sábado, 26 de agosto de 2023

26/08/2023 - 09h00min
Martha Medeiros

Livraria de verdade precisa ter o cheiro do tempo

É preciso que o cliente se esgueire entre as estantes, esbarre em preciosidades, tropece em edições de 20 anos atrás.Livrarias que honram seu nome precisam dedicar-se à arte de acolher

As livrarias mais encantadoras nasceram do sonho de alguém. Não deixam de ser um negócio, claro, mas foram concebidas, antes de tudo, como realização de um projeto pessoal, uma declaração de amor à cidade onde abriram suas portas. 

Tornaram-se reais através do desejo de se ter um lugar para fugir do que é hostil e estéril. São livrarias idealizadas mais pela inocência do que pela ajuda de uma calculadora.

Livraria de verdade precisa ter o cheiro do tempo. Não pode ter iluminação hospitalar. Nem muito espaço para caminhar. É preciso que o cliente se esgueire entre as estantes, esbarre em preciosidades, tropece em edições de 20 anos atrás. 

Não apenas os últimos lançamentos e best-sellers. Livros! Livros desabando sobre nossas cabeças, empilhados nos cantos, desalinhados nas prateleiras, livros em idiomas diversos, livros que você um dia não pôde comprar por não ter dinheiro (faz de conta que hoje tem), livros difíceis de encontrar, livros que acabaram de sair da gráfica, livros de autores que já morreram (mas que nunca morrerão), livros clássicos e revolucionários, livros bons, livros ótimos e os fenomenais.

De onde saiu essa nostalgia toda? Foi despertada pela história de Sylvia Beach, que fundou a icônica Shakespeare and Company nos anos 20 do século passado, em Paris (décadas antes de a loja ser transferida para as margens do Sena e ter virado o ponto turístico que é hoje). 

A despeito das facilidades digitais, você também ama livrarias? Então, leia A Livreira de Paris, de Kerri Maher. É uma viagem. Espirrei algumas vezes e fui muito feliz durante a leitura.

Daqui até o fim do ano percorrerei eventos literários Brasil afora para lançar minha nova coletânea de crônicas, o que sempre dispara meus batimentos cardíacos. 

Na próxima quarta-feira, dia 30, autografarei Conversa na Sala em uma das minhas livrarias preferidas do Rio de Janeiro, a Travessa, em Ipanema, com seu chão de azulejos portugueses, mesão de madeira ao fundo, poltronas de couro, funcionários que entendem do ramo e uma clientela de fé. Se você estiver por perto, te vejo lá às 19h, para as selfies invariáveis e para fugirmos juntos do que é hostil e estéril.


26/08/2023 - 09h00min
Claudia Tajes

É alegria, mas pode chamar de assédio

Ele disse que não foi por mal, mas quem vê o beijaço que Luis Rubiales tascou na Jenni Hermoso tem lá suas dúvidas. Efeito Rubiales: imagina se a moda pega na festa de premiação da firma?

Ele disse que não foi por mal, coisa do calor da emoção – e de comum acordo. Mas quem vê o beijaço que o presidente da Federação Espanhola de Futebol tascou na Jenni Hermoso, jogadora campeã do mundo, tem lá suas dúvidas sobre o tal comum acordo.

Primeiro que o presidente saliente, Luis Rubiales, segurou a cabeça da guria de um jeito que, nem se ela quisesse, escapava daquela boquinha ardente. Isso depois de um abraçaço de corpo inteiro, desses em que cabe a um dos envolvidos – no caso, à moça – afastar a parte de baixo do próprio corpo para não encostar em órgãos alheios indevidos.

Está no vídeo: primeiro ele apertou a jogadora, depois grudou-lhe um beijo na boca. Ainda dá a impressão de que, na saída, Rubiales só não deu um tapa na bunda da Jenni porque se lembrou – milagrosamente – de que aquilo não era uma parrilla na garagem da casa dele, e sim um evento transmitido para o mundo todo. Mas que o mãozão do dirigente concupiscente pegou no terço final das costas da atleta, pegou.

Consta que a Jenni Hermoso entrou no vestiário reclamando do acontecido. A imprensa repercutiu na hora e, em lugar das imagens dela em um lance do jogo ou segurando a taça, foi a foto da Jenni sendo beijada pelo Calvo da Sangria que correu o mundo. 

Isso, é claro, jamais aconteceria com um jogador homem. No máximo dos máximos, ele seria obrigado a usar um manto real bordado de fios de ouro, como o Messi teve que vestir para levantar a taça na Copa do Catar. E a gente já achou o fim da picada.

As reações contrárias à atitude do presidente inconveniente foram imediatas. O ministro do Esporte da Espanha classificou o fato como absurdo. A ministra dos Direitos Sociais perguntou: se fazem isso com toda a Espanha assistindo, o que não farão longe dos nossos olhos? 

A deputada Martina Velarde, do Podemos, que na Espanha é um partido socialista, não passou pano. “Quantos Rubiales tivemos que aturar ao longo da nossa vida, quanta cumplicidade já aguentamos de camaradas e machões que os encorajam e defendem. Tantas situações incômodas e desagradáveis. Nojo”.

O presidente lascivo é reincidente em bandalheira. Pouco antes, tinha sido flagrado comemorando o gol da sua seleção ao lado da Rainha e de outros integrantes da realeza e do governo espanhol. 

Nessa tribuna de honra, em que um mínimo de protocolo seria de bom gosto mesmo na alegria, Rubiales pulou, gritou e segurou o pinto como quem diz, ó o orgulho espanhol. Aí já merecia o cartão amarelo. Então veio o beijo na boca da Jenni Hermoso. Cartão vermelho para ele.

Diante do escândalo do presidente libidinoso, Jenni Hermoso se pronunciou através da Federação Espanhola de Futebol, o que não deixa de ser um tanto suspeito. Segundo a cartolagem, a jogadora declarou que “foi um gesto mútuo e totalmente espontâneo pela imensa alegria que dá conquistar uma Copa do Mundo”. Até a mãe da Jenni veio a público minimizar o ocorrido: “Elas são campeãs, isso que importa”.

Já Rubiales gravou um vídeo de supostas desculpas em que começa falando da alegria de vencer a Copa e emenda: “mas também há um incidente que tenho de lamentar, por tudo o que aconteceu entre uma jogadora e eu”. O cara de pau ainda dividiu com a Jenni a responsabilidade pela bola fora dele. E foi além: “não percebemos o que se passou, porque considerávamos algo natural, normal e sem qualquer má-fé”.

Se o beijo na boca foi assédio sexual, essas são as desculpas mais parecidas com assédio moral que eu já vi na vida. A Espanha é a campeã da Copa do Mundo Feminina. Mas esse Rubiales, eita sujeitinho de décima divisão.


26 DE AGOSTO DE 2023
DRAUZIO VARELLA

ABUSO DE REDES SOCIAIS

O cérebro humano é uma máquina que a seleção natural moldou para o aprendizado. Acontecimentos rotineiros não nos emocionam, somos ávidos por experiências novas que nos surpreendam de forma agradável.

Na evolução, foi desenvolvida uma rede complexa de mediadores químicos para reconhecer os estímulos ligados às sensações de prazer, com a finalidade de distingui-los daqueles inócuos e dos que nos causam mal estar. Para o cérebro, o que dá prazer deve fazer bem para o funcionamento do organismo.

Esse mecanismo foi tão importante para a sobrevivência da nossa espécie, que arquitetamos uma rede extensa de circuitos de neurônios e de mediadores químicos encarregados de reconhecer e transmitir as sensações de bem estar e de prazer. Eles explicam porque gostamos tanto de alimentos saborosos, de temperaturas amenas e de relações sexuais.

Conectada aos circuitos envolvidos no reconhecimento dessas sensações, há outra rede de neurônios, incumbida de disparar os estímulos comportamentais necessários para irmos à busca da repetição daquilo que nos trouxe prazer.

Nossas ações são reguladas pelo equilíbrio (ou pela falta dele) entre essas duas circuitarias. Na depressão, por exemplo, a dificuldade em reconhecer os estímulos associados à alegria e à felicidade conduz à falta de motivação para ir em busca deles. Em sentido contrário, estão as motivações que nos levam a tomar banho, bem como as que explicam o retorno do desejo sexual depois da abstinência.

A seleção natural, entretanto, não contava com a capacidade humana de subverter esse mecanismo natural por meio da administração de drogas psicoativas ou de comportamentos repetitivos que provocam prazer intenso, inatingível no cotidiano.

Ao cheirar cocaína, fumar maconha, cigarro ou tomar café, ocorre liberação de diversos mediadores químicos que atuam nas sinapses, entre os quais a dopamina, a "molécula motivacional" por excelência. A explosão de prazer causada por eles ativa a circuitaria encarregada da busca para repeti-los. Esse mecanismo explica porque o usuário de cocaína continua repetindo a dose mesmo quando entra em "paranoia". Uma vez ativada a circuitaria da busca, o comportamento se repete ainda que o prazer tenha desaparecido.

O que as mídias sociais têm a ver com as drogas psicoativas?

Diversos estudos demonstraram que a dopamina é um neurotransmissor sensível aos estímulos das mídias digitais. Quando consumimos em série vídeos no YouTube, TikTok, Instagram, podcasts, ocorre liberação de dopamina nos centros de recompensa, os mesmos ativados pela cocaína, maconha e o cafezinho. Um "like", um post, uma imagem no Instagram ou uma dancinha no TikTok provocam pequenos picos de dopamina nas sinapses.

É claro que esses picos são muito mais baixos do que aqueles provocados pelas drogas psicoativas, porém são projetados pelos técnicos das plataformas para ativar os circuitos de recompensa de forma continuada e persistente.

Num mecanismo semelhante ao da abstinência de cocaína, a liberação exagerada de dopamina é seguida por um período em que sua produção fica tão baixa que surge ansiedade e depressão. O usuário, então, corre atrás do celular, não para ficar feliz, mas para se livrar dos sintomas da abstinência. Por isso, caro leitor, você fica com aquela sensação de "vazio" depois de passar horas vendo imagens e mensagens postadas na tela.

As mídias sociais quebram o equilíbrio que existe entre prazer e recompensa, quando os picos de dopamina são obtidos por meios naturais, no decorrer do dia: as refeições, o encontro com amigos, o sorriso da criança, o livro.

As crianças e os adolescentes são as maiores vítimas desse comportamento problemático. Ficam de tal modo dependentes das redes sociais, que são capazes de passar o dia inteiro diante da tela, em busca do prazer que já nem sentem na intensidade de antes. Seus circuitos de recompensa foram sequestrados por um hábito de aparência inocente

Do ponto de vista molecular, não é parecido com o que acontece na dependência de drogas ou no jogo?

O impacto deletério a curto prazo da tecnologia digital nas vidas de crianças e adolescentes não é pequeno: isolamento social, vida sedentária, obesidade, desinteresse pelos livros. E, no futuro? Não temos a menor ideia.

DRAUZIO VARELLA

MAIS DE CEM ANOS DE IDADE

Você sabia que as atuais pesquisas genéticas são sobre envelhecimento saudável para pessoas acima de cem anos de idade? Você está se preparando para envelhecer? Quer envelhecer? 

Já pensou que pode também ser uma decisão sua?

Dizem geriatras que precisamos nos preparar para o envelhecimento saudável a partir dos 28 anos de idade. Talvez você tenha mais de 28 anos. Talvez menos. Seja como for, o tempo é agora. Somos o tempo e o vento. Em movimento ininterrupto. Invisível e sensível a todos nós.

Queremos viver mais de cem anos com saúde e alegria de viver? Com independência física, mental e social? O mundo todo está envelhecendo. Há um número cada vez maior de pessoas com mais de 60 anos de idade e uma população cada vez menor de crianças.

Como será o futuro? Será que os idosos não irão mais se aposentar e continuarão cuidando dos jovens? Máquinas inteligentes, compras feitas diretamente de sua geladeira e chegando em sua porta no horário de sua conveniência? Home care em todos os sentidos: exames, vacinas, cirurgias, remédios, consultas online? Bebês de proveta com especificações de saúde física e mental? Será que iremos precisar de órgãos de porcos ou poderemos refazer nossos órgãos quando necessário, usando células-tronco de nosso corpo?

Muito do que acontecerá em cem anos já está aqui agora. O futuro está no presente e no passado. O passado está no presente e no futuro. O tempo é circular.

Lembram-se de verdureiros em carroças trazendo frutas e verduras na sua porta? Escreviam num caderninho e só recebiam no fim do mês. Não havia cartões de crédito.

Lembram-se das padarias deixando pães quentes e frescos ao amanhecer? Há 70 anos, o padeiro voltava com uma cesta de pães ao meio-dia para escolhermos o lanche da tarde. Havia pães doces e salgados. Anotados numa caderneta e pago por mês.

Podíamos telefonar para a mercearia mais próxima e pedir arroz, feijão, e tudo mais que precisássemos. Um ciclista nos trazia, ou vinha em uma pequena van. Pagamento mensal. Confiança total. Delivery, que a pandemia trouxe de volta e que veio para ficar. Todo esse sistema será aperfeiçoado com a tecnologia atual.

Poderemos comer saudável com a sensação de estar comendo lixo. Podemos enganar nosso sistema sensitivo com imagens falsas, odor falso e textura falsa. Ao fazermos isso, teremos dietas extremamente saudáveis para a longevidade, sem perder o prazer de comer o que apreciamos e que poderia ser prejudicial.

Há aparelhos de massagem e de atividade física, de congelar gorduras, sem você precisar ir à academia, sem suar ou se cansar. Cirurgias sem cortes grandes, com pequenos furos e câmeras de vídeo. Já estamos no futuro. Mas será cada vez melhor e para o maior número de pessoas. Como foram os celulares, os computadores, que inicialmente eram para poucos.

Quem sabe possamos também criar uma sociedade menos violenta e mais amorosa, com mais respeito à diversidade, mais sabedoria e ternura? Menos dor, menos tempo de recuperação, mais saúde. Mais amor, menos guerras e horror. Poderemos implantar genes de envelhecimento e bondade em toda humanidade?

Viver mais de cem anos. Seres humanos centenários: essa a validade de nossos corpos e mentes se os tratarmos bem. Entretanto, é necessário haver um gene adequado para envelhecer. Pesquisas...

Mãos em prece

MONJA COEN 


26 DE AGOSTO DE 2023
J.J. CAMARGO

SE FOR PARA CHORAR, QUE SEJA DE EMOÇÃO

"Por tanto amor, por tanta emoção a vida me fez assim, doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim." (Milton Nascimento)

A capacidade de expressar emoção é única, pessoal e intransferível, e dela não se apossam os farsantes porque não há nada mais perceptível do que uma emoção falsa, por mais que tenha sido ensaiada. Essa exigência é tão intensa, que os maiores atores choram e sofrem de verdade quando o papel exige a exposição de um sentimento doloroso.

Sempre achei que esta exigência é o mais fascinante do teatro, onde o imenso desafio é entregar a mesma emoção, todos os dias. Esta capacidade é que distingue o grande ator daquele outro que devia ter um amigo com intimidade suficiente para lhe dizer: vá fazer outra coisa.

A palavra, esse instrumento maravilhoso, pode ter sido criada, lá no início, apenas para que os nossos ancestrais se comunicassem primitivamente, mas na sociedade civilizada foi adquirindo uma importância crescente e encontrou no discurso seu momento de máxima sofisticação. Nos discursos com pretensão de homenagem, o componente emotivo é indispensável, e, nesse contexto, nada marca mais do que uma expressão de afeto inesperada, marcante pelo imprevisto. E isso porque todas as nossas experiências são arquivadas pela intensidade da emoção, ou deletadas, instantaneamente, pela falta dela.

A neurociência trouxe à luz do conhecimento o funcionamento bioquímico da emoção, com identificação de quais neurotransmissores participam, entre eles a serotonina, a dopamina, a noradrenalina e o ácido gama-aminobutírico (GABA). Alguns hormônios, como o cortisol, liberado durante situações de estresse, também podem influenciar a resposta emocional.

Igualmente interessante foi a identificação de quais áreas do cérebro têm participação mais ativa no processamento emocional, como o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipotálamo, e a possibilidade de "iluminá-las" nos exames de imagem.

E este conhecimento adquirido mais acendeu a centelha da curiosidade sobre temas fascinantes como, por exemplo: por quais caminhos os estímulos externos funcionam como gatilhos para recuperar instantaneamente, dos nossos arquivos secretos, as recordações alegres ou sofridas?

Nesse sentido, nada se compara à arte, e acho que especialmente a música, na ressurreição de lembranças que só foram arquivadas pela emoção que provocaram. Claramente, desejar felicidade a alguém é almejar que se alegre muitas vezes e que, quando não houver outra opção, que ao menos chore de emoção.

Uma curiosidade com as emoções recapituladas: nos reprises de filmes, por exemplo, é comum que elas sejam percebidas de uma maneira diferente da estreia, porque entre os dois momentos distintos o nosso estado de espírito, de carentes ou saciados de afeto, pode ter nos tornado mais ou menos suscetíveis à emoção.

Minha insistência é considerar que a capacidade de externar emoção é um aditivo valioso da personalidade de quem decida conviver com pessoas ávidas de afeto, e certamente a colocaria como um pré-requisito inegociável na escolha pela medicina.

Tenho pena antecipada dos rígidos que, no inventário final, descobrirão que vida vivida ou desperdiçada só podia mesmo ser classificada pelo número de vezes que sentimos ou provocamos emoção. O resto será só tristeza na tentativa inútil de dar sentido ao vazio.

J.J. CAMARGO

26 DE AGOSTO DE 2023
CARPINEJAR

Esse moço!

Eu fico impressionado com a mocidade de Tabajara Ruas, o novo patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Todos de sua geração envelheceram, menos ele. Encontra-se com 81 anos, mas com rosto barbeado e liso de um guri. Pode comparar fotografias dele ao longo da vida. Não há dificuldade para reconhecê-lo. Permanece com um charme imortal, suspeitosamente conservado.

Sei que seu perfume não é formol. Prefere fragrâncias portenhas, amadeiradas. Tampouco fez alguma cirurgia plástica ou botox. É uma jovialidade interior que impacta seus traços. Talvez seja a sua inquietação criativa. Nunca para: ou está filmando, ou está escrevendo, com uma obra que reúne 11 ficções e cinco longas.

Não tenho certeza se é a Câmara Rio-Grandense do Livro que rende homenagem a ele ou se é ele que homenageia a Câmara Rio-Grandense do Livro. O patronato, nesse caso, é uma premiação que parte de ambos os lados. Tabajara tem estatura de clássico, um jovem clássico, um dos nossos maiores romancistas. Suas narrativas já foram leituras obrigatórias (nunca entediantes) do vestibular da UFRGS.

Se Erico Verissimo foi o fundador do romance histórico, Tabajara tornou-se o reformista do gênero. Esmiuçou, exumou, exorcizou a Guerra dos Farrapos, retomando o cenário de O Tempo e o Vento em Os Varões Assinalados.

Quem busca informações de nossa revolta republicana contra o império monárquico, que durou 10 anos (de 1835 a 1845), a mais longa guerra civil brasileira, tem nos olhos de Tabajara os olhos vivos do Tempo. Há o resgate da emoção do entrevero na Ponte da Azenha, do cerco de Porto Alegre, da batalha de Rio Pardo, da reclusão valente da casa das sete mulheres, da travessia dos lanchões, do combate de Ponche Verde e da traição de Porongos.

O que me intriga no meu amigo emprestado - pois ele é antes amigo da família, amigo dos meus pais escritores - é sua aparência intacta em contraste com a sua sabedoria e a sua experiência. Ele mantém igual frescor da época em que o conheci, nos anos 1980, quando veio comer quibe em nossa casa. Já me intrigava o seu indefectível topete.

O topete jamais mudou. Ele sempre tem 20 anos a menos. Não é exagero de minha parte. Deve ter tomado o elixir da juventude em Copenhague, onde já morou. Ou talvez seja um vampiro pampeano, de uma cepa diferente e evoluída. Em vez de sugar o sangue dos outros, ele doa o seu sangue pela literatura e pelo cinema.

Recordo uma cena doméstica que traduz o seu espírito gentil e preocupado com os próximos. São poucos os que entendem de solidão como ele, exilado político nos anos de chumbo, migrando de país a país da América do Sul para fugir da censura e das garras das ditaduras (o espírito da clandestinidade está no enredo de O Amor de Pedro por João).

Ele encarou a minha mãe e falou: - Você deve ser poeta. Minha mãe perguntou: - Por que diz isso? Pela comida?

- Pelo seu silêncio. Silêncios longos são de poetas. Descobrimos que alguém é poeta não por tudo o que fala, mas por tudo o que cala.

Não é que Tabajara tinha razão? Minha mãe acabou publicando seu primeiro livro uma década depois. Os iguais se reconhecem. Acredito que seu comentário incentivou a minha mãe a sair do exílio das gavetas. Nunca me esqueci desse fragmento de menino.

O mais engraçado é que nem Tabajara, nem minha mãe, sequer meu pai se lembram disso. Ainda vão dizer que eu inventei. Guardei essa recordação para devolver agora, batucando numa caixinha de fósforos: "Por meu olhos, por meus sonhos / Por meu sangue, tudo enfim / É que peço a esses moços / Que acreditem em mim".

CARPINEJAR


26 DE AGOSTO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

A FEIRA DA SUPERAÇÃO

Há que se voltar a semear, mesmo depois das más colheitas. A 46ª edição da Expointer, maior feira agropecuária a céu aberto da América Latina, tende a confirmar, na prática, esta lição do filósofo Sêneca, que viveu na Roma Antiga. Passados os anos sombrios da pandemia, superada uma das maiores estiagens que já atingiram o Estado e distensionado o momento mais agudo da polarização política no país, a festa gaúcha da produção primária reabre em Esteio neste final de semana. E traz a expectativa de mostrar aos visitantes do país e do mundo que o Rio Grande continua plantando esperança para colher progresso - com um toque de poesia, mas também com muito trabalho, planejamento, tecnologia, inovação e sustentabilidade.

Se a exposição do ano passado foi considerada a feira da retomada, com recordes de público e de operações econômicas, a edição deste ano promete ser a da consolidação do setor primário como símbolo de resistência da economia rio-grandense. O balanço da feira em 2022 registrou a cifra de R$ 7 bilhões em negócios e um público superior a 700 mil pessoas, praticamente o dobro da edição presencial anterior, de 2019. Os organizadores da atual edição, portanto, estão diante do desafio de atrair mais público, mais negócios e mais prestígio para um evento que já integra a história do Estado. Vale lembrar que o Rio Grande do Sul realiza feiras agropecuárias desde 1901, quando foi promovida a 1ª Exposição de Produtos do Estado no Campo da Redenção, atual Parque Farroupilha, incluindo o campus central da UFRGS.

A tradição conta, evidentemente, mas o fator mais importante para o sucesso desta celebração da produção primária é a sinergia entre autoridades públicas e lideranças do setor no trabalho de planejamento e organização. Nesse sentido, cabe destacar o esforço que vem sendo feito pelos organizadores para atenuar eventuais divergências políticas e promover um diálogo construtivo. Ainda na semana passada, o secretário da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do governo do Estado, Giovani Feltes, cumpriu agenda em Brasília e entregou o convite oficial da exposição a diversas autoridades federais, entre os quais o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro. Também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está convidado para a cerimônia de abertura, mas ainda não confirmou presença e é provável que seja representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.

Ainda que nem todos os ressentimentos da recente disputa eleitoral tenham sido completamente superados, o governo federal tem feito visível esforço para se reaproximar do agronegócio - setor duramente criticado pelo então candidato Lula durante a campanha. Uma prova disso foi o também recente lançamento do Plano Safra 2023/2024, com a destinação de R$ 364 bilhões para o apoio a médios e grandes produtores rurais e mais R$ 71 bilhões para a agricultura familiar. É inquestionável que esse volume generoso de recursos abre novas perspectivas de financiamento para os negócios do campo, ainda que os juros demasiadamente elevados continuem causando preocupação.



26 DE AGOSTO DE 2023
ASSINATURA DE RESCISÕES

Corsan aciona polícia e OAB por atuação de advogados

Ao começar a assinar as rescisões dos primeiros 500 funcionários demitidos em plano de desligamento voluntário, a Corsan acabou acionando a polícia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a atuação de advogados. Conforme a presidente da companhia, Samanta Takimi, as medidas foram tomadas porque, além do acompanhamento usual do sindicato da categoria nos desligamentos feitos a partir da última quinta-feira, houve "articulação para captação de novas ações trabalhistas":

- Os advogados da Corsan identificaram essa atuação e rapidamente buscaram agir para evitar que isso ocorresse.

A nova controladora da Corsan, a Aegea, aceitou acordo de estabilidade de 18 meses para os funcionários da ex-estatal. Há algumas semanas, informou os empregados que poderiam pedir demissão usando esse benefício. Assim, quem sai agora recebe os valores normais de rescisão mais cerca de 17 salários. Acabou recebendo 1,5 mil pedidos de demissão das cerca de 5,5 mil pessoas que trabalham na Corsan.

- Infelizmente, é conduta inadequada, que fere o ajuste que foi defendido na Justiça do Trabalho pelo próprio sindicato. É situação grave, que busca criar uma indústria de ações trabalhistas e destoa da boa relação que se travou com o sindicato e gerou direito aos empregados, com indenização substitutiva - afirma Takimi.

No dia 11 de agosto, depois da publicação em ZH sobre as demissões, o Sindiágua publicou nota em que afirmava que, "assinado o acordo que prevê estabilidade de 18 meses, ou uma indenização compensatória do período, a Aegea nitidamente incentivou o afastamento dos trabalhadores. Com poucos dias de assunção da gestão precária, publicou resolução revogando todos os direitos dos trabalhadores, conquistados em décadas de luta, sinalizando que os novos donos partem do zero. Depois, publicou estimativas do valor de indenização em média 30% mais altas que o valor real".

MARTA SFREDO

26 DE AGOSTO DE 2023
POLÊMICA EM PORTO ALEGRE

Lei define 8 de janeiro como Dia do Patriota

Uma lei promulgada na Câmara de Vereadores de Porto Alegre incluiu, no calendário oficial da Capital, o Dia Municipal do Patriota, a ser comemorado em 8 de janeiro - data em que ocorreu a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.

A proposta partiu do então vereador Alexandre Bobadra (PL), que foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) no último dia 15.

"O Brasil hoje enfrenta perigoso processo de extinção do que é seu patriotismo. São diversas as vanguardas de ataque: a mídia, o ensino, as entidades globalistas, as universidades, a cultura militante", diz a justificativa da lei.

Após passar por comissões da Câmara, a proposta seguiu para sanção do prefeito Sebastião Melo em junho. Como não houve manifestação do chefe do Executivo dentro do prazo previsto, a matéria retornou ao Legislativo e foi promulgada pelo presidente da Câmara, Hamilton Sossmeier (PTB), no dia 10 de julho.

O texto não passou pelo plenário da Câmara porque, de acordo com o Regimento Interno, projetos de criação de efemérides, assim como nomes de ruas e concessões de prêmios, por exemplo, são encaminhados diretamente ao prefeito após serem aprovados pelas comissões - é a tramitação terminativa.

Em nota, Melo alegou que, diante de projetos aprovados pelo Legislativo, o chefe do Executivo tem as possibilidades constitucionais de sancionar, vetar ou silenciar, e que, nesse caso, "silenciou respeitando a decisão da Câmara Municipal". Já Sossmeier, também por meio de nota, alegou que a promulgação de leis "é uma das obrigações da presidência do Legislativo". "Não cabe ao presidente fazer julgamento de valor desta ou daquela pauta ou projeto. Quando aprovado, e se houver silenciamento do prefeito, só cabe ao chefe do Legislativo promulgá-la, o que fizemos", disse.

Oposição

Vereadores de oposição já se mobilizam para derrubar a lei, que repercutiu em diversos veículos de imprensa na sexta-feira pelo país. A vereadora Karen Santos (PT) diz ser "inaceitável" que Porto Alegre tenha o 8 de janeiro como uma data comemorativa.

- Nada de patriótico ocorreu naquele dia, pelo contrário. Manter esta data comemorativa no calendário do município é um apoio simbólico aos atos golpistas, o que não podemos compactuar - diz a parlamentar.

Procurado pela Rádio Gaúcha, Bobadra se disse surpreendido com a situação. O ex-parlamentar alegou que o projeto de lei foi pedido por ele, mas seus assessores foram os responsáveis por selecionar a data.

Antes de ser cassado por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação na campanha de 2020, Bobadra protocolou 363 projetos de lei, dos quais mais de 200 com o objetivo de instituir datas no calendário oficial da cidade. As propostas incluem, por exemplo, Dia Municipal do Carinho, Dia Municipal do Milk Shake, Dia Municipal da Luz, Dia Municipal do Halawi Libanês e Dia Municipal do Cachorro-Quente.

Democracia

Em junho, antes de Bobadra apresentar a proposta, o vereador Aldacir Oliboni (PT) protocolou projeto para transformar o 8 de janeiro em Dia de Defesa da Democracia. A proposta também foi aprovada sem votação em plenário e acabou promulgada em 7 de agosto por Sossmeier após o prefeito silenciar. "Estamos instituindo esse dia, no calendário do município, para que possamos refletir a respeito do período delicado que vivemos na gestão passada, do governo federal, com destaque para os trágicos incidentes do último dia 8 de janeiro em Brasília", diz a justificativa do texto.

ROGER SOUZA

Força total na Expointer

Uma das mais importantes feiras do agronegócio da América Latina, a 46ª Expointer, que começa neste sábado e segue até o dia 3, terá novamente uma ampla cobertura dos veículos da RBS. É uma tradição de ZH, GZH, RBS TV, Rádio Gaúcha e Diário Gaúcho colocarem força total em eventos que impulsionam o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul. Este ano, por exemplo, fizemos o mesmo com a Expodireto, em Não-Me-Toque, e com o South Summit, em Porto Alegre. A Expointer, no entanto, é a mais antiga das feiras gaúchas e a que, nessas mais de quatro décadas, sempre precisou - e conseguiu - ultrapassar barreiras e se reinventar para se manter fortalecida, relevante e inovadora.

A cobertura jornalística começou na sexta-feira, com a transmissão do Gaúcha Atualidade direto da Casa RBS no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, que seguirá até o dia 1º sendo realizada de lá. Neste sábado, o Supersábado também será transmitido de Esteio, das 8h às 11h. Já a partir das 11h45min, Cristina Ranzolin comanda o Jornal do Almoço direto do parque. No domingo, teremos acompanhamento pela Gaúcha e em GZH do Freio de Ouro.

Tradição na Expointer, a 24ª edição do Troféu Guri será realizada na segunda-feira. A RBS vai homenagear nove personalidades do Estado que se destacam nas suas áreas de atuação e promovem o RS. A cerimônia será exibida ao vivo em GZH a partir das 18h30min.

Ao longo da semana, haverá oito edições do Campo em Debate, evento que se propõe a discutir temas relevantes para o agronegócio, em parceria com entidades do setor. As discussões serão conduzidas pelas colunistas Gisele Loeblein e Giane Guerra e pelo comunicador José Alberto Andrade, com transmissão em GZH.

Na quinta-feira , às 14h30min, ocorrerá o Painel RBS Notícias. Sob o comando do apresentador Elói Zorzetto, reunirá especialistas para debater as mudanças climáticas e os impactos na produção de alimentos.

Nesta edição, reportagem nas páginas 24 e 25 e um caderno de 24 páginas encartado mostram tudo sobre a exposição, desde a programação e as novidades até as perspectivas de resultados da feira.

A colunista e comentarista de agronegócio da RBS, Gisele Loeblein, resume para nossos assinantes a importância desse investimento jornalístico:

- A mobilização para a cobertura da feira é proporcional ao tamanho e à representatividade do agro na economia do Estado. E, mais do que evidenciar o papel da atividade no desenvolvimento gaúcho, a Expointer é uma oportunidade única de conexão com o público urbano. É por isso que vamos com força máxima para o parque Assis Brasil, para mostrar quem faz e para quem é feita a produção agropecuária.

Uma equipe de repórteres, fotógrafos, colunistas e comunicadores estará diariamente na feira produzindo conteúdos sobre a Expointer. O assinante poderá acompanhar as notícias em ZH e no site e no aplicativo de GZH.

CARTA DA EDITORA 


26 DE AGOSTO DE 2023
MARCELO RECH

Bamburrou

A febre do ouro não é uma doença, mas é como se fosse. O sujeito fica vidrado pela ideia de achar uma pepita e enriquecer de uma hora para outra. Vítimas da febre largam família e emprego para correrem atrás de sua obsessão. Na busca da fortuna, se submetem a tudo: ambientes inóspitos, doenças tropicais e a vizinhança da morte ao mergulharem em rios sem visibilidade ou à tóxica convivência com o mercúrio, usado para separar o ouro.

A corrida do ouro mais famosa foi a do Klondike, no Alasca, no fim do século 19. Depois que notícias da descoberta chegaram a San Francisco, em 1896, mais de 100 mil garimpeiros se aventuraram no Yukon, onde enfrentavam lama, frio glacial e pistoleiros. Estima-se que apenas 3 mil encontraram alguma pepita, e poucas centenas enriqueceram. O restante viveu uma saga de misérias, porque a febre do ouro é assim - uma grande ilusão que muitas vezes só aprofunda a própria desgraça.

Aos 28 anos, o jovem tenente Jair Bolsonaro não podia imaginar que um dia chegaria à Presidência da República, mas sonhava com a fortuna do garimpo. No início dos anos 1980, após se embrenhar no interior de Saúde, na Bahia, sua ficha na Diretoria de Cadastro e Avaliação do Exército anotava que o oficial dera "mostras de imaturidade ao ser atraído para empreendimento de garimpo de ouro". Registrava ainda que o tenente demonstrava "excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente". Bolsonaro foi levado ao Conselho de Justificação do Exército, onde seu superior, o coronel Carlos Alfredo Pellegrino, relatou que tentara fazê-lo desistir, sem sucesso, do garimpo e que havia identificado "sua grande aspiração em poder desfrutar das comodidades que uma fortuna pudesse proporcionar".

Em entrevistas, o já deputado contou que carregava bateia e peneiras no porta-malas do carro e às vezes estacionava ao lado de um rio para tentar faiscar - achar uma pepita. Dizia ainda que o garimpo estava no sangue. De fato, seu pai, Percy, foi um dos 100 mil garimpeiros de Serra Pelada no auge da mina, pelos idos de 1983. Dez anos mais tarde, como repórter de Zero Hora, conheci Serra Pelada ao lado do fotógrafo Ricardo "Kadão" Chaves. Embora a jazida já estivesse inundada e não detivessem mais o direito de lavra, milhares de garimpeiros seguiam por ali, obcecados pela fantasia de bamburrar - topar com uma grande pepita ou um veio de ouro.

Corta para a atualidade. Bolsonaro vira presidente do Brasil e nesta condição, e só por ela, recebe de presente de outros governos joias, relógios e objetos dourados impensáveis para um militar. Para quem tentou a vida inteira enriquecer no garimpo, despojar-se de seu veio de ouro não é fácil. A febre, recorde-se, é como uma doença. Bolsonaro presidente finalmente bamburrou, mas, como quase sempre ocorre nestas ocasiões, isso também pode ser a sua ruína.

MARCELO RECH

26 DE AGOSTO DE 2023
INFORME ESPECIAL

Jardim Lutz

Primeiro, chegaram as cactáceas, as suculentas e as plantas de banhado. Depois, a coleção foi se diversificando: ganhou frutíferas, bromélias, orquídeas, cicas e até mudas de café e pau-Brasil. São mais de 200 plantas, distribuídas em vasos, pergolados e antigas banheiras de ferro. Tudo isso no topo de um prédio (fotos), em pleno centro de Porto Alegre.

Ali, não há linhas geométricas nem canteiros homogêneos podados em estilo europeu. Tudo é rusticidade e biodiversidade. Não é um jardim convencional. É o Jardim Lutzenberger.

Em 2023, esse oásis urbano de estética singular completa duas décadas no terraço da Casa de Cultura Mario Quintana, em um feliz encontro entre dois poetas - um, das palavras, o outro, da natureza.

Lutz, como ficou conhecido José Antonio Lutzenberger, inaugurou o debate ecológico no Brasil de 1970. Foi voz enérgica, ativa e combativa, alertando para o "fim do futuro". Emergência climática e aquecimento global não faziam parte do léxico comum. Progresso era sinônimo de devastação, e os recursos naturais eram apenas isso: recursos infinitos.

Lutz jamais se conformou com essa visão de mundo.

Ele e suas ideias seguem reverberando naquele espaço de rara beleza, que se tornou um prolongamento do Rincão Gaia - santuário do ecologista em Rio Pardo. O jardim nasceu um ano depois de sua morte, com o aval de suas filhas, as biólogas Lilly e Lara. Desde então, o espaço segue em contínua evolução e, nos últimos meses, ganhou novos ares: passou por um rearranjo paisagístico e recebeu um letreiro em cerâmica com o nome do ambientalista.

Ao visitar o local, muita gente ainda se surpreende ao ver, aqui e ali, o que o senso comum chama de "inço". Para alguns, é "praga", para outros, vida. Lutz vive.

Eu mandei sim, qual o problema?

Jair Bolsonaro

Ex-presidente da República, admitindo em entrevista ter pedido para o empresário Joseph Nigri repassar mensagem questionando a segurança das urnas eletrônicas.

Cancelamento do outro é censura que não devemos admitir.

Mia Couto

Escritor moçambicano, em entrevista sobre os tempos de agressividade e de falta de diálogo que vivemos.

Os pais têm de oferecer algo no lugar das telas.

Maria Cecília Pereira da Silva

Psicanalista, sobre o desafio de reduzir o tempo de crianças e adolescentes diante de celulares e tablets.

O papel das Forças Armadas foi fundamental para preservarmos a democracia no nosso país.

Arthur Maia

Deputado federal que preside a CPI do 8 de Janeiro, após encontro com o comandante do Exército, ponderando que é preciso distinguir as ações de "alguns militares" do comportamento de toda a instituição.

O consumidor não pode ser lesado.

Rainer Grigolo

Diretor-executivo do Procon-RS sobre cancelamento de passagens pela 123 Milhas, que prejudicou muitos clientes.

Fizemos realmente um trabalho de gente branca, vamos dizer, um trabalho perfeito.

Leonir Koche

Prefeito de Erval Seco, em uma declaração infeliz durante uma entrevista sobre obras realizadas na cidade.

Graças a Deus pude marcar e serviu para a equipe ganhar. Foram 90 minutos. Agora tem os outros 90 em Porto Alegre.

Enner Valencia

Jogador do Internacional, ao celebrar o gol da vitória no primeiro jogo valendo vaga nas semifinais da Libertadores contra o Bolívar, em La Paz, na Bolívia.

O exército de terracota

Foi uma das grandes descobertas do século 20, feita por acaso, em 1974, por agricultores que cavavam poços na província de Xian, na China. Sob o solo, eles encontraram o mausoléu do imperador Qin Shi Huang, que viveu entre os anos de 260 e 210 antes de Cristo.

O local - uma majestosa pirâmide subterrânea - é guardado por um exército esculpido em terracota (foto). São mais de 8 mil guerreiros com armas de bronze, 520 cavalos e 130 de carruagens, tudo feito de forma artesanal, em tamanho natural. Cada peça é única, traz uma beleza enigmática e eleva a arte funerária a um novo patamar.

INFORME ESPECIAL

sábado, 19 de agosto de 2023


19/08/2023 - 09h00min
Martha Medeiros

Felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem-feitas

O grau de satisfação com nossa própria vida demonstra se acertamos mais do que erramos. Continuarei fazendo a parte que me toca, mas que meus anjos da guarda também lutem

Falar em crise seria exagero, mas senti um abalo quando fiz 60 anos. Hoje (domingo, 20 de agosto) faço 62 e ainda não estou totalmente recuperada, e nem sei se quero, já que me encontro em estado de atenção plena aos meus sentimentos. É bonito reconhecer o que muda em mim, o que muda fora de mim e até o que não muda.

Antes dos 60, a passagem do tempo não me afligia. Alguns se incomodam com a chegada dos 30, levam um susto aos 40 (acabou o ensaio: é quando a vida começa, de fato) e ficam mexidos com os 50 – não é bolinho completar meio século. Mas atravessei essas idades sem perder o sono, e só agora entendo a razão: durante todo esse longo período, meu bem-estar dependia principalmente das minhas escolhas.

Gosto muito desta frase: felicidade é a combinação de sorte com escolhas bem-feitas. O grau de satisfação com nossa própria vida demonstra se acertamos mais do que erramos. Quando avalio meu passado, percebo que não fiz muita besteira, não me boicotei seriamente, desviei pouco dos meus desejos e fui recompensada, tenho quase nada a reclamar. Fiz bom uso do meu livre arbítrio.

Ainda decido sobre a minha alimentação, a quantidade de álcool ingerido, a frequência de exercícios físicos, a manutenção dos afetos e a dedicação ao trabalho, mas agora há uma série de outras questões que dependerão mais de torcida do que de empenho. Estou sentada na arquibancada, gritando “vai que é tua!” para mim mesma, apesar de saber que o imprevisível entrou em campo.

Torço para que meus pais, já em idade avançada, mantenham a lucidez e a autonomia – e sigam avançando. Torço para que, mesmo estando com meus exames de rotina em dia, eu não seja surpreendida por alguma doença que confisque minha independência (e que os bancos não confisquem minhas economias). 

Torço para não perder o interesse por novos artistas e para que meus neurônios continuem se reproduzindo, assim como o colágeno, mesmo em velocidade reduzida (não se entreguem!). Que minhas pernas aguentem bem as longas caminhadas e que a artrose não venha interromper minha digitação no teclado, preciso escrever. Que eu não leve um tombo patético em alguma calçada irregular. 

Que minhas filhas façam bom proveito da educação que receberam e saibam diferenciar as dores que nos amadurecem das dores inúteis. Ah, que eu tenha netos. 

Torço para que o aquecimento global ainda demore para acabar de vez com o planeta e que eu não perca a visão, porque a pilha de livros só aumenta. Daqui para frente, é lógico que continuarei fazendo a parte que me toca, mas que meus anjos da guarda também lutem.


19/08/2023 - 09h00min
Claudia Tajes

Para ficar no tema mais falado da semana, as joias

A diferença é que, aqui, a digital é a de um gênio, Monsieur Guy de Maupassant

Falso brilhante: e a ponta de um torturante Band-Aid no calcanhar. Um dos meus autores preferidos é Guy de Maupassant, mestre francês do conto, que li pela primeira vez ainda criança, em uma coleção de capa dura dos meus pais que até hoje temos na estante – agora promovida à condição de relíquia, já que o tempo não se faz sentir apenas no rosto da leitora, mas também nas capas e nas páginas dos livros.

Vários contos do volume nunca me saíram da cabeça, lidos e relidos ao longo dos anos. De uns dias para cá, não paro de lembrar de um deles, O Colar de Diamantes. Conhece?

Madame Loisel, jovem, linda e pobre, casou-se com um funcionário público de baixa patente por pura falta de opção. Estamos em Paris, na primeira metade do século 19, e não eram muitas as opções para as donzelas. Casar pontuava como a primeira, quase inevitável e mesmo desejável.

Pois Madame Loisel casou, mas não se conformou. Sofria por não frequentar ambientes requintados, soirées ilustradas, festas da alta burguesia. E isso que nem havia Instagram. 

O marido, feliz com a vida conjugal, bem que tentava agradar a esposa, sem muito sucesso. Até que um dia ele ganhou um convite para um baile disputadíssimo do Ministério da Instrução Pública, onde trabalhava, e chegou em casa como quem leva um tesouro. Aposto que ia pela rua antecipando, hoje eu vou me dar bem.

Só que Madame Loisel teve um chilique. Como ela iria a um baile com os trapos que guardava no armário? Não julgo. Quem nunca? O marido então deu os 400 francos economizados por ele para comprar uma espingarda – sim, uma espingarda – para a mulher encontrar um belo vestido.

Parecia tudo tranquilo até que, um dia antes da festa, Madame Loisel deu outro piti. Como ela poderia se apresentar em sociedade sem uma joia? Ia parecer uma mendiga. 

O marido, não muito ligado nas modas como sói acontecer com alguns maridos, sugeriu o uso de flores naturais no vestido, e obviamente levou um esculacho. Então lembrou de uma amiga rica da esposa, a Madame Forestier, e sugeriu que ela pedisse uma joia emprestada.

Foi o que Madame Loisel fez. Entre todas as preciosidades do cofre da amiga abonada, escolheu o colar de diamantes mais chamativo, que brilhava com toda a sua majestade em um estojo de veludo chique no último.

Nossa madame fez sucesso no baile, elogiada inclusive pelo ministro, e dançou até às quatro da manhã. O marido, que pegava às sete no batente, dormia em uma salinha junto com outros maridos. 

Na saída, os dois caminharam batendo queixo até achar “um desses cupês noturnos que só são vistos em Paris depois do cair da noite, como se à luz do dia tivessem vergonha de sua miséria”. Antes de tirar a roupa de Cinderela, ela quis se olhar uma última vez no espelho. E cadê o colar?

Madame Loisel havia perdido o colar de diamantes. Depois de refazer o trajeto deles a pé, de não achar o cupê que os levou para casa e de se desesperar, o marido pediu que ela desse uma desculpa para a amiga, “diz que o fecho do colar estragou”, enquanto os dois pensavam em uma solução. A solução: recorreram a empréstimos, agiotas e venderam tudo o que tinham para comprar outro colar de diamantes por 36 mil francos.

Madame Loisel passou os 10 anos seguintes morando com o marido em um sótão e fazendo os serviços mais rústicos para ajudá-lo a pagar a dívida. Quando enfim quitaram a conta, a jovem fresca e sedutora que ela era tinha dado lugar a uma mulher triste e embrutecida. Que um dia, por acaso, viu Madame Forestier passando na rua e resolveu se aproximar para contar sua triste história.

Nesse ponto, deixo Guy de Maupassant terminar o conto.

“– Então, dizes ter comprado um colar de diamantes para substituir o meu?

– É verdade. Não percebeste nada, não? Era absolutamente igual.

E Madame Loisel sorria num júbilo orgulhoso e inocente. A senhora Forestier, comovidíssima, tomou-lhe ambas as mãos: – Oh, minha pobre Mathilde! Mas o meu colar era falso. Valia no máximo quinhentos francos!”...

Uma coluna para ficar no tema mais falado da semana, as joias. Com a diferença de que, aqui, a digital é a de um gênio, Monsieur Guy de Maupassant.

Cai o pano.


19 DE AGOSTO DE 2023
BRUNA LOMBARDI

SOMOS NOSSAS ESCOLHAS

Uma das coisas que mais nos intimidam e controlam nosso comportamento é a ideia de estar sendo julgada. Mas vamos pensar juntos: o que é exatamente que se teme no suposto

julgamento dos outros?

Aquilo que achamos que os outros pensam da gente, mas não temos a menor certeza. Até porque pode ser que nem estejam pensando em nós, tão ocupados que estão pensando em si mesmos. Ficamos intimidados e preocupados com o julgamento dos outros... e esses outros talvez sejamos nós mesmos.

Olha só que círculo vicioso complicado. Pra sair dele, só quebrando as amarras sociais que nos prendem. Ninguém pode passar pela vida sendo prisioneiro dos outros, das convenções, das formalidades inúteis. Das barreiras que nós mesmos criamos, escudos e máscaras que usamos acreditando que nos protegem, mas que na verdade impossibilitam relações mais próximas e verdadeiras.

O medo nos torna presas fáceis para todas as armadilhas que controlam nosso comportamento, nossas emoções, nossa vida. Passamos a viver em função dos outros.

Não julgar e nem temer ser julgado é o caminho da liberdade. O portal que leva ao autoconhecimento e traz qualidade para as nossas relações.

Quando falamos em não julgar os outros e nem a nós mesmos, temos que entender a diferença entre julgar e ter senso crítico. Aparentemente, são coisas parecidas, mas o resultado é diferente. Quando perdemos o senso crítico, podemos embrenhar por caminhos perigosos.

É o critério que ajuda a fazer escolhas. Desde o que vestir, comer, dizer, até com quem queremos nos relacionar. O senso crítico não serve para criticar, mas para discernir,

compreender, sentir. Serve para fazer uma análise e ajuda nossas escolhas. O senso crítico aliado ao instinto e intuição é a nossa verdadeira proteção. Afia nosso olhar observador e desenvolve nossa capacidade de percepção.

Conseguimos selecionar informações. Somos criteriosos com aquilo que queremos. Sentimos a energia de quem se aproxima de nós. Aprendemos a nos afastar daqueles que nos podem

causar danos. Vamos saber separar o que nos faz bem do que nos traz sofrimento, problemas e perrengues.

Adquirimos segurança evitando absorver sem critério, tudo que vem da mídia, dos outros, das tendências dessa era em que vivemos. Precisamos ser críticos na nossa jornada.

Somos os responsáveis pelo que transmitimos e cada ação nos traduz. A verdade traz coerência no que pensamos, dizemos e fazemos.

Quando somos verdadeiros, estamos prontos para enfrentar qualquer lugar, situação e gente. Nada nos intimida, amedronta ou diminui. Não precisamos exagerar, nem mentir, nem esconder. Somos o que somos.

Somos frutos dos nossos pais, da nossa história, nossa cultura, nosso país. Carregamos o que aprendemos. Somos o resultado das nossas escolhas.

Quem julga teme o julgamento, cria distância e preconceito. O medo aprisiona. Ao invés de julgar e alimentar o medo de ser julgado, torne seu senso crítico parte de sua natureza. Quem faz isso saí de uma prisão pra exercitar sua liberdade de escolha.

BRUNA LOMBARDI

A CASA DE UM IDOSO COM DEMÊNCIA

ADAPTAÇÃO DO AMBIENTE VISA AUMENTAR A MOBILIDADE E A SEGURANÇA

O diagnóstico de um quadro de demência exige que a casa do idoso passe por adaptações. Mais segurança, mobilidade e tranquilidade, reduzindo o risco de acidentes, são os principais objetivos. Diminuir a quantidade de móveis, liberar áreas de circulação e guardar medicamentos e produtos químicos em locais seguros estão entre as iniciativas que devem ser tomadas pelas famílias. Simplificar os ambientes, de modo geral, é o que deve ser mantido em mente.

A demência se caracteriza por alterações que podem comprometer diversos domínios cognitivos. A área afetada com mais frequência é a da memória. Setores como os de linguagem, percepção espacial, domínio social (adequação do comportamento), praxia (capacidade de realizar atividades) e gnosia (reconhecimento por meio dos sentidos) também podem ser atingidos, conforme explica Fernanda Cocolichio, geriatra do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

- A demência é um conjunto de alterações cognitivas que podem interferir em qualquer uma dessas capacidades. São acometidos um ou outro desses aspectos, dependendo da demência. Há interferência na funcionalidade do idoso, progressivamente - afirma Fernanda.

"não se deve mudar a casa toda no primeiro sinal"

Cada demência tem suas particularidades e evolui de forma distinta - a doença de Alzheimer responde pela maioria dos casos.

- Existem vários tipos de demência e todos convergem para o mesmo ponto: comprometimento cognitivo e, em estágio mais avançado, motor também. O que difere é o caminho que vão percorrer até chegar lá. Umas são mais rápidas, outras, mais longas - comenta Fernando Freua, neurologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Americana de Neurologia.

Freua orienta que, com a assistência do médico, a família promova as mudanças nos cômodos de forma gradual, conforme o estágio em que o paciente se encontra e as necessidades que forem se apresentando.

- Não se deve mudar a casa toda no primeiro sinal - alerta Freua.

Conviver com um indivíduo demenciado é uma tarefa desgastante e triste. Em meio a tantos pontos negativos, Fernanda procura sempre destacar a importância de quem toma conta desses pacientes.

- O cuidador acaba sendo o grande responsável por manter a dignidade dessa pessoa adoecida, até o final. Mesmo quando ela não se reconhece mais como pessoa. O cuidador relembra a esse paciente a pessoa que ele foi, a sua história. Isso faz parte do cuidado - observa a geriatra do HCPA.

60Mais é uma série de reportagens voltadas especialmente ao público que tem mais de seis décadas de vida ou quer se preparar para chegar com qualidade a esta fase. 


19 DE AGOSTO DE 2023
J.J. CAMARGO

UM APELO ÀS ARTES

"A arte existe para que a realidade não nos destrua." (Friedrich Nietzsche)

O Curso Medicina da Pessoa, em terceira edição, conta com o respaldo científico do Centro de Ensino e Pesquisa da Santa Casa e o apoio de 29 das melhores Faculdades de Medicina do Brasil que estimularam a inscrição de 906 alunos.

A ideia desse curso nasceu há três anos, da percepção desconfortável de que, como médicos, vivemos um grande paradoxo: sabemos muito mais medicina do que os nossos antecessores, mas os pacientes não nos percebem melhores, e os mais idosos confessam com frequência que sentem saudade dos médicos de antigamente. A causa desse distanciamento, olhada com isenção, resultou óbvia: com as conquistas tecnológicas que nos permitem saber muito mais das doenças, nos esquecemos de como cuidar das pessoas que adoeceram.

Os 10 seminários que compõem o curso, que é gratuito e digital, abordam os principais desafios da relação médico/paciente e discutem quais instrumentos pedagógicos podem ser usados para reduzir a distância que nos separa dos pacientes.

Na sessão do dia 7 de agosto, o tema foi A Medicina e as Artes. Os apressados perguntarão: o que arte tem a ver com a formação médica? E nós responderemos que, diante da preocupação universal de humanizar a ciência médica, a arte será sempre um instrumento valiosíssimo porque qualquer forma de arte humaniza, na medida em que estimula o desenvolvimento da inteligência emocional.

Quem questiona esta ideia deve fazer parte do clube dos fleumáticos que se mantêm cegos às coisas que escapam da ciência e que na relação médico/paciente têm um papel relevante, porque quando adoecemos nos tornamos mais carentes de atenção e empatia.

A valorização da inteligência emocional facilitará o entendimento de por que alguns colegas têm um currículo impressionante, mas não têm pacientes. E pior ainda, os poucos que têm não se animam a agradecer-lhes, porque o pouco afeto que receberam não foi suficiente para destravar a válvula da gratidão.

O médico que vai envelhecer no século 21 deve estar preparado para enfrentar as agruras de trabalhar num país onde a qualidade de formação médica não interessa e a ozonioterapia foi liberada para uso, apesar do clamor das entidades médicas mais representativas.

Nestes tempos bicudos, temos que mirar na autoestima, sendo os melhores médicos que possamos ser. E isso, acreditem os mais jovens, inclui investir muito mais em humanização, que nos manterá em sintonia com as necessidades dos pacientes e inalcançáveis pelo robô, que, sendo rígido por concepção, será um festejado parceiro, imbatível no armazenamento de dados, e nada mais do que isso.

Que o convívio com a arte enternece corações ninguém duvida, e todos concordam que é exatamente de mais ternura que as relações humanas, em geral, estão carentes. E como a medicina, por suas características intrínsecas, é, reconhecidamente, a atividade humana mais exigente de afeto, qualquer estímulo que torne o médico do futuro mais delicado e empático será bem-vindo.

J.J. CAMARGO

19 DE AGOSTO DE 2023
FLÁVIO TAVARES

ATÉ QUANDO?

O aumento de preço da gasolina e do óleo diesel me leva a recordar a campanha "o petróleo é nosso", dos anos 1950, que levou à prisão milhares de pessoas, Brasil afora, sob a alegação de que se tratava de "coisa de comunista". Por fim, no governo de Getúlio Vargas, criou-se a Petrobras em 1953, quando o petróleo aparecia como símbolo de prosperidade.

Será o aumento de preço a negação do que se pensava anos atrás?

No entanto, petróleo (ou a gasolina, seu principal derivado) é hoje o segundo produto mais exportado pelo Brasil, ficando apenas abaixo da soja. As vendas de petróleo ao Exterior totalizaram US$ 42,5 bilhões em 2022, enquanto as de soja alcançaram US$ 46,5 bilhões.

Atualmente, o Brasil é o nono país produtor de petróleo no mundo, abaixo apenas dos "campeões" árabes e da Venezuela.

Enquanto isso, festeja-se atualmente a rebaixa do preço dos automóveis e o governo federal a apresenta como "um trunfo". Nada se programa para a fabricação de carros elétricos, ainda caríssimos e com dificuldades de abastecimento.

Esquecemos que os veículos movidos a derivados de petróleo são uma das principais causas do efeito estufa e, assim, do aquecimento do planeta, que leva à degradação da vida em si. O petróleo deverá desaparecer como fonte de energia nas próximas décadas.

Enquanto isso, a Petrobras aponta como grande feito que, de 2002 a 2022, a produção petrolífera cresceu, passando de quase 1,5 milhão de barris diários a 3,1 milhões. A Petrobras prevê chegar a 3,9 milhões de barris até 2027.

A principal fonte de produção é o pré-sal, que - no entanto - deve esgotar suas reservas em pouco tempo, talvez antes de 10 anos. Isto explica o empenho da Petrobras e do ministro das Minas e Energia em explorar a foz do Rio Amazonas e adjacências. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, discorda da decisão, advertindo sobre os perigosos efeitos da exploração petrolífera na região.

O presidente Lula da Silva demonstra apoiar a exploração e só não tornou pública sua decisão devido, talvez, à opinião generalizada no mundo inteiro pela preservação da Amazônia.

Até quando seguiremos ignorando o que é mais importante - preservar a natureza (e o planeta) ou explorar petróleo, combustível fóssil destinado a não mais ser utilizado?

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES


19 DE AGOSTO DE 2023
ARTIGO

TRANSPARÊNCIA EM TODAS AS ESFERAS

Foram R$ 20 bilhões em demonstrações financeiras fraudadas e R$ 40 bilhões de dívidas. Este é o resumo do escândalo contábil que abalou o mundo corporativo, trazendo enormes prejuízos a investidores e uma situação de incerteza aos milhares de empregados da empresa Americanas S/A.

Enquanto as responsabilidades são devidamente apuradas nas esferas competentes, a pergunta que remanesce é: como, em um ambiente que valoriza a adoção de boas práticas de governança e de programas de compliance, números vultosos conseguem ser escondidos de sócios investidores e do mercado em geral, surgindo abruptamente em uma bela manhã de verão, por força de um comunicado realizado pelo novo CEO da empresa?

Não existe uma única resposta a este questionamento, mas é inegável que o escândalo passa pela pouca transparência na condução de questões contábeis da sociedade empresária. A mesma reduzida transparência, responsável pela ocorrência de diversos casos de corrupção nos setores público e privado, vira fonte geradora de um ambiente de insegurança e de pouca confiabilidade, nada propício para investimentos, inovações e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social.

A busca permanente por modelos de governança pública e privada cada vez mais transparentes, respeitados dados que excepcionalmente devam ser preservados por disposição legal, deve ser uma tônica da sociedade.

Ambientes mais transparentes são garantia de redução de atos de corrupção e de fraudes, pois permitem um controle social mais efetivo. Esta lógica vale tanto para o setor privado, em que a transparência, especialmente em empresas de capital aberto, possibilita que os acionistas tenham informações suficientes e claras acerca da companhia, como para o setor público, em que os cidadãos podem diretamente verificar como os governos utilizam as verbas públicas.

Ou passamos a exigir e atuar com mais transparência nas relações de governança, ou nos acostumamos a conviver com fraudes e perdas de bilhões de reais.