sábado, 28 de fevereiro de 2009



01 de março de 2009
N° 15894 - MARTHA MEDEIROS


Querer entrar

O filme O Curioso Caso de Benjamim Button é bem elaborado e tem algumas cenas para constar do rol das inesquecíveis, mas é uma história tão surreal que merecia uma direção mais amalucada e divertida, a exemplo do espírito do conto de Scott Fitzgerald que lhe deu origem. E Brad Pitt poderia ter se esforçado mais, dá a impressão de que entregou o papel nas mãos do maquiador e do computador.

Ou seja, me pareceu um bom filme, mas não me tocou. A verdade é que continuo preferindo histórias dolorosamente reais e enxutas, a exemplo de Foi Apenas um Sonho, o meu candidato ao Oscar, se ao Oscar ele tivesse concorrido.

Belo casal mora numa bela casa com um belo jardim e belos filhos. O marido está adaptado à rotina, mas a mulher arrasta correntes. Sente-se uma estrangeira dentro da própria vida. Queria ser alguém especial, e não apenas mais uma como as outras, com um destino facilmente presumível: repetir os dias.

Em determinado momento do filme, um diálogo rápido e cortante resume seu estado de espírito. Ao se abrir com o vizinho a respeito desse seu vazio inquietante, ele se mostra compreensivo: “Eu entendo. Você queria sair dessa, não?”. Ela responde: “Eu queria entrar!”.

É o toque de mestre do diretor Sam Mendes, que mais uma vez acerta a mão ao tratar sobre o desespero de se deixar engolir pelo caminho mais fácil: viver a vida de todo mundo.

Kate Winslet, excelente no papel da dona-de-casa entediada que sonha em ser atriz e morar na França, inverte o lugar-comum com essa sua resposta inesperada. Vivendo um cotidiano aparentemente perfeito, ela não está dentro do jogo - está fora. Não está enquadrada - está vivendo à margem. Sua intuição diz que a vida acontece no imprevisto, na mudança, no movimento, nos mergulhos culturais, na troca de ideias, estando em trânsito, e não estacionada.

Ela está presa do lado de fora. Não precisa sair, já foi “saída” pelo comodismo, já está expulsa do seu paraíso imaginário, lá onde ela não seria mais uma, ao menos não a seus próprios olhos.

Pode dar a impressão que ela é a antenada do casal, e ele (Leonardo DiCaprio, extraordinário, colocando Brad Pitt no bolso) é o careta, o conformado, mas não é bem assim. A questão não se trata de quem sonha mais alto. A questão é: você está dentro?

Não interessa se a porta que você escolheu abrir te leva pra uma casa no meio do mato, para a movida madrilenha, para um ashram na Índia, para um farol numa ilha desabitada ou para uma cobertura em Nova York – são apenas cenários, enquanto que o dilema a ser resolvido em nossas vidas está no roteiro: você está satisfeito com a condução do seu personagem?

Se avaliar sua própria história até aqui, dá pra dizer que era esse o filme que você sonhava participar? Sente-se confortável no seu papel, seja ele qual for?

Então está dentro.

sábado, 14 de fevereiro de 2009



15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - Cláudia Laitano


Compartilhe, mas não exagere

Tive uma colega de faculdade que adorava ficar de pés descalços durante as aulas. Chegava, instalava uma cadeira vazia na sua frente, descalçava as sandálias (o espetáculo era sazonal) e acomodava os pés sobre o assento, apontando os dedões para o infinito celeste.

Alguns rapazes, vocês sabem, são tarados por pés femininos. Não lembro se os da minha colega eram especialmente bonitos ou não – nem imagino que tipo de energia erótica eles mobilizavam na ala masculina. Mas, diga-se em favor da moça, não era por exibicionismo que ela liberava os calcanhares para a contemplação pública.

Havia, isto sim, uma espécie de manifesto silencioso pela liberdade de expressão, um discurso em defesa da informalidade e contra todo o tipo de convenções sociais – inclusive as do ambiente teoricamente formal de uma universidade. Bem-vindos ao século 21.

Entre os flagrantes de intimidade exposta (e imposta) publicamente, poucos me incomodam tanto quanto a exibição de um pé descalço fora do contexto apropriado – praia, piscina, congressos de podófilos, show da Maria Bethânia...

É uma bronca pessoal, com motivações inconscientes que eu nem me atrevo a investigar, mas talvez tenha lá sua razão de ser - mesmo levando-se em conta que os limites entre a liberdade individual e a falta de noção nem sempre são tão rígidos quanto a distância entre as duas tiras de uma havaiana.

Há pessoas de aparência perfeitamente sensata que apreciam compartilhar com amigos e colegas de trabalho momentos de higiene pessoal que, em princípio, deveriam ficar restritos ao ambiente doméstico: cortam e limpam as unhas, espalitam os dentes, expremem os próprios cravos e os alheios (ninguém nunca está seguro...).

Mais higiênicos, mas não menos expansivos, são os compartilhadores compulsivos de dramas pessoais. Você senta no táxi e antes de dobrar a primeira esquina o motorista já contou que foi traído pela mulher, que ela nem foi visitá-lo quando a mãe morreu, que a danada não presta mas ele ainda é louco por ela...

Você vai buscar um suco no bar e ouve tudo o que nunca quis saber sobre a disfunção erétil do marido da sua colega.

E o pior é que muitas vezes o destino da inconfidência nem mesmo são os seus ouvidos. Tudo não passa de um incidente acústico, um papo de amigas falando com o controle de voz distraidamente ajustado no volume máximo.

(Se as orelhas passam boa parte do tempo ocupadas com celulares e fones de ouvido, fala-se cada vez mais alto e, consequentemente, para mais pessoas em volta. Bem-vindos ao século 21.)

O seriado Friends (1994 – 2004) cunhou um bordão insuperável para designar esse excesso de compartilhamento de informações, às vezes cabeludas, não solicitadas: “Share not skare” (em uma tradução muito livre, algo como “compartilhe, mas não exagere”).

Mas como saber se o que para nós é natural e faz parte do nosso direito à liberdade de expressão não está ferindo o direito da outra pessoa de não ver os nossos pés, não ouvir nossos problemas, não acompanhar a exterminação dos nossos cravos?

Não há fórmula infalível para lidar com esse tipo de dilema existencial. Mas, em caso de dúvida, sempre é bom dar uma checada no ambiente antes de invadir o espaço alheio com os nossos dedões em riste.


15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - MOACYR SCLIAR


O sexo e seus prefixos

É parte da condição humana, sempre variável e imprevisível: assim como um imã atrai limalhas de ferro, a palavra “sexual” atrai prefixos.

Não estamos falando só dos clássicos exemplos, homossexual, heterossexual, bissexual. Não, trata-se das expressões que surgem (e desaparecem) constantemente.

Nos últimos anos tivemos pelo menos quatro exemplos. O primeiro foi metrossexual, termo introduzido pelo jornalista britânico Mark Simpson e formado pela junção das palavras metropolitano e heterossexual.

Designava (o verbo já está no passado) um homem heterossexual urbano excessivamente preocupado com a aparência, com cosméticos e roupas de grife. O exemplo constantemente citado era o do jogador de futebol David Beckham, que passava os dias em lojas, ou na manicure ou no cabeleireiro. Depois que o New York Times comprou a ideia, e depois que Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Prada e Versace começaram a produzir para os metrossexuais, eles ficaram consagrados. Não por muito tempo, claro.

Moda é coisa fugaz. Surgiu então o “übersexual”, descrito pelos gurus publicitários Ira Matathia, Marian Salzman e Ann O’Reilly, no livro The Future of Men (O Futuro dos Homens). Homens que usam cremes, depilam-se e fazem as unhas não estão com nada, proclamavam os autores; os modelos passavam a ser Bono Vox, George Clooney, Bill Clinton, Arnold Schwarzenegger: o homem na sua imagem clássica, tradicional, que o colocaria numa posição “über”, tanto na sociedade como na cama.

Mas este modelo também não vingou, e o vácuo foi preenchido pelos gastrossexuais, definidos pelo instituto britânico Future Foundation (a Inglaterra é uma tradicional incubadora desses tipos) como “homens bem resolvidos que têm como hobby fazer pratos elaborados”.

Uma pesquisa feita pelo mesmo instituto, com cerca de mil homens no Reino Unido, mostrou que 48% dos entrevistados dizem que cozinhar os torna mais atraentes para as mulheres, por serem aparentemente menos machistas e preconceituosos, mais domésticos e afetivos.

Àquela altura já estava claro que os prefixos tinham invadido definitivamente o território do sexo. Surgiu um cartoon chamado Sexual Prefixes, e homens começaram a identificar-se como “sexual, no prefixes attached”, sexual sem prefixos. Mas a tendência era irresistível. Agora, surge o neossexual. O termo emergiu de uma pesquisa realizada pela Unilever, fabricante dos desodorantes em parceria com o Instituto Datosclaros.

O neossexual é um homem que se apega à masculinidade tradicional mas sem renunciar à sensibilidade (o clássico “endurecer sem perder a ternura” de Che Guevara; o endurecer, no caso do neossexual, tendo duplo sentido). As mulheres querem dividir a cama, e não produtos de beleza, com seus homens.

Ou seja: voltamos ao ponto de partida. Porque o neossexual é na verdade o páliosexual, é o homem à moda antiga; ele é pré-Kama Sutra, adepto fervoroso do papai-mamãe.

Isso tudo mostra, afinal, que os prefixos têm muito pouca importância numa relação autenticamente vivida. O que interessa não é o pré, é o fixo, aquilo que persiste através do tempo.

E o que persiste através do tempo são os valores humanos, masculinos ou femininos: a compreensão, a tolerância, a autenticidade. O resto é detalhe. O resto é (mas por favor, não entendam mal esta expressão) penduricalho.Del et acipit, sim do Del


15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - VERISSIMO


RSVP

Ideia para uma peça.

No palco, uma mesa posta para 13 pessoas. Copos, pratos e talheres rústicos, grossas velas toscas e na frente de cada lugar um cartãozinho com o nome de quem deve sentar ali. Ninguém no palco.

Da esquerda aparece um mordomo seguido de um casal elegantemente vestido. O casal entra em cena visivelmente inseguro, olhando para todos os lados. O mordomo anuncia que os outros não demorarão a chegar e diz para o casal ficar à vontade. Se quiserem, podem beber água da moringa. O mordomo sai de cena. O casal se entreolha. Ela diz, num cochicho:

– Onde nós estamos? Ele, cochichando também:

– E eu sei? – Olhe o convite de novo. O homem tira o convite do bolso do smoking e o examina pela décima vez. O convite ainda diz a mesma coisa.

– Só a data, a hora, o endereço e, em baixo, “RSVP”.

– Esse “RSVP” é que é a chave de tudo. Deve ser as iniciais de alguma coisa.

– Mas do quê? – “Reunião dos...”. Sei lá. – Podemos estar no jantar errado.

– Mas o mordomo viu o convite e nos deixou entrar.

– Olhe os cartõezinhos para ver se os nossos nomes estão aí.

Ela (lendo): – “João”, “Tiago”, “Pedro”... – Ele (lendo):

– “Mateus”, “Simão”, “Judas”... – Viu? Nossos nomes não estão aqui. Estamos no lugar errado.

– “Jesus”! – Que foi? – Neste cartãozinho. Está escrito “Jesus”!

Lentamente, eles se dão conta do que isto significa. Fazem a volta da mesa, um para cada lado, lendo os cartõezinhos outra vez. Se reencontram no meio da mesa.

– Aí está - diz ele. - Jesus ao lado de Pedro.

Os dois se encaram, de olhos arregalados e boca aberta. Finalmente ele consegue falar.

– As letras... – Que letras? – Na cruz. Em cima da cabeça de Jesus Cristo. Não eram...

– RSVP! Ele toma uma decisão: – Vamos embora.

– Espera. E se a gente ficasse para...– Está maluca? Isto aqui acaba mal. Não vamos nos meter nesta confusão.

– Mas... – Olhe, o jantar vai ser horrível, acredite. Só pão ázimo, vinho barato e conversa de homem. Você seria a única mulher. Iria se sentir deslocada.

– Sim, mas...– E eles obviamente não estão nos esperando. Pense no vexame. A mulher se convence. Tudo, menos uma gafe social. Os dois saem furtivamente do palco.


15 de fevereiro de 2009
N° 15880 - PAULO SANT’ANA


A cirurgia plástica

Lembro-me bem de quando, há mais de 30 anos, levado pela mão generosa do dr. Sílvio Zanini, fui parar na famosa clínica do dr. Ivo Pitanguy, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.

Um ano antes, o dr. Pitanguy tinha examinado detidamente o meu rosto e decidira não me operar, no dizer dele para “não agredir a recuperação de uma paralisia facial que estava em curso”. Mandou que eu voltasse um ano depois.

Quando meu nervo facial foi seccionado inteiramente numa cirurgia no ouvido médio, fiquei com a face desfigurada, um verdadeiro Frankenstein.

Cheguei a pensar que nunca mais trabalharia em televisão e até em rádio, o sério acidente cirúrgico acabou por adulterar minhas feições, suprimiu definitivamente a metade esquerda da expressão da minha face, além de entortar o meu sorriso e avariar profundamente a minha dicção.

Apesar do duro golpe, sobrevivi. Quando voltei à televisão, quatro meses depois, recordo-me que me receberam com flores no estúdio, tive o carinho dos meus colegas e a compreensão do público, estima e complacência que até hoje perduram.

Mas voltando ao dr. Pitanguy, que é o assunto que me empolga. Quando finalmente ele decidiu por realizar um lifting no meu rosto, recordo-me que ao dirigir-me na maca para a sala de cirurgia, pedi a ele que aproveitasse a ocasião para tirar as três rugas da minha testa.

Ele, de avental verde, me respondeu: “Ah, isto é muito difícil”.

Em dois minutos, eu estava sedado, inteiramente submetido à extraordinária habilidade do maior cirurgião plástico da história da medicina.

Quando horas mais tarde me acordei da anestesia, o Éldio Macedo e o saudoso político Mário Ramos estavam à beira do leito para me emprestar solidariedade, tinha se operado no meu rosto um milagre: olhando para as fotos de antes e depois da cirurgia, senti que minha vida profissional estava salva e meu aspecto tinha se tornado socialmente aceitável.

E, por generosidade do grande cirurgião, ele de inhapa fez desaparecer as três rugas da minha testa. Disse-me ele que nunca um paciente seu havia sangrado tanto na costura do couro cabeludo: perdi três litros de sangue.

No dia seguinte à cirurgia, o dr. Pitanguy levou até meu leito um repórter do New York Times, que me entrevistou sobre os clientes do notável cirurgião que foram por ele reabilitados para exercer seus papéis no cinema e na televisão.

Nunca vou me esquecer da gentileza, da humanidade, da serena e cordial sabedoria do dr. Ivo Pitanguy.

Ele foi decisivo em meu rosto para 75% da correção do acidente, que até hoje ostento.

Escrevo isso porque certamente se deve a Pitanguy o extraordinário avanço da cirurgia plástica no Brasil. O cirurgião dos reis e dos atores de cinema célebres que passaram por suas mãos é o maior responsável por exercermos no mundo uma notável liderança em cirurgia plástica, atraindo para o Brasil milhares de estrangeiros que vêm anualmente submeter-se a operações reparadoras ou estéticas em nosso país, provindos muitos deles dos EUA e da Europa.

De setembro de 2007 a agosto de 2008, portanto um ano, foi realizado o número de 629 mil cirurgias plásticas no Brasil. Um número fenomenal, não igualado por nenhum outro país.

Pela primeira vez, no ano passado, os implantes de silicone (96 mil no período citado) ultrapassaram as lipoaspirações (91 mil).

As mulheres foram as que mais procuraram os procedimentos estéticos: 402 mil, contra 55 mil homens.

Mas o número que mais impressiona é o de que, por dia, são realizadas 1,2 mil cirurgias plásticas no Brasil. Por dia!

E se popularizou tanto entre nós a modalidade, que esses dias restamos aturdidos quando o governo federal autorizou o funcionamento de consórcios para cirurgias plásticas.

A cirurgia plástica está transformando para muito melhor, numa ajuda milagrosa à natureza e à criação, ou em consertos prodigiosos aos acidentes e sinistros, os rostos e os corpos dos brasileiros.

Expedito Filho

ANTECIPAÇÃO DE CAMPANHA

Com agenda de candidata, a ministra Dilma Rousseff deflagra a corrida presidencial com mais de um ano de antecedência e alimenta o debate sobre o uso da máquina pública

SANTINHOS O encontro de prefeitos teve até quiosque para quem quisesse levar de recordação uma fotomontagem ao lado de Lula e da ministra Dilma



Como hipótese, a candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff é debatida nos meios políticos há mais de um ano. Como realidade, ela se apresentou definitivamente às ruas na semana passada, primeiro durante o Encontro Nacional com Novos Prefeitos, na terça-feira, em Brasília – um evento administrativo que foi organizado à moda de um comício eleitoral –, depois na festa de aniversário dos 29 anos do PT.

Saudada como candidata, aos gritos de "olê, olê, olá, Dilma, Dilma", mantra antes dedicado apenas a Lula, a ministra tirou fotos, abraçou os petistas e disse que vai montar uma agenda para se aproximar mais da população e dos partidos aliados do governo. No dia seguinte, Dilma jantou no Palácio da Alvorada com Lula e quatro pesos-pesados da economia.

Discutiu a crise econômica e falou sobre a sucessão presidencial. Não pediu apoio explícito, mas começou a construir as pontes com potenciais financiadores de campanha.

Na quinta-feira, Dilma foi com Lula visitar as obras de uma ferrovia em Pernambuco. No estado onde o presidente é quase unanimidade, Dilma ensaiou o que mais fará nos próximos dois anos: o contato direto com o eleitorado. Não existe outra definição para isso a não ser campanha.

"Dilma pegou gosto pela coisa. No início, aceitou a candidatura como uma missão da qual não podia fugir. Agora, está à vontade, empolgada. Botou na cabeça que quer ser a primeira mulher a chegar à Presidência", avalia um ministro com gabinete no Palácio do Planalto. Em outras palavras, a campanha foi deflagrada quase dois anos antes das eleições e quinze meses antes do que permite a lei.

Dilma tem sido cada vez menos ministra e cada vez mais candidata. As reuniões com assessores vão dando lugar aos encontros com futuros membros de sua equipe de campanha.

O principal deles será Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, que terá uma equipe de petistas para assessorá-lo, a maioria deles prefeitos que deixaram o cargo no começo do ano. Haverá pelo menos um responsável por região do país encarregado da coordenação e da arrecadação de verbas.

Os nomes já foram escolhidos. Além da montagem da equipe política, Dilma tem se dedicado à própria preparação da campanha. Recentemente, contratou uma empresa de comunicação que vai treiná-la para contatos com a imprensa.

A ministra também já tem em sua assessoria dois escritórios de advocacia de Brasília especializados em direito eleitoral para se precaver de possíveis acusações de abuso da máquina nas viagens de inaugurações do PAC, como a que foi protocolada pelo DEM no TCU na semana passada. O DEM e o PSDB também pretendem acionar a Justiça Eleitoral.

O problema do governo em antecipar uma disputa eleitoral em tanto tempo é que, a partir de agora, tudo será observado com uma lente de campanha. Lula quer usar sua enorme popularidade para promover Dilma Rousseff.

Ao fazer isso, contamina debates que perdem força em meio a disputas eleitorais. No encontro com os prefeitos, por exemplo, o presidente anunciou a decisão de renegociar as dívidas das prefeituras com o INSS – uma espécie de Refis da Previdência.

A medida, festejada pelos prefeitos na presença de Dilma Rousseff, foi interpretada como um agrado que o governo fez de olho em 2010. A mudança permite às prefeituras uma folga maior no caixa neste momento em que a crise mundial começa a afetar até mesmo a rotina pacata de pequenos municípios brasileiros.

"Teoricamente, a medida é boa, mas o governo deveria carimbar esses recursos para investimentos em obras de infraestrutura. Sem isso, os prefeitos podem dar ao dinheiro destinações que apenas aumentem as despesas", diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

O presidente Lula ficou irritado com a conotação política que se deu ao chamado "pacote de bondades" para as prefeituras. Não deveria. É um efeito colateral perfeitamente justificável diante da campanha eleitoral que foi colocada na rua pelo próprio governo.

Claudio de Moura Castro

Vamos de mal a pior?

"Como disse lorde Rees de Ludlow, ‘para a maior parte das pessoas, na maior parte das nações, nunca houve um momento melhor para viver’"

Alguns só conseguem enxergar o lado feio do mundo. E, como só notícias ruins dão manchete, deleitam-se em ver confirmados seus piores enredos. Mas, no que se pode medir ou contar, a história é outra. O mundo hoje está pior? Vamos compará-lo com o de um século atrás. Jamais houve tanta liberdade e o crescimento das democracias foi extraordinário.

Entre elas já não há guerras. Nos conflitos recentes, pelo menos um lado é ditatorial. Na última década, reduziram-se em 40% as guerras. Houve também dramática redução das mortes violentas, que, no passado, ceifavam 25% da população masculina. Hoje são só 2%. Nas praças públicas, o povo via os acusados de heresia, bruxaria e magia negra serem assados em fogueiras.

A razão e a ciência ajudaram a lançar luzes nessas áreas. Além disso, a ciência hoje é capaz de captar, entender e resolver boa parte dos problemas materiais que afligem a humanidade – incluindo os desastres do meio ambiente.

Ilustração Atômica Studio

Antes da Revolução Industrial, um operário só possuía a roupa do corpo. Sua maior riqueza eram os pregos de sua casa. Há menos de dois séculos, um europeu trabalhava sessenta horas por semana, dos 10 anos de idade até a sua morte, por volta dos 50 anos. Educação, cultura e lazer chegaram também aos pobres.

Acabou-se a fome causada por calamidades naturais, como a que matou metade da população da Irlanda, no século XIX. Luís XIV não tinha a variedade nem a qualidade do cardápio de um reles membro da classe média de hoje. O povo francês consumia 2 000 calorias por dia. Hoje, nos países pobres, consomem-se 2.700.

Haverá algum país que estava pior que o Brasil em 1900 e hoje lhe passous à frente? Não encontrei nenhum. A maioria dos países latino-americanos, incluindo o Peru, era bem mais rica do que o Brasil. A renda per capita da Argentina foi cinco vezes maior (hoje é quase igual). Em 1950, o Brasil era como a Bolívia de hoje. Em 1958, Cuba era o segundo país mais rico da América Latina. Desde então, não fez senão retroceder.

E a Coreia? Na década de 50, vítima de uma medonha guerra fratricida, até os pauzinhos de comer passaram a ser de metal, pois não havia mais árvores. Mas a Coreia é uma civilização milenar, com sólida tradição de ciência e educação. Portanto, é uma comparação discutível. O Brasil avançou, do último século para cá?

Quem duvida do atraso do Brasil no passado que leia as tenebrosas narrativas dos muitos visitantes que por aqui viajaram. O século XX transformou espetacularmente o país. Entre 1870 e 1987 o PIB brasileiro cresceu 157 vezes, o japonês 87 e o americano 53. Brasil, campeão do mundo!

Por volta de 1900, a esperança de vida era inferior a 30 anos. Hoje já ultrapassou 70. A desnutrição grave é residual e acabaram-se as fomes catastróficas. Quase todos têm hoje acesso a serviços médicos (não tão bons, mas antes não havia nada). Nos confortos materiais, houve avanços espetaculares. Mais de 90% têm água encanada, eletricidade, televisão, geladeira e dezenas de outros confortos.

Meus colegas do primário iam descalços para a escola. Como entendeu Schumpeter, foram os pobres que mais ganharam qualidade de vida com o crescimento. Em 1900, 95% das crianças (entre 7 e 14 anos) não frequentavam escolas. Hoje, apenas 2% ficam de fora. E, contrariando as fantasias saudosistas, os poucos que iam encontravam uma escola medíocre.

Hoje, continua medíocre, mas é para todos e há ilhas de excelência. Crescendo junto com a educação, nossa democracia nunca esteve tão robusta. Nem tudo são rosas. Há áreas em que somos péssimos, como a distribuição de renda. Em matéria de segurança, há oscilações. Contudo, as mortes violentas encolheram muito.

Em corrupção, faltam dados confiáveis. Mas, em praticamente tudo o que podemos contar ou medir, pior não estamos. Essa é a tese do ensaio. Como disse lorde Rees de Ludlow, "para a maior parte das pessoas, na maior parte das nações, nunca houve um momento melhor para viver".

Os pessimistas que fiquem com seus resmungos, pois os avanços em praticamente todas as direções estão bem medidos. Os fatos não lhes dão razão (e, segundo o Gallup, nossa juventude é campeã mundial de otimismo). Porém, não podemos festejar a situação presente, pois para o progresso futuro precisamos ser obstinadamente inconformistas.

Claudio de Moura Castro é economista


Homens mais inteligentes produzem espermatozoides melhores

Um estudo recente concluiu que o gene que leva inteligência ao homem também pode ser responsável pela sua boa capacidade reprodutora
REDAÇÃO ÉPOCA

Homens inteligentes produzem mais espermatozóides e de maior performance na hora de alcançar o óvuloAs mulheres costumam preferir homens mais inteligentes porque eles normalmente são pessoas de sucesso e, por causa disso, dão a elas uma vida mais confortável. Mas, existe ainda outra razão: seu esperma é melhor.

Pesquisadores da King's College de Londres e das Universidades de Delaware e do Novo México compararam resultados de testes de inteligência aplicados a 425 vietnamitas, de 31 a 44 anos, com amostras de seu esperma, analisando se os espermatozoides nadavam normalmente e tinham outras capacidades comuns a eles.

Os resultados mostraram que, quanto mais inteligente o homem, mais espermatozoides ele produz e melhor a capacidade dos gametas de chegar ao destino – o óvulo feminino. A idade do indivíduo curiosamente não alterou essa relação, bem como se ele fumava, bebia ou era obeso.

Tirando o fato de que homens inteligentes geralmente são mais saudáveis, estudos anteriores já mostraram que eles também têm menos risco de sofrer de doenças cardíacas e mal de Alzheimer.

Os cientistas supunham que os mais espertos tendem a escolher trabalhos menos estressantes e que permitem maior qualidade de vida. Mas as novas descobertas revelaram que hábitos negativos têm pouco efeito sobre a qualidade do esperma.

Por isso, especulam se a inteligência é passada junto com um pacote de atributos. Um gene pode influenciar várias características físicas, e aquele que determina a inteligência pode, de alguma maneira, melhorar a qualidade do esperma – e, quem sabe, outras características.

Isso explicaria, por exemplo, por que a inteligência pode ser tão sexy. “Isso pode ser um indicador de que a pessoa tem uma série de bons genes e características”, disse Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México.

sábado, 7 de fevereiro de 2009



QUANTO CUSTA O DINHEIRO

Bancos sobem os juros às alturas e dizem que precisam se defender da crise, mas o governo considera os aumentos injustificáveis e promete usar as suas armas para combater os abusos

Benedito Sverberi - Ed Ferreira/AE



A indústria brasileira simplesmente parou no fim de 2008. Segundo o IBGE, a produção das fábricas amargou uma queda de 12,4% em dezembro, a maior retração desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1991. Chegou ao fim, dessa maneira, um período de três anos seguidos de aumento na atividade das empresas. Nesse cenário, as estimativas mais recentes dão conta de que o país crescerá menos de 2% neste ano.

O coração da freada está no encarecimento do crédito interno, contaminado pelo aprofundamento da crise financeira internacional. Os juros subiram, os prazos encurtaram e os bancos passaram a exigir mais garantias para conceder novos empréstimos.

Para reverter a falta de recursos, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros (a Selic) e tem implementado uma série de medidas na tentativa de destravar as linhas de financiamento.

Ainda assim, no entanto, as empresas continuam a encontrar dificuldades para se financiar, e, apesar da ação do BC, os juros subiram. Os bancos agora estão sob o bombardeio pesado do governo, que estuda novas maneiras de forçar uma redução do custo do dinheiro.

Os números são evidentes: a taxa média de juros cobrados pelos bancos subiu de 37% para 43% no último ano. Constantemente criticado por aqueles que defendem uma queda irresponsável da Selic, o presidente do BC, Henrique Meirelles, desta vez passou a bola: afirmou que a culpa pela alta nos juros deveria ser buscada nos bancos, que subiram excessivamente seus spreads.

Na linguagem das finanças, recheada por termos em inglês, spread (pronuncia-se spréd) representa a diferença entre os juros que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado (em geral, próximos da Selic) e as taxas que eles efetivamente cobram de seus clientes. Se o banco, por exemplo, toma dinheiro emprestado a 13% ao ano e o repassa cobrando 43%, o spread é de 30% (veja o quadro).

Essa sobretaxa é cobrada pelas instituições financeiras para cobrir seus custos e também para auferir seus lucros, mas nela estão embutidas ainda a tributação e a inadimplência.

Colocados contra a parede, os bancos argumentam que tiveram de subir suas margens de segurança por causa, principalmente, do aumento do risco de enfrentar uma onda de calotes. Já o governo considera a alta exagerada e inadmissível.

Alberto César Araújo/Folha Imagem



A CRISE CHEGOU

Fábrica de televisores em Manaus: 10 000 empregos perdidos na Zona Franca

A discussão em torno do assunto esquentou ainda mais depois que o BC decidiu divulgar, em seu site, as taxas cobradas em cada um dos bancos. Ficaram em maus lençóis a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.

A ideia do governo é utilizar as instituições públicas para aumentar a competição e incentivar a queda dos juros bancários. Mas, segundo a pesquisa do BC, a Caixa e o BB possuem, na maioria de suas linhas, taxas tão elevadas quanto aquelas cobradas pelo setor privado.

Nas últimas duas semanas, os presidentes da Caixa e do Banco do Brasil têm sido chamados com frequência para participar de reuniões no Planalto, onde são cobrados duramente pela elevação de suas taxas. A Caixa, um banco 100% estatal e sem acionistas privados, já acatou a orientação do governo e anunciou uma redução dos juros.

O Banco do Brasil, que possui cerca de 22% de suas ações negociadas na bolsa de valores, também cedeu, mas resiste em ser usado como instrumento político. A direção do BB argumenta que, diante do agravamento da retração econômica, não pode correr riscos em demasia ao preço de penalizar seus investidores. "Não podemos comprometer nossa rentabilidade", afirmou um executivo do banco.

As instituições privadas, por sua vez, dizem que precisam proteger o seu capital diante da ampliação das incertezas na economia. O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, lembrou que o spread bancário vinha em trajetória de queda, por uma conjunção auspiciosa de fatores, entre eles o acesso a capital barato e abundante no exterior e a estabilidade macroeconômica interna.

Mas, depois da bancarrota do banco americano Lehman Brothers, em setembro do ano passado, o dinheiro externo sumiu, o ambiente se deteriorou e as instituições brasileiras optaram por uma posição defensiva, jogando os spreads nas alturas – e tornando os financiamentos bem mais caros. Afirma Sardenberg: "Essa reação ocorre porque um banco não trabalha apenas com o presente.

Ele tem de olhar o futuro, e, ao avaliar o noticiário, vê-se que existe uma possibilidade não desprezível de que a economia vá piorar. É natural que as instituições assumam uma atitude de maior prudência". Ou, como já disse o próprio presidente Lula, é melhor que o país tenha bancos rentáveis do que quebrados.

A discussão recente em torno do aumento dos spreads, no entanto, ignora uma questão de fundo: ainda antes da crise, o Brasil seguia como dono de juros bancários exorbitantes mesmo para um país em desenvolvimento.

O dinheiro, aqui, custa caro. Um levantamento do Banco Mundial, relativo a 2007, dava conta de que a taxa anual na linha de empréstimo pessoal no país, então de 44%, era uma das maiores do mundo, atrás apenas de países como o Zimbábue e o Haiti.

Na comparação com alguns pares latino-americanos, a diferença chega a ser constrangedora: no Chile, as taxas eram de 9% e, no México, de 8%.

De acordo com os especialistas, para que o Brasil caminhe na direção de ter juros bancários normais, precisará criar as condições para diminuir a taxa básica de juros (sobretudo aprofundando o equilíbrio nas contas públicas) e também para reduzir os spreads.

Um bom começo, no sentido de reduzir os juros na ponta do tomador, seria fazer com que os bons pagadores deixem de pagar pela imprevidência dos caloteiros.

Por isso, na avaliação do presidente da firma de análise de crédito Serasa Experian, Francisco Valim, seria necessário implantar no país, quanto antes, o chamado "cadastro positivo" – sistema de compartilhamento de informações bancárias entre as instituições, para que elas conheçam o histórico financeiro das pessoas e das empresas.

Segundo Valim, esse cadastro reduziria a inadimplência e incentivaria a competição entre os bancos para atrair os bons clientes. "Isso acabaria com a socialização da inadimplência. Hoje, todos são considerados inadimplentes a priori. Todos pagam caro, em vez de só o mau pagador", afirma Valim.

Uma outra discrepância brasileira, quando o assunto são juros bancários, está na pesada carga tributária que incide sobre os financiamentos, algo sem paralelo entre as principais economias do mundo. Reduzir os impostos teria um efeito instantâneo na redução do custo do dinheiro. Mas isso, claro, significaria perder arrecadação, algo de que o governo não quer nem ouvir falar.

O economista Márcio Nakane, coordenador técnico da Tendências Consultoria e estudioso do assunto, chama atenção para outro avanço necessário: a redução dos subsídios nas linhas do crédito direcionado, como a que beneficia o setor rural.

"O problema não é haver crédito direcionado, mas, sim, o fato de as taxas serem fixadas pelo governo. Em geral, são alíquotas baixas para linhas de risco elevado", afirma Nakane.

A lógica aqui é a seguinte: como os bancos perdem dinheiro naquelas linhas em que os juros são tabelados, precisam cobrar mais caro nas outras modalidades de crédito.

Quem não goza das benesses de ter acesso a dinheiro subsidiado (ou seja, a maioria absoluta das pessoas e das empresas) acaba pagando caro pelo benefício de poucos.


Como administramos crises?

"Houve um tempo em que Davos era algo solene e definitivo. Agora, os grandes saem de lá dizendo-se confusos. E nós, como ficamos?"

"A crise" é desculpa para muita loucura, nossa e dos que chamamos líderes. Como administramos crises? Crises se administram ou se sofrem... ou simplesmente se desenrolam e nós rolamos feito marisco solto no mar?

O que fazer com as crises pessoais e financeiras? As da vida pessoal podem ser mortais, mas quase sempre encontramos um caminho, no que depende de nós. As econômicas regionais, nacionais ou, pior, mundiais, como a atual, nos são alheias.

A parte mínima que cabe a cada um é apertar o cinto e rezar (ou torcer) para que os responsáveis não façam besteira demais.

Ilustração Atômica Studio

Houve um tempo em que Davos era algo solene e definitivo. Agora, os grandes saem de lá dizendo-se confusos. E nós, como ficamos?

Líderes perplexos e nós, mortais comuns, feito formiguinhas no campo de batalha dos grandes, nós que vivemos de salário e pagamos a conta com impostos, ficamos encolhidos diante da onda de desastres nascidos da trágica irresponsabilidade na economia mundial, que não dependeu de nós.

A mim dão tristeza os desempregados. Publicam-se todo dia números mascarados, sabemos que são muito maiores e mais dramáticos do que aparecem.

Um operário de uns 40 anos, casado, cinco filhos, relata que no café-da-manhã recebeu uma cartinha: demitido. "O que vou fazer agora?", indagou com lágrimas nos olhos.

Na Europa e nos Estados Unidos, e também no Japão e na China, os números são espantosos, e todos indagam: "E agora, e agora?".

O seguro-desemprego não é grande coisa nem é permanente. A crise, se tirarmos a cínica máscara do otimismo, que aliás está caindo por quase toda parte, deverá durar vários anos. Depois dela, o que virá?

Quanto tempo até levarmos uma vida menos aflitiva? Ou os despossuídos, antigos e novos, ficarão comendo, como já se faz no Brasil há tantas décadas, farinha com água e, com sorte, um pouco de sal?

Um fantasma intrometido espia sobre meu ombro: "Pô, que artigo mais negativo! Os escritores devem dar esperança aos leitores". Não. Os escritores falam por todos os que não têm acesso nem voz. Por que tratar os leitores como idiotas?

O que escutamos sobre a crise é tão contraditório que daria para encher muitos consultórios e clínicas de psiquiatria: "Gastem tranquilamente, comprem, isso aí não é nada. Não gastem, tomem cuidado, o apocalipse está chegando. Os governos estão controlando gastos. Os governos estão aumentando gastos. Os governos estão abrindo milhares de vagas; os governos não têm dinheiro para pesquisa, cultura, educação.

Os governos sabem tudo, os governos não sabem nada". E nós, jogados de mão em mão ou de conselho em conselho, de uma explicação a outra, em quem devemos acreditar? Talvez no próprio bolso.

Ou no vizinho demitido. No outro vizinho, desempregado, na vizinha de despensa vazia. Nos assaltos que aumentam, nos pedintes que se multiplicam, e se o mundo inteiro, unido, não tomar providências eles serão multidões, e nós estaremos entre eles.

Dificilmente haverá união entre os países: queremos pisar uns nos outros, se possível nos matamos mutuamente. A crise, que já é um tsunami, vai nos transformar a pau em gente mais racional, mais sensata. Mais humildes os poderosos, mais confortados os despossuídos, porque nos aproximaremos na aflição. Será?

A primeira vez em que hospedei uma amiga da Europa, ela se espantou ao almoçar em minha casa, classe mediazinha: "Dois bifes para cada filho? Bifes desse tamanho? Todo mundo podendo repetir?".

Só faltou vasculhar nosso lixo, para dizer que na então poderosa Europa muita gente comeria dali. Impressionada, nunca me esqueci. Não pedi para meus filhos adolescentes roerem perna de mesa, mas fui ainda mais severa quanto ao desperdício. Desde sempre, se podia lhes dar três pares de tênis, dava-lhes dois.

Três pares de jeans, dava dois. Fiquei mais cautelosa, talvez assustada com a insegurança que, tantos e tantos anos depois, bateria à nossa porta. Que os deuses da riqueza e da miséria, da fome e da abundância, da ganância e da decência façam seus congressos celestiais e nos deem uma mãozinha por aqui.

Lya Luft é escritora


Sarney e Temer retomam cargos que mais parecem vitalícios




HISTÓRIA VELHA

Acima, o presidente da Câmara, Michel Temer (à esq.), e o presidente do Senado, José Sarney (à dir.), na semana passada, na cerimônia de abertura do ano legislativo, na frente do Congresso. Abaixo, Sarney com Antônio Carlos Magalhães, durante seu mandato anterior como presidente do Senado. Sarney e Temer ocupam a presidência das casas pela terceira vez

Na semana passada, o Congresso Nacional fez o país andar para trás em tamanha velocidade que, em poucos dias, conseguiu transformar um castelo inspirado na arquitetura das monarquias absolutistas do século XVIII no símbolo mais recente da atrasada política de Brasília. Localizado na Zona da Mata mineira, ele é propriedade do deputado Edmar Moreira (DEM-MG).

Edmar enriqueceu com empresas privadas de segurança e fez carreira no Congresso com a oferta de proteção a políticos sob investigação. Seu Castelo Monalisa é um retrato em aço, concreto e 36 banheiras de hidromassagem das mazelas que envergonham um país que, desde a Constituição de 1988, tenta e não consegue modernizar seus costumes políticos.

Com 36 suítes, adega para 8 mil garrafas, piscinas com cascata e diversos elevadores, o castelo está à venda por R$ 25 milhões. Seu valor foi reduzido para R$ 3 milhões na declaração do membro da família que se apresenta como proprietário formal do imóvel.

Por causa de calotes trabalhistas e acusações de apropriação indébita de recursos destinados ao INSS, Edmar é alvo de uma ação que poderá determinar o bloqueio de seus bens.

Na semana em que José Sarney (PMDB-AP) e Michel Temer (PMDB-SP) tornaram-se ambos, respectivamente, presidente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados pela terceira vez, Edmar foi eleito corregedor da Câmara como um candidato avulso, sem o patrocínio de seu partido, o DEM.

A escolha de seu nome para a função de xerife da Câmara parece estranha por causa de seu currículo, mas é fácil explicar – pelas piores razões possíveis. Há quatro anos, quando explodiu o escândalo do mensalão, Edmar foi um militante ativo da impunidade e trabalhou pela inocência de todos os envolvidos.

Recebeu a recompensa agora. Foi apoiado pelas bancadas de partidos governistas, em especial a do PT, num processo silencioso e que deveria ter-se encerrado de forma quase clandestina, para evitar dissabores.

Depois que as torres pontiagudas do Monalisa se transformaram em assunto nacional, o DEM passou a cobrar a renúncia de Edmar à Corregedoria. Pode ser uma providência útil, seria bom que fosse bem sucedida, mas ela vem com um pouco de atraso.

A primeira reportagem sobre o castelo de Edmar foi publicada em 1992. De lá para cá, passaram-se 17 anos, ou quatro mandatos parlamentares, sem que ninguém tivesse a curiosidade de investigar um pouco aquela arquitetura estranha.

Com seu aspecto de obra fora do tempo e tantas atrações exóticas, o Monalisa combina perfeitamente com aquilo que se viu em Brasília na semana passada. As eleições para o comando do Poder Legislativo trouxeram de volta dois personagens do século passado. Michel Temer (PMDB-SP) já presidira a Câmara entre 1997 e 2000, por dois mandatos consecutivos.

O ex-presidente José Sarney chefiou o Senado pela primeira vez em 1995 e voltou ao cargo em 2003. Nas duas ocasiões, fingiu encerrar uma longeva carreira política.

Na caminhada para o atraso, deputados e senadores usaram outra vez as ferramentas que fazem do Legislativo a mais desprestigiada instituição republicana, segundo todas as pesquisas de opinião: a troca de favores mesquinhos, a negociação de interesses escusos e as armas da traição, sempre de costas para a opinião pública.

Além de Edmar e seu castelo, a abertura dos trabalhos de 2009 mostrou a musculatura de dois ex-presidentes do Senado, Renan Calheiros e Jader Barbalho, ambos forçados a renunciar ao cargo para escapar de processos de cassação. Renan e Jader foram os artífices e principais conselheiros de Sarney na campanha.

Eles aconselharam-no a disputar o cargo, como forma de se proteger contra adversários da política e problemas com a Justiça. No pior momento de uma carreira política de quase 60 anos, Sarney entrou no jogo.

Ele espalhou em Brasília ser vítima de perseguição do ministro da Justiça, Tarso Genro. O PMDB pediu a demissão de Tarso, mas Lula não se comoveu. A presidência do Senado se transformou numa boia para um político em apuros, como foi anteriormente para Jader e Renan.

Com base em sua própria experiência, Jader e Renan desenvolveram a teoria do “barril de lama”, uma estratégia de sobrevivência política baseada na compra de cúmplices. Ela é simples, para quem tiver estômago para entender.

Um colega de Jader e Renan na cúpula do PMDB descreve o método assim: “Quando o sujeito está atolado de denúncias e não consegue sair, o negócio é trazer cada vez mais gente para dentro do barril.

Aí, ele fica mais seguro porque, se a coisa explodir, todo mundo vai sair enlameado”. Ao final da campanha em que Sarney derrotou o candidato do PT, senador Tião Viana (AC), por 49 votos a 32, a lama no barril não parava de crescer. Eis alguns dos episódios:

Na eleição do Senado, o apoio do DEM a Sarney foi negociado em novembro e custou uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU) para o ex-ministro e ex-senador José Jorge. Sob o comando de Renan, a bancada do PMDB traiu o candidato do partido, Leomar Quintanilha (TO). Pelo menos sete senadores do partido votaram em José Jorge. O DEM pagou com 14 votos para a eleição de Sarney.

Para garantir o voto do senador José Maranhão (PMDB-PB), Renan prometeu a ele que vai apressar – só ele sabe de que maneira – o processo de cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), no Tribunal Superior Eleitoral. Maranhão ameaçava votar contra Sarney porque não foi contemplado com um cargo na mesa diretora do Senado, posição que dá privilégios. Ele aceitou a oferta. Se Cunha Lima for cassado, Maranhão herdará o governo da Paraíba.

Três senadores do PR – César Borges (BA), Magno Malta (ES) e João Ribeiro (TO) – votaram em Sarney. Em troca, o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, providenciará carros novos para substituir os Fiat Marea ano 2000 que eles usam.

Para conseguir os sete votos do PTB, Sarney e Renan prometeram entregar o comando da Comissão de Relações Exteriores ao senador Fernando Collor de Mello (AL).

Cassado por corrupção, Collor receberá solenemente todos os chefes de Estado e de governo estrangeiros que visitarem o Brasil. Ele chegou ao Planalto, em 1989, acusando Sarney de ter sido o mais corrupto de todos os presidentes.


07 de fevereiro de 2009
N° 15872 - NILSON SOUZA


Viagem com rumo

Recebo da professora Esther Grossi mais um folder do seu Geempa, ONG que se dedica a formar alfabetizadores capazes de alcançar 100% de sucesso no ensino da leitura e da escrita, mesmo com turmas de classes populares. Parece milagre, neste país de iletrados.

E não deixa de ser: o milagre da boa formação profissional, o milagre da aquisição do conhecimento, o milagre do uso de teorias comprovadamente eficientes. Acima de tudo, o milagre do esforço e da humildade de professores que concordam em rever seus conceitos para se tornarem mais aptos.

Tem um barco na capa do impresso promocional, um desenho do artista ensandecido Artur Bispo do Rosário – ele mesmo um exemplo da principal tese do Geempa de que “todos podem aprender”.

Mas é o Grande Veleiro que serve de inspiração para a imagem gerada pela cabeça colorida de Esther quando compara: “A única possibilidade de um barco a vela mover-se é a presença do vento, assim como a única possibilidade de a escola ensinar a todos é uma ação docente eficaz”.

Parece um trabalho de Sísifo, empurrar ladeira acima décadas de equívocos de um ensino dissociado da realidade, que foi se tornando cada vez mais distante do interesse das crianças. Mas tenho sido testemunha do empenho dos pupilos da professora Esther na busca de estratégias que realmente proporcionem às crianças o direito de aprender.

É comovente ler o resultado desta ação educadora ousada, em textos-hipótese como este: “Era uma vez um colegio lindo como uma flor que tinha uma professora chamada Eliza ela incinava a ler e escrever...”.

O barco do aprendizado precisa enfrentar correntezas para que os tripulantes aprendam a construir o próprio conhecimento, para que descubram a melhor rota, para que saibam aproveitar o vento favorável.

Não é a professora Eliza quem “incina” a ler e escrever, como imagina o pequeno escriba. Ela só facilita as descobertas por parte de quem tem potencial para aprender.

E todos têm algum potencial. No momento em que se pretende qualificar a educação no Estado, a experiência do Geempa merece ser considerada. No mínimo, para que os professores que realmente amam a profissão possam receber de seus alunos compensações como esta frase final de um texto estreante: “Um bejo e um abaso!”.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



UM POUCO DE NEPOTISMO

Ser professor é uma aventura. Ser aluno é outra aventura. A maior injustiça que eu vi, quando criança ou adolescente, era alguém repetir todas as matérias de um ano por ter sido reprovado em uma disciplina.

A incompetência administrativa do sistema era repassada para o estudante. Nunca vi na mídia uma crítica a esse procedimento estúpido e cruel.

Pensei nisso lendo um livro que me emocionou a ponto de me fazer lembrar de velhas histórias dos tempos de colégio. 'Vara de Marmelo' (Editora Renascença) é a história verdadeira de uma professora, mãe e mulher em busca do seu lugar no mundo. Gaúcha, numa escola de uma grande cidade do interior de São Paulo, ela viveu algumas situações exemplares.

Como não se arrepiar diante deste diálogo em sala de aula:
'Continuei a falar de mim e quando comentei que tinha filhos da idade deles uma menina falou aos gritos:
– Então você é mãe? Ah, então você é puta!

Sem pensar, devido ao susto que levei, respondi como quem está sendo atacada:
– Não, eu não sou. Por que a pergunta? A sua mãe é?
– Claro que é. Toda mãe é...
– Mas você sabe o que é uma prostituta?

– Claro, tia, quem não sabe? É trabalhá no ponto: a mãe se arruma e sai pra catá dinheiro, porque tem uns home de carrão que dão dinheiro pra elas...

– E você sabe por que eles dão dinheiro?
Ela não teve tempo de responder, pois a turma inteira começou a gritar:
– Tem que trepá, pô! Que burra essa tia!'

Quantos pontos, num programa de metas, deve somar um professor capaz de administrar uma situação dessas e ainda encontrar forças para continuar apaixonado pela sua profissão?

Será por isso que se inventou o mito do magistério como missão ou sacerdócio? Professores enfrentam problemas desse tipo, ou piores, em todos os andares da sociedade. Numa universidade, por exemplo, pululam os dramas pessoais de toda ordem.

Quem acha que professor trabalha pouco, ensina mal e vive reclamando de barriga cheia por excesso de ideologia, não tem a menor ideia do que diz ou está atolado numa ideologia. Quem lê 'Vara de Marmelo', de qualquer maneira, fica atônito: como tratar do mesmo modo universos tão diferentes?

Como não sair correndo quando um aluno desabafa nestes termos: 'Minha mãe não podia ter feito isso comigo só hoje me contou que to de niversario e o pior é que fica lá deitada no sol, por que tem programa de noite. Ela disse que niversario é bobage, que não tem grana pra isso. To com vontade de mata ela.

Vi numa casa uma festa no final os muleque estoravam as bexiga na maior zuera'. Aposto que os gênios da mídia se preocupariam, antes de tudo, com os erros de ortografia dessa mensagem desesperada.

Concluiriam que os alunos não estão aprendendo, que os professores não estão ensinando e que nossas crianças não estão sendo preparadas para o mercado. É incrível como a mídia vive separada do mundo real, fechada numa redoma de vidro, autista e soberba!

A autora de 'Vara de Marmelo' é pedagoga, arteterapeuta, escritora, integrante da Academia Santanense de Letras, pós-graduada em Arteterapia e em Tecnologia da Informação Aplicada a Educação e graduada em Teologia pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.

Em resumo, continua buscando aprimoramento pessoal, profissional e espiritual. Seu livro me tocou de tal maneira pela autenticidade que decidi pisotear um princípio e cometer nepotismo. Vera Machado é minha irmã.

juremir@correiodopovo.com.br