombra, já que não estou de passagem marcada para lá? O que importa para meus amigos forasteiros se em Porto Alegre choveu muito em 2001? Todos os dias chove ou faz sol, está frio ou quente, úmido ou seco, e a cada manhã isso nos parece um fenômeno sobrenatural e espantoso.

Creio que compartilhar as condições climáticas do lugar em que se está é um recurso de aproximação. É uma maneira de nos situar geograficamente, de preparar um cenário “visível” para quem não está nos enxergando. Lá no hemisfério norte a pessoa está encarangada, congelada, e no entanto pode nos imaginar bronzeada e suando, vestindo uma leve blusinha de alças.

E talvez seja também uma maneira de justificar nosso humor: temos nossas próprias variações de temperatura, somos pessoas nubladas ou ensolaradas, gélidas ou quentes.

A meteorologia nos influencia tanto quanto a posição dos astros, e se não estamos muito pra conversa, vai ver é porque tem uma ventania lá fora que está perturbando por dentro também.

Não sei se você está lendo este texto na beira da praia ou embrulhado num cobertor. Não sei onde você está. Não sei se há um temporal se armando ou se está um daqueles dias cinzas que provocam melancolia na gente.

Se eu soubesse, talvez soubesse um pouco de você. É um mistério que a natureza não explica: nossa necessidade de localizar o outro climaticamente.

Relutamos em perguntar: você está deprimido hoje? Chorando muito? Com vontade de cometer uma loucura? Com saudades de alguém? Em vez disso, é tão mais fácil: como é que está o tempo aí?

Aqui, agora, chove, mas acho que vai abrir.

Isa: Fique a vontade para deixar comentários aqui e fico feliz que seja doravante uma leitora assídua. Ele é feito para pessoas como você. Obrigado e um lindo domingo para todos nós.