sábado, 26 de novembro de 2022


26 DE NOVEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Os celulares multiplicaram a chance de golpes. São de todo tipo: falsas pirâmides, ofertas de criptomoedas, oferecimento de serviços, falsos sequestros de familiares e assim por diante. Nossos sentimentos são sempre os mesmos: quando analisamos o golpe em setores que nunca nos enganariam, ficamos desolados com a ingenuidade alheia; quando se trata de algo que já fizemos ou que chega ao nosso universo de valores, somos compreensivos. Nossa empatia é narcísica, em geral.

Critiquei meu pai que quase caiu, lá por 2008, em um golpe de falso sequestro meu. "Como, pai, você, advogado, acostumado a analisar estelionatos, pode ter acreditado em uma história tão estapafúrdia?"

Ele argumentou comigo que o risco a um filho cegava quaisquer prudências e acionava um modo automático de defesa. O suposto grito de um filho apagava o título de advogado, e o risco à minha integridade o fragilizava. Aceitei que assim fosse. O amor tem razões alheias à razão em si, advertia Pascal.

Pensando nas chances de golpes, acho importante que todos tenhamos presentes as zonas desprotegidas da mente. Risco aos filhos? Inquietudes financeiras? Histórias obscuras do passado? Carências de todo tipo? Sabendo onde estão nossos fios desencapados, fica mais fácil identificar risco de choque grave. Como posso agir então?

Devo programar meu cérebro a partir do risco. A voz gritando da minha filha me desestabiliza? Vou treinar e insistir muitas vezes que, em caso de ter o alarme acionado por uma ligação repentina, tomarei duas atitudes: ligarei para ela e para uma terceira pessoa (de preferência sem o mesmo envolvimento emocional) e seguirei a crise com a orientação alheia. Devo repetir, treinar, repetir e formar meu cérebro a essa reação.

Reitero comigo todos os dias: "Se minha filha estiver em risco, envolverei meu cunhado e ligarei para ela". Treinar a reação não impede a cegueira das prudências, mas cria um botão emergencial. Ao vivo e em segredo, a família pode treinar uma palavra-passe de emergência. O nome da avó em comum, por exemplo, ou o nome de um animal de estimação conhecido de todos. A palavra-passe não deve estar no celular, pois ele pode ser clonado.

Uma pessoa com muito desejo sexual e carente pode ser enganada por um sedutor ou uma sedutora, nas redes. Alguém com ambição enorme pode ser atraído para um negócio imperdível. Todos possuímos fragilidades. Não devemos julgar as alheias, apenas aprender sobre o que nos tira do sério.

O golpe está aí: cairemos todos. Os que se prepararem internamente possuirão maior esperança de evitar trambiqueiros.

LEANDRO KARNAL

26 DE NOVEMBRO DE 2022
ELIANE MARQUES

A ESTRANHA FAMILIAR

Quando se torna professora (1847), Maria Firmina dos Reis se recusa a desfilar nas costas de escravizados sobre um palanque em São Luís, no Maranhão. A professora argumenta que eles não eram bichos para carregarem pessoas neles montadas. A posição social alcançada com o magistério contribui para que ela publique seu primeiro livro, Úrsula (1859). Logo se seguiram o romance Gupeva (1861), o poemário Cantos à Beira-mar (1871) e o conto A Escrava (1887). 

Aposentada do ensino público (1881), Maria Firmina funda a primeira escola mista (gratuita) do Brasil, o que escandaliza os círculos locais em Maçaricó. Depois de dois anos e meio de aulas para filhos e filhas de lavradores e de fazendeiros do povoado, impôs-se a ela o fechamento da escola. Diliquinha, seu apelido familiar, escreve para vários jornais, tais como A Verdadeira Marmota, Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Federalista e O Jardim dos Maranhenses. No campo da música, ela se destaca com as composições Hino da Libertação dos Escravos e Hino à Mocidade.

Nascida em 11 de outubro de 1825, na ilha de São Luís, filha de mãe considerada branca e de pai Negro, ainda criança Maria Firmina se transfere, com a família, para a Vila de São José de Guimarães. Mas parte de sua vida ela passa na casa de uma tia materna, de melhores condições econômico-raciais, quando então entra em contato com outras referências culturais e com parentes seus ligados à literatura, como Sotero dos Reis.

A trajetória de Maria Firmina dos Reis se assemelha à de muitas mulheres amefricanas contemporâneas, especialmente marcadas pelo abandono do local de nascimento e pela fixação do domicílio em outro, com o objetivo de conquistar melhores condições de vida. Nem sempre amistosos, diálogos com homens e mulheres estranhos ao círculo familiar e racial advertem a escritora de que quase tudo não é como se almeja. Na casa de sua tia rica e branca, Maria Firmina se encontra não apenas com a vida das classes "mais altas", mas também ouve seus segredos íntimos, em posição semelhante às outras mulheres negras que, além de cozinhar, limpar e cuidar, oferecem conselhos "aos seus brancos", tornando-se frequentemente membros honorários dessas famílias - É como se fosse da família!

Também é provável que Maria Firmina tenha descoberto que a posição de privilégio ocupada por eles adviesse não da superioridade racial ou intelectual ou mesmo do estágio superior da humanidade em que eles pudessem se encontrar, mas da exploração sistemática do outro como corpo de trabalho forçado. Se nessa época ainda não tinha se tornado Negra, essa foi uma importante oportunidade.

Tudo isso fez com que, em Úrsula, ela antecipasse quase em 80 anos o Movimento da Negritude. No romance ela repudia uma narrativa heroica da vida escravizada, adotando, antes, uma perspectiva mais crítica das relações sociais. Com isso, vai minando as bases do tempo linear em que se mantém o regime patriarco-escravocrata e o romantismo como sua forma estética.

ELIANE MARQUES

26 DE NOVEMBRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

UMA VOZ TAMANHA

Agora é o silencio. Porque depois da voz dela se espalhar no ar, depois do mundo cantar junto, depois de fazer a vida ficar melhor e tão mais bonita, depois de você, Gal, só o silêncio.

Um silencio imenso e profundo, onde todas as vozes, os murmúrios, o burburinho das pessoas ficou num outro plano, desaparecendo ao fundo da cena, sumindo dentro de uma súbita neblina que cobriu tudo. De repente o show parou. O palco ficou vazio. No centro, no foco de luz, sua ausência.

Aos poucos sua voz vai ser multiplicada, e, por todos os lados, como jorros de luz, vamos escutar esse som que vem dos anjos, de algum lugar que é puro deslumbramento.

Os planos da minha memória se sobrepõem. Recebi a notícia ao embarcar e agora, do meio das nuvens, revejo fragmentos de uma história. Gal Costa se foi, e com ela se vai uma era. Um país que tive a sorte de vivenciar, um sonho do qual fiz parte, uma emoção sem fim.

Começa na minha adolescência, descobrindo maravilhada um mundo que falava de paz, amor e liberdade. Uma explosão de ideias e talentos, expressões, roupas, atitudes, liberdade, sexo e música, muita música.

Meu nome é Gal, cantava aquela voz de cristal, um clima selvagem nas dunas da Gal, cabelos soltos, roupas leves, corpos flutuantes e um verão que parecia nunca ter fim. A gente cantava nas ruas e, mesmo sem dinheiro para ir ao show, sentia a vibração desse novo tempo onde a Gal surgia já icônica.

Esse foi o mundo que me encantou e me deu um norte, um rumo, um pertencimento. Estávamos todos na mesma frequência, caminhando na direção do sol, sem lenço e sem documento, sem querer repetir os erros de uma sociedade que não nos traduzia.

A vida era jovem e tinha uma proposta. Tinha uma clara filosofia. Uma mudança de valores, a perspectiva da grande transformação. Era o Brasil dos anos 1970 em plena ditadura, censura e repressão. A arte era uma forma de resistência, a manifestação de um infinito talento que criou esperança de um mundo possível.

Sobrevivemos de paixão, tesão e alegria. Nem todos sobreviveram, mas essa é outra história. Agora aqui, no meio das nuvens, revejo amigos e sei como tudo isso foi me mostrando o caminho. O astral feliz dessa gente linda deu significado para as coisas e foi parte da matéria-prima que me faz ser o que sou.

Eu era a menina que queria abraçar toda a extensão do planeta, e a Gal explodia sensual na trilha sonora. O mundo discutia a revolução sexual, o poder do feminismo, do movimento black power, a contracultura e tantas outras questões fundamentais para a construção de uma nova sociedade.

A poesia concreta nas esquinas de Sampa, o Xingu e suas terras demarcadas graças aos irmãos Villas-Boas, os intelectuais brilhavam, o mundo buscava cultura, inteligência, beleza. Gente é para brilhar, e não para morrer de fome.

O Ri e eu, apaixonados, íamos em todos os shows, Doces Bárbaros, Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Chico, Milton Nascimento, Rita Lee, Djavan, Cazuza, Marina. Nessa altura já éramos todos amigos, frequentávamos as casas uns dos outros, bares, conversas, risadas. Tudo perigoso, tudo divino maravilhoso.

Gal, amiga querida, você é para sempre.

BRUNA LOMBARDI

26 DE NOVEMBRO DE 2022
DRAUZIO VARELLA

COMO DIMINUIR A MORTALIDADE COM 15 A 20 MINUTOS DE ATIVIDADE FÍSICA

Convencer o fumante a largar o cigarro e o sedentário a andar foram os dois maiores fracassos que colecionei no curso de minha profissão.

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um guia sobre atividade física e comportamento sedentário, com a recomendação de que pessoas adultas dediquem 150 a 300 minutos semanais à prática de atividade física moderada ou intensa.

Escrever guia é fácil, quero ver é convencer mulheres e homens a andar 30 minutos - ou pior, uma hora - cinco vezes por semana. Ao fazer esse tipo de prescrição, o médico deve se preparar para ouvir um rosário de lamentações, tantas são as atribulações diárias alegadas pela pessoa.

Na natureza, caríssima leitora, animais adultos só gastam energia em três situações: atrás de alimentos, no sexo ou para fugir de predadores. Com essas necessidades satisfeitas, evitam sair do lugar. Por isso, quando vem a ideia de praticar exercícios, desaba sobre nossos ombros o peso da preguiça sedimentada em milhões de anos de evolução.

Para uma organização como a OMS, recomendar 150 a 300 minutos semanais de atividade física é moleza, quero ver é motivar gente acostumada a ir de carro até a padaria da esquina criar coragem para levantar da cama ou do sofá, calçar tênis, vestir calção e sair para suar a camiseta.

Com essa introdução, pretendo defender que essas normas sejam modificadas, porque são utópicas e existe uma luz no fim do túnel.

E se eu disser que talvez bastem 15 a 20 minutos semanais de atividade física vigorosa para reduzir a mortalidade geral e as mortes por doença cardiovascular e câncer? Míseros 15 a 20 minutos por semana, até o mais vagabundo dos poucos leitores desta coluna consideraria razoável. Ou não?

O European Heart Journal acaba de publicar um estudo prospectivo conduzido no Reino Unido com 71.893 mulheres e homens de 55 a 68 anos (média 62,5 anos), acompanhados durante 5,9 anos, em média. A atividade física foi medida com um acelerômetro de pulso. Cerca de 80% dos participantes foram classificados como sedentários.

Simplificadamente, atividade vigorosa equivale a andar a passos rápidos (acima de 4 km/h a 5 km/h), correr, andar de bicicleta a velocidades acima de 16 km/h, jogar basquete, futebol, tênis individual, pular corda e subir escadas rapidamente.

Durante os 5,9 anos de acompanhamento a mortalidade geral e as mortes por câncer e por doença cardiovascular ficaram distribuídas da seguinte maneira:

1) 4,17% entre os sedentários

2) 2,12% nos que praticavam de zero a 10 minutos semanais

3) 1,78% entre aqueles que praticavam entre 10 e 30 minutos semanais

4) 1,47% nos que praticavam entre 30 e 60 minutos semanais

5) 1,1% nos que praticavam mais de 60 minutos semanais

Houve relação inversa entre o volume de atividade vigorosa e a mortalidade geral, por doença cardiovascular ou câncer.

A prática considerada ideal, aquela associada à mortalidade mais baixa, foi a de 53 minutos semanais. É possível que outras mais prolongadas consigam um impacto que seja ainda maior, mas o número dos que as praticaram foi insuficiente para atingir a significância estatística.

Naqueles que alternaram práticas moderadas e intensas, como andar e depois correr dois minutos, a mortalidade por doença cardiovascular caiu para 35%.

Você, leitor incrédulo, dirá que os resultados de um único estudo não podem ser generalizados. Tem razão, ninguém conhece esse princípio mais do que o ovo, ora acusado ora inocentado. Mas estudos recentes chegaram a resultados semelhantes.

Publicada no mesmo número da revista, uma pesquisa realizada com 88 mil ingleses chegou às mesmas conclusões. Entre elas, a de que andar sete minutos diários depressa reduz mais a mortalidade do que andar 14 minutos devagar.

Em 2011, um estudo publicado na revista The Lancet mostrou que a prática diária de exercícios vigorosos diminui a mortalidade geral. Resultados semelhantes foram publicados no Journal of the American College of Cardiology: correr cinco a 10 minutos por dia faz cair o número de mortes precoces, independentemente da causa.

Que desculpa você inventará agora, prezado leitor, para não dedicar 15 a 20 minutos da sua semana para viver mais e melhor? E se puder investir mais tempo, por que não?

DRAUZIO VARELLA

26 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

A vida cabe em um Fusca

Beatriz iria até a igreja com o clássico Chevrolet Bel Air vermelho e branco, ano 1956. Noivo nunca se preocupa em como chegará a seu casamento. É capaz de aparecer de táxi ou de Uber. Eu não queria isso para mim. Desejava que um amigo me levasse. Um segundo pai. Um irmão de jornada. E também que o veículo tivesse conexão com a minha história.

Lembrei-me do fotógrafo Nauro Júnior e seu Fusca azul-pastel chamado Segundinho, de 1968. Eu aprendi a dirigir num Fusca. Minha primeira saída oficial com habilitação foi dentro de um Fusca, morrendo de nervosismo e aguentando cinco amigos de carona que davam palpite.

Eu sonhava com aquele barulho cardíaco e tranquilizador do motor em meu trajeto até o altar. Seria o encontro da minha emancipação da adolescência com a maturidade do amor. Só que havia um problema. Nauro morava em Pelotas, e o matrimônio aconteceria na terra de minha noiva, Belo Horizonte, na Basílica Nossa Senhora de Lourdes.

Falei para Nauro da minha vontade mais como um capricho do que como algo realmente possível. Não é que o louco disse "sim"? - Vou até aí! Pode me esperar. É o meu presente de casamento.

Com a sua boina, com a sua camisa xadrez por cima da camiseta básica, com a sua barba rala, com o seu sotaque platino, percorreu 4 mil quilômetros por mim (ida e volta), dirigindo por nove dias de forma ininterrupta, para andar apenas oito quarteirões da capital mineira.

Não reclamou do cansaço, não cobrou gasolina, não estabeleceu nenhuma exigência. Não falou que o motor fundiu em Pouso Alegre e que teve que ressuscitá-lo numa oficina mecânica às margens da estrada, obrigado a pernoitar na Fernão Dias. Não me repassou nenhum problema ou adversidade. Não se envaideceu com o heroísmo do sacrifício.

Foi uma prova de lealdade silenciosa, como deve ser toda manifestação de mais pura da amizade. Essa é uma das peripécias do livro A Vida Cabe em um Fusca (www.expedicaofuscamerica.com.br), que Nauro Júnior acaba de publicar pelo seu selo Satolep Press. Sua carona foi terapêutica para aplacar a minha ansiedade. Eu sempre dizia que casar no religioso era para a existência inteira - tanto que entrei na basílica de bengala, assumindo o voto de envelhecer junto.

Nauro sabia da seriedade da minha decisão, percebia que eu havia escolhido uma parceira da alegria e da tristeza, e me apoiou incondicionalmente. Além de ser um excelente narrador, Nauro é um pescador: puxa a melhor versão do outro no oceano das palavras.

Ele não me lançou piadas terroristas, perguntando se eu tinha certeza ou avisando que havia tempo para fugir. Pelo contrário, rimos muito na véspera do casório porque ele exaltou a minha coragem de ser feliz. Ainda tive a chance de trocar as marchas na reta final do percurso.

Na chuva de arroz, não pude deixar de desferir um olhar irônico para Beatriz quando notei que o Fusca fez mais sucesso entre os convidados do que seu possante, charmoso e caro Bel Air. Já estávamos nos provocando, portanto já estávamos casados.

CARPINEJAR


26 DE NOVEMBRO DE 2022
FLÁVIO TAVARES

A TRAGÉDIA PRESENTE

Faltam adjetivos para definir o erro do Legislativo gaúcho ao alterar a chamada Lei Kiss com o fim de facilitar a concessão de alvarás do Corpo de Bombeiros para 991 diferentes atividades empresariais. Chame-se irresponsabilidade, absurdo, insensibilidade, cegueira ou o que for, tudo será pouco e parco para qualificar a decisão.

A tragédia da boate Kiss, anos atrás em Santa Maria, com 242 mortos e centenas de sequelados, foi esquecida por nossos deputados? Por 39 votos a sete, em debates sumários devido à "urgência", mudaram a lei vigente após a tragédia de Santa Maria. Só PT e PSol votaram contra. Daqui em diante, bastará apenas uma autodeclaração dos empreendedores pela internet afirmando que a atividade é segura e sem risco de incêndio.

O líder do governo no Legislativo, deputado Mateus Wesp (PSDB), vangloriou-se de que, com a alteração, "será possível abrir uma empresa em 10 minutos". Não é essa urgência, porém, que prevalece em casos de risco de incêndio. Na boate Kiss, em 10 minutos o fogaréu já asfixiava e matava?

A alteração da Lei Kiss relegou o Corpo de Bombeiros a plano inferior e fez dele simples burocracia, que, sem inspeção, atuará só pelo que disser a tal da autodeclaração recebida no computador. Indago: quem irá classificar sua própria atividade como "de alto risco" de incêndio?

Em Santa Maria, nem a banda que ateou fogo queria incendiar e matar.

A tragédia está presente até no futebol da Copa do Mundo, como no caso das ex-campeãs Argentina e Alemanha. A Seleção do Brasil estreou vencendo, mas guardo ainda na memória a tristeza de 16 de julho de 1950 na derrota final, no Maracanã, ante o Uruguai.

Após a derrota, dois desastres aéreos aterrorizaram o Rio Grande. Ainda sem radar, o Constellation da Panair bateu no Morro do Chapéu, em Sapucaia, e morreram 59 pessoas. Dois dias após, o avião em que viajava Salgado Filho, candidato a governador, caiu na fronteira, matando passageiros e tripulantes.

Mas nem isso superou o trauma da derrota no Maracanã. Anos depois, o capitão dos uruguaios, Obdúlio Varela, contou-me que, após o jogo, foi conhecer Copacabana e viu as pessoas chorando nas ruas: "Para acalmar o pranto, tive vontade, até, de entregar a taça Jules Rimet à Seleção do Brasil", disse-me ele.

FLÁVIO TAVARES

26 DE NOVEMBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

RUÍDOS E INDEFINIÇÕES

Começam a preocupar os ruídos e a articulação deficiente do governo eleito, o que tem levado a adiamentos na formulação do teor da chamada PEC da Transição. Era para proposta ser conhecida até a última quarta-feira, mas agora a previsão é a próxima terça-feira. Há claros problemas de articulação com o Congresso, ao mesmo tempo que transparecem divisões internas entre algumas das lideranças do PT mais próximas ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

As indefinições são sobre por quanto tempo o novo Bolsa Família poderá ficar excluído do teto de gastos e sobre o tamanho da licença de desembolsos que o novo governo terá em 2023. Ao que parece, o prazo não será indeterminado, como Lula gostaria, tampouco o extrateto será de R$ 200 bilhões. As hesitações atrasam definições importantes e alimentam o nervosismo no mercado financeiro, como o movimento de alta observado nos juros futuros nos últimos dias devido às interpretações de que o Banco Central poderá ter de continuar a elevar a Taxa Selic, o que seria péssimo para a economia, para os investimentos produtivos, para o crédito e para os endividados.

Um sinal de falta de alinhamento interno foi a troca de cobranças entre o senador Jaques Wagner (PT-BA), articulador político do governo eleito, e a presidente do PT, Gleisi Hoffman. O parlamentar disse que a falta de indicação do novo ministro da Fazenda atrapalha as negociações no Congresso e foi rebatido pela dirigente. Para Gleisi, é a falta de articulação adequada no Senado o principal entrave para a PEC.

Em meio à indefinição e diante das resistências do parlamento, voltou a ser cogitada a possibilidade de uma medida provisória liberando crédito extraordinário para assegurar o Bolsa Família no valor de R$ 600. Resta saber se essa hipótese é de fato um plano B, um balão de ensaio ou indício de inexistência de clareza sobre o melhor caminho para cumprir uma das principais promessas de campanha de Lula.

Uma definição seria facilitada, sem dúvida, se o Congresso e o mercado já conhecessem o futuro ministro da Fazenda e ao menos parte do primeiro escalão da equipe econômica. Um time que mesclasse credibilidade com boa capacidade de articulação política facilitaria a costura de um acordo com os parlamentares. 

Nomes que gerassem confiança e acenassem na direção da manutenção da austeridade, sem abrir mão dos compromissos sociais, por certo fariam com que deputados e senadores fossem um pouco mais condescendentes com as demandas do futuro governo. Sem esquecer que, junto a isso, deveria ser reforçado o comprometimento com a apresentação de uma proposta para ser a nova âncora fiscal do país devido à intenção repetida de Lula de substituir o teto de gastos.

Há 20 anos, durante a transição para o primeiro governo Lula, a esta altura do calendário, o então futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci, estava confirmado no cargo. Dava as cartas e centralizava a comunicação sobre política econômica, evitando a vocalização de visões distintas por diferentes integrantes da futura gestão e acalmando o mercado. Outras pastas importantes, como a Casa Civil, também já estavam definidas. 

Mesmo sem ser o preferido do mercado, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) desponta como favorito para a Fazenda. Uma possibilidade de dobradinha com o economista Pérsio Arida no Planejamento animou os investidores na quinta-feira, mas na sexta-feira Haddad esteve em um encontro com banqueiros e não empolgou os ouvintes. Quem bate o martelo, de qualquer forma, permanece silente. Em tempos de Copa do Mundo, já passou da hora de Lula começar a distribuir as camisetas, especialmente nas principais posições de seu time. 


26 DE NOVEMBRO DE 2022
+ ECONOMIA

PEC da Black Friday: dobro para metade

Desde que não se cite a fonte, aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, admitem que a PEC da Transição de até R$ 198 bilhões de gastos fora do teto no orçamento de 2023 é a famosa estratégia de pedir o dobro para levar metade. Parece a antiga definição da Black Friday, que ofereceria produtos pela metade do dobro. O argumento de quem assegura que não chegará a tanto é o passado sindical de Lula.

Ao lidar com o Congresso, da mesma forma que fazia com os empregadores em negociações salariais, Lula não pede o 100 que deseja, por saber que vai levar 50. A intenção seria pedir 200 para garantir 120.

Para tentar acelerar a PEC, não se descarta fusão com a proposta encampada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), com autorização para gastos extras, dentro do teto, de R$ 78,6 bilhões. A intenção é buscar um meio-termo entre esse valor, tido como "insuficiente", e o original, considerado "excessivo".

é o valor em debêntures emitidos (títulos de dívida oferecidos para obter recursos) pela CEEE-G, dona de 15 hidrelétricas no Estado. A iniciativa é da CSN, que comprou a geradora por R$ 2,6 bilhões (R$ 928 milhões ao governo do RS, e R$ 1,94 bilhão à União pela outorga). A empresa se financia a partir do próprio ativo. As ações da CSN foram uma das poucas altas na bolsa.

Startup avança no RS

Startup do mercado imobiliário, a Loft passa a atuar em mais nove cidades do Estado: Bento Gonçalves, Canela, Capão da Canoa, Caxias do Sul, Gramado, Guaíba, Lajeado, Santa Maria e Torres. Com esse desembarque, já está em 17 municípios gaúchos.

A empresa projeta que o número de imóveis anunciados para venda no marketplace da sua plataforma chegue a 115 mil até o fim do ano, dos quais cerca de 30 mil no Rio Grande do Sul.

- As expansões mais recentes, para Porto Alegre e Região Metropolitana, foram realizadas em parceria com imobiliárias. Esse modelo é escalável e eficiente. Aprendemos muito com essa experiência no Rio Grande do Sul, e esse conhecimento nos permitiu desenhar a onda de expansão, a maior já planejada pela empresa - explica Diogo Elias, vice-presidente de parcerias da Loft.

Nas novas praças, a Loft opera com imobiliárias locais. A startup firmou parcerias com nomes tradicionais nesses mercados, como Serra Prime, na Serra Gaúcha, e Muck, em Canoas. Ambas se juntam à Foxter e à Auxiliadora Predial, parceiras da Loft desde o início de sua atuação em Porto Alegre.

MARTA SFREDO

Se saísse o golpe

Esta crônica é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com a realidade não será mera coincidência.

"Iludidos com as multidões em verde-amarelo que tomam as ruas para celebrar o Hexa, um grupo de militares renegados desfecha uma quartelada. Atendendo ao clamor dos adoradores de muros de quartel, eles proclamam a manutenção de Jair Bolsonaro no poder, dissolvem os tribunais superiores, com a prisão de seus ministros, e preveem, talvez para dali a uns anos, eleições com voto em papel. A cúpula do governo eleito é levada para local ignorado.

Em questão de horas, os EUA, a Europa e toda a América Latina, à exceção do Paraguai, repudiam o golpe e anunciam sanções ao Brasil. O país fica isolado. A China começa a procurar novos fornecedores de alimentos. As contas no Exterior dos financiadores do golpe são bloqueadas. Os golpistas e seus apoiadores, identificados por manifestações em redes sociais, são proibidos de entrar nos EUA e na Europa.

Os presidentes da Câmara e do Senado se levantam contra a intentona e são destituídos, bem como todos os mandatos parlamentares até que, talvez, haja nova eleição. Com as cortes superiores fechadas e sitiadas, Judiciário e Ministério Público entram em colapso. A imprensa é sufocada. Sem os holofotes do jornalismo, a fiscalização do MP e a punição pela Justiça, bilhões são rapinados dos cofres públicos.

Em represália ao golpe, EUA e Europa congelam grande parte das reservas internacionais do Brasil. Os dólares oficiais somem e a cotação no paralelo salta para R$ 20. A inflação dispara, a Bolsa derrete. O país tem dificuldades para importar diesel. O transporte e o agronegócio operam aos solavancos. As prateleiras dos supermercados se esvaziam.

O novo regime só tem apoio firme dos ecocidas que querem fazer da Amazônia uma grande pastagem e de alguns pastores fanáticos. O Brasil vive dias de teocracia iraniana. Os muitos milhões que rejeitam o golpismo, e que até então olhavam para os grupos diante dos quartéis entre a indiferença e o desprezo, ocupam as ruas em gigantescos protestos. Repetições do episódio da Legalidade eclodem do Rio Grande do Sul ao Pará. O regime chama o Exército para reprimir as manifestações, mas os comandantes se negam a disparar contra civis desarmados. Massas famintas vagam pelas estradas e tentam sair do país. Os vizinhos, Venezuela inclusive, reforçam os controles nas fronteiras.

Com o caos generalizado, Bolsonaro foge para o Paraguai, onde é obrigado a conviver com Roberto Jefferson. O governo e o Congresso eleitos tomam posse, e os sediciosos que desencadearam o golpe são presos e condenados com base na Constituição. A paz e a ordem voltam a imperar, mas o país, destroçado, ainda levará anos para se recuperar".

Acordou? Era um pesadelo. Era?

MARCELO RECH

26 DE NOVEMBRO DE 2022
INFORME ESPECIAL

La Negra voa

Ana Medeiros dança com a alma. O olhar, a cadência, o bailado, tudo ali é ancestralidade, mas há algo mais na arte da bailarina chamada La Negra: o orgulho incontido de ser quem é e das barreiras que venceu para chegar onde chegou. Ana é um ícone do flamenco negro no Brasil e celebra 25 anos de carreira no palco (leia abaixo).

Nascida em Porto Alegre, a artista (nas fotos) perdeu a mãe ainda menina. Jamais esqueceu o som das castanholas (na imagem ao lado) vibrando nas mãos maternas. Mais tarde, voltou a ouvir o tilintar mágico do instrumento ao passar em frente à escola da coreógrafa Cadica Costa. Entrou e, mesmo sem dinheiro, ficou. Nunca mais deixou o tablado.

Entre ensaios, apresentações e novas parcerias, formou-se arquiteta. Não ergueu casas, mas seguiu concretizando sonhos. Em 2017, iniciou carreira solo, fundou a própria companhia de artes na Capital e deu asas a um estilo só seu - a começar pelo cabelo crespo e retinto que, enfim, parou de esconder. Foi o suficiente para que ela conhecesse a face brutal e dura do racismo.

- Ali entendi, de fato, o que é o preconceito - recorda Ana.

Respondeu à discriminação com talento, cabeça erguida e dedicação. Tornou-se a primeira concertista de castanholas a gravar um álbum no Rio Grande do Sul, acolheu bailarinas pretas e reverberou a luta antirracista em suas criações. Em 2021, arrebatou o Prêmio Açorianos de Dança com o espetáculo Flamenco Negro.

Agora, prepara mais um show, inspirado em versos do poeta francês Charles Baudelaire, que traduzem uma nova fase na vida da bailarina acostumada a pisar sobre espinhos. La Negra voa.

Elevación

O espetáculo Elevación, 25 Anos de Carreira de La Negra, será apresentado nesta quarta-feira, às 21h, no Theatro São Pedro (que aparece nas fotos), em Porto Alegre, com convidados especiais e direção artística de Everson Silva. Ingressos em teatrosaopedro.rs.gov.br.

É um sonho de criança realizado.

RICHARLISON

Centroavante da Seleção Brasileira, autor dos dois gols da vitória da equipe na estreia na Copa do Catar.

Minha dor é muito grande. Nem sei como dizer tudo o que eu penso desse meu amigo querido, meu grande irmão, meu ídolo.

ROBERTO CARLOS

Cantor, lamentando a morte de seu parceiro, Erasmo Carlos.

Aqui no Catar tomando sol escondida, porque na rua só com muita roupa mesmo, nada de fora.

GRETCHEN

Cantora, que está no país da Copa, divertiu seus seguidores nas redes sociais ao postar uma foto de biquíni, lembrando as regras locais rígidas para as mulheres.

É um golpe muito duro.

LIONEL MESSI

Craque argentino, após a derrota na estreia da Copa para a Arábia Saudita.

Acho que tem tudo para ter uma harmonia com o governo Lula, uma relação muito boa.

ILAN GOLDFAJN

Economista, primeiro brasileiro eleito para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dizendo que as agendas da instituição e da gestão petista são parecidas.

Nossa luta em Brasília é para que essas prerrogativas permanecem, cresçam, para que se chegue no limite constitucional e não se avance um milímetro e nem também se recue um milímetro.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, indicando que não abrirá mão do chamado orçamento secreto, controlado pelo Congresso.

Está faltando articulação política no Senado, por isso acho que nós travamos na PEC. Não é falta de ministro.

Gleisi Hoffmann

Presidente do PT, rebatendo afirmação do senador e correligionário Jaques Wagner, de que está faltando um "ministro da Fazenda" para facilitar o andamento da PEC da Transição.

Bailarinas e sua arte foram alvo do interesse de grandes pintores, em especial de dois franceses contemporâneos: Edgar Degas e Henri de Toulouse-Lautrec. Cada um a seu modo retratou a plasticidade das figuras quase etéreas. Na obra ao lado, intitulada A Dançarina Espanhola,Toulouse-Lautrec (conhecido por pintar a vida boêmia de Paris do fim do século 19) delineou uma jovem de flores no cabelo que mais parece flutuar, tamanha a leveza dos traços. A tela foi elaborada entre 1883 e 1885 e hoje está resguardada no Van Gogh Museum, em Amsterdam, nos Países Baixos.

JULIANA BUBLITZ

segunda-feira, 21 de novembro de 2022


21 DE NOVEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Admiração eleva a libido

A apresentadora Bela Gil trouxe o termo à baila: sapiossexual. Ou seja, aquele que é atraído sexualmente por quem é inteligente. Ela confessou que o senso de beleza dela está vinculado ao intelecto. Não se vê enfeitiçada por um rosto simétrico e perfeito, ou por um corpo escultural, mas por um cérebro atuante. Pela capacidade de produzir sinapses, elaborar histórias e encantar com as palavras.

Ela não deixa de ter razão. A razão é fundamental para o desejo. A sensualidade reside na admiração. Em ter o outro como exemplo de conduta. Admiramos a quem nos convida ao desconhecido, ao maravilhoso, ao inesquecível.

Admirar é ter orgulho de quem nos acompanha, das estradas escolhidas. Admirar não é se achar inferior, mas tão poderoso quanto. É influenciar e ser influenciado. Quando a admiração enfraquece, restam o ciúme, a manipulação e a possessividade.

Ao amar, você transmite o legado de seu conhecimento. Suas mãos têm na ponta dos dedos os lugares que visitou, os livros que leu, os discos que ouviu, as pessoas que conheceu, os idiomas que aprendeu. Você busca ser desafiado a evoluir, a melhorar, a superar seus condicionamentos. A sabedoria não pode ficar de fora do envolvimento, a cultura não pode ficar de fora do carinho e do toque.

É um empecilho ao prazer a ignorância, a grosseria, a piada preconceituosa, a falta de curiosidade, a preguiça de acompanhar legendas, a completa ausência de uma biblioteca.

Restrito à aparência, você estará fadado a uma relação superficial. Não deve estar com alguém apenas pelo tesão físico, não terá o que conversar depois. Dependemos, sobretudo, para a longevidade dos laços, de um tesão intelectual, de uma fome mútua de viver, de um magnetismo afetivo, de uma cumplicidade de projetos e planos. Os egos não se encaixam, as almas, sim.

Se ficar com quem não gosta de pensar, essa pessoa jamais vai incentivar o seu crescimento profissional, o seu permanente estudo, a sua liberdade aventureira de buscar novos espaços de realização pessoal. Irá se satisfazer com a sua atrofia na mesmice. Talvez boicote qualquer aspiração antiga ou sonho engavetado.

Se ficar com quem não gosta de trocar ideias, sofrerá o constrangimento de perguntar a toda hora o que ele tem em mente. Conviverá com um fantasma mudo na frente do celular, da TV, do computador. Os diálogos serão abruptos e difíceis. Se ficar com quem não tem introspeção ou mundo interior, passará a ser recriminado no momento de experimentar tristezas e crises de consciência. Não existirá folga para as lágrimas, para refletir sobre a própria condição.

Se ficar com quem é linear, não poderá partilhar suas fantasias. Serão ameaças perante uma realidade empobrecida. O que mobiliza a pele não é o movimento do quadril, porém o que é dito no ouvido, e como é dito. Quando alguém fala bonito, você se sente bonito. A gentileza faz com que você se enxergue amado, feliz, atraente.

Todos nós temos lacunas de aprendizado, a questão é não querer aprender. Isso é broxante.

CARPINEJAR

sábado, 19 de novembro de 2022


19 DE NOVEMBRO DE 2022
FÍNDI DO CLUBE DO ASSINANTE

Musical "A Bela e a Fera" promete encantar a Capital

A noite de sábado será de pura magia no Ginásio Gigantinho (Av. Padre Cacique, 891). Mais de 40 artistas darão vida a A Bela e a Fera, o Espetáculo Musical, inspirado no clássico infantil que conta ainda com uma orquestra ao vivo. A sessão ocorre a partir das 17h.

A fábula francesa - que já foi adaptada em uma animação da Disney e, em 2017, em uma versão live-action estrelada por Emma Watson - conta a história de amor entre uma plebeia e um príncipe que foi enfeitiçado e transformado em Fera. A bondade de Bela a faz enxergar o lado humano da Fera, por quem se apaixona perdidamente, quebrando assim o feitiço.

Sob direção-geral de Bruno Rizzo, a apresentação é totalmente cantada ao vivo por um elenco que também dança e atua. A direção musical é do maestro Eduardo Pereira, enquanto Tatiana Abbiati assina as coreografias e Ewerton Novaes é responsável pelo elenco. A produção é da BRZ Produções.

Em três anos, A Bela e a Fera, o Espetáculo Musical já foi assistido por mais de 250 mil pessoas e passou por mais de 70 cidades do Brasil, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Goiânia, Natal e outras. A turnê também já passou pelo Uruguai e pela Argentina.

Os ingressos ainda estão à venda e contam com 50% de desconto para sócios do Clube do Assinante em todos os setores. Os bilhetes inteiros custam R$ 80 (arquibancada), R$ 120 (cadeira inferior), R$ 160 (cadeira prata), R$ 180 (cadeira ouro), R$ 200 (cadeira platinum) e R$ 250 (cadeira diamante). As compras podem ser feitas pela internet, em diskingressos.com.br, mediante taxa, ou presencialmente, em unidades das Óticas Diniz no Bourbon Shopping Wallig, no Moinhos Shopping e no Praia de Belas Shopping, com taxas no pagamento via cartão e sem taxas no pagamento em dinheiro.


19 DE NOVEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Os ingleses valorizam o termo fleumático. A palavra descreve alguém sem grandes oscilações emocionais, um pouco indiferente às adversidades cotidianas. Existe até uma expressão para falar de alguém com quem se pode contar em qualquer temperatura: a man for all seasons, ideia aplicada em peça e filme ao filósofo Thomas Morus.

Médicos antigos descreviam o temperamento baseados na teoria dos quatro humores básicos do corpo. Os humanos com mais fleuma seriam calmos, um pouco lerdos, imperturbáveis. Os tipos opostos seriam os sanguíneos e os coléricos. Para a cultura tradicional de um bretão, ser fleumático é uma virtude moral. Os hooligans, em eventos esportivos, mostram que ser tranquilo é um ideal cultural, mais do que uma realidade absoluta.

A cultura brasileira comporta maior tolerância com oscilações. Uma pessoa diz que viria a minha casa e manda mensagem dizendo que, "devido à chuva", mudou de ideia. Não havia cláusula pluviométrica no nosso combinado, todavia aceitamos que alguém possa "descombinar" o acertado - sem dramas profundos. Não sei qual líquido específico confere personalidade ao sistema circulatório brasileiro, apenas entendo que aceitamos muito a oscilação.

Há palavras que possuem data de nascimento no meu cérebro. Lembro-me de, em um e-mail, quando trabalhava para um banqueiro, ler o termo ciclotímico pela primeira vez. Não era uma análise psiquiátrica ou descrição de um distúrbio. Era apenas a advertência sobre uma personagem importante que eu iria encontrar.

O dono do banco me advertia: "Ele é ciclotímico". Procurei no dicionário e fui ao encontro. O fleumático é uma linha reta; o ciclotímico, uma montanha-russa. De novo: não estou usando o termo no seu conteúdo técnico de algum tipo de bipolaridade. O indivíduo assim descrito era aquele que dava "ok!" para tudo que era dito na reunião e, no dia seguinte, dizia que tinha mudado de ideia. Não era um candidato à ajuda profissional. Era um... brasileiro.

Vou defender os que oscilam. Quando vemos os planos de outra pessoa, suas ideias, disposições e propósitos, podemos aderir com certo entusiasmo. Depois, sozinhos, pesamos os argumentos ouvidos. Encontramos falhas na ideia. Surge um "cansaço prévio" para nossa cota de esforço. Usando a linguagem de Hamlet, "a consciência nos torna covardes". Não ficamos mais fracos, apenas, talvez, mais prudentes.

Claro: o ideal no campo do trabalho e na vida pessoal é pesar tudo isso quando apresentado. Seria útil ouvir os argumentos sem fechar o negócio, sem aceitar a viagem familiar, sem entregar o valor pedido na emotividade instantânea da demanda apresentada.

Deveríamos incorporar o hábito de ouvir convites, sorrir e dizer que consideraremos com o máximo de atenção e daremos a resposta em pouco tempo. Se for pesado o protelamento, basta culpar terceiros: "Preciso perguntar à minha esposa, preciso consultar meu gerente de investimentos, terei de ver com o departamento X etc.". Um sim imediato tem alguma chance de ser precipitado e, tendo de voltar atrás, mesmo no Brasil, ficarei com a fama de ciclotímico ou "enrolado".

Não somos ingleses. Temos uma quase solene indiferença ao horário. Nosso humor oscila mais aqui nos trópicos do que no aprazível vilarejo de Bourton-on-the-Water. Lá, a última grande angústia deve ter sido a chance de os bombardeios alemães atingirem a região de Cotswolds em 1940...

Aqui em São Paulo ou no Recife, a natureza, os criminosos, o governo e outros fatores fazem a fleuma ferver com maior facilidade. Uma partida de críquete favorece gente calma...

Quando eu digo que estarei em uma festa de casamento daqui a dois meses, estou estabelecendo um compromisso formal que ignora toda e qualquer mudança nos próximos sessenta dias. O aceite seguido do futuro é taxativo: "Sim, eu irei!". O futuro é estranho ao comum da nossa fala. Preferimos o gerúndio ou algum termo que implique a possibilidade de mudança. "Eu vou ver se dá" é muito Brasil. "Se eu puder, eu ligo para você no dia." São frases que podem ser traduzidas para o inglês ou alemão, todavia jamais serão compreendidas. Nossos termos garantem tal chance de revogação do contrato que fazem a glória de quem deixa para decidir segundo o clima do dia do evento e a morte de quem necessita planejar algo.

A questão com a qual encerro é mais subjetiva e está além das Ilhas Britânicas ou do nosso país. As culturas apresentam oscilações de práticas, e as linguagens registram as variáveis. Porém, em qualquer língua, se alguém disse que "vai ver se dá", diante de um convite seu, é óbvio que a pessoa está esperando algo melhor para realizar até lá.

Quase sempre, mesmo levando em conta os humores de Hipócrates, há uma chance de você ser opção e não prioridade. A amizade é uma esperança que não oscila.

LEANDRO KARNAL

19 DE NOVEMBRO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL

O DEUS MERCADO

Os antigos inventaram muitas divindades, mas nenhuma tão bizarra como o totem dos liberais, o deus Mercado, venerado como mito, a crença de uma religião corporativa, com ambição de hegemonia. Imaginem cultuar o poder mágico de um sistema de trocas, e dar a este deus a autoridade máxima, como fonte da realidade e critério do mundo! Mas se há um deus Mercado, quais sua origem e seu papel em um sistema de crenças, e qual religião é favorecida por essa mitologia? Como, ademais, evidenciar o vazio inato deste santo de pau oco?

A fonte mítica do deus Mercado está em Adam Smith (1723-1790), que armou o ninho do liberalismo e ali formulou a tese mágica da mão invisível, um mito que se alastrou como ideologia desde sua origem. O patrono da ideologia liberal usou desta imagem para tentar explicar como o capital permaneceria dentro da nação quando se abrissem as fronteiras. 

Livre comércio (free trade) foi bandeira da primeira era do liberalismo, ao final do século XVIII e primeira metade do XIX; este lema era a máscara formal da pirataria sem limites então praticada pela Inglaterra. Smith, na obra Teoria dos Sentimentos Morais (1765) e em A Riqueza das Nações (1776), presumiu que há um comportamento contraditório que faria com que os burgueses garantissem o interesse nacional e guardassem sua riqueza em solo pátrio, mesmo com a tentação de emigrar. 

O liberalismo tornou-se desde a origem a ideologia do capital e também de seu primeiro guardião, o imperialismo britânico; esta guarda, todavia, era realizada pelo Estado-nação, que aliás também garante a propriedade privada. Eis as questões contraditórias tratadas por Adam Smith com pensamento mágico. Posteriormente, o mito da mão invisível tramou outra quimera do liberalismo: a ilusória tese de que cada indivíduo, buscando apenas seus próprios interesses, colaboraria para o bem comum.

Caberia ao filósofo nascido em Trier, em 1818, demonstrar que o capital visa acima de tudo ao próprio engrandecimento, e que o faz diante da exploração da natureza e do trabalho. Marx foi o novo paradigma das teorias de economia política e o antídoto humanista para aquela mitologia interesseira. O desenvolvimento do próprio liberalismo jogou por terra a fantasia teológica de Smith, especialmente no estágio neoliberal, desde os anos 1990, quando se assistiu à absoluta transnacionalização do capital. 

Ademais, o mito da mão invisível, teologia primordial do liberalismo, transmitiu-se como base de um sistema de crenças incapaz de explicar racionalmente as realidades que pretende dominar. É o caso, similar, do mito de que os liberais tratam de economia com a austeridade necessária. Mentira. Tratam só dos interesses do capital, operados por meio de cavalos, mitos e monstros, e usurpam a palavra economia como o fazem com a palavra liberdade. Pura ideologia, impura teoria.

Um dia filósofos depuseram o mito, como agora o voto popular o faz. E algo maior que deus Mercado ora supera essa farsa egoísta, indiferente à miséria, ao trabalho e à natureza: a sociedade humanizada e a soberania política. Com verdadeira economia e muita liberdade.

FRANCISCO MARSHALL

19 DE NOVEMBRO DE 2022
CRISTINA BONORINO

AUSÊNCIAS

O Brasil está em processo de reconstrução. Parecemos um país saindo de uma guerra: nossas instituições públicas arrasadas como edifícios bombardeados. SUS, Ministério da Saúde, da Educação, universidades. As pessoas, ainda um pouco em choque, conversam com um misto de expectativa e alívio. Mas, de modo geral, vejo ao meu redor uma urgência de trabalho, uma preocupação de resgatar a capacidade que temos de funcionar como nação e cuidar não só dos nossos, mas de todos.

Nesse processo, algumas ausências são notáveis. A primeira é a dos responsáveis pelo atual governo - caracterizando extrema irresponsabilidade. Ainda temos seis semanas até o fim do mandato, contudo os ministérios funcionam praticamente em modo automático, graças aos funcionários técnicos. Assim saiu o Enem. Mas onde estão as vacinas atualizadas para as variantes do SARS-CoV-2? Onde estão as campanhas de vacinação de crianças? Quanto precisam crescer as internações hospitalares para que o ministro faça o seu trabalho? Não é hora de encerrar o expediente.

Da mesma forma, notei a ausência, até quarta-feira passada, de menções e nomes para o grupo de transição de ciência e tecnologia do governo eleito. Porque isso já anuncia uma definição de prioridades. Os acontecimentos dos últimos três anos deveriam ter provocado um reset na mente de líderes políticos - como o fez em grande parte da população. E, se hoje estamos aqui discutindo o futuro, devemos isso à ciência.

Na verdade, a pandemia ensinou que ciência não é algo alijado das demais áreas das nossas vidas, especialmente da economia. O certo, para líderes políticos que aprenderam algo com esse episódio mundial, seria incorporar cientistas em todas as áreas do seu governo - e não apenas em uma pasta. Como forjar uma economia pujante sem cientistas hoje? Como criar um setor agropecuário independente do clima sem cientistas? Sem falar em como prevenir catástrofes climáticas sem cientistas, impensável. Os gigantescos danos causados por informações falsas só podem ser revertidos com uma reforma educacional que inclua o pensamento científico no dia a dia de todos os níveis escolares - como brinca Neil DeGrasse Tyson, aulas de como identificar mentiras.

Não menos importante é a mais notável das ausências: nomes de minorias nas equipes de transição. Os dados - essa mania dos cientistas! - mostram que metade da população do Brasil é feminina; e mais da metade não é branca. Um governo que pensa em reconstruir o Brasil não deve pensar apenas em esquerda e direita - a representação vai muito além disso. A diversidade é a maior fonte de resiliência e renovação. Se é difícil encontrar nomes neste momento, aqui fica um recado para as equipes do governo recém eleito: não parem por aqui. Usem as redes sociais, usem os currículos Lattes e preencham rapidamente esses vazios se quiserem ser levados a sério pela maioria das pessoas.

CRISTINA BONORINO

19 DE NOVEMBRO DE 2022
MONJA COEN

O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA

Minha avó era filha de Maria. Rezava o terço e se benzia: Cor Jesus Sacratissimo ("Sagrado Coração de Jesus").

Era conhecida pelos descendentes dos povos que foram escravizados como Nhá Bem. Era a Boa Sinhá, a patroinha gentil e amorosa que queria ser freira e se casou com o primo, meu avô. O pai de Vovó era antiescravagista e reunia grupos de homens em sua casa, no interior de São Paulo. Recebeu a Comenda da Ordem da Rosa, que minha avó guardava com amor. Talvez fosse maçon. Era poeta, Eugênio Leonel.

Meu avô, chamado de Seu Dê - aquele que doava, que era bom e compartilhava - tocava violão e viola, cantava e assim conquistou a Nhá Bem. Vovô se unia pelas noites adentro, até o nascer do sol, nas rodas musicais, quando os funcionários (ex-escravizados) cantavam repetidamente, como se fossem mantras o estribilho: "O galo cantou, é para amanhecer".

Vovô era o 17º filho, o caçula. Ele nos ensinou a amar e respeitar a natureza, a vida em suas múltiplas formas, as crianças, os animais, os pássaros, os idosos e as pessoas, todas as pessoas, especialmente as que vieram da África. Sempre nos contava que na fazenda de seus pais, quando houve a abolição, apenas um homem foi embora. Já nas terras de seu primo, todos sumiram. Nessa outra fazenda foram abusados, apanharam. Meu avô os queria bem, tinha memórias de afeto e cuidado. O carinho recebido do menino que o cuidava, o leite farto das mamas negras que alimentavam famílias inteiras.

Domingo, 20 de novembro, é dia do aniversário de nascimento de minha avó - Nhá Bem. Dia da Consciência Negra, dia de nos lembrarmos de todas as maldades cometidas contra os filhos e filhas da mãe África, berço da vida humana no planeta, dia de nos arrependermos e nos comprometermos com a inclusão e o respeito.

Vidas pretas importam. Menos abusos, menos crimes sociais, mais cotas, menos violência. Criar causas e condições para diminuir o racismo estrutural que ainda, infelizmente, existe nestas terras brasileiras e em outras terras, por seres que não despertaram.

Quando assistimos à Copa do Mundo, que também começa neste dia 20, não pensamos se são brancos ou pretos, vermelhos ou amarelos, judeus ou muçulmanos, cristãos ou xamãs originários, budistas ou evangelistas. São jogadores de futebol - cada um com suas crenças, suas linguagens específicas, sua capacidade de jogar, de perceber o campo, de correr com a bola e fazer gol, ou não. Gente capaz de jogar bonito, sem inveja, sem vingança, sem raiva, mas com garra de vencer.

Que o Brasil possa se destacar e nos trazer alegrias. Que andamos precisando muito ser felizes novamente, sentir a liberdade de jogar sem cartas marcadas e correr pelos gramados - verdes da esperança e da cura - com arte e sabedoria.

Agradeço minha vó Virgilina, a Nhá Bem, que rezava o terço e era gentil. Agradeço meu bisavô, que trabalhou com tantos no século 19 pela abolição e meu avô que soube sempre incluir e transformar, educando e orientando pessoas ao grande despertar.

Que toda e qualquer forma de discriminação preconceituosa seja impedida de se espalhar. Que a lei seja cumprida. É crime, gente. É crime.

Que a educação seja para todos, bem como a saúde, os alimentos, os condimentos, os tetos e as paredes em áreas seguras para um mundo sem fome, sem miséria, sem abusos. É possível, sim.

Se você não aprendeu com seus avós, seja você a transformação que quer no mundo. Cuide da terra, das águas e do ar. Sustentabilidade, questões climáticas e redução de venenos significa progresso, empregos, crescimento social, político e econômico. Primeiro, gente, criar projetos sociais, ambientais, sustentáveis. Depois a procura dos meios financeiros para os realizar.

Reflita sobre a prioridade da vida, pois pobre, quando ganha salário, gasta, investe e estimula a economia. Que a Copa do Mundo, o Dia da Consciência Negra e o aniversário de minha avó Nhá Bem possam beneficiar todos os seres. Que todos possam despertar.

MONJA COEN