sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

31 DE DEZEMBRO DE 2021
EM DIA

ENTRE ANSIEDADE E INCERTEZA, A ESPERANÇA

E lá se vai 2021. Tenho 39 anos e não recordo de sentir um clima de expectativa tão grande pelo encerramento de um ano. É uma reprise do que havia sido o final de 2020, só que agora temperado com um cansaço maior, me parece. Depois de observarmos, por aqui, o pico de internações e mortes por covid-19, conseguimos avançar e consolidar a vacinação, que nos oferece a expectativa de superação dessa fase tão terrível da nossa história. Ainda assim, outros desafios despontam e nos inquietam, criando uma mistura de ansiedade pela superação de 2021 e a incerteza para 2022.

A gestão da pandemia no Brasil foi tenebrosa, bem sabemos. Foi preciso a instauração de uma CPI para investigar a insistência do governo federal em medicamentos inúteis para tratar a doença e também o atraso inacreditável na aquisição de vacinas, entre outras coisas que ali surgiram. Nos horrorizamos com tudo que foi relatado. Estamos exaustos não apenas pelo curso natural da pandemia, mas especialmente pelo modo como fomos guiados através dela. Queremos arrancar a última página do calendário para superar isso.

No entanto, 2022 não se oferece leve. Primeiro, ele traz as cicatrizes dos últimos dois anos. São mais de 600 mil famílias que perderam alguém, além de outros milhares de pessoas que seguirão se recuperando das sequelas da doença. Além disso, estamos em fase de lidar com os desafios socioeconômicos que se apresentam. A combinação de inflação alta, renda baixa, desigualdade e pobreza não será fácil de ser enfrentada.

Precisaremos de um olhar bastante especial sobre os mais vulneráveis. A solidariedade e a cobrança dos nossos governos por assistência social de qualidade são exercícios que devemos estar dispostos a fazer em 2022. Estes últimos dois anos foram duros para todos nós, mas em diferentes níveis. Precisamos, agora, de um esforço para buscar quem ficou para trás.

Se temos desafios e incertezas para 2022, não significa que não temos esperança. Parte do frio na barriga nesta virada é alívio, outra parte é a incerteza pelo desconhecido depois de tempos tão difíceis. A esperança é o sentimento nobre e confortador que nos motiva a olhar com otimismo para um novo ano. Feliz 2022!

31 DE DEZEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Uma surpresa na virada do ano 

O Ano-Novo de 19 para 20 nós decidimos passar em Nova York, eu, a Marcinha e o Bernardo. Sabíamos que em poucos meses voltaríamos em definitivo para o Brasil, então queríamos nos despedir da Big Apple com alguma cerimônia.

Visitamos Nova York diversas vezes, nos seis anos em que moramos nos Estados Unidos. Eu brincava que, lá, Nova York era a minha Gramado. Era uma viagem fácil, sobretudo de trem, que é, de longe, o meu meio de transporte favorito. Muitas vezes, íamos e voltávamos no mesmo fim de semana. Mas, naquele final de ano, resolvemos ficar no mínimo cinco dias.

Reservei um belo restaurante para a ceia de Réveillon, só que, no dia 31, a Marcinha descobriu o preço que pagaríamos, emitiu um assustador grito de horror econômico e não parou mais de reclamar. Era muito caro, poderíamos comer bem em um lugar muito mais barato e fazer outras coisas com o dinheiro e tudo mais.

Em nome da harmonia familiar, cedi. Cancelei a ceia cara, fiz uma reserva às pressas em uma cantina do Little Italy e para lá fomos. Foi um bom jantar e tal, mas faltava um pouco de animação. Por volta das 22h, já tínhamos terminado a sobremesa e estávamos bebericando uns drinques. Aí propus:

- Quem sabe nós vamos caminhando até o Piccola Cucina para ver como está a festa por lá? Quem sabe nos deixam entrar?

Há três Piccola Cucina nas imediações do SoHo, todos dos mesmos donos italianos. São restaurantes, mas também são bares. Em certo momento, o volume da música aumenta provocadoramente e todos se levantam e dançam, inclusive os funcionários e os proprietários. É um dos lugares de que mais gosto em Nova York. Havia tentado fazer reserva lá, mas os três estavam lotados. Quem sabe agora, no improviso, sem precisar jantar, desse sorte?

Assim, nos pusemos em marcha para o Piccola Cucina. As ruas do SoHo estavam vazias e, embora fizesse frio, não era uma temperatura insuportável. A massa ignara, centenas de milhares de almas, se espremia na Times Square, esperando para ver aquela bola descer. Se você é como eu e, mesmo em tempos não pandêmicos, não gosta de aglomerações, evite de todas as maneiras ir à Times Square no dia 31. No começo da tarde já há farofeiros internacionais procurando um lugar estratégico para se instalar a fim de ver a bola. Eles ficam lá nove, 10, 12 horas, de pé, na rua, às vezes debaixo de chuva ou de neve só para ver a bola. O comércio fecha, a polícia impede o acesso a determinadas ruas, a maior atribulação por causa da maldita bola.

- Pelo menos nós estamos longe daquela bola - disse para a Marcinha e o Bernardo, enquanto ouvíamos nossos passos ecoando pelas ruas desertas do SoHo.

Enfim, chegamos ao Piccola Cucina. Um dos donos estava à porta, creio que fumando. Fui falar com ele. Expliquei que eu, minha mulher e meu filho queríamos passar a virada do ano ali e...

Ele nem me deixou terminar.

- Entrem! Entrem! - gritou, sorrindo e abrindo a porta.

O Piccola é mesmo pequeninho. Há um balcão e, diante dele, umas poucas mesas. Sentamos em torno de uma e o proprietário já nos serviu champanhe.

- Por conta da casa! - anunciou.

Havia um grupo de italianas bem ao nosso lado. Elas estavam de pé, dançavam e cantavam. Alguém nos deu uns óculos de 2020, nossos olhos ficavam atrás dos zeros luminosos. Outros pequenos grupos também estavam de óculos e dançando e cantando. Logo, nós dançávamos e cantávamos também. O dono do bar subia nas cadeiras e avisava que ia servir mais champanhe e lentilha e, depois, uns tiramisus para deixar a vida mais doce.

Quando o momento da virada do ano chegou, a música parou e alguém levantou o volume da TV, que transmitia, exatamente, a queda da bola na Times Square. Nos perfilamos diante do aparelho e começamos a fazer a contagem regressiva em inglês, italiano e português, tudo misturado:

- Ten! Dez! Dieci!... Nove! Nine!... Otto! Oito! Eight!

Ao chegarmos no zero, as rolhas dos champanhes estouraram, a bola desceu e todos nos abraçamos e nos beijamos. Em seguida, alguém começou a cantar New York, New York:

- Start spreading the news...

E todos cantamos em coro, todos, americanos, italianos, brasileiros e talvez gente de outras nacionalidades que se encontrou por ali. Foi emocionante, foi um tributo àquela grande cidade, àquele grande país, à raça humana e a um sentimento de felicidade que nos unia, mesmo que cada um viesse de um lugar diferente. Foi algo bom, que nos encheu o peito de alegria e otimismo e esperança no futuro.

Assim começou 2020. Nós nem fazíamos ideia do que viria a seguir.

DAVID COIMBRA

31 DE DEZEMBRO DE 2021
CARPINEJAR

Nossa Lya Luft 

Lya Luft morreu.

Para quem não entende a gravidade desses sinos tocando em Porto Alegre na manhã de quinta (30/12), é como perder Erico Verissimo de novo.

É se despedir de uma joia da literatura intimista. É um vazio insubstituível.

Lya que era clássicos: As Parceiras, Reunião de Família e Quarto Fechado renderem peças e teses.

Lya que era universal a todas as idades, com 31 livros entre romances, coletâneas de poemas, crônicas, ensaios e infantis.

Lya que era moderna. Tornou as suas reflexões sobre perdas e ganhos um best-seller: vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares e foi traduzido em 13 países. Permaneceu por 113 semanas no topo da lista dos mais vendidos.

Lya que abriu caminho para o protagonismo feminino na literatura, mostrando que ela não devia ser uma mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa.

Lya que traduziu Rilke, Virginia Woolf, Herman Hesse e Thomas Mann, dialogando com a tradição.

Lya que combatia a ideia de que se casar era ser feliz para sempre, mas batia na tecla de que se casar era continuar sendo.

Lya que nos advertia a agir da mesmo forma sozinhos ou acompanhados.

Lya que compreendia o quanto a coragem já residia em erguer a asa de uma xícara de café e dar bom-dia, que as maiores alturas e vertigens são por dentro de nós.

Lya que nos ensinou a não ficar parados no tempo chorando as nossas dores, ela que sofreu o pior dos lutos: a perda do filho.

Lya que nos pedia para avançar apesar das fragilidades, pelas fragilidades.

Lya que amou seus fantasmas como se fossem anjos.

Lya que escapava nas horas vagas para as árvores da infância, convivendo com gnomos e duendes. Ela não somente acreditava neles como eles acreditavam nela.

Lya que não tinha só um amigo imaginário, porém a sua família inteira.

Lya que nos transformava com o seu olhar e nos fixava com o seu pensamento.

Lya que consultava os mapas para seguir o imprevisto.

Lya que sempre dizia que ser amoroso não é estar inteiramente disponível.

Lya que criou casulos com o fio de seda da sua melodia, dançou com as sombras, descortinou a beleza da melancolia.

Lya que subia a escada rolante no sentido contrário, para nos ilustrar o que é a esperança.

Lya que não trocava a maturidade pelas ilusões, que encostava os lábios nas janelas para beijar o vento.

Lya que suportava a vida sem se submeter, aceitava a vida sem se humilhar, entregava-se à vida sem renunciar a si mesma. Lya que foi lúcida até o último suspiro, respeitando as frutas de cada estação, de cada idade.

Lya que nos lia como ninguém. Lya que escrevia as suas obras a quatro mãos: ela e o destino. Agora, o destino segue a escrita para imortalizá-la.

Leia sobre a repercussão da morte de Lya Luft entre personalidades brasileiras nas páginas 20 e 21

CARPINEJAR

31 DE DEZEMBRO DE 2021
ARTIGO

ENFIM, TUDO VAI SER COMO ERA ANTES

O ano era 2015 e, diante de um déficit que ameaçava paralisar o Rio Grande do Sul, o governo estadual propôs aos gaúchos um enorme sacrifício: aumentar as alíquotas de combustíveis, telefonia e energia de 25% para 30% e a básica de 17% para 18%. A Fecomércio-RS foi contra. O ajuste, ao nosso ver, deveria ocorrer pela redução da despesa. Entretanto, a Assembleia Legislativa aprovou a medida.

Ficou combinado com todos os rio-grandenses que em 1º de janeiro de 2019 tudo voltaria a ser como era antes. Entretanto, um novo governo foi eleito e foi posto ser necessário manter o esforço por mais tempo. Assim, encaminhou-se um pedido de prorrogação. Mais uma vez, a Fecomércio-RS foi contra, mas a Assembleia assentiu outra vez.

A nova combinação passou a ser de mais dois anos de alíquotas elevadas. Mas que ficássemos todos tranquilos, afinal, em 1º de janeiro de 2021, tudo voltaria a ser como era antes. Passou 2019 e chegou 2020 com a pandemia, restrições à atividade econômica, e uma proposta de reforma que preservaria ad aeternum o ganho de arrecadação do aumento das alíquotas, ainda que com uma reestruturação da carga. Mais uma vez, fomos contra. Dessa vez, a proposta não prosperou, mas o governo conseguiu garantir mais um ano de alíquotas de combustíveis, telefonia e energia em 30% e a básica em 17,5%. Em 1º de janeiro de 2022, tudo, enfim, voltará a ser como era antes, há muito tempo. Um antes já quase esquecido.

O esforço infringido aos gaúchos ao longo de todos esses anos transferiu aos cofres estaduais bilhões de reais. Atualmente, a atividade mostra sinais de perda de tração, a inflação corrói o poder de compra e os juros em alta vão inibir ainda mais o consumo e o investimento. A redução do ICMS vem em ótima hora, mas é importante lembrar que chega atrasada.

Não há dúvidas de que manter o orçamento equilibrado sempre vai ser uma prioridade, mas há formas para promover o equilíbrio. Ajustar pelo lado da receita é sempre mais fácil para quem arrecada, mas é muito difícil para quem paga. E nós pagamos muito e por muito tempo. Enfim, esse tempo acabou. Que os próximos governantes não nos peçam novos sacrifícios, mas sim façam a sua parte: controlem as despesas, o que deveria ter sido feito lá atrás, desde o princípio.

Presidente da Fecomércio-RS - LUIZ CARLOS BOHN

31 DE DEZEMBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

O NOVO ANO

Até pouco tempo atrás, em todo final de dezembro explodiam previsões sobre o ano novo. Qualquer arremedo de oráculo, fosse cartomante, vidente ou astrólogo, disputava um lugar ao sol em busca do sonho de adivinhar ou prever os futuros 365 dias. Mas os sonhos, sonhos são e concluem sempre num despertar que, mais do que tudo, mostra que estamos vivos.

O ano de 2022, porém, marca tantos centenários que basta recordá-los para recobrar o ânimo dos tempos atuais, em que a covid planetária convive, no Brasil, com a insensatez dos governantes. Por isto, relembro as datas.

Este 2022 marca os 200 anos da Independência do Brasil, mas continuamos com o espírito e a visão colonial. Seguimos adotando o que seja estrangeiro e, em todas as áreas, temos vergonha de criar. Estamos perdendo até o idioma, usando desnecessários termos ingleses no dia a dia.

Neste janeiro, festejamos os cem anos do nascimento de Leonel Brizola. Figura sem par na política do país em coerência e lucidez, fez da escola e da educação o motor do desenvolvimento. Como governador, uniu o Rio Grande no movimento da Legalidade e derrotou o golpe de Estado urdido em 1961.

A politicalha atual tenta levá-lo ao esquecimento. Em Porto Alegre, só um pequeno viaduto (sempre em obras e, assim, inoperante) tem seu nome. Fecham-se escolas e o magistério vive de migalhas, ao contrário dos tempos de Brizola.

Este 2022 marca o centenário da Semana de Arte Moderna, iniciada em São Paulo e que, em 1922, rompeu a viciosa modorra de copiar a Europa na literatura, na pintura e na arquitetura e buscou raízes no Brasil real.

No Brasil musical, porém, nada marca tanto os últimos cem anos do que aquele 1922 em que o chorinho Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro, foi considerado pernicioso e atentatório aos "bons costumes". Aquele "ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso" foi visto como extravagante e pernicioso, algo que agora, cem anos depois, soa como belo e sem malícia.

Hoje, maliciosa, extravagante e absurda é a postura do governo federal sobre a vacinação das crianças contra a covid-19. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro declara que "não vacinará a filha de 11 anos", e o ministro da Saúde (com apoio do chefe) inventa "consultar a população" para que leigos opinem sobre o que não conhecem. A vacina é um preventivo para evitar a doença, foi aprovada pela Anvisa e vem sendo usada em crianças nos EUA e na Europa.

FLÁVIO TAVARES

31 DE DEZEMBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

RECUPERAÇÃO FISCAL

Assim como a crise financeira do Estado é resultado de décadas de gestões perdulárias ou que apenas procrastinaram necessárias medidas estruturantes, não seria crível imaginar uma solução para o altíssimo endividamento em um estalar de dedos. É dentro desta perspectiva que a proposta de adesão do Rio Grande do Sul ao regime de recuperação fiscal (RRF) do governo federal deve ser analisada. Não é uma solução dos sonhos, mas é a factível, sem contar com saídas mágicas.

As condições impostas pela União, de fato, são duras. As exigências incluem limitação a reajustes de salários, concursos somente para repor saída de servidores, proibição de concessão de novas vantagens para o funcionalismo e de benefícios tributários, entre outros pontos. Mas, dado o nível do passivo do Estado, apenas um plano robusto e de longo prazo, centrado na absoluta austeridade fiscal, é capaz de inspirar uma perspectiva de futuro para a máquina pública gaúcha e, com o fim da década como horizonte, projetar dias de equilíbrio das colunas de despesa e receita, com o governo sendo capaz de investir, pagar salários em dia e bem atender os cidadãos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança.

A melhora na condição financeira do Estado nos últimos meses não deve iludir. As reformas administrativa, da Previdência e as privatizações tiveram impacto positivo, mas são apenas um ponto de partida. Ainda há muito a modernizar na pesada e obsoleta estrutura do Estado, com novas desestatizações, adaptações e digitalização de serviços, tornando-os mais baratos e eficientes.

O Rio Grande do Sul, por outro lado, experimentou um significativo aumento da arrecadação, mas boa parte é relacionada à inflação. É preciso lembrar que desde 2017, por força de liminar, o Piratini não paga as parcelas da dívida com a União. É um estoque de R$ 70 bilhões. No caso dos precatórios, mais R$ 16 bilhões. O fôlego recente permitiu cumprir compromissos mais urgentes e colocar salários em dia, mas o endividamento segue sufocante. Novas alíquotas de ICMS, mais baixas, também começam a vigorar em 2022, com impacto na arrecadação.

O Estado, agora, aguarda a resposta do governo federal para a proposta de adesão. Se aceita, como se espera, o passivo será refinanciado. Com um empréstimo de R$ 3 bilhões, o governo gaúcho pretende renegociar precatórios. A saída definitiva da crise, portanto, é longa e árdua. Requer sacrifícios compartilhados. Mas percebe-se, felizmente, compreensão dos demais poderes e órgãos com autonomia administrativa do Estado, que sopesaram vantagens e desvantagens e, de maneira unânime, apoiam o acordo. A figura do remédio amargo foi largamente utilizada para facilitar entendimentos. 

Com unidade e disciplina, o Rio Grande do Sul reúne plenas condições de vencer este e outros desafios. Assim, ao fim do período de vigência do regime, enfim poderá oferecer aos gaúchos, e mesmo ao funcionalismo, a higidez financeira duradoura capaz de fazer o poder público um agente parceiro do desenvolvimento econômico, e não um peso para a sociedade e os setores produtivos.


31 DE DEZEMBRO DE 2021
ANO-NOVO

"Esperança" é a palavra eleita pelos brasileiros para 2022

Termo tem sido recorrente desde a primeira pesquisa, realizada em 2017, mas ganha novo sentido a partir da pandemia

Os brasileiros querem ser mais otimistas em 2022. Pelo menos, este é o resultado do levantamento feito pela Consultoria Cause e o Instituto de Pesquisa Ideia, que ainda apontou vacina como o termo de 2021. Dos 1,2 mil entrevistados entre 6 e 9 de dezembro, 17% escolheram esperança a palavra para o próximo ano, seguida de saúde (10%) e recomeçar (7%). Para especialistas em saúde mental consultados por ZH, mais do que a expectativa condicional de ocorrer algo bom, é preciso também agir para a roda da vida seguir girando.

Esperança tem sido uma palavra recorrente entre os brasileiros desde a primeira pesquisa, realizada em 2017, segundo o economista Maurício Moura, fundador do Instituto de Pesquisa Ideia e professor da Universidade George Washington. Somente entre 2018 e 2019, mudança foi o termo mais lembrado.

- Na verdade, esperança é um sentimento do brasileiro. É bastante particular da opinião pública brasileira a sensação de que o futuro será melhor do que o presente. Na América Latina, em geral, a questão da expectativa do futuro é recorrente. Ao contrário da Europa, onde esta visão é mais pragmática e as pessoas não esperam um futuro melhor do que o presente - destaca Moura, apostando em inflação como a palavra de 2022.

Para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a seleção de um termo que defina o ano permite às pessoas conversarem sobre o futuro, se reconhecendo numa mesma palavra. Porém, ressalta a ambiguidade existente na escolha dos brasileiros.

- Esperança é um termo ambíguo e pode remeter ao esperançar, expressão de Paulo Freire para designar um tipo de desejo, ou designar um tipo de espera, de expectativa condicional para que algo aconteça e, só então, possamos agir em conformidade com o nosso desejo - ressalta.

Ainda assim, Dunker considera necessário ter esperança, expectativa, desejos ou, de uma maneira mais abrangente, a chamada perspectivação do futuro.

Mas há os que desaprovam por completo a palavra como um termo positivo. Em artigo relacionado ao novo ano e publicado no Brazil Journal, o estrategista de comunicação e embaixador global da Unesco, Nizan Guanaes, fez questão de escrever sobre a desesperança, por não acreditar que o contrário dela seja capaz de mudar algo nos rumos da humanidade. Nas palavras dele, a esperança leva o ser humano a "terceirizar soluções que o mundo precisa urgentemente". A provocação de Guanaes gerou uma onda de compartilhamento do texto nos meios empresariais.

Significado

O psiquiatra Nélio Tombini, diretor da clínica Psicobreve, também segue na mesma linha de pensamento de Guanaes.

- Vejo a esperança como uma certa passividade diante da vida, e isso é muito da nossa cultura. Quando falamos esperança é como uma espera de que algo vai ocorrer. Alguém ou algo fará algo pra mim. O melhor seria se as pessoas dissessem "em 2022 farei de tudo para que a minha vida possa ser melhor", "espero me cuidar, não que alguém faça por mim" - argumenta.

Assim como Dunker, Tombini lembra do educador e filósofo Paulo Freire e do verbo esperançar que, para ele, poderia ser pensado para o próximo ano. Em sua obra Pedagogia da Esperança (1992), Freire, patrono da Educação Brasileira, cita que "? É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo."

ALINE CUSTÓDIO

31 DE DEZEMBRO DE 2021
ANO-NOVO

Especialistas veem "razão" para a escolha

Psicanalista e escritor, Mario Corso faz questão de dizer que gosta da palavra esperança e salienta que os brasileiros têm razão em pensar nela como símbolo para 2022 depois de quase dois anos depressivos, como ele mesmo define.

- A vontade de viver se mistura com o que seja esperança, na falta de um conceito melhor. Não brigaria com esta palavra. A pandemia transformou a vida em algo difícil. Foram dois anos em que perdemos pessoas, empregos, negócios, amores, vínculos, empobrecemos no sentido econômico e nos laços de situações que não vivemos, encontros que não tivemos e festas que não aconteceram. Então, quando não temos nada, nos agarramos nesta força vital chamada esperança - afirma Corso.

Mesma perspectiva tem o psicólogo Fernando Elias José, especialista em psicologia cognitivo-comportamental. Para ele, esperança traz estímulo e perspectiva à vida, mas não pode ser de forma passiva.

- A esperança é capaz, sim, de mover o ser humano. Mas o indivíduo precisa agir, sem ficar esperando acontecer - completa.

A marca do brasileiro é a esperança, resume Samantha Sittart, especialista em psicoterapia psicanalítica e membro do grupo de pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental.

- Nesse finalzinho de ano, acompanhei uma fala recorrente dos pacientes "espero que em breve possamos nos ver de novo sem as máscaras! Não vejo a hora!". Isso já demonstra um sopro de esperança de dias melhores, de um amanhã que possamos vislumbrar a nossa maior riqueza que é a nossa liberdade - argumenta.

Tanto Corso quanto Samantha fazem questão de alertar sobre a importância de se ter esperança, mas sem viver apenas de planos e promessas.

- A esperança não é enganosa. Enganoso é o discurso que se usa disfarçado de esperança para construir uma promessa - destaca Corso.

- Precisamos nos responsabilizar por nossas atitudes e não apenas terceirizar ao outro, ao próximo, ao adversário político, a Deus e ao Universo. Precisamos ser pessoas responsáveis por nossas atitudes - completa Samantha.

Questionados sobre qual palavra gostariam de destacar para 2022, Corso foi o único a citar esperança. Dunker e Tombini reforçaram esperançar. O psiquiatra gaúcho ainda citou saúde, principalmente relacionada à busca pela saúde mental. Elias José escolheu fé, não ligada à religião, mas sugerindo que as pessoas voltem a acreditar na vida de uma forma geral. E Samantha lembrou de amor, defendendo ser este o ponto de partida para nos tornarmos pessoas mais respeitosas e tolerantes às diferenças: amar a si mesmo para amar o próximo.


31 DE DEZEMBRO DE 2021
LITERATURA

Adeus a Lya Luft

Escritora gaúcha morre aos 83 anos, deixando mais de 30 livros, como ?As Parceiras? e ?Perdas & Ganhos?, e uma legião de admiradores

Considerada uma das mais importantes escritoras contemporâneas, a gaúcha Lya Luft morreu nesta quinta-feira, aos 83 anos, em casa, em Porto Alegre, durante o sono. Ela deixa o marido, o engenheiro de transportes Vicente de Britto Pereira, os filhos Susana e Eduardo, professor de Filosofia, e sete netos e netas. Também foi mãe de André, engenheiro agrônomo, falecido em 2017.

Natural de Santa Cruz do Sul, a autora tinha sido diagnosticada com um melanoma - agressivo câncer de pele - havia sete meses (antes, em 2019, teve de passar por uma angioplastia de urgência, após sofrer um infarto agudo do miocárdio). Quando a doença foi descoberta, já estava em estado metastático, disseminada pelo organismo. A romancista, contista, poeta e cronista passou por tratamento e chegou a ser internada algumas vezes no Hospital Moinhos de Vento, na Capital. De acordo com o oncologista Guilherme Geib, um dos médicos que a acompanharam desde junho, Lya foi submetida a imunoterapia (quando o sistema imunológico é fortalecido para combater o câncer), cirurgias e radioterapia. Recebeu a última alta no dia 21 de dezembro. Desejava morrer em seu apartamento.

Vizinha de porta da mãe, a filha Susana Luft, médica pediatra, comentou:

- Uma pessoa iluminada, feliz, alegre, apaixonada pelos netos. Tudo o que pôde ensinar de amor e companheirismo ela ensinou. Era uma "galinha choca", voltada para a família, muito calorosa e amorosa. Para nós, ela foi o ideal. Sempre foi muito amada. Para as letras, nem preciso dizer.

Gnomos

Colunista de GZH e dona de uma obra premiada que conta com 31 títulos, Lya Luft transitou por vários gêneros: romances, poemas, contos, crônicas, ensaios, infantil, livro de memórias. Sempre com uma imaginação fértil, de quem via gnomos na infância - e, de certo modo, não os deixou no passado.

- Eu era uma criança de muita imaginação. Não tinha um amigo imaginário, mas uma família inteira, todos pequeninhos. Sentava no peitoril da janela no meu quarto e conversava com eles. Todos de verde, com gorrinhos. Provavelmente, tirei essa imagem de um livro. Mas, para mim, eram reais - contou em entrevista concedida às vésperas dos 80 anos.

Mais recentemente, em uma coluna em GZH, Lya juntou as memórias da infância ao tema da finitude: "Não quero brincar de morrer, como em criança fazia, me deitava na cama, no assoalho, tentando ficar assim por um pouco de tempo que fosse: não conseguia muita coisa. Achava morrer muito ameaçador, e se nunca mais eu conseguir acordar desse sono maluco? Melhor pegar um dos meus amados livros, e entrar naquelas histórias".

A sua visão singular do mundo lhe deu as munições necessárias para carregar os seus livros com personagens complexos, densos, melancólicos e divertidos. Daqueles que surgem apenas de mentes que não têm medo de viajar e, durante estes passeios pelo terreno da imaginação, colher saborosos frutos que formam seres humanos únicos. Mesmo que eles estejam restritos às páginas de um livro.

CARLOS REDEL LARISSA ROSO

31 DE DEZEMBRO DE 2021
+ ECONOMIA

Pássaro? Avião? Não, é um superávit

É tão raro ver resultado positivo na contas públicas no Brasil que é preciso olhar duas vezes para ver se é verdade. O Banco Central (BC) anunciou superávit primário de R$ 15,034 bilhões em novembro do chamado "setor público consolidado" (governo central, Estados, municípios e estatais, com exceção de Petrobras e Eletrobras). Foi o melhor resultado para o mês desde 2013, quando chegou a R$ 29,745 bilhões. A maior contribuição veio de Estados e municípios, de R$ 11,743 bilhões.

Para lembrar, superávit primário ocorre quando, depois de pagas todas as despesas, sobra um pouquinho para amortizar a dívida pública. Por isso, é "primário", por não incluir os custos do endividamento. É um conceito ardiloso, porque induz a pensar em "sobra", quando só diminui um grão de um rombo gigante.

No orçamento de 2022, só a despesa com a dívida federal é de R$ 1,88 trilhão, 39,8% do total de R$ 4,72 trilhões. O secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, diz que é possível fechar 2021 com superávit, mas só se saberá em janeiro. É um resultado excepcional em vários sentidos, inclusive o estrito: um ponto fora da curva.

Às 10h do dia 1º de janeiro de 2022, abrem-se as portas do novo McDonald?s da Capital, no bairro Alto Petrópolis. Na Avenida Protásio Alves, 7.005, a unidade funcionará todos os dias, das 10h às 23h, no balcão e no drive-thru, além do serviço de entrega, o McDelivery.

Tem 300 m2 de área e capacidade para 86 pessoas. Com esse acréscimo, a rede passa a ter 53 unidades no RS. Foram gerados cerca de 50 empregos diretos, incluindo 10 oportunidades de primeiro emprego, duas vagas para pessoas com deficiência e dois aprendizes.

A operação já nasce nas regras do McProtegidos, iniciativa da rede aplicada no Brasil para conscientizar sobre o respeito ao distanciamento social, além de reforçar medidas de higiene para garantir ambien­te seguro. Tem placas de acrílico nos balcões e no drive-thru, além de dispensers de álcool ge e funcionários mascarados, no bom sentido.

+ ECONOMIA

31 DE DEZEMBRO DE 2021
EDUARDO BUENO

Ano novo, vida velha 

Entra ano, sai ano, é sempre a mesma conversa mole: a hora das previsões.

Então sem mais delongas, de turbante na cabeça e bola de cristal na mesa, vamos a elas. Prevejo um ano turbulento, com eleições polarizadas num país dividido, inquietação nos quartéis, artistas revoltosos, muita gente celebrando a Independência e o Brasil disputando a Copa. Prevejo ainda uma enxurrada de fake news, seguida pela vitória dum presidente odiado por muitos. E evidentemente, prevejo um terremoto.

Um terremoto? Sim, e digo mais: um terremoto real, não metafórico. Mas deixo isso para o fim, embora tudo indique que será no começo.

Com relação às eleições, afirmo que um ex-presidente popular e populista enfrentará o candidato conservador e retrógrado. Fake news vão abalar o pleito - em especial após serem confirmadas por peritos, apesar de serem mesmo falsas. O turbilhão se refletirá nos quartéis e militares sairão às ruas para tentar um golpe. Ele será abortado com sangue. Já a Copa será disputadíssima, mas o Brasil vai sair campeão - graças, é claro, à escandalosa ajuda dos juízes. Um escritor famoso vai se irritar com a fortuna paga aos boleiros e detonará a seleção. Artistas farão um grande festival e o aniversário da Independência emocionará os patriotas.

Bom, é (ou foi) assim: o populista Nilo Peçanha, que fora o primeiro (e até hoje único) negro a presidir o Brasil, enfrentou o conservador Arthur Bernardes nas eleições de 1922. Perdeu, embora Bernardes fosse odiado pelo povo. Indignados com cartas (falsas) em que Bernardes atacava os militares, 18 deles tentaram um golpe. Eram os 18 do Forte. Quatorze foram mortos. O Brasil ganhou a Copa Sul-Americana só porque os juízes roubaram a seu favor e o escritor Lima Barreto se indignou com o prêmio pago aos jogadores. A Semana de Arte Moderna mudou a história da cultura no Brasil, mas não chegou aos pés da Exposição Internacional do Centenário da Independência, que estremeceu o Rio de Janeiro.

Ah, por falar nisso, terremoto com mais de cinco graus na escala Richter estremeceu São Paulo em 27 de janeiro de 1922. Entra ano, sai ano, é a mesma conversa mole pois povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la. Estou só esperando o terremoto.

EDUARDO BUENO
31 DE DEZEMBRO DE 2021
INFORME ESPECIAL

O amor 

Todas as noites, é o mesmo ritual. Depois do banho e da última mamada da Maya, fico 20 minutos com ela no colo, para ajudar na digestão. O apartamento está escuro e quieto, porque é importante ensinar aos bebês a diferença entre o dia e a noite. Então a Jaqueline me passa a Maya, já mais pra lá do que cá, depois do esforço da sucção e com a barriguinha cheia de leite. Me ponho a caminhar pela sala, sentindo o corpinho dela amolecer, encostado no meu. Esses 20 minutos se transformaram em um dos melhores momentos do meu dia. Tenho ideias, projeto o futuro, penso no que fiz e no que faltou fazer. De um jeito calmo, terno e protetor. Largo a Maya no berço e sinto então o meu próprio cansaço. Vou dormir leve, feliz, completo.

Com mais de 400 startups, Porto Alegre avança como polo de inovação

Cidade, que em março comemora 250 anos com uma feira internacional voltada à nova economia, abriga um ambiente em aceleração, com ideias, produtos e serviços. São modelos de negócios sendo explorados em empresas embrionárias, hubs temáticos e parques tecnológicos. O desafio é formar mais pessoas para atuar neste mercado em expansão. | caderno Doc

Um livro ainda não escrito 

Vai entender. A que eu cuidava, murchou. A que eu esqueci, cresceu.

Duas plantas tiveram trajetórias apostas durante o ano aqui no meu apartamento. A primeira estava em uma estante. Todos os dias eu passava por ela, olhava, dava oi e tirava as folhas secas. Regava duas vezes por semana. Tudo ia bem até que, em novembro, subitamente, ela secou. Do nada. Tentei mudar de lugar, regar mais, regar menos.

Não adiantou.

Faz algum tempo ganhei uma planta com flores, dessas que se compra no supermercado, em um vaso de plástico. Cumprindo um ciclo curto, as flores murcharam, as hastes secaram, as folhas caíram. Cortei tudo e depositei o vaso, só com terra, dentro de um deck de madeira, sem luz e sem água. Minha ideia era, quem sabe, usá-lo no futuro para uma nova muda. Botei lá e esqueci.

Meses depois , em novembro, durante uma faxina, abri a porta na parte inferior do deck e deparei com três grandes caules verdes, que nasceram apenas com as réstias de sol e de chuva que escorriam pelas frestas estreitas da madeira. Agora, tenho três flores lindas, sem que eu nada tenha feito para isso. Parece nome de livro: As Flores do Esquecimento. Um dia, ainda vou escrever. Acho até que já comecei.

sábado, 25 de dezembro de 2021


25 DE DEZEMBRO DE 2021
LYA LUFT

Essas datas

Nessas datas como Natal, virada de ano e outras, muitos têm olhos mais brilhantes e se sentem mais contentes - ou porque sua crença religiosa lhes confere isso, ou porque vão reunir pessoas amadas, talvez a família ou parte dela que esteja acessível, porque vão dar uma lembrança especial ao seu amor, ou simplesmente porque não dá para viver sempre angustiado.

Nessas datas, eu às vezes decido não escrever sobre elas. Mas acabo escrevendo. Bobagem minha, porque sempre há o que partilhar, ainda que sejam dúvidas. Por que, por exemplo, considerar datas especiais como farsa porque às vezes aproximam pessoas que nem se gostam, ou desculpam em tantas o frenesi do consumo que as deixa endividadas por todo o ano seguinte? Essas datas não precisam ser festivais de consumismo, especialmente nesta fase de empobrecimento de quase todo mundo. Mesmo quem há alguns meses podia viver sem preocupação (desde que não cometesse excentricidades), é hora de calcular, encolher, recolher grandes impulsos. Passamos dos generosos presentes, dados e recebidos, às "lembranças" - não menos amorosas, pois revelam: "Não posso mais tanto, mas ainda posso te mostrar, lembrar o quanto és especial para mim".

Essas datas podem ser aprendizado de economia e de afeto. Aprendemos no bolso e no coração que dinheiro não é tudo. É importante fator de segurança, dignidade e liberdade, mas tudo bastante relativo: não nos confere nenhuma nobreza, nem direitos, nem grandeza, nem, menos ainda, isso que chamamos felicidade. Acredito que muitas pessoas bem modestas têm mais chance de se sentirem amadas, acompanhadas, contentes: porque a união as mantém de pé, porque a proximidade, que de um lado propicia mais conflitos, de outro garante abraço e escuta ou um prato de comida compartilhado.

Talvez as épocas de mais penúria sejam boas para nos ajudar a reavaliar isso que chamamos "valores", palavra que tantos pronunciam de boca cheia e coração vazio, cabeça mais ainda. O que mais vale? O carrão novo ou o filho encaminhado na vida, decente e ainda entusiasmado? O resort nas Bahamas ou poder pagar as prestações da casa modesta mas nossa, e aconchegante? Ganhar na Mega Sena ou recuperar a saúde que parecia perdida? Reencontrar o amigo que se afastou (e nem sabemos por que), ver emoção brilhando nos olhos das pessoas queridas, só porque estamos juntos, esquecendo por algumas horas as rivalidades, as infantilidades, os mal-entendidos e os desentendimentos - e por que afinalainda estamos aqui, firmes e atentos?

Gosto dessas datas que muitos dizem detestar: aquele telefonema, aquele recado na internet, aquela visita inesperada, aquela boa conversa frente a frente, lado a lado (se filhos ou netos, parece que ontem ainda estavam em nosso colo, mas passam o braço em nossos ombros, nós menores que ele ou ela). Se parceiro ou parceira, renova-se o calor de um afeto talvez antigo.

Essas datas são ainda mais especiais em tempos preocupantes aqui e pelo mundo. Que o Natal nos dê conforto, calor na alma, renovadas risadas, conversas jogadas fora, simples alegria de escutarmos nossas mútuas vozes, e olharmos nos olhos uns dos outros - ou, para quem estiver muito, muito longe, esse telefonema em que se brinca, pra disfarçar na voz a mal contida emoção.

Esse texto foi originalmente publicado na edição de 24/25 de dezembro de 2016

LYA LUFT

25 DE DEZEMBRO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Duas horas de presente

Ganhei duas horas memoráveis de presente de Natal. Numa noite da semana passada, exausta pelas atividades do dia e pela pressa que caracteriza essa época de festividades, me sentei em frente à tevê e escolhi para assistir, no cardápio da Netflix, ao novo filme do italiano Paolo Sorrentino, A Mão de Deus. Não imaginava que estava abrindo o melhor pacote que poderia ser deixado embaixo da minha árvore.

É o que chamo de timing perfeito. No encerramento de mais um ano tenso e difícil, nos chega esse convite para pisar nas nuvens. Sorrentino, de A Grande Beleza, nos presenteia com outra epifania, um filme que se inicia excêntrico e imprevisível, até que, aos poucos, começa a tocar no divino. É a história de Fabietto, jovem de 17 anos que está prestes a realizar um sonho: ver seu ídolo Maradona jogar no Napoli, o time da sua cidade. Mas a vida lhe reserva ainda outra surpresa, um forte empurrão para que se despeça da sua inocência.

Parece um roteiro como qualquer outro, mas quem está no comando não é qualquer diretor. Sorrentino dá uma aula sobre seu ofício. Posiciona a câmera de modo a extrair ângulos incomuns e confirma a máxima felliniana de que o cinema não precisa servir para nada, a não ser para nos distrair da realidade. E assim somos arrebatados pelo extremo fascínio de suas imagens e flutuamos em outra dimensão, pra longe da vulgaridade dos julgamentos.

Por duas horas, esquecemos do mundo politicamente correto, das disputas entre o certo e o errado, da obrigatoriedade de tudo ter que fazer sentido. O absurdo vem buscar seu lugar de fala. O racionalismo cede lugar ao sensorial. A fantasia conquista o pódio máximo da realização humana. Nápoles, aquela cidade caótica, suja e barulhenta que costumamos ver em enquadramentos realistas, torna-se uma joia neoclássica, uma metrópole cintilante. Até um engarrafamento no trânsito apresenta-se em majestosa organização.

Sorrentino eleva o status das caricaturas, abençoa as alegorias e impede nosso abatimento - é proibido ficar entediado. Não há uma única tomada que não seja gloriosa, mesmo as breves. É noite. Numa rodovia à beira-mar, um carro com urgência para chegar em um hospital vai ultrapassando os outros, num balé de faróis, sombras e movimento ritmado. E uma cena qualquer se torna "a" cena.

Que filme bem-vindo depois de uma pandemia que colocou a todos de joelhos diante da crueza dos fatos e da vida. É como se a mão de Deus nos tirasse do meio dessa bagunça e nos jogasse em outro plano. Uma experiência cinematográfica formidável. Se antes eu era admiradora, me tornei devota de Sorrentino, e devoção me parece uma palavra adequada ao final de mais um dezembro.

MARTHA MEDEIROS

25 DE DEZEMBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Alvejante no Natal

Pensando em como escrever uma coluna de Natal otimista para os queridos leitores que me acompanharam neste ano, lembrei de uma cena que aconteceu depois da peça BR Trans, no Theatro São Pedro. Em um churrasco de comemoração com a equipe, o ator Silvero Pereira, acompanhado ao violão pelo músico Rafael Erê, cantou uma música que nunca mais me saiu da cabeça: Alvejante.

Sim, Alvejante. Este é o título.

Faz pouco tempo que perdi o preconceito - não totalmente - com a música de sofrência. Ouvindo e lendo aqui e ali, fui conhecendo alguns artistas e aprendendo os compositores. Combinou com as minhas próprias sofrências em 2021, e olha que eu estou na lista dos que pouco sofreram, em comparação com a maioria absoluta dos brasileiros.

Ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer. De repente os versos da cantora Marília Mendonça serviram não só como trilha para a tragédia da morte dela, mas para a tragédia do país. Ops, eu falei que seria uma coluna otimista. Voltemos a ela.

Alvejante, a canção, é um típico exemplar do brega pernambucano, gênero que acaba de ser considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Recife. No âmbito nacional, a Câmara dos Deputados reconheceu o funk como manifestação popular digna de proteção do poder público, ou seja, não dá mais para uns e outros entrarem chutando todo mundo no baile para acabar com a festa. Nessas de considerar a música característica de um lugar como patrimônio cultural, os gaúchos não estão um tanto atrasados?

Alvejante, composição de Priscila Senna cantada por ela e Zé Vaqueiro, fala de um amor que terminou só para uma das partes. Para a outra, restou o abandono, que a Priscila canta sem os lugares-comuns do gênero - e um sentimento que chega a doer.

Cê não avisou pro meu coração

Que tava passando só de visita

Que o lance ia ser passageiro

Que o a ver navio cairia perfeito pra mim

"Que o a ver navio cairia perfeito pra mim." Pessoalmente, ela já me conquistou aí. Mas então vem o refrão.

Lavei a roupa de cama

Mas o infeliz do teu cheiro tá entranhado em mim

Dei geral na casa toda, e do coração esqueci

Fui no supermercado comprar alvejante, que o meu acabou

Mas o material de limpeza limpa a sujeira, não limpa amor

Tem aquele eterno embate sobre letra de música ser ou não poesia, e eu me considero ignorante o bastante para não ser capaz de opinar - obrigada, Gloria Pires, por libertar os que não sabem de fingir que sabem. Mas desde que a Priscila Senna fez esses versos com alvejante, supermercado e material de limpeza, ela passou a ser uma das minhas poetas preferidas. Olha ela aqui com sua voz maravilhosa de cantora de brega, de fado, de bolero, de amor: youtube.com/c/PriscilaSennaAMusa.

O que tudo isso tem a ver com o Natal? Eu desejo aos meus queridos leitores que a gente consiga ver poesia em tudo, até na uva-passa. É um jeito de deixar a vida mais leve, embora todas as dificuldades. E também desejo que a terceira dose da vacina, apesar das variantes que devem continuar aparecendo, traga a saúde de que a gente tanto precisa.

Feliz Natal.

CLAUDIA TAJES

25 DE DEZEMBRO DE 2021
LEANDRO KARNAL

Gosto de temas elevados e dramáticos: ascensão e queda de impérios, o sentido da existência, o choque entre civilização e impulsos. Porém, na metade de dezembro de um ano complicado, permito-me descer um pouco e fazer uma reflexão densa a partir de um recorte trivial: o ponto das bananas.

A banana é presente na dieta de quase todo o planeta. É fruta fácil, nutritiva e auto-higienizada. Compare-se com a sofisticada romã que, para oferecer seus benefícios, exige habilidade extrema do candidato a comê-la. O sabor intenso do abacaxi não se revela de forma automática. O coco tem duras barreiras alfandegárias. Nosso brasileiríssimo pequi pode ser risco médico sem instrução prévia sobre espinhos. A banana é generosa e fácil. Em dose individual, sacia o apetite de um ser humano. E basta! Mais, ela vem em cachos, fraciona-se em pencas, serve-se esmagada ou in natura. Faz bolos maravilhosos e doces tradicionais. Orna a cabeça de Carmen Miranda e, com alguma calúnia, caracteriza repúblicas onde tudo se revolve com maracutaias. Algo barato? Preço de banana! Permite até saber a idade: se brincar com a cena de alguém comendo com prazer a forma sugestiva da banana, é, com certeza, um tiozão! A banana é nossa! A banana é agro! A banana é pop!

A banana tem um defeito, contudo. Ter uma banana madura por dia é ato de estrategista avançado. Você precisa avaliar o produto no súper ou na feira. Muito verde? Demorará alguns dias. Tem uma técnica: embrulhar no jornal, mas ter um jornal em casa é sinal de certa maturidade, não da banana, mas do leitor do jornal. Sempre há o risco: todas amadurecerem juntas. A banana compartilha com a jaca o dia exato e único em que amadurece: comer um dia antes é desagradável e esperar um pouco mais atrairá as famosas drosófilas, as mosquinhas que pairam sobre o que é podre ou que está prestes a abandonar o mundo dos vivos. Jaca verde trava até imaginação. Banana verde, ao menos, tem a possibilidade da fritura, especialmente a chamada "banana-da-terra". Ter uma banana em ponto de uso na sua cozinha é para profissionais, ou para quem se dispõe a ir mais de uma vez por semana ao mercado ou feira.

Para piorar: filhos e netos podem querer comer duas, ou nenhuma, e seu delicado equilíbrio familiar desaba vergonhosamente. Chega o dia em que seu rebento, ansioso e faminto, faz o pedido trivial, rasteiro, de uma banana. O medo de toda mãe e de todo pai: "Filho, acabaram-se as bananas". Então, o infante olha com cara recriminadora, identificando sua falha na gestão doméstica. Que desastre, e, pior, em um país tropical! Você se sente, literalmente, um banana...

Há mais de 30 anos, entrando em um supermercado de São Paulo pela primeira vez, perguntei a uma atendente onde eu encontrava a banana-caturra. A moça me olhou com estranheza. Era um regionalismo gauchesco. Como adivinhar que a banana grande, no Sudeste, seria banana-nanica? Que contradição!

Por fim, a banana é solidária na escassez. Você está desprovido de recursos. Seu refrigerador tem uma água e um pote já vencido de margarina. Tem uma banana, única, um pouco passada, mas ainda não fatal ou tóxica. Você pode descobrir um pote antigo de canela, um mel talvez (mas serve um açúcar comum ou mascavo), e colocar a sobrevivente da austeridade em um prato no micro-ondas, cortá-la ao meio e, com uma pulverização da especiaria que moveu os portugueses e uma nuvem doce, surgirá uma sobremesa consoladora. Acrescentando um queijo (mas daí já seria só no dia de pagamento) surge um doce intitulado Cartola. Sobraram umas três bananas e você tem açúcar mascavo? Esmague as frutas e acrescente igual quantidade de açúcar. Leve ao fogo até desgrudar um pouco do fundo. Uma bananada saudável e um amparo para você escapar da tristeza das vacas magras. A banana é popular!

Minha avó fazia cuca de banana. Além de incorporadas à massa, algumas eram cortadas sobre o prato e cozinhavam com a farofa crocante de açúcar e de canela. O cheiro evoca minha infância. Mais velho, conheci banofe e se tornou um dos meus pratos preferidos. Um doce de banana acompanhado de um sorvete de gengibre ou canela parece ser uma ambrosia do Olimpo. Banana e aveia? Nutricionistas batem palmas até com os pés. A casca, poucos sabem, tem muitas utilidades culinárias. Apenas devemos evitar... escorregar nela. À milanesa, ela acompanha filé à cubana, aquele prato maravilhoso de quem não quer longevidade ou os cansaços da terceira idade. Não encontrei filé à cubana na ilha homônima. Deve ser o bloqueio ianque. Para ser sincero, também não encontrei filé à milanesa na capital da Lombardia. Milão é sofisticada demais para essas coisas comuns fritas.

Virtude final da fruta: seu nome é escrito igual em quase todas as línguas, até em alemão! Se a vida te der uma banana, vingue-se e esmague duas com mel e canela, salpique flocos de aveia e seja feliz.

Assim, minha querida leitora e meu estimado leitor, percorremos um pouco do tema trivial e maravilhoso da banana. Preferia temas filosóficos e geopolíticos? Já voltarei a eles. Tenha sempre esperança e bananas em casa.

P.S.: Registro minha gratidão eterna a Fabiana que, de forma diligente, garante as bananas da casa. No ponto!

LEANDRO KARNAL

25 DE DEZEMBRO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

SUS REVOLUCIONOU SAÚDE BRASILEIRA, MESMO COM MÁ GESTÃO E POUCO DINHEIRO

Na abertura da Olimpíada de Londres, os britânicos colocaram três letras no centro do gramado: NHS. Referiam-se ao National Health Service, orgulho maior do país. Imagine as críticas, prezada leitora, se tivéssemos feito o mesmo: SUS, no meio do campo naquele espetáculo que foi a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro.

O SUS é a instituição mais vilipendiada da vida brasileira. Só fizemos alguma ideia da sua importância quando nos demos conta de que sem ele a pandemia teria causado uma tragédia ainda mais devastadora.

O NHS, entretanto, é um sistema pequeno comparado ao SUS. É bem mais fácil organizar a saúde num país com 67 milhões de habitantes, dono de um império colonial até ontem, com um dos níveis educacionais mais altos do mundo e renda per capita quase quatro vezes superior à nossa. Quero ver é levar a saúde para 213 milhões de pessoas, das quais, segundo o IBGE, 52 milhões são pobres e 13 milhões vivem abaixo da linha da pobreza, espalhadas por um território de dimensão continental, com desigualdades de renda abissais. Se somarmos os brasileiros pobres com os que estão na miséria, chegamos à população do Reino Unido.

Digo essas coisas, prezada leitora, por causa de uma reportagem que li no jornal The Guardian, cujo título é "Quase 6 milhões de pessoas estão na lista de espera por tratamento hospitalar na Inglaterra".

A lista de espera por tratamentos não urgentes inclui cirurgias de joelhos, próteses de fêmur, cataratas e muitas outras. Em outubro último, havia 5.975.216 pessoas na fila, portanto um em cada dez cidadãos do Reino Unido.

Segundo a Constituição do NHS, não menos do que 92% dos pacientes devem ser hospitalizados no máximo em 18 semanas, contadas a partir do dia em que o médico generalista pediu a internação. No entanto, 34% (mais de 2 milhões) continuam à espera além desse prazo. Pior, 312 mil aguardam vaga há mais de um ano. Os trabalhistas acusam o governo conservador de erros administrativos na condução do NHS, que teria entrado na pandemia já com déficit de 100 mil profissionais nos serviços de saúde e 112 mil na assistência social.

Associações que reúnem médicos, enfermeiras e gestores têm alertado que a segurança dos pacientes está em perigo. O Royal College of Emergency Medicine estima que ocorram 6.000 mortes anuais por atendimento inadequado, nos serviços de emergência superlotados. O número de pessoas obrigadas a aguardar mais de 12 horas para conseguir um leito nas emergências ultrapassa 10 mil.

Caro leitor, não apresento esses dados para desmerecer o sistema britânico, um dos melhores do mundo, que foi implementado há mais de 70 anos, mas para mostrar como é difícil oferecer assistência hospitalar universal.

O Brasil dispõe de cerca de 500 mil leitos. No SUS, há dois leitos para cada mil habitantes; número que chega a 3,5 na Saúde Suplementar. Como a Organização Mundial da Saúde considera três leitos por mil habitantes o mínimo necessário, os técnicos calculam que faltam cerca de 150 mil leitos ao sistema público, enquanto sobram vagas nos hospitais particulares.

Internações custam caro e afastam os doentes dos familiares e da comunidade. A tendência moderna é a de investir na atenção primária, para evitar que as pessoas adoeçam e oferecer tratamento domiciliar para as que necessitarem. O Brasil tem um dos programas de atenção primária mais elogiados do mundo: o Estratégia Saúde da Família, com mais de 42 mil equipes formadas por até 12 agentes de saúde, um auxiliar de enfermagem, um enfermeiro, um médico, um dentista ou técnico em saúde bucal.

Cerca de dois terços da população recebem visitas mensais dos 265 mil agentes de saúde que atendem de casa em casa. Temos mais agentes espalhados pelo país do que soldados nas Forças Armadas. Esse contingente, em contato com as 43 mil Unidades Básicas de Saúde, tem diminuído e poderá reduzir ainda mais o número de hospitalizações, problema que até um país rico como a Inglaterra não consegue resolver.

Com apenas 33 anos de vida, o SUS é o maior programa de distribuição de renda do país, diante dele o Bolsa Família é uma pequena ajuda. É um sistema em construção que exige participação ativa de todos nós. Financiamento insuficiente, má gestão e problemas administrativos não lhe faltam, mas ele fez a maior revolução da história da medicina brasileira. Antes de xingá-lo, dobre a língua.

DRAUZIO VARELLA

25 DE DEZEMBRO DE 2021
REFLEXÃO

VAMOS FALAR SOBRE O NATAL?

COM TODOS OS ENCANTOS DE UMA FÁBULA, A CELEBRAÇÃO TAMBÉM CONSEGUE TRANSMITIR ÀS CRIANÇAS CONCEITOS IMPORTANTES DE FRATERNIDADE, CARINHO E DOAÇÃO

Qual a criança que não conta os dias para a chegada do Papai Noel? São momentos de ansiedade e alegria, que mexem com a fantasia de nossos filhos, netos, sobrinhos. E não é só por conta da alegria causada pelos presentes que o personagem nos traz nesta noite tão esperada.

Este será um Natal diferente, por todas as experiências afetivas que serão vividas depois da celebração de 2020, em que tivemos com o isolamento social das famílias e amigos por conta da pandemia. Quem de nós, adultos, crianças, pais ou educadores, não sentimos saudades daquele espírito alegre de Natal registrado em nossas infâncias?

Não há como negar que natais e finais de ano sempre tiveram um significado muito especial para crianças e adultos, demonstrando términos de ciclos e mudanças, expectativas para o novo, que está por vir e para ser vivido. Temos certeza de que nosso Natal de 2021 será cheio de significados especiais. Sobrevivemos a uma pandemia, perdemos amigos e familiares, fomos vacinados, precisamos nos recriar na forma de trabalhar, de ensinar, de aprender e estamos, aos poucos, retomando antigas rotinas e o prazer de reencontrar.

O Natal do ano passado não teve a magia da festa, das visitas do Papai Noel, das luzes e das cores pelas ruas da cidade. Estávamos reservados em nossas casas, com muitas dúvidas e medos frente a tudo que vivemos de forma tão perplexa.

Parece que estamos retomando mesmo, aos poucos vem o prazer de confraternizar e de viver um Natal mais seguro, que permite sonhar e entrar na magia a que esta data nos remete. Podemos alimentar expectativas e desejos frente a um novo momento, um novo tempo. Talvez um tempo em que os encontros, os espaços abertos, os amigos e os familiares sejam ainda mais valorizados.

Qual o papel do papai noel

Nossas crianças aprenderam a se relacionar de outra forma com o Papai Noel dos shoppings, com máscara, sem o beijo, sem o toque. Entregam cartinhas numa distância segura. Nasce uma outra forma de sonhar. A fantasia do Papai Noel segue permitindo que a criança habite por algum tempo um mundo mágico, onde conceitos sobre o bem e o mal, o certo e o errado são vividos e aprendidos de forma muito natural. Esse bom velhinho, no imaginário infantil, é aquele ser bondoso, que conhece cada criança e suas necessidades, traz o presente desejado para os que foram bons, traz a alegria e a recompensa de ter cumprido seus deveres durante o ano. Podemos estimular a imaginação dos nossos filhos na primeira infância, para que eles possam entender suas emoções e entender seu papel na sociedade e tornarem-se indivíduos que venham fazer a diferença.

A tão esperada noite de Natal, com todos os encantos de uma fábula, também consegue transmitir às crianças conceitos importantes de fraternidade, carinho, amor para a vida adulta e outros valores. Acredito, também, que não podemos perder o hábito de incluir nossas crianças na decoração e na desmontagem da árvore, permitindo fazer escolhas, exercitar a troca de opiniões e entender a passagem dos ciclos.

Convido a todos nós, adultos, que possamos reviver nossas lembranças e experiências natalinas com esta nova geração de crianças, vivendo situações de cuidado, respeito e amor, acrescidos de muita fantasia e ludicidade, contando histórias e situações que lembrem os valores de doação, aceitação, solidariedade e empatia que a pandemia tanto nos ensinou.

SOLANGE LOMPA TRUDA (*)