terça-feira, 29 de setembro de 2009



29 de setembro de 2009 | N° 16109AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Um suave milagre

Escrevo na antevéspera de outubro. É um domingo luminoso e frio, os termômetros marcam 14 graus e sopra um vento glacial, provindo das profundezas austrais. O dia é tão lindo, que me pergunto de onde exatamente me chega esta sensação de branda felicidade.

Talvez venha do céu translúcido que submerge o horizonte em resplendor, incendeia de flores as árvores, inspira aos pássaros canções de adeus ao inverno. Talvez venha da claridade vestida de azul, transparente em sua essência, inexplicável em sua própria existência.

Não sei. O que percebo é que a tranquila brandura que me possui, e que em razão não se contém, é algo de raro e de bonito. E então me aparece uma visão que quem sabe tudo esclareça.

A mais bela das mulheres cruza no meu horizonte. Porto Alegre tem dessas coisas. De repente você está imerso em uma manhã de domingo, em paz com suas tormentas interiores, pensa em céus, claridades e abismos, e aí ocorre um suave milagre.

A mais bela das mulheres não está envolta em pompa e circunstância. Não traja os vestidos das melhores grifes da moda.

Bem ao contrário, porta no corpo escultural uma blusa escura, que combina com o jeans índigo blue. É a simplicidade em pessoa. No rosto não exibe um traço de pintura. É uma anônima deusa expondo ao sol da manhã toda a sua glória num sorriso, na exatidão das formas, nos passos que são de dança.

Nenhum artista ousaria pintá-la. Em nenhuma tela cabe a perdição de seus gestos, o balé calmo de sua silhueta, a escultura de seus seios. Em nenhuma sinfonia se aprisionarão os sons silentes de sua formosura.

Ela seduz pelo simples ato de existir.

Jamais tornarei a vê-la. Ela transitará por minha vida como um instante de zênite. E, se algum dia recordar dela, pensarei apenas que eu encontrei em meu caminho a primavera.

Depois de tantos dias de chuva, uma terça-feira de sol finalmente.

Que tenhamos um ótimo dia. Aproveite

sábado, 26 de setembro de 2009



27 de setembro de 2009 | N° 16107
MARTHA MEDEIROS


O deus das pequenas coisas

"Me sinto uma fracassada”.

Não é uma frase fácil de se ouvir de alguém. Soa até mesmo incompreensível quando se trata de uma mulher linda, rica, que mora numa casa deslumbrante, passa uma parte do ano no Brasil e a outra em Nova York, é casada com um homem igualmente lindo e apaixonado por ela, tem dois filhos que são uns doces, é uma profissional bem-sucedida e já deu a volta ao mundo uma meia-dúzia de vezes. O que é que falta? “Um projeto de vida”, responde ela.

Existe uma insaciedade preocupante nessa mulher e em diversas outras mulheres e homens que conquistaram o que, a priori, todos desejam, e que ainda assim não conseguem preencher o seu vazio. Um projeto de vida, o que vem a ser? No caso de quem tem tudo, pode ser escrever um livro, adotar uma criança, engajar-se numa causa social, abrir um negócio próprio, enfim, algo grandioso quando já se tem tudo de grande: amor, saúde, dinheiro e realização profissional.

Mas creio que esse projeto de vida que falta a tantas pessoas consiste justamente no que é considerado pequeno e, por ser pequeno, novo para quem não está acostumado a se deslumbrar com o que se convencionou chamar de “menor”.

Onde é que se encontra o sublime? Perto. Ao regar as plantas do jardim. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça, num campo aberto, onde houver natureza.

Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com uma amiga. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o que é belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração.

Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o “ser feliz” pelo “parecer feliz”, nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa.

Sei que tudo isso parece fácil e que não é. Algumas pessoas não conseguem desenvolver essa satisfação interna que faz com que nos sintamos vitoriosos simplesmente por estarmos em paz com a vida, mesmo possuindo problemas, mesmo tendo questões sérias a resolver no dia a dia.

É inevitável que se pense que a saída está na religião, mas dedicar-se a uma doutrina, seja qual for, pode ser apenas fuga e desenvolver a alienação. Mais do que rezar para um deus profético e soberano, acredito que o que nos sustenta passa sim, por uma espiritualidade, porém menos dogmática.

É o cultivo de um espírito de gratidão, sem penitências, culpas, pecados e outras tranqueiras. Gratidão por estarmos aqui e por termos uma alma capaz de detectar o sublime no essencial, fazendo com que todo o supérfluo, que não é errado desejar e obter, torne-se apenas uma consequência agradável desse nosso olhar íntimo e amoroso a tudo o que nos cerca.

Um lindo domingo para você

Claudio de Moura Castro

A arte de governar

"A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender suas ideias com sucesso"

Nas democracias, o governo cumpre os desígnios dos cidadãos. O povo diz o que quer, o governante executa. Parece uma receita infalível. Mas será? Em cidade relativamente próspera de Minas Gerais, uma pesquisa de opinião mostrou que três quartos dos jovens reclamavam da falta de diversões.

Apesar de os esgotos serem jogados in natura nos córregos, nem mesmo entre os adultos houve reclamações quanto à falta de tratamento de efluentes. Sabidamente, esse é o investimento que mais faz cair a mortalidade infantil. O que deve fazer o prefeito? Esgotos que salvam vidas ou espetáculos de música sertaneja que trazem votos?

Um livro recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Understanding Quality of Life, mostra abundantes estatísticas sobre o que os latino-americanos mais valorizam. Nelas fica claro o conflito entre o que as pessoas querem e o que é necessário para garantir um futuro promissor para o país. Pesquemos alguns temas do livro. As pessoas querem medicina de alta tecnologia e atendimento hospitalar. Contudo, a saúde pública preventiva é mais barata e evita as doenças.

Verificou-se também que o estado de saúde das pessoas pouco se associa com as suas percepções de saúde. No Brasil, pobres e ricos estão igualmente satisfeitos com os serviços de saúde. Mas sabemos serem piores para os pobres. Nos países mais ricos da América Latina, há mais contentamento com a situação da saúde.

No entanto, quando o país cresce, baixa essa satisfação. Não dá para entender. No Brasil, 65% dos entrevistados estão satisfeitos com a educação. Somente os mais educados percebem como ela é ruim. De fato, sabemos ser péssima a sua qualidade: último lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2001. Ainda pior, entre 1980 e 2000, em um grupo de 35 países, o Brasil foi o que mais recuou de posição.

Ilustração Atômica Studio

Na área econômica, as percepções também estão desalinhadas com a realidade. Mais renda se associa a mais satisfação. Até aqui, vamos bem. Mas o crescimento econômico traz desagrados. Entre outras coisas, requer mudança de políticas, reformas e outros sustos, mais temidos do que a pobreza.

Apesar de o desenvolvimento econômico acabar beneficiando os pobres, são eles que mais resistem às mudanças. Ademais, têm uma opinião mais ingênua acerca da competência do governo. Nessa área, entra em cena um mecanismo maldito. As aspirações crescem mais rápido do que a renda.

Em suma, os governados indicam aos governantes algumas prioridades incompatíveis com o progresso. Pensam no curto prazo e são consumistas impenitentes. Dizem que querem sistemas de saúde mais caros (e mais ineficientes). Querem conforto nas escolas e desdenham mais aprendizado. Não querem as reformas econômicas imprescindíveis para crescer.

A reação mais imediata diante dessa miopia nas preferências é perguntar se não seria a melhor receita um governo autoritário, do tipo "déspota esclarecido". Contudo, como Churchill nos advertiu, a democracia é um péssimo sistema de governo, com a agravante de que não há outro melhor.

A experiência com déspotas de todos os sabores não mostra um bom registro histórico. Quando acertam aqui, acolá cometem um erro mais estrondoso. Não é por aí. Temos de insistir nos acertos capengas que nos oferece um sistema democrático e na tentativa de esclarecer a opinião pública.

Os governantes se equilibram em um terreno resvaladiço. Se tentam oferecer o que trará mais progresso e desenvolvimento, sem ouvir o povo, arriscam-se a perder sua popularidade e, com ela, seu poder de implementar reformas. Podem acabar execrados e sem reformas (veja-se Jimmy Carter). Governos populistas fecham as portas para o futuro se jogam confete ao povaréu ou alimentam seus anseios imediatistas.

Os exemplos latino-americanos estão nos jornais. Em contraste, governantes bem-sucedidos não perdem a ressonância com a sociedade, mas negociam também uma agenda de futuro.

A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender suas ideias com sucesso. Na teoria, a receita é simples: visão, coragem e liderança.

A pílula pode ser amarga. Churchill jogou pesado quando ofereceu aos ingleses apenas "sangue, suor e lágrimas". Mas ganhou. Pena que não adianta colocar um anúncio classificado do tipo "Precisa-se de um estadista".

Claudio de Moura Castro é economista - claudio&moura&castro@cmcastro.com.br

Livros

Como sair dos vales e permanecer nos picos

É o que pretende ensinar o novo livro do autor de Quem Mexeu no Meu Queijo?. Na autoajuda corporativa, não existe tempo ruim – nem relevos inacessíveis

Marcelo Marthe

Montagem sobre foto divulgação e ilustração Negreiros


Em 1985, o americano Spencer Johnson se sentia no fundo de um vale de lágrimas. "Eu me perguntava: pode haver algum significado para um período ruim?", diz Johnson (que prefere não revelar os problemas que o afligiam).

A provação ajudou-o a amadurecer um projeto que, treze anos mais tarde, o transformaria num dos mais bem-sucedidos gurus empresariais do mundo: o livro Quem Mexeu no Meu Queijo?. Com essa parábola sobre dois ratos e dois homenzinhos que disputam um naco de queijo num labirinto, lançada em 1998, Johnson encontrou uma forma acessível de falar sobre os desafios de se adequar às mudanças.

Dos Estados Unidos à China, o livro vendeu mais de 24 milhões de exemplares (no Brasil, 1,2 milhão). Johnson também credita às dificuldades do passado a ideia que agora, enfim, inspira a sua primeira empreitada original desde a história do Queijo. Picos e Vales (tradução de Alexandre Rosas; Best Seller; 126 páginas; 24,90 reais) pretende ensinar o leitor a tirar o melhor dos momentos ruins.

Ele diz que levou 25 anos destilando os conceitos do livro – e calhou de lançá-lo justamente num momento em que o mundo mal começa a sair do "vale" da crise financeira internacional. O autor (e médico) americano é um dos expoentes de uma categoria que desconhece a palavra crise – a autoajuda voltada ao mundo corporativo cresceu e se diversificou nos últimos dez anos. E segue lucrando com a atual turbulência econômica.

"Passar por provações é o que impulsiona o ser humano a crescer", disse Johnson a VEJA (veja entrevista abaixo). Os cataclismos econômicos fazem com que muita gente busque subsídios para lidar com a nova realidade. Significativamente, um dos maiores sucessos da autoajuda de todos os tempos, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, do americano Dale Carnegie, tornou-se popular nos tempos da Grande Depressão, nos anos 30.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a livraria virtual Amazon registrou aumento na procura por títulos dessa área nos últimos meses. No Japão, um dos países mais seriamente afetados pela crise, Picos e Vales chegou ao topo do ranking de mais vendidos do site nessa área menos de 24 horas depois de seu lançamento. Em breve, o brasileiro Roberto Shinyashiki também pretende tirar sua casquinha da crise.

O tema de seu novo trabalho, A Coragem de Confiar, é o medo – inclusive das tempestades na economia. Só se detecta uma certa ressaca numa vertente desse mercado. No fim de 2007, livros sobre como investir e ganhar dinheiro na bolsa estavam em alta. A crise afugentou os leitores.

O brasileiro Gustavo Cerbasi, autor de Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (há 163 semanas na lista de mais vendidos de VEJA), parece ser a proverbial exceção que confirma a regra. "Minhas vendagens caíram, mas nem tanto. É que, ao contrário de muitos autores que pregam o enriquecimento a qualquer custo, sempre defendi a cautela nos investimentos", diz ele.

A autoajuda, empresarial ou de qualquer natureza, é um campo em que se encontra muita conversa mole. Mas seria um erro descartar esses livros em bloco. Um bom livro do gênero traduz conceitos complexos para uma linguagem acessível, ainda que às vezes simplória.

Picos e Vales, por exemplo, recicla um conceito lançado nos anos 40 pelo economista austríaco Joseph Schumpeter: a "destruição criativa", tese segundo a qual o capitalismo evolui por meio de uma sucessão de crises. "Esses livros cumprem um papel importante, ao despertar as pessoas para os problemas e lhes mostrar caminhos para superá-los", diz o professor Claudio Felisoni de Angelo, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.

A autoajuda empresarial se vale de vários formatos para tanto. Há os autores que investem numa linguagem mais técnica, com recurso ao jargão empresarial. É o caso de Cerbasi e dos americanos Stephen Covey e Robert Kiyosaki.

Outros ficam na fronteira entre a autoajuda empresarial e um discurso motivacional genérico – muitas vezes com um pé no esotérico. Aí se incluem Roberto Shinyashiki e o indiano Deepak Chopra (que já viveram dias melhores nas listas de mais vendidos).

Em Quem Mexeu no Meu Queijo?, que rendeu filhotes cuja venda total alcançou 800 000 exemplares no Brasil, Johnson injetou leveza na fórmula desses manuais, ao valer-se de uma parábola para passar sua mensagem.

E faz o mesmo em Picos e Vales: um jovem insatisfeito (que mora num vale, claro) certo dia sobe a uma montanha, onde um velho o ensina a lidar com os altos e baixos da vida. A lição: qualquer um, mediante uma mudança de atitude, pode tornar seus vales pessoais mais breves e prolongar sua estada nos picos.

O texto é curto e impresso em tipos grandes – o que permite que se leia da primeira à última página em pouco mais de uma hora. O também americano James Hunter usa uma historinha semelhante em O Monge e o Executivo. No livro, ele narra a história de um empresário que larga tudo para viver num mosteiro beneditino – e lá descobre as vantagens de ser chefe generoso (ou um "líder servidor").

Hunter é, aliás, um caso curioso. No mercado internacional, O Monge vendeu 900 000 cópias – contra 2,1 milhões por aqui.

Enquanto ensina as pessoas a sair de seus vales, Johnson vive feliz no que se poderia chamar de seu pico pessoal – uma casa numa praia do Havaí. Ele se mudou para lá nos anos 80, em busca de sossego para refletir e escrever livros. Aos 70 anos, afirma que a chave de seu sucesso é não ter pressa de amadurecer suas teorias baseadas nas próprias vivências.

"Faço questão de viver na prática tudo o que escrevo antes de publicar minhas obras. Dou 100% de garantia de que funciona", afirma. Autoconfiança é artigo de primeira necessidade entre os autores de autoajuda.




Montagem sobre fotos Eleanor Bentall/Latinstock, John Parra/Wireimage/Getty Images, Scott Wintrow/Getty Images, Raul Junior, divulgação, Claudio Rossi e ilustrações Negreiros

Saúde para dar. E vender, claro

Spencer Johnson está lançando seu primeiro livro com conceitos inéditos desde o best-seller Quem Mexeu no Meu Queijo?, de 1998. Nesta entrevista, ele fala (pouco, é um homem de pouquíssimas palavras) sobre Picos e Vales.

Autores de sua área costumam ser muito prolíficos. O senhor, ao contrário, leva muitos anos para escrever um livro. Por quê?

Produzo devagar porque gosto de viver aquilo que escrevo, para ter certeza de que funciona. Fico muito feliz que mais de 50 milhões de pessoas em 42 línguas tenham encontrado em meus livros uma ferramenta para melhorar sua vida. Sou médico, e todas as histórias que escrevo têm a intenção de fazer as pessoas ficarem mais saudáveis, tanto emocional quanto fisicamente.

A crise tem impulsionado as vendas de Picos e Vales?

Sim. No Japão, já no dia do lançamento, Picos e Vales atingiu o primeiro lugar no ranking de livros de negócios na Amazon. E o Japão é um dos países mais afetados pela crise. Os japoneses, como todos nós do Ocidente, estão procurando por algo prático, que eles possam usar de imediato – e que funcione.

E qual é sua lição específica sobre tempos de crise?

Profissionais têm de respeitar a série de altos e baixos que rege qualquer negócio. Durante tempos bons, devemos nos preparar para períodos de baixa que inevitavelmente virão, cedo ou tarde. E quem ler o livro saberá o que fazer durante a tormenta, para voltar à bonança o mais rapidamente possível.

Fontes: editoras Best Seller, Campus/Elsevier, Gente, Sextante e Thomas Nelson Brasil


E nem é Páscoa ainda...

Começou como uma extravagância de desfile. Aí a Madonna resolveu usar. Agora as orelhas de coelho viraram a nova tendência entre celebridades
Fernanda Colavitti

Até muito pouco tempo atrás, usar orelhas pontudas no topo da cabeça era um recurso aceitável apenas se você se chamasse Pernalonga ou Roger Rabitt ou se estivesse a caminho de um baile de Carnaval. Mas aí a Madonna experimentou o acessório.

E pronto: já virou tendência fashion. O inusitado enfeite foi criado pelo estilista Marc Jacobs, da Louis Vuitton, provavelmente inspirado pelas coelhinhas da Playboy (sim, nelas também é perdoável, até porque o restante do vestuário chama mais a atenção). Jacobs usou-o pela primeira vez em um desfile da grife no começo do ano, em Paris.

Como a maioria das excentricidades apresentadas na passarela, dificilmente teria saído de lá – se não fosse por Madonna. Em maio, a cantora usou o adorno turquesa na cabeça, combinando com um vestido curto e botas na altura da coxa (todo o figurino da Louis Vuitton, da qual é garota-propaganda).

Foi na festa Costume Institute Gala, em Nova York, o evento mais badalado do mundo da moda.

A partir daí, variações da orelha passaram a fazer a cabeça de várias celebridades de Hollywood. As performáticas cantoras Lady Gaga e Lily Allen não se contentaram em apenas aderir à moda. Arrumaram um jeito de deixar as orelhas ainda mais esquisitas, com um véu acoplado à tiara, cobrindo-lhes o rosto.

As descoladas gêmeas Mary-Kate e Ashley Olsen, atrizes, empresárias e estilistas americanas consideradas formadoras de opinião no mundo da moda, não iriam ficar de fora. Apareceram em um evento no Japão, no começo de setembro, com um par de orelhas cada uma. Mais criativa que a irmã, Mary optou pelas de Mickey Mouse.

Para Madonna, faz sentido. Ela é paga para isso e ainda reforçou sua imagem de influenciadora de outras celebridades. E para as imitadoras? Elas precisam mesmo usar coisas esquisitas para conseguir divulgação?

“A necessidade maior não é nem aparecer, é ousar, usar o que não foi usado”, diz o consultor de imagem Yan Acioli, responsável pelo visual da apresentadora Sabrina Sato. “É uma estratégia para as celebridades e para o mercado de moda.”

A estilista Emanuela Carvalho, responsável pela produção da atriz Carolina Dieckman, diz que não se trata de rendição do bom gosto à necessidade de aparecer. Ainda que um visual diferente seja um recurso para chamar a atenção, diz Emanuela, para alguns ele é quase natural.

“Pessoas como Madonna, Amy Winehouse, Lily Allen são fonte de inspiração e ditam moda. A excentricidade faz parte de sua personalidade.”

Com tantas artistas levantando as orelhas de coelho, qual é a chance de o acessório ganhar as ruas? “Eu até veria isso na noite paulistana, em baladas alternativas”, diz a consultora de moda Lilian Pacce.

“Mas a pessoa tem de ter um espírito e um visual mais lúdico e, evidentemente, querer aparecer.” Também tem de estar disposta a – mesmo com orelhas tão grandes – não ouvir o que os outros vão dizer.

COELHINHAS



As orelhas surgiram num desfile da Louis Vuitton (acima.). Madonna (centro) usou o acessório em maio. De lá para cá, foi copiada (em sentido horário) pelas cantoras Lady Gaga e Lily Allen e pelas gêmeas Olsen.


26 de setembro de 2009
N° 16106 - NILSON SOUZA


O hino obrigatório

Gosto do nosso hino. É verdade que a letra é meio rebuscada, com algumas frases escritas em ordem inversa e muitas palavras que a maioria dos brasileiros jamais vai compreender o que significam. Lábaro? Parece o começo de uma labareda. Garrida?

Deve ser um drible do Garrincha. Impávido? Conheci um italiano com este nome pretensioso. Mas, se tem Mássimo, por que não pode ter Impávido? Penhor, plácidas, fúlgidas, florão... A lista é grande. Daria um Dicionário de Termos Estrambóticos, se a gente soubesse direito o que significa estrambótico.

Também não me entusiasmo muito com alguns ufanismos, mas, pelo menos, não é uma letra guerreira, agressiva, com apelos belicistas. Tem lá uma ou outra bravatinha, diz que um filho desta pátria amada, idolatrada, não foge à luta, nem teme a própria morte.

Vá lá que seja assim. Na hora de cantar, com o peito inflado de orgulho, a gente pensa isso mesmo. Também não vejo mal em acharmos nosso país gigante pela própria natureza, belo, forte, colosso, com um futuro cheio de grandeza. Todos temos direito a esse sonho intenso.

Descontados os preciosismos, a letra é bonita, faz sentido, descreve muitas das virtudes que nosso país realmente tem e algumas aspirações que um dia haveremos mesmo de alcançar. A música é belíssima.

Já foi reconhecida como uma das mais bonitas melodias entre hinos de todo o mundo, embora alguns críticos mais intransigentes insistam em que se trata de plágio da sonata de um compositor italiano da época. Pode até ser, mas ficou uma melodia agradável, repleta de sonoridade.

É um prazer ouvir nosso hino. E, se é um prazer, não deveria ser uma obrigação. Em vez de fazer uma lei para torná-lo obrigatório nas escolas, nossas autoridades deveriam estimular professores e alunos a ouvir, trabalhar e cantar o Hino Nacional.

Quem sabe um concurso com prêmios para a melhor interpretação da banda ou do coral da escola? Quem sabe um Soletrando, do Luciano Huck, só com palavras extraídas do hino?

Ou, ainda, análises sintáticas, redações a partir de frases escritas por Joaquim Osório Duque Estrada, seleção de proparoxítonas, interpretação de texto? Tem tanta coisa para fazer em torno do hino sem desmerecê-lo nem deturpá-lo.

Há muitas maneiras de plantá-lo no coração e na mente das crianças. Basta convidá-las para uma audiência sob o sol da liberdade, de preferência ao som do mar e à luz do céu profundo, e cobri-las de amor e de esperança. Como uma mãe gentil.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009



23 de setembro de 2009 | N° 16103
MARTHA MEDEIROS


Negro, mulher, gay, e daí?

Hoje quase não assisto a novelas, mas quando elas são assinadas por Gilberto Braga ou Manoel Carlos, o sofá me chama. Foi esparramada nele que assisti ao primeiro capítulo de Viver a Vida, não porque teria a-primeira-protagonista-negra-de-uma-novela-das-oito, como exaustivamente anunciaram a presença de Taís Araújo no elenco, mas porque achei que iria me divertir, que é para o que servem as novelas.

No entanto, em vez de me divertir, gelei ao ouvir uma frase da personagem de Lilia Cabral, que, conversando com a filha sobre o ex-marido, desdenhou: “Ele sempre trocou o vinho pela cerveja, o banquete pelo sanduíche, o restaurante pelo boteco, é natural que agora, recém-divorciado, troque uma branca por uma negra”.

Entendo perfeitamente que Manoel Carlos queira mostrar o quão hipócrita é essa história de dizer que no Brasil não existe racismo, e jogou essa bomba atômica já no primeiro capítulo para alertar que, fora de casa, as pessoas podem até ter aprendido que discriminação é crime, mas que intramuros, sem fiscalização e testemunhas, ainda se dizem barbaridades e se propaga o preconceito.

Em todo caso, me pergunto como seria se, em vez de “provocar reflexões”, simplesmente tratássemos nossa convivência com mais naturalidade. Ou seja: imagine se ninguém mencionasse que Taís Araújo é negra. Que ela fosse mocinha ou bandida sem que sua raça importasse para a sinopse da trama, da mesma forma que ninguém salienta que Aline Moraes é branca.

Haveria quem detectasse aí uma perda de oportunidade para se discutir uma questão social importante do país, mas, na minha utópica inocência, creio que não estimular uma percepção diferenciada poderia fazer mais pela igualdade racial do que seguir martelando “o primeiro negro a fazer isso”, “a primeira mulher a fazer aquilo”, “o primeiro homossexual a conquistar tal coisa”. Aos poucos, ninguém mais repararia se é um negro, uma mulher ou um gay a vencer: seria uma pessoa como outra qualquer – como de fato é.

Esperar que não se mencionasse que Obama foi o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos já seria inocência demais, ok. Mas é preciso continuar a falar disso?

Se Dilma ou Marina se elegerem presidente do Brasil, não seria interessante que elas não entrassem para a História como as primeiras mulheres a ocupar tão honorável cargo, e sim tratá-las exatamente como se trataria o Serra ao assumir o posto?

Sempre tive esta fantasia: a de que, ao não evidenciarmos as diferenças de raça, sexo ou idade, ninguém faria grande distinção entre preto ou branco, mulher ou homem, jovem ou velho, e deixaria para perceber o que realmente importa: se é competente ou não, se é honesto ou desonesto, se é um liberal ou conservador, enfim, as variantes que realmente fazem uma sociedade avançar ou retroceder.

Se Manoel Carlos não tivesse colocado aquela frase desagradável na boca da Lilia, eu não estaria aqui discutindo publicamente sobre racismo, eu sei.

Mas já não acredito tanto no impacto das ações negativas, e sim das positivas: mostrar na TV pessoas de raças e sexos diferentes convivendo no mesmo universo, recebendo o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades, conscientiza igual e não ofende ninguém.

Well a esplanada dos ministérios continua tudo cor de cinza de uma chuva que teimosamente tende a continuar por aqui, ainda que precoce antecipando a primavera em Brasília, e que no calendário já iniciou ontem, às 18 horas e alguns minutos. Uma linda quarta-feira para você.

terça-feira, 22 de setembro de 2009



22 de setembro de 2009 | N° 16102
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Do visual e do tempo

Esses dias, alguém me atribuiu menos idade do que realmente tenho. Não fez isso por simples gentileza, nem para mostrar-se delicada. Falou por pensar que estava certa. Tratei logo de revelar-lhe meu calendário pessoal e intransferível e não se cuidou mais do assunto.

À noite, em casa, no entanto, ouvindo Brahms em coquetel com um cálice de vinho, me dei conta de que não era a primeira vez que se enganavam com o número de setembros que carrego. Talvez isso se deva à pouca pressa com que raros fios brancos vão invadindo a cobertura de meu cérebro. Talvez se deva à ausência de rugas que vem me poupando o rosto.

Nada disso é realmente importante. Tive um avô que morreu com a bíblica idade de 105 anos e contudo aparentava duas décadas menos. Não quero viver 105 anos, prefiro não ultrapassar os 104, mas isso é apenas um devaneio. O que não quero é chegar a algum algarismo avançado havendo perdido a lucidez acerca dos seres e das coisas, o que, aliás, não sucedeu com meu avô.

Tenho, nesta sala, fotos de meus ancestrais. Creio que me fitam com alguma desaprovação. Enquanto seus rostos são vincados daquela inquietude com que as criaturas de antanho fixavam-se nas máquinas fotográficas, eu desafio pacificamente meu incerto futuro, posando tranquilo com meu neto. Ambos sorrimos, ambos não receamos o amanhã.

Suponho que sejamos, os dois, colecionadores de momentos. Há pessoas que juntam moedas, selos, desilusões. Meu neto e eu, neste retrato, reunimos instantes. É a melhor maneira de singrar a vida: armazenando os segundos, desfrutando-os intensamente, degustando-os sem pressa.

É disso que se tece a existência. É dela a calma, pacífica consciência de que os minutos e as horas se sucedem não pelo tempo que passa, mas pelo que nele construímos.

Quanto ao visual, é um trivial acidente. Algum dia a neve branqueará meus cabelos. Não devo me preocupar nem por isso, nem pelos vincos que se desenharem em meus traços, como nos de meus antepassados.

Não é isso realmente o que conta. O que vale é a íntima noção de que a jornada de cada um de nós se delineia menos pelo espaço que compreende do que pela felicidade com que a compomos.

sábado, 19 de setembro de 2009



20 de setembro de 2009 | N° 16100
MARTHA MEDEIROS


Adeus ao sanduíche

Sempre achei pouco original jogar as cinzas de um ente querido no mar, fosse velejador, pescador, surfista ou jangadeiro. Sei que é um ato de significado nobre: o mar é o representante mais majestoso da natureza e da liberdade, mas mesmo eu também sendo maluca por praia e seus derivados, acho que jogar cinzas no mar virou lugar comum.

Devo ter falado essa bobagem em voz alta alguma vez, porque lembro de me perguntarem: então onde você gostaria que jogassem as suas? A resposta veio clara e límpida como as águas do Caribe: no Sanduíche Voador.

Pra quem não mora em Porto Alegre, ou mora, mas não frequenta o bairro Moinhos de Vento, Sanduíche Voador é o nome de um bistrô que foi inaugurado há uns 20 anos num trecho minúsculo de rua, tendo como vizinha a Praça Mauricio Cardoso, um dos recantos mais charmosos da cidade. O Sanduíche, como os íntimos sempre o chamaram, foi um dos precursores das mesas e cadeiras na calçada.

Nunca teve um cardápio muito variado, mas o pouco que se oferecia era de primeira linha, e elegi como meus favoritos o risoto de camarão e o filé de peixe com uma crosta de mel em cima, qual era mesmo a receita?

Sua decoração era singela, os atendentes eram discretos e simpáticos, e as mesas próximas umas das outras induziam a conversas em voz baixa. Tudo isso dava ao lugar um aspecto delicado, e delicadeza está em extinção, como se sabe.

Quase todo mundo tem um bar da juventude, um lugar que frequentava na adolescência, um pequeno restaurante de estimação, algum espaço que, mesmo tendo fechado as portas, ficou para sempre na memória afetiva.

Eu tive o Chalé da Praça XV, aonde ia seguidamente na época em que comecei a trabalhar em propaganda, no Centro. Depois tive a fase do bar do IAB, também no Centro, com sua livraria, seus bolinhos de queijo trazidos à mesa pelo Genésio, e o micropalco, onde assisti a vários músicos gaúchos e o histórico grupo de bonecos Cem Modos. O Barranco não conta porque o Barranco é de todas as fases, e sempre será.

Aí passou um tempo e surgiu o Sanduíche Voador com sua proposta inicial de tele-entrega de sanduíches, mas que rapidamente virou point e conquistou uma clientela cativa, mas cativa a ponto de você ter certeza de que encontraria fulano ou sicrana em qualquer noite da semana, como o arquiteto Ari Lyra ou a médica Aninha Pasqualini. Nunca fui ao Sanduíche sem que eles estivessem lá, e eles também deviam pensar que eu mantinha um quartinho nos fundos da cozinha.

Foi no Sanduíche que comemorei com toda a trupe liderada por Irene Brietzke o sucesso das peças Trem-Bala e Almas Gêmeas – tantas vezes que as peças já nem estavam mais em cartaz e a gente continuava brindando. No Sanduíche, jantei dezenas de vezes com Leticia Wierzchovski, Claudia Tajes e Paula Taitelbaum nos nossos saudosos encontros mensais.

Almocei muitos sábados com turmas diversas e também a dois, levei muitos amigos de fora para conhecer o “meu” restaurante e, imprudente, troquei várias confidências com amigas mesmo havendo mesas coladas à nossa.

Era para o Sanduíche que eu corria depois de sessões de autógrafos ou das sessões de cinema, e uma curiosidade: foi lá que encontrei Washington Olivetto jantando um dia antes de ele ser sequestrado em São Paulo.

Li no jornal que o Sanduíche fechou. Não existe mais. Tentei lembrar a última vez que lá estive, mas é difícil reconhecer nossas últimas vezes, e talvez seja melhor assim. Mas o fato é que eu sobrevivi, e o Sanduíche não.

Metaforicamente, ele merecia ter suas cinzas jogadas em alguma bucólica ruazinha de Paris. Já as minhas, talvez agora seja o caso de me render ao mar, em homenagem ao risoto de camarão e ao filé de peixe.

Um lindo domingo para você - Um ótimo início de semana - Na semana que vem estarei postando de Brasília, onde passarei a semana.


Ficou pela metade

A decisão de taxar a caderneta de poupança não resolve o principal problema: a distorção provocada pelo anacrônico rendimento fixado em lei

Ronaldo Soares - Montagem sobre foto de Nicholas Parfit/Getty Images



Depois de muito protelar, o governo finalmente anunciou as novas regras para a caderneta de poupança. Uma alíquota única de imposto de renda, de 22,5%, vai incidir sobre as cadernetas com saldo superior a 50 000 reais. A taxação será feita sobre o valor que exceder esse patamar (veja o quadro abaixo).

Se for aprovada, a mudança valerá a partir de janeiro de 2010. Atingirá apenas 1% das contas, que representam mais de 40% do volume de recursos da poupança, hoje superiores a 282 bilhões de reais.

Mesmo deixando de fora a esmagadora maioria dos poupadores, as novas regras não têm apoio nem da base aliada. É mesmo uma decisão política difícil mexer no investimento mais popular do Brasil, mas não havia como escapar.

O objetivo da mudança é recuperar o fôlego dos fundos de investimento, que perderam atratividade para a poupança com a queda dos juros. Zelar pela saúde dos fundos é importante porque eles são grandes compradores de títulos públicos, papéis com os quais o governo capta recursos e rola sua dívida sem emitir dinheiro nem produzir inflação. Essa harmonia fica ameaçada se as cadernetas competirem com os fundos.

Além de criar dificuldades para o país financiar sua dívida, uma enxurrada de depósitos na poupança concentraria recursos em financiamento imobiliário, no qual os bancos são obrigados a aplicar 65% dos depósitos. Isso acarretaria escassez de crédito em outros setores, pressionando os juros novamente para cima.

O problema é que o governo não mexeu no principal. As cadernetas são atraentes porque têm rendimentos fixados por lei. Essa regra foi criada num período de inflação descontrolada, e servia não só para proteger o pequeno poupador, mas para incentivar o crédito imobiliário.

Agora isso não faz mais sentido, mas optou-se por não corrigir essa distorção. E o motivo está nas eleições do ano que vem. "O governo preferiu empurrar com a barriga.

Criou uma medida transitória, para evitar o desgaste político de mexer na caderneta", diz o professor Alexandre Assaf Neto, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, ligada à USP. Na avaliação dos especialistas, existe outro problema.

A taxação é insuficiente para tornar a caderneta menos atraente que os fundos. Dependendo da taxa de administração cobrada pelos bancos, ela pode continuar oferecendo rendimento melhor.



Um lindo sábado e um gostoso fim de semana para você

Lya Luft

Educação e autoridade

"Um não na hora certa é necessário, e mais que isso: é saudável e prepara bem mais para a realidade da vida"

Antes de uma palestra sobre Educação para algumas centenas de professores, um jornalista me indagou qual o tema que eu havia escolhido. Quando eu disse: Educação e Autoridade, ele piscou, parecendo curioso: "Autoridade mesmo, tipo isso aqui pode, aquilo não pode?". Achei graça, entendendo sua perplexidade.

Pois o tema autoridade começa a ser um verdadeiro tabu entre nós, fruto menos brilhante do período do "É proibido proibir", que resultou em algumas coisas positivas e em alguns desastres – como a atual crise de autoridade na família e na escola. Coloco nessa ordem, pois, clichê simplório porém realista, tudo começa em casa.

Na década de 60 chegaram ao Brasil algumas teorias nem sempre bem entendidas e bem aplicadas. O "é proibido proibir", junto com uma espécie de vale-tudo. Alguns psicólogos e educadores nos disseram que não devíamos censurar nem limitar nossas crianças: elas ficariam traumatizadas. Tudo passava a ser permitido, achávamos graça das piores más-criações como se fossem sinal de inteligência ou personalidade. "Meu filho tem uma personalidade forte" queria dizer:

"É mal-educado, grosseiro, não consigo lidar com ele". Resultado, crianças e adolescentes insuportáveis, pais confusos e professores atônitos: como controlar a má-criação dos que chegam às escolas, se uma censura séria por uma atitude grave pode provocar indignação e até processo de parte dos pais? Quem agora acharia graça seria eu, mas não é de rir.

Ilustração Atômica Studio

Gente de bom senso advertiu, muitos ignoraram, mas os pais que não entraram nessa mantiveram famílias em que reina um convívio afetuoso com respeito, civilidade e bom humor. Negar a necessidade de ordem e disciplina promove hostilidade, grosseria e angústia. Os pais, por mais moderninhos que sejam, no fundo sabem que algo vai mal. Quem dá forma ao mundo ainda informe de uma criança e um pré-adolescente são os adultos.

Se eles se guiarem por receitas negativas de como educar – possivelmente não educando –, a agres-sividade e a inquietação dos filhos crescerão mais e mais, na medida em que eles se sentirem desprotegidos e desamados, porque ninguém se importa em lhes dar limites. Falta de limites, acreditem, é sentida e funciona como desinteresse.

Um não é necessário na hora certa, e mais que isso: é saudável e prepara bem mais para a realidade da vida (que não é sempre gentil, mas dá muita porrada) do que a negligência de uma educação liberal demais, que é deseducação. Quem ama cuida, repito interminavelmente, porque acredito nisso.

Cuidar dá trabalho, é responsabilidade, e nem sempre é agradável ou divertido. Pobres pais atormentados, pobres professores insultados, e colegas maltratados. Mas, sobretudo, pobres crianças e jovenzinhos malcriados, que vão demorar bem mais para encontrar seu lugar no grupo, na comunidade, na sociedade maior, e no vasto mundo.

Não acho graça nesse assunto. Meus anos de vida e vivência mostraram que a meninada, que faz na escola ou nas ruas e festas uma baderna que ultrapassa o divertimento natural ao seu desenvolvimento mental e emocional, geralmente vem de casas onde tudo vale.

Onde os filhos mandam e os pais se encolhem, ou estão mais preocupados em ser jovenzinhos, fortões, divertidos ou gostosas do que em ser para os filhos de qualquer idade algo mais do que caras legais: aquela figura à qual, na hora do problema mais sério, os filhos podem recorrer porque nela vão encontrar segurança, proteção, ombro, colo, uma boa escuta e uma boa palavra.

Não precisamos muito mais do que isso para vir a ser jovens adultos produtivos, razoavelmente bem inseridos em nosso meio, com capacidade de trabalho, crescimento, convívio saudável e companheirismo e, mais que tudo, isso que vem faltando em famílias, escolas e salas de aula: uma visão esperançosa das coisas.

Nesta época da correria, do barulho, da altíssima competitividade, da perplexidade com novos padrões – às vezes confusos depois de se terem quebrado os antigos, que em geral já não serviam –, temos muita agitação, mas precisamos de mais alegria.

Lya Luft é escritora


Minha vida amorosa na internet



Em 15 meses num site de relacionamento, nosso repórter conversou com 85 mulheres, conheceu 18 ao vivo e namorou seis

Há muita mentira e fingimento na internet. Mas S. era mesmo um mulherão. Vestia-se com elegância simples. Calça jeans, blusa branca tomara que caia e tênis branco All Star sem meia. Brilho nos lábios, maquiagem leve, olhos negros.

– E aí, ficou decepcionado? Sou muito diferente do que imaginava?, perguntou.

– Imagine! Você é muito mais interessante ao vivo que no site. Maravilhosa!, respondi.

Conversamos muito, nos despedimos com um beijo no rosto. Na mesma semana, jantamos num restaurante japonês na Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo, ao som de jazz e à luz de velas. Ali foi o primeiro beijo. Depois, saímos mais uma ou duas vezes... e começamos a namorar. O sexo não era uma obsessão para nós. Aconteceu de forma natural, na hora certa.

Minha relação com S. foi a melhor experiência que vivi nos 15 meses que passei no PP, apelido afetuoso do Par Perfeito, o maior site de relacionamentos amorosos do Brasil. Eu tinha preconceito contra o namoro virtual. Achava que só “encalhados” entravam nisso. Mas resolvi arriscar.

Não me cadastrei no PP para escrever esta reportagem. Entrei lá pelo mesmo motivo que todo mundo entra: para ver o que acontecia. Separado, sem filhos, mais de 40 anos e com uma situação financeira relativamente estável, não tinha muito a perder. No mínimo, me divertiria. De repente, poderia conhecer uma mulher interessante.

Desde maio do ano passado, quando me cadastrei, mais de 7 mil mulheres acessaram meu perfil. Devo ter visto fotos de mais de 15 mil mulheres. Acessei 3 mil perfis. Recebi e-mails de 1.200. Só tive contato com as que eu mesmo busquei. Mandei mensagens para 500. Recebi respostas de 85. Conheci 18 pessoalmente. Namorei – e transei com – seis.

Todas as mulheres citadas nesta reportagem estão protegidas pelo anonimato. Eu também – ainda mantenho meu perfil no PP, mas o detalhado nesta reportagem é apenas ilustrativo.

15 MESES DE AMOR

Como foi minha experiência no site de relacionamento Par Perfeito



(1) Estimativa feita com base nos dados dos últimos seis meses
(2) Programa de troca instantânea de mensagens, fotos e vídeos da Microsoft


19 de setembro de 2009 | N° 16099
NILSON SOUZA


A previsão

O homem que conserta telhados olhou para o céu, olhou para as cumeeiras da minha casa, olhou para mim e disse desanimado:

– Só posso fazer o serviço na quinta-feira, mas estão dizendo que vai chover. E ultimamente esses filhos-da-mãe não erram uma!

Referia-se, com visível mágoa profissional, aos apresentadores do quadro do tempo, esse pessoal que tem espaço cativo no rádio e na televisão para estragar o fim de semana da gente com alguns dias de antecedência. Exagero, evidentemente.

Na verdade, eles prestam um serviço relevante para o público. Nem todos são autoridades como o nosso Cléo Kuhn, que fala quantas horas for preciso sobre cúmulos-nimbos e frentes frias, e de vez em quando se assume como senhor do raio e do trovão:

– É bom ir colocando as barbas de molho porque tão cedo a gente não vai arrumar um solzinho – anda dizendo ultimamente, com uma certa dose de sadismo.

As meninas da tevê são bem menos ameaçadoras. Enfeitam-se, fazem pose ao lado de mapas animados, ensaiam um breve desfile e anunciam entre sorrisos que vem aí mais um ciclone extratropical.

Ainda há quem desdenhe dos previsores do tempo, mas, depois dos satélites meteorológicos, dos balões atmosféricos, sondas, radares e outros aparatos tecnológicos que coletam informações em todo o planeta, eles passaram a acertar quase sempre e já desfrutam de grande credibilidade.

Não há quem não pare na frente da televisão quando uma dessas musas das intempéries aparece na sua moldura de nuvens artificiais e chuvinhas de desenho animado.

Ainda mais em tempos de dilúvio universal, como esse que estamos vivendo no sul do Brasil. Dia desses, achei que tinha acordado na Macondo de García Márquez, onde choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias.

Como estava de folga no trabalho, enfurnei-me em casa até não saber mais o que fazer. Foi então que percebi a necessidade de conserto e limpeza no telhado. No primeiro dia de sol, chamei o artífice de coberturas, sem saber que ele agenda seus compromissos pela previsão do tempo. Vou ter que esperar por nova bonança.

– Pô, Cléo Kuhn, vê se me dá uma força aí!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009



16 de setembro de 2009 | N° 16096
MARTHA MEDEIROS


O esporte como ele era

Não deveria ousar escrever sobre o assunto, havendo o David, o Ruy, o Mário Marcos e tantos outros que, em Zero Hora, dominam esse universo e possuem um arquivo de informações que enriquecem seus relatos. No entanto, sem ter a menor intimidade com essa área, vou dar meu pitaco, porque tenho essa mania de abordar temas que não entendo na teoria, mas que meu sentimento avaliza. Então me permitam.

Quando se fala em vida saudável, automaticamente a palavra esporte vem à cabeça. O sedentarismo é a treva. O mundo conspira a favor de caminhadas, raquetadas, dribles, corridas, saques, cestas, escaladas, braçadas, tudo o que coloca o corpo em movimento, acelera os batimentos cardíacos, areja os pulmões e beneficia as articulações.

Esporte. Tudo o que um pai deseja que seu filho pratique, tudo o que buscamos para retardar o envelhecimento, tudo o que qualifica nosso cotidiano, tudo o que facilita as relações sociais. Talvez a única coisa no mundo que não tem contraindicação.

Dá orgulho ver nossas crianças competindo nas escolas, buscando no judô, no vôlei, na natação, na dança e, claro, no futebol, a sua integração com os amigos e com o próprio corpo. Essa é a alma do esporte. Uma atividade que se pratica com entusiasmo. Que libera energia.

Que ocupa os dias de forma positiva. Que educa para frustrações e gera autoestima. Que machuca, mas sara. Que diverte. Que alegra torcidas. Que provoca rixas naturais. Que, descontando a prestação do clube ou o preço do uniforme, não sai tão caro assim. E, não havendo clube, sempre há um campinho, um rio, uma trilha, uma onda, uma ciclovia, uma pista de skate à disposição.

Eis o retrato do esporte amador, aquele que, como já se disse, serve para socialização, prazer pessoal e manutenção da saúde.

Hoje, há outro tipo de esporte. O mafioso. O guerrilheiro. Aquele que coloca os interesses financeiros à frente do espírito esportivo. O que induz ao doping, à farsa, ao jogo sujo.

Os objetivos do esporte já não estão apenas relacionados à saúde, à alegria e à socialização. Não há mais pureza, lazer e desinteresse. Antes discutíamos se o importante era competir ou vencer. Houve uma época em que defendíamos que vencer não era o principal.

Depois passamos a aceitar que, sim, era igualmente íntegro buscar a vitória sem culpa, fosse pela concretização de um sonho, fosse para realizar uma superação ou fosse para ter comida na mesa. Era a busca por uma consagração legítima.

Hoje se buscam vitórias arranjadas, vitórias a qualquer custo, vitórias para sustentar o business, garantir negócios, empurrar a indústria. Nada a ver com resistência física e fazer amigos.

Ainda há aqueles que praticam esporte. São os que correm maratonas sem tomar anabolizantes, que praticam ginástica olímpica sem esconder o equipamento do adversário, que se sentem mais motivados pelo gol do que pelo carrão na garagem, que preferem cumprir a prova até o final, mesmo chegando em último lugar, a perder pra si mesmo, compactuando com interesses ilícitos.

Esporte é o que se pratica. É o que se faz por paixão. Quando deixa de ser a paixão o motivador do esporte, deixa de ser esporte. Invente-se um novo nome pra isso que está aí.

Dia de namorar hoje, são todos os dias. Mas Quarta-feira foi institucionalizado como o "Dia Internacional do Sofá", pois antes namorava-se neste dia nos sofás. Tenhamos todos um bom dia, ainda que com previsão de chuva de hoje até sexta-feira.

terça-feira, 15 de setembro de 2009



15 de setembro de 2009 | N° 16095AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Cidade das pétalas

Ontem passei pela janela e a manhã se incendiou de luz. No pátio de um dos edifícios vizinhos, explodia em cor um ipê-roxo. Era tão belo, que me transportei para a Riviera, para uma lembrança profunda e antiga decorada por flores semelhantes.

Somos humildes, nós, os habitantes de Porto Alegre. Que outra cidade do mundo transita do inverno para a primavera ornada por tão requintados matizes? Informa minha amiga Lurdete Ertel que esta mui leal e valorosa é a capital com o maior número de árvores por habitante: são mais de 1,2 milhão de pés. Acrescenta ainda que entre as mais de 200 espécies pontilhadas entre praças e avenidas despontam os ipês, cujo plantio vem sendo feito desde as décadas de 30 e 40 do século passado.

Isso nos converte numa espécie de cidade das pétalas. Afirmo e dou fé eu mesmo, que convivo com o jardim dos Chaves Barcellos – tão abandonado e só –, com o parque do Solar dos Câmara, com a Praça da Matriz e com o arvoredo do Palácio Piratini – tudo isso no centro do Centro de uma mínima região de Porto Alegre. Em meio a esse latifúndio, esplendem os ipês. Os roxos, que se sentem à vontade nestas alturas de setembro, os brancos, os amarelos.

E não são só eles. Estou cercado pela floração, que já se prenuncia, dos jacarandás, dos flamboyants e das paineiras. Como se não bastasse, esta ilha que habito é povoada dos sons dos sabiás, das cravinas, das andorinhas, dos bem-te-vis, das almas-de-gato, das cambacicas, dos canários e até de uma república de papagaios, que cresce e se multiplica no próprio coração de uma metrópole. Não sei de onde vieram. Não sei aonde vão, mas desconfio que não deixarão a Praça da Matriz, que já adotaram como seu independente, livre território.

Diz o biólogo Paulo Brack, segundo leio em Zero Hora, que os ipês-roxos não são uma antecipação da primavera. São, em verdade, o anúncio do apagar do inverno. Pode haver algo mais poético do que isso?

É o que acontece igualmente na vida de todos nós. Há períodos em que nos encontramos numa espécie de crepúsculo. Parece que a noite se aproxima e com ela os momentos sombrios.

Os ipês-roxos comprovam o contrário. Eles são a claridade que chega e faz transparente a penumbra.

sábado, 12 de setembro de 2009




13 de setembro de 2009
N° 16093 - MARTHA MEDEIROS


A angústia da múltipla escolha

Outro dia um jornalista me perguntou se eu achava que as pessoas andavam muito infelizes em suas vidas amorosas. Eu não tenho procuração para responder pelos outros, mas acho que o termo infeliz é um pouco dramático. Conheço inúmeros casais que vão muito bem, obrigado. O que existe hoje talvez seja uma angústia

generalizada em razão da quantidade de portas que a liberação sexual nos ofertou. Tem a porta A, que nos leva a um casamento monogâmico, a porta B que nos leva a um caso extraconjugal, a porta C que nos leva a uma vida de solteiro com inúmeros romances, a porta D que nos leva a uma bissexualidade ativa, a porta E que nos leva à paternidade, a porta F que nos leva à separação, a porta G que nos leva a uma solidão escolhida, a porta H que nos leva ao convento, a porta I que nos leva a um clube de swing, a porta J que nos leva a encontros virtuais, e as portas seguem se multiplicando nesse corredor de ofertas.

Antes a vida tinha menos opções. Você casava para sempre e constituía uma família, já que a reprodução era a razão de ser da sexualidade. Ou então não casava e virava tia, uma mulher à margem, que não havia dado sorte, coitada.

Os homens tinham um pouco mais de liberdade, mas também acabavam aprisionados pela ética vigente: ou se transformavam em reprodutores e provedores, ou não eram boa coisa.

Depois que a pílula anticoncepcional entrou no mercado, sexo deixou de existir apenas para procriação e passou a existir pelo prazer. E o prazer é múltiplo, advém de arranjos variados.

Mesmo ainda pressionados por alguns padrões, hoje temos mais informação e mais autonomia para bater à porta do estilo de vida que acreditamos que nos trará mais satisfação. O problema é que esse prazer, que antes era facultativo, virou obrigatório.

Ai de você se não tiver “x” parceiros no seu currículo, “n” orgasmos a cada transa, enfim, uma biografia de arrebentar. Sua vida erótica tem que ser nada menos que inimitável. Ela passou a ser mais importante do que sua vida emocional, ao menos pra consumo externo.

Deveriam andar juntos, amor e sexo. Isso restringiria o número de portas e, por consequência, a angústia de ter que escolher apenas uma e renunciar às outras.

Mas amor e sexo não andam mais juntos, e as pessoas ficam perdidas, procurando um amor estável e ao mesmo tempo se abrindo para emoções efêmeras, tentando canalizar seu desejo e ao mesmo tempo sendo excitadas por inúmeros estímulos que chegam da tevê, do cinema e das revistas.

Não creio que estejamos mais infelizes no amor, mas um pouco tontos, certamente. Muitas possibilidades nos atraem e ao mesmo tempo nos paralisam. O que cada um de nós quer e precisa? Foco e autoconhecimento para transitar nesse freeshop erótico-afetivo sem virar refém do próprio deslumbre.

Um lindo domingo para você, ainda que não tenha sol lá fora que possa haver muita luz dentro desse seu coraçãozinho.


Uma orgia de bobagens

Amor & Sexo, novo programa das noites de sexta-feira da Globo, é um show do lugar-comum. Mas cumpre a tarefa de falar de um tema delicado para toda a família



Marcelo Marthe Tv Globo/Divulgação
RAINHA DO SEXO

Fernanda Lima (à esq.) com a atriz Marisa Orth: palatável para adolescentes, pais e avós

No ar nos fins de noite das sextas-feiras, Amor & Sexo propõe-se uma tarefa difícil: falar sobre questões de alcova para o público família que assiste a uma rede aberta como a Globo. "Nossa intenção é transmitir informações úteis sem causar constrangimento dentro dos lares", diz o diretor Ricardo Waddington.

E o programa de auditório conduzido por Fernanda Lima não se sai mal nisso. Tópicos apimentados são colocados em pauta de maneira leve. Por exemplo: um simpático casal de idosos entrevista pessoas nas ruas sobre questões como orgasmo feminino e dimensões do órgão sexual masculino.

Com essa fórmula, Amor & Sexo tem se mostrado palatável tanto para os adolescentes quanto para seus pais e avós (os dois primeiros programas marcaram 18 pontos no ibope, média satisfatória para a faixa em que é transmitido). Oferecer esse tipo de serviço pode ter sua função, vá lá, social.

Mas isso não elimina outra verdade: falar sobre sexo na TV pode ser uma experiência um tanto masturbatória. Há o risco de cair numa abordagem clínica – como ocorre no talk-show Falando de Sexo com Sue Johanson, do GNT, em que a vovó canadense do título desce a minúcias da anatomia para ensinar as vantagens de certa posição sexual.

Ou, então, de enveredar pelo puro lugar-comum – e, nesse quesito, Amor & Sexo já deu fartas demonstrações de seu potencial em apenas três semanas de exibição.

Seu principal quadro, o Strip Quiz, é um exemplo. Artistas do elenco da Globo ficam diante de manequins que vão tendo suas roupas arrancadas se o público não acreditar na sinceridade de suas respostas às perguntas lançadas por Fernanda Lima.

Ao explicar por que haveria uma suposta aversão feminina a ver filmes pornôs, Claudia Raia teorizou: "Na hora do sexo, os homens abrem bem os olhos. As mulheres fecham".

Em outro programa, sua colega Giovanna Antonelli deu sua contribuição ao bestiário, no melhor estilo Augusto Cury: "O mais importante é cada um descobrir a felicidade dentro do seu prazer".

A própria apresentadora não deixa por menos. "A gente não pode ficar só acusando os homens de não conseguirem fazer a mulher chegar ao orgasmo. Afinal, sapo que não pula não come", já pontificou Fernanda.

Nem a psiquiatra Carmita Abdo, que está ali como especialista que fornece esclarecimentos médicos, resiste a dar seus pitacos. Diante de uma questão clássica ("tamanho é documento?"), ela ensinou: "É preferível um pequenininho brincalhão a um grandão bobalhão". O afrodi-síaco de Amor & Sexo é o humor involuntário.


A turma que não quer ter chefe

Cresce no país o grupo de jovens que, uma vez com diploma, preferem abrir a própria empresa. Qualificados, eles têm altas chances de prosperar. Bom para o país

Renata Betti - Anderson Schneider

"Nunca quis emprego"

O cientista da computação Thiago Ventura, 23 anos, e mais dois colegas de faculdade vivem de criar jogos on-line. O escritório, ainda hoje, resume-se a um laptop no quarto da casa dele. "Agora, estamos prontos para expandir"

As universidades brasileiras estão despejando no mercado de trabalho um grupo de jovens cujas angústias e ambições já não são as mesmas do típico recém-formado: no lugar de um emprego fixo numa grande empresa, eles preferem aventurar-se num negócio próprio, ainda que essa opção traga mais riscos e incertezas.

Em apenas cinco anos, esse grupo ficou 30% maior, de acordo com um novo estudo do instituto internacional Global Entrepreneurship Monitor. Já são 3 milhões os brasileiros entre 18 e 24 anos que, com o diploma na mão ou prestes a obtê-lo, estão à frente da própria companhia.

Eles vislumbram a possibilidade de alcançar sucesso mais rapidamente – mas também desejam usufruir a liberdade de quem não está sob as asas de um chefe. Outro aspecto captado pela pesquisa diz respeito à visão otimista que têm da economia brasileira.

"Eles enxergam espaço para a inovação – e isso é um estímulo decisivo para que tentem a vida por conta própria", diz Simara Greco, coordenadora do estudo. Está-se falando de gente como Pedro Valiati, 27 anos, que ainda cursava engenharia ambiental na USP quando, junto com dois colegas, teve a ideia de abrir uma empresa numa área até então inexplorada: a de softwares para racionalizar o uso da água.

Emprego? "Era o sonho dos meus pais, nunca foi o meu."
Lailson Santos
Marketing é com elas

Enquanto a maioria dos colegas das publicitárias Ana Carolina (à esq.) e Patrícia Moreno sonhava arranjar emprego em agências e grandes empresas, elas preferiram montar uma consultoria. Já têm quinze clientes fixos: "É bem remunerado e divertido"


Mais da metade desses novos negócios se concentra no setor de tecnologia, muitos deles na área de TI, um mercado em expansão e passível de ser explorado sem grandes investimentos iniciais – vantagem determinante para profissionais que, em início de carreira, não contam com capital e começam sua empresa até dentro de casa.

"Trabalho no meu quarto, em frente a um único computador", diz o cientista da computação Thiago Ventura, de 23 anos. Em 2007, ele e dois amigos de faculdade selaram sociedade num negócio voltado para o desenvolvimento de games educativos, em Cuiabá.

Já com uma dezena de clientes fixos no país inteiro, cogitam agora recrutar mais gente e, enfim, abrir um escritório. Esse modelo de negócio só foi possível porque, nos últimos dois anos, os rapazes estiveram sob a guarida dos pais, que os sustentavam em casa enquanto eles acumulavam dinheiro.

A mesma fórmula tem ajudado outros jovens no país a dar o pontapé inicial em sua empresa, e é reflexo de uma mudança de comportamento. Os brasileiros estão postergando a decisão de morar longe dos pais: 62% dos jovens só começam a pensar nisso quando já passaram dos 30 anos, segundo mostra o IBGE. Até lá, vão se capitalizando.

Conclui o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas: "Esse padrão é determinante para explicar o aumento do empreendedorismo entre os jovens com ensino superior no Brasil".

Ao tomarem a decisão de montar uma empresa, os jovens pesam também o fato de que, desse modo, terão mais liberdade para ditar os rumos do negócio e tomar conta do próprio tempo. É verdade que isso sempre impulsionou, em algum grau, a opção pelo empreendedorismo – mas foi mais recentemente que se tornou um fator decisivo.

Fruto de uma educação mais liberal, dada por pais que viram de perto a ascensão dos movimentos estudantis e da contracultura, os jovens de hoje são menos afeitos à noção de hierarquia. "Criados com liberdade, eles resistem mais à ideia de responder a chefes e dar satisfação sobre o que fazem", diz a educadora Tania Zagury. É natural que vejam o empreendedorismo como uma alternativa.

Ao segui-la, também buscam chegar ao sucesso mais rápido – o que, evidentemente, nem todos conseguem. A ideia de que se pode obter o sucesso, contudo, é reforçada pela ascensão-relâmpago de figuras como Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google, ou de Mark Zuckerberg, o criador do site de relacionamentos Facebook.

O jovem trio, que antes dos 30 amealhou fortunas na casa dos bilhões de dólares, chega a ser venerado pela nova geração de empreendedores brasileiros.


O que rola no Twitter dos famosos

Eles falam muito sobre sua intimidade, mas parecem não ter nada a dizer
Fernanda Colavitti

Em menos de três anos, o Twitter deixou de ser uma ferramenta desconhecida fora dos círculos especializados para se tornar um dos maiores fenômenos da internet.

A possibilidade de contar para o mundo em apenas 140 caracteres o que se está fazendo ou pensando – a cada instante – já atraiu mais de 40 milhões de usuários, cerca de 5 milhões deles no Brasil. E é cada vez maior o número de pessoas famosas tuitando.

No mundo todo, cantores, atores, apresentadores e todo tipo de celebridade (ou sub) usam o microblog para falar diretamente com seu público. Muitos aproveitam o espaço para divulgar seus trabalhos. Outros, para mostrar que são “gente como a gente”. Neste último caso, com resultados nem sempre edificantes: como se nota ao navegar por alguns dos perfis de famosos no Brasil.

“O trovao eh o peido da chuva” e “Meu último relacionamento não deu certo. Ela me chamou de criança. Eu fui dormir tal irritado aquele dia q mijei na cama” são algumas das reflexões compartilhadas pelo apresentador Danilo Gentili com seus 310 mil seguidores.

As 184 mil pessoas que acompanham as tuitadas de Bruno Gagliasso agora já sabem que o cachorro do ator dorme de olhos abertos e que a namorada dele quase vomitou assistindo ao programa No limite.

Informação tão fundamental quanto as divulgadas no Twitter da cantora Cláudia Leitte, que costuma dar detalhes sobre sua vida doméstica a seus 122 mil seguidores, como: “Davi mordeu meu peito! Nossa, mãe! Já estou com medo da próxima mamada”.

140 caracteres de banalidades
O que algumas das celebridades brasileiras com maior número de seguidores no Twitter contam e comentam sobre seu cotidiano

Fábio Cordeiro

Luciano Huck

http://twitter.com/hucklucianO
858 mil seguidores

Parem as prensas!!! Notícia de última hora: minha esposa quebrou o dedinho mindinho!!!! Ta toda mancando e enfaixada!!!

Noite de domingo meio neurótica; assistindo tudo ao mesmo tempo: Fantástico, Britto Jr dançando, Pânico, Miss Universo!!!!! Vício total.

Eu e a patroa twittando simultaneamente, um em cada lado da cama!!! :)) Em casa cuidando das crianças esperando a esposa chegar do trabalho!!! Glamour zero!!!! :)) Mas é verdade. E uma delícia.

Fábio Cordeiro
Angélica

http://twitter.com/angelicaksy
176 mil seguidores

Depois de um dia de trabalho ..., jogando wii com os meninos... . DELICIA!!!!

Chutei um movel no quarto voltando do banheiro na madruga.... kkkkkkkkk ridiculo!!!!

Alo queridos...., aqui estou com meu “dedinho”muuuuuito melhor!!!!quebrei!!!!!

Beijos para todos, e um especial para o DELICIOSO @huckluciano......

Ontem a noite “minha ana maria braga”arrasou!!!!, fez uma massa deliciosa.... ate cozinhar ele sabe...., que sorte a minha!!!!!

.Orlando Oliveira

Sandy
http://twitter.com/LEAH_SANDY

142 mil seguidores

A coceira nos braços já passou, sim, obrigada! Sempre acontece isso qdo eu tomo sol (mesmo q por pouco tempo)...

Comendo gelatina... Sabor abacaxi... Hummm... Não ofereci pq era o último pote na geladeira! Ahahaha... Tô sem assunto...

Melhor não ficar enchendo linguiça!... Bjo pra todo mundo q pediu bjo!! Nossa, acabei de me dar conta de q hj eu não ‘twittei’ uma vez sequer!...


12 de setembro de 2009 | N° 16092
NILSON SOUZA


A ponte

Costumo almoçar no Centro Comercial João Pessoa, que se orgulha de ter sido o primeiro shopping center de Porto Alegre. Inaugurado numa época de nacionalismo extremado – em 1970 éramos 90 milhões em ação e os generais de plantão cunharam um lema para o país (ame-o ou deixe-o) –, o conjunto de lojas ficou conhecido em bom português mesmo.

Agora que os xópins (como gosta de ironizar o Verissimo) viraram moda, quer ser shopping também. Tudo bem, marketing is money.

Vou lá por três motivos: é um lugar simpático, é próximo do meu trabalho e a comida do restaurante das gringas (sem nome, para não parecer comercial) é mais do que honesta. Tem até um requinte que já viciou o meu colega Moisés Mendes. Figos.

Cada vez que vamos lá, ele coloca no prato duas colheres de arroz, massa, fritas, um naco de carne e cobre tudo com aquelas frutinhas verdes que sempre imaginei reservadas para a sobremesa. Deve ficar bom, pois meu companheiro de trabalho se refestela com seu prato.

Pois bem, mas o que quero registrar é que sempre gostei de ir caminhando do jornal até aquele shopping, ou seja lá que nome tenha. São quatro ou cinco quadras, conforme a calçada escolhida. E o percurso tem um atrativo especial: a ponte da Azenha, local do primeiro combate entre farrapos e legalistas, na Revolução Farroupilha.

Só que ultimamente o local tornou-se intransitável para pedestres. Primeiro começou a ficar doloroso passar por lá e visualizar uma população subterrânea de indigentes, convivendo com a sujeira e o mau cheiro do esgoto sob a ponte.

Depois, começaram os achaques. Ninguém consegue caminhar 10 passos naquela área sem ser interrompido por pedintes, muitas vezes de modo agressivo. Quem vai de carro também não escapa do pedágio dos flanelinhas.

Duvido que o Cabo Rocha – que acaba de ser escolhido pelos leitores de Zero Hora como principal protagonista da Revolução Farroupilha – conseguisse atravessar tão facilmente aquela ponte hoje.

Como veem os leitores, meu almoço diário é uma aventura.

Um ótimo sábado e um gostoso fim de semana

quarta-feira, 9 de setembro de 2009



09 de setembro de 2009 | N° 16089
MARTHA MEDEIROS


Dinheiro, vaidade e vazio

Às vezes, um pensamento se instala dentro de nós motivado pelos acontecimentos mais incongruentes. Primeiro, teve a repercussão da crônica de quarta passada, sobre a barriguinha da modelo Lizzie Muller.

A maior parte dos e-mails que recebi era de homens jurando que valorizam suas mulheres do jeito que são e que buscar um corpo perfeito é paranoia nossa, e eu acredito neles, então por que sucumbimos a um padrão irreal e fazemos loucuras para atingi-lo?

Semana passada, também soube que numa reunião de condomínio foi aprovado um orçamento de R$ 87 mil para decorar o hall e o salão de festas de um prédio. O bom gosto e o conforto de um ambiente coletivo e pouco utilizado precisa passar por uma conta abusiva?

Vou seguir tergiversando. Estive no Uruguai no último feriado e fiz um programa que nunca faço: fui ao cassino. Não me atraem os jogos de azar, mas minha filha, 18 anos recém feitos, ficou curiosa em conhecer o ambiente e topei, até porque recentemente nos divertimos vendo o ótimo filme Se Beber, Não Case, que se passa em Las Vegas. Então, lá fomos nós perder uns trocos de livre e espontânea vontade.

Mas enquanto a gente brincava de jogar, com dinheiro contado para a experiência, havia à nossa volta gente apostando alto, largando dezenas de notas de US$ 100 sobre a mesa da roleta como se aquilo não valesse nada. Perdiam, jogavam mais, perdiam mais, e não eram viciados, que vício é doença e respeito. Eram mulheres e homens gastando simplesmente porque tinham grana sobrando.

É o mesmo impulso de quem compra uma bolsa de R$ 10 mil: compro porque posso, porque quero, porque faço com meu dinheiro o que bem entender. Mas uma bolsa de menos dígitos não surtiria o mesmo efeito? A pergunta que engloba todas até agora aqui feitas: por que tanta gente está precisando de tanto?

Perfeição, beleza, luxo. Eu não seria louca de desprezar a vaidade humana. Encaro essas buscas como algo legítimo, natural e saudável – até certo ponto. Mas qual o ponto certo?

O meu limite é diferente do limite de quem se contenta com artigos de camelô, e também diferente do limite de quem só exige do bom e do melhor, sem concessões. Ou seja, “até certo ponto” é uma total abstração. Pessoas estabelecem a própria média de acordo com seu bolso e suas carências.

Sendo assim, uma medida genérica poderia ser a do vazio existencial de cada um. Será que estamos gastando em cirurgias estéticas desnecessárias, em grifes de preço imoral e em hábitos quase cafonas de tão ostensivos por um prazer pessoal genuíno, ou apenas para nos compensar?

É fato: quanto mais sem sentido está a nossa vida, mais ficamos tentados a consumir. Quanto menos admiramos a nós mesmos, mais necessitamos da aprovação alheia.

Quanto mais equivocado foi o caminho que escolhemos, mais tentamos dar a ele algum significado fictício. Quanto menos sabemos lidar com nossa solidão, mais precisamos atrair holofotes.

Passei essa semana tergiversando, como se pode notar, tudo para concluir o óbvio. Temos gastado muito e nos dado pouco valor.

Uma ótima quarta-feira para todos nós. Aproveite o dia.

terça-feira, 8 de setembro de 2009



08 de setembro de 2009
N° 16088 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A Casa do Povo

Em uma tarde fria de setembro, mês que então caía no inverno, minha mãe e eu, transidos pelos ventos glaciais imigrados ou da Antártica ou dos Andes, caminhávamos apressados pela Rua Duque em direção à parada do bonde. Ao cruzarmos por umas portas e janelas em arco, ela me informou:

– É aí que trabalha teu pai.

– Aí que ele faz discursos? – perguntei, contemplando o prédio que me pareceu enorme.

– Isso.

– Então, quem sabe, a gente dá uma olhada?

Minha mãe atendeu com um sorriso o pedido do garoto de seis anos e, por uma dessas incríveis coincidências, meu pai ocupava de momento a tribuna, numa oração que calava os apartes e era o oposto de seus modos tranquilos e cordiais.

Não sei do que tratava, mas guardei de sua voz, silenciando as outras vozes, uma impressão inapagável de fortaleza e convicção.

Habituei-me depois a frequentar o casarão da Assembleia, vizinho do Palácio, levado pela mão amiga de meu pai. Conservo uma viva lembrança daqueles debates, ora acesos, ora timbrados de ironia, com que os deputados do tempo, cultivando uma eloquência herdada de um João Neves da Fontoura, tratavam de salvar o Rio Grande, o país e o mundo. Depois, o sóbrio edifício transformou-se numa sóbria repartição burocrática do governo lindeiro.

Acompanho agora os esforços para devolver-lhe a importância ancestral. Será essa uma complexa tarefa. Não duvido contudo que o resgate será fiel ao passado e que os visitantes saberão imaginar talvez a esplêndida figura de Rodrigo Cambará, renascido das páginas de Erico Verissimo, rompendo espetacularmente com Borges, numa retórica fulgurante que à noite lhe valeu os favores da mais bela das deusas do Clube dos Caçadores.

Percebo que misturo política com literatura. Não serão porém vagamente aparentadas? O melhor dos discursos já escritos não será acaso o de William Shakespeare – o que repete a espaços a dúbia afirmativa segundo a qual “Brutus é um homem honrado”?

Voltando ao presente, será um gesto histórico a devolução à cidade de sua Assembleia, casualmente sua construção mais antiga. Peço apenas que não a chamem de Casa Rosada, como ouço às vezes. A Casa Rosada é outra, fica em Buenos Aires.

Chamem apenas a Assembleia da Rua Duque de a Casa do Povo. Nunca foi diferente a tradição de sua legenda imemorial.

Ainda que com chuvas e temporais, conforme a previsão do tempo, possamos todos ter um bom dia. Para quem está de folga uma ótima folga hoje.

sábado, 5 de setembro de 2009



06 de setembro de 2009
N° 16086 - MARTHA MEDEIROS


Celebrando tudo

Nos Estados Unidos, quando alguém morre, é comum reunir a família e os amigos depois dos atos fúnebres para uma confraternização, onde se oferece comida e bebida. Eu não chamaria isso de uma festa, e sim de um recurso para a troca de carinho e afeto, e para sinalizar que a vida continua, a despeito daquele que se foi.

Bem diferente me parece essa onda de celebrar divórcios, que está se firmando como um costume americano e que começa a fazer marola por aqui. No Exterior, já existem até empresas especializadas em organizar a festança – e dá-lhe gastar dinheiro com bobagem.

Uma separação, mesmo quando muito desejada, não é exatamente uma ocasião feliz. Não chego a considerar um fracasso, mas é uma ruptura que envolve variados sentimentos. O alívio pode ser um deles, mas não evita a melancolia. Isso em se tratando de separações amigáveis e civilizadas, porque na maioria das vezes as pessoas saem despedaçadas, sofrendo muito. Fazer uma festa pode servir mais como fuga do que como uma celebração.

Não me parece nada animador ver os convidados, ao final da noite, irem embora deixando o novo solteiro com a casa toda desarrumada e indo pra cama sozinho, em lua-de-mel com ninguém.

Óbvio que uma pessoa que passou por uma separação vai um dia procurar os amigos, sair, se divertir. Acontecerá naturalmente, quando se sentir disposto. Mas antes de essa disposição chegar, não há razão para negar o abalo e passar batido pelo luto.

Reconheço que uma festa de separação tem um forte componente de humor (alguns aproveitam para espalhar fotos do ex pela casa e promover um tiro ao alvo coletivo), quando não uma pitadinha de grosseria (outros imprimem o nome do ex no papel higiênico do lavabo), só que não basta uma única noitada para determinar o fim de uma era e o começo de outra.

Se a dor ainda estiver latente, seguirá latejando. E se não houver dor nenhuma, então a festa não passa de mais uma imitação boba do que os gringos fazem lá por cima.

Não tenho nada contra celebrações, e imagino que muitos fazem essas despedidas de casado por farra mesmo. Mas só vejo sentido nisso se a festa for comandada pelos dois juntos (ex-marido e ex-mulher) celebrando não o final de um casamento, mas o início de uma bela amizade depois de terem compartilhado gratificantes momentos juntos. Aí até pode ficar original e elegante.

Do contrário, a festa sugere uma esnobação, como se o passado não tivesse valido a pena, ou uma tentativa vã de fugir do sofrimento, como se o contato íntimo com a dor não fosse fundamental para a gente compreender melhor o que foi vivido. É a tal praga de se sentir obrigado a ser feliz o tempo todo.

Se isso estiver soando politicamente correto demais, então ignore: vá em frente, festeje o fim da sua relação escravagista e solte a franga com os amigos. Chique não é, mas você terá sempre a desculpa de, à moda americana, estar celebrando a morte (o fim de um amor é sempre uma morte) para sinalizar que a vida continua.

Bem Riveira está muito cheia este fim de semana, com ruas congestionadas de povo e de carros. Mas há gente bonita e incrível que no almoço em São Gabriel fomos sentar ao lado de uma mesa com colegas de todos os dias de dois andares acima. Ah essas coincidências.

Um domingo gostoso, especialmente para você.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009



02 de setembro de 2009
N° 16082 - MARTHA MEDEIROS


A mulher da página 194

Ela é loira e linda. Tem 20 anos. Modelo profissional. Saiu na última edição da revista americana Glamour ilustrando uma reportagem sobre autoimagem, e foi o que bastou para causar um rebuliço nos Estados Unidos.

A revista recebeu milhares de cartas e e-mails. Razão: a barriga saliente da moça. Teor das mensagens: alívio. Uma mulher com um corpo real.

Não sei se Lizzie Miller, que ficou conhecida como a mulher da página 194, já teve filhos, mas é pouco provável, devido à idade que tem. No entanto, quem já teve filhos conhece bem aquela dobrinha que se forma ao sentar.

E mesmo quem não teve conhece também, bastando para isso pesar um pouco mais do que 48 quilos, que é o que a maioria das tops pesa. Lizzie não é um varapau – atua no mercado das modelos “plus size”, ou seja, de tamanhos grandes. Veste manequim 42, um insulto ao mundo das anoréxicas.

A foto me despertou sentimentos contraditórios. Por mais que estejamos saturados dessa falsa imagem de perfeição feminina que as revistas promovem, há que se admitir: barriga é um troço deselegante. É falso dizer que protuberâncias podem ser charmosas. Não são.

Só que toda mulher possui a sua e isso não é crime, caso contrário, seríamos todas colegas de penitenciária. Sem photoshop, na beira da praia, quase ninguém tem corpaço, a não ser que estejamos nos referindo a volume. Se estivermos falando de silhueta de ninfa, perceba: são três ou quatro entre centenas. E, nesse aspecto, a foto de Lizzie Miller serve como uma espécie de alforria.

Principalmente porque ela não causa repulsa, ao contrário, ela desperta uma forte atração que não vem do seu abdômen, e sim do seu semblante extremamente saudável. É saúde o que essa moça vende, e não ilusão.

Um generoso sorriso, dentes bem cuidados, cabelos limpos, segurança, satisfação consigo próprio, inteligência e bom humor: é isso que torna um homem ou uma mulher bonitos.

Aquelas meninas magérrimas que ilustram editoriais de moda, quase sempre com cara de quem comeu e não gostou (ou de quem não comeu, mas gostaria), são apenas isso: magérrimas.

Não parecem pessoas felizes. Lizzie Miller dá a impressão de ser uma mulher radiante, e se isso não é sedutor, então rasgo o diploma de Psicologia que não tenho. Ela merecia estar na primeira página, mas, mesmo tendo sido publicada na 194, roubou a cena.

Uma ótima quarta-feira ainda que com chuva. Que possamos todos ter um bom dia.

terça-feira, 1 de setembro de 2009



01 de setembro de 2009
N° 16081 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Viagem no tempo

Às vezes, penso em todos esses mínimos segundos de que se tece o tempo. Os momentos mais felizes, aqueles em que nos encontramos com a melhor realidade de que somos feitos, não passam de uma soma de espaços minúsculos e aparentemente sem limites.

As grandes desilusões não são também mais do que uma rede de pequenos infortúnios, que olhados em conjunto nos parecem maiores do que na verdade são.

Acabo de percorrer alguns livros que falam do passado, do presente e do futuro. Percebi logo de saída que continham frases mais inspiradas do que eu jamais conseguiria conceber. São algumas delas que passo agora aos meus leitores, certo de que não poderiam ser mais reais.

George Santayana escreveu que os que são incapazes de recordar o passado são condenados a repeti-lo. Para Henry Bataille, o passado é um segundo coração que bate em nós. Confúcio aconselhava: Estuda o passado, se quiseres adivinhar o futuro.

Já Shakespeare ensinava: O passado e o futuro nos parecem sempre melhores; o presente, sempre pior. Dryden observava: Sobre o passado, nem o céu tem poder.

Browning era fatalista: O passado está em seu túmulo, embora seu fantasma nos assombre.

Segundo Gide, infelizmente um único passado propõe um único futuro – projeta-o à nossa frente como um ponto infinito sobre o espaço.

T.S. Eliot é filosófico: O tempo presente e o tempo passado / Talvez ambos estejam no tempo futuro, / e o tempo futuro contido no tempo passado.

George Bernard Shaw adverte: Temos tempo bastante para pensar no futuro quando já não temos futuro em que pensar.

Unamuno é terminante: Não há futuro; o verdadeiro futuro é hoje; que é de nós hoje, é esta a única questão.

Teixeira de Pascoaes propõe um enigma: Tenho, às vezes, saudades do futuro, / Como se ele já fora decorrido / Um sentimento escuro de quem, antes da vida houvesse já vivido.

Einstein mostra-se prático: Nunca penso no futuro. Ele chega demasiado cedo.

Camus é enigmático: A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente.

Mas quem é definitivo é Millôr Fernandes: O passado é o futuro, usado.

Ainda que com previsão de chuva e temporais que tenhamos um boa terça-feira. Uma ótima folga para quem está de folga hoje.