segunda-feira, 27 de março de 2023


27 DE MARÇO DE 2023
CARPINEJAR

Feliz aniversário, porto-alegrenses!

O porto-alegrense abraça seus conhecidos na rua como se estivesse assaltando. Tudo gritado. É um "eiiii", um "oiiiiii", um "olaaaá". Na verdade, ele rouba abraços para merecer o beijo. O porto-alegrense é fiel aos hábitos: escuta a rádio que os pais escutavam, assina o jornal que os pais assinavam, frequenta os restaurantes da infância.

O porto-alegrense odeia ser criticado por quem não é daqui. Acha que o desapontamento é porque o viajante não passeou direito pela cidade, ou não ficou tempo suficiente nela. O porto-alegrense tem roupas para todas as estações. Sobe e desce sacos do alto dos armários de acordo com a necessidade. Está preparado para o iglu ou para o caldeirão escaldante. O porto-alegrense dirá que dorme com o ar-condicionado ligado para espantar mosquitos.

O porto-alegrense não tem meio-termo. Ou o clima está muito frio, ou muito quente. Ou ele é muito amigo, ou muito inimigo. Não aceita neutralidade. Não admite ninguém em cima do muro, nem que seja no Muro da Mauá.

É necessário escolher: está do lado dele ou contra ele. Mas o silêncio é entendido como oposição. O porto-alegrense quer saber se irá chover para se sentir corajoso e dispensar o guarda-chuva. O porto-alegrense sempre suspeita que um carro passará por cima da poça d?água para encharcá-lo na parada de ônibus.

O porto-alegrense odeia piadas sobre o seu sotaque. Não tente fazer amizade imitando o "capaz" ou "tri legal". Ele ficará com ranço de você.

O porto-alegrense não é de fácil trato, porque unicamente demonstra que gosta de alguém implicando. Ele não elogia quando ama: sugere até que não foi com a cara da pessoa. É um teste de resistência do afeto. Pretende descobrir se a pessoa aguentará os seus defeitos e não irá embora no primeiro desentendimento. Sua estratégia é pegar no pé para estender a mão.

O porto-alegrense adora hinos. Canta o Hino Rio-Grandense de cor e salteado. Canta o hino de seu clube de cor e salteado. O porto-alegrense é teimoso. Mesmo quando você apresenta provas de que ele está errado, ele ainda argumentará que são fake news.

O porto-alegrense aprendeu a dar colo ao seu filho carregando a térmica na Redenção e na Usina do Gasômetro. Aliás, o porto-alegrense anda em dupla: um segura o mate e o outro, a térmica. O porto-alegrense jamais admitirá que não conhece algum local da sua cidade. Ele sempre diz que já foi para lá e depois vai atrás. O porto-alegrense percorre primeiro o Brique inteiro, da Osvaldo Aranha até a João Pessoa, e somente compra enfeites para a sua casa na volta.

O porto-alegrense é devoto das esquinas para colocar a conversa em dia. Ainda que chegue atrasado ao trabalho. O porto-alegrense jura que o Brasil é outro país. E que o Uruguai e a Argentina são nossos bairros.

O porto-alegrense não se enjoa da sua capital. Faz questão de receber turistas no aeroporto e na rodoviária e visitar os pontos turísticos de novo. O porto-alegrense cultiva esconderijos sociais para se esconder dos problemas, tem um bar predileto para chamar de seu.

O porto-alegrense é exagerado. Seu time é o melhor do mundo, sua capital é a melhor do mundo, sua carne é a melhor do mundo, seu pôr do sol é o mais bonito do mundo, o supermercado nativo é o mais organizado do mundo, o guaraná e a cerveja produzidos no Estado são os mais saborosos do mundo, o cachorro-quente é o mais gostoso do mundo, o bauru é único no mundo.

E não é que é mesmo?

CARPINEJAR

domingo, 26 de março de 2023


25 DE MARÇO DE 2023
MARÇO LILÁS

PREVENÇÃO AO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO

VACINAÇÃO, EXAMES E USO DE CAMISINHA PODEM EVITAR A DOENÇA

Consultas e exames ginecológicos preventivos acompanham as mulheres por toda a vida. Uma das ameaças mais conhecidas, tema da campanha de conscientização Março Lilás, é o câncer de colo de útero. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer, ligado ao Ministério da Saúde, é de que surjam 17 mil novos casos da doença no Brasil em 2023.

O colo do útero é a parte do útero que fica dentro da vagina (o restante se localiza na pelve). O câncer nessa região é provocado pela infecção persistente de alguns tipos de papilomavírus humano (HPV, a partir da sigla em inglês), capazes de infectar pele e mucosas. São mais de 200 tipos (cepas) de HPV, mas os oncogênicos, ou seja, aqueles que podem provocar câncer, restringem-se a 12. O HPV também pode causar tumores em outros locais, como vagina, vulva, ânus, pênis, orofaringe e boca.

A boa notícia é que se pode prevenir a doença. Disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2014, a vacina contra o HPV deve ser tomada por meninas e meninos de nove a 14 anos. Pacientes imunossuprimidos, com alguma deficiência no funcionamento do sistema de defesas do organismo, estão em faixa etária mais ampla para a imunização nos postos de saúde: de nove a 45 anos. Clínicas privadas também dispõem da vacina, e acaba de chegar à rede particular a dose nonavalente, contra nove tipos do vírus.

- Tem vários tipos de HPV, nem todos provocam câncer. E nem sempre a mulher que tem contato com o HPV terá câncer. Pode ter HPV e nunca ter câncer. Aí que vem a prevenção - explica Fernanda Niederauer Uratani, ginecologista e obstetra da Santa Casa de Porto Alegre e membro da diretoria da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do RS e da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia - Capítulo RS.

Geraldine Eltz de Lima, oncologista do Hospital São Lucas da PUCRS e do Grupo Oncoclínicas, complementa:

- Cerca de 80% das mulheres já tiveram contato com o HPV. Todo mundo na vida vai ter algum contato. Em casos rápidos, você contrai o HPV, o organismo o combate e você fica livre do vírus, sem saber. O homem tem menos sintomas, geralmente nenhum, e a mulher desenvolve verrugas.

Sintomas e tratamento

A ampla vacinação é fundamental, somada a outros dois pilares da prevenção: exames de rastreio e uso de camisinha. Nas consultas anuais ao ginecologista, as pacientes passam pela coleta do papanicolau, que localiza lesões pré-malignas.

- É possível tratar as lesões para que não virem câncer - aponta Fernanda.

O papanicolau deve ser feito a partir dos 25 anos e até os 65, anualmente. Se a paciente chegar a três resultados negativos consecutivos, a coleta pode ser feita a cada três anos. Mulheres imunocomprometidas devem manter o rastreio anual. A consulta de revisão ao ginecologista precisa ser mantida, mesmo com resultados negativos.

Se a biópsia das lesões no colo de útero indicar câncer, o ginecologista pode solicitar um check-up completo da paciente ou encaminhá-la para um oncologista. O objetivo é verificar se a doença se disseminou para outras partes do corpo. No caso de a doença estar em fase bem inicial, o ginecologista, se habilitado, pode fazer a retirada cirúrgica da porção comprometida.

Tudo dependerá de avaliação individual. Em geral, quando o câncer está um pouco maior, pode ser necessária a histerectomia, que é a retirada do útero. Se a paciente deseja ter filhos, tenta-se preservar o órgão, o que nem sempre é possível. Há também tratamento com radioterapia e quimioterapia.

Os sintomas variam conforme o estágio da doença. Em geral, lesões muito pequenas não apresentam sinais. Se houver algum, já é indício de que a doença avançou. O principal, diz Geraldine, é o sangramento vaginal, levando a paciente a acreditar que seu fluxo menstrual mudou. Também pode ocorrer secreção vaginal com muco e cheiro diferentes, além da presença de sangue. Outros possíveis sinais são sangramento ou dor durante a relação sexual, dor pélvica persistente ou recorrente.

 LARISSA ROSO


25 DE MARÇO DE 2023
LEANDRO KARNAL

Está na moda falar em um projeto pessoal. Seria uma decisão de cada um para um aperfeiçoamento e um salto estratégico adiante. Mesmo morando em um país tropical, vamos imaginar que entramos no outono bem definido (estação de maior recolhimento) e, em alguns lugares do país, diminuição gradativa da temperatura. Esta parte do ano é o momento ideal para um projeto de... leitura. Como veremos nesta breve crônica, um projeto é algo mais amplo do que a decisão boa de ler uma obra.

A Record lançou, em caixa elegante, quatro obras de Albert Camus: O Estrangeiro, A Peste, A Queda, O Mito de Sísifo. O argelino-francês é um dos maiores autores do século 20. Seu nome está associado ao existencialismo do seu amigo (e depois inimigo) Jean-Paul Sartre. Foi vencedor do Nobel de Literatura. Sua influência sobre o pensamento é enorme. Acho que não preciso mais fazer propaganda de Camus. Porém... e o projeto?

Ler um livro seminal como O Estrangeiro é uma excelente decisão. Curto, denso, é citado até em letra de rock do grupo The Cure: Killing an Arab. E... se você, além de ter conhecimento maior (lendo ou relendo) O Estrangeiro, decidisse encarar a tetralogia da caixa da Record? Isso daria uma visão mais densa e completa do autor e aumentaria, enormemente, seu repertório diante dos temas principais: liberdade, absurdo, sentido da vida. Quatro livros implicam, de fato, uma decisão-projeto.

Sim, um livro bom é um começo. Dois, do mesmo autor, são um avanço. Ler os mais densos de todos é, enfim, o projeto. Comece com o encarte excelente de Manuel da Costa Pinto. É texto cuidadoso e merecedor de visão atenta. Depois, o projeto segue com o prefácio do livro O Estrangeiro, do mesmo Manuel. Feito isso, surge o começo antológico da narrativa da personagem Mersault: "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ?Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.? Isso não esclarece nada, talvez tenha sido ontem" (tradução de Valerie Rumjanek). A frieza da narrativa na morte da mãe, como veremos, será decisiva no julgamento do caráter do protagonista. Se ele não chorou sequer no enterro da genitora, do que mais seria capaz?

Depois, pode seguir pela leitura d?A Queda. O "juiz-penitente" é menos debatido do que o romance anterior. A narrativa esconde belezas únicas. Seu projeto começou por um romance conhecido e foi a um menos famoso. Quanto tempo? Dois livros pequenos, talvez duas semanas ou um mês, dependendo da sua agenda.

Agora vem a ideia de projeto mesmo: você precisará de mais energia. Já conhecendo os dois romances, hora de encarar o mais volumoso: A Peste. Após (?) nossa pandemia, o texto ganhou novo significado. Como ficam os medos ancestrais de uma sociedade quando uma doença começa a dominar o cenário? A crise revela muito sobre aquela comunidade, como a covid trouxe nossas mazelas à luz do dia.

Recomendaria para o fim um texto lançado quase ao mesmo tempo d? O Estrangeiro... O Mito de Sísifo. Seu começo é conhecido: "Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio" (tradução de Ari Roitman). A partir do rei Sísifo e seu tormento no inferno, Camus faz uma reflexão extraordinária sobre a repetição das coisas, a monotonia e aquilo que Sartre tinha denominado um pouco antes: a náusea. Como encontrar forças para o cotidiano desgastante e sem sentido? Camus indica algumas respostas que podem ou não serem as suas.

Ao final dos livros, questões como o sentido da vida terão adquirido outro significado. Isso não é passar os olhos por textos, mas encarar de verdade um desafio. O prêmio do esforço? Você emergirá com outra consciência. Surgirão novas perguntas. Haverá um refinamento no seu olhar sobre as coisas se a leitura for cuidadosa.

Sempre achamos nosso momento mais difícil de todos. Camus nasceu quase ao mesmo tempo em que surgiu a Grande Guerra; cresceu como resistente ao avanço nazista na França e, por fim, acompanhou a polarização extrema (e violenta) causada pela guerra da sua Argélia natal contra a metrópole. Em números absolutos, cidadãos da primeira metade do século 20 viram mais horrores do que nós. Dessa fratura imensa, a filosofia e a literatura tiveram de dar uma resposta nova para os sentidos do humano, da liberdade e da vida.

Tudo o que escrevi diz respeito a ter um projeto (expressão bem ao gosto de Sartre). Livros que não serão cobrados em prova, que não serão condição para pagar os boletos do mês e que, apenas, redefinem nossa consciência. Se Camus não é sua praia, escolha outro ou outra. Que tal Raduan Nassar? Clarice Lispector? Yuval Harari? Chimamanda Ngozi Adichie? Orham Pamuk? Felicitas Hoppe? Annie Ernaux? Se você acha que as pessoas estão mais burras, é porque está lendo muito as mídias sociais, mas pouco os livros. O jardim dos que escrevem está florido, aguardando você colher algum prêmio. Chegou a hora!

Aprofunde-se, e o outono terá sido transformador. Ler muda sua estratégia no mundo. Conhecimento é poder. Ouse! Leia! Vamos "esperançar"!

LEANDRO KARNAL

25  DE MARÇO DE 2023
mONJA COEN

VOTO

Voto de votar, de ir às urnas e dar sua opinião, dar seu voto, sua confiança a um partido ou a uma pessoa, um pensamento administrativo, político, econômico, filosófico. Voto de compromisso, de fazer um voto pessoal ou coletivo, de se comprometer a uma causa, a um casamento, a uma relação, a uma parceria, uma sociedade, aos princípios e valores de uma empresa, de um grupo.

No casamento zen budista, peço aos noivos e noivas que escrevam juntos seus votos de casamento, seu compromisso. Não é apenas o voto de um para o outro, de uma pessoa para a outra pessoa. É o voto que fazem frente ao sagrado da existência.

Cada casal deve escrever seus votos, usando suas palavras e os propósitos em comum entre ambos. Assim devem ser os votos de casamento, escritos a quatro mãos, escritos juntos, naquilo que ambos concordam e podem se comprometer. Da mesma forma que um contrato social onde todos os sócios devem concordar.

Há também os votos religiosos, espirituais. Cada ordem religiosa, cada grupo espiritual tem seus princípios, seus códigos de honra. Comum a todos e todas é o compromisso de cada pessoa a se tornar os próprios ensinamentos da tradição a que se compromete a seguir. É transformar-se e ser um santo, uma santa, um/uma bodisatva, um/uma Buda: ser desperto, benéfico, sábio e compassivo, capaz de perceber suas próprias faltas e erros, arrepender-se e fazer o voto de retornar ao caminho correto, de se transformar, transmutar.

Os preceitos no budismo são as regras de conduta de comportamento pessoal, individual e social, coletivo. No Zen, há três regras de ouro, que se assemelham a de outras tradições espirituais: não fazer o mal; fazer o bem; fazer o bem a todos os seres.

Parecem repetitivas. Entretanto, são inclusivas e mais profundas em cada nível. A pessoa pode se comprometer a não fazer nada maléfico e ao mesmo tempo não se comprometer a fazer o bem. Pode se comprometer a fazer o bem para si mesmo e seus amigos e deixa de fazer para todos os seres. Percebe?

Não são apenas palavras bonitas. São reflexões profundas sobre o mal e o bem.

Honrar nossa ancestralidade inclui o respeito a nossos professores e professoras, aqueles que nos antecederam e nos apontaram o Caminho. Não apenas os mestres e as mestras do passado distante. No Japão, por exemplo, as únicas pessoas para quem os imperadores e as imperatrizes abaixam a cabeça são os professores. Sem eles, nada teríamos, nada seríamos.

Minha superiora no Mosteiro Feminino de Nagoya certa vez nos falou sobre os votos. Uma história simples, mais ou menos assim:

"Um grupo de pessoas está num barquinho atravessando um lago. De repente, notam que há um buraco no barco e a água começa a entrar e a subir. A pessoa que fez o voto de salvar, beneficiar todos os seres, junta as palmas das mãos e começa a tirar a água de dentro do barco. A mesma água que pode dar sustentação ao barquinho é aquela que pode afundar o barquinho. Uma pessoa que não faz votos nenhum pode se jogar na água e nadar até a margem, pode gritar e se desesperar, pode rezar apenas. A prece maior é a ação que beneficia todos e não apenas a salvação individual."

Você pode fazer, manter e restaurar seus votos de amor, de devoção, de respeito, de inclusão, de cuidado com a vida em suas múltiplas formas, de gratidão e harmonia aos que vieram antes de nós? Pense nisso. Renove seus votos.

Mãos em prece

MONJA COEN

25 DE MARÇO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL

MORALISTAS

A histórica ambição de poder e controle das religiões criou estruturas de comportamento e narrativa que persistem e modelam outros discursos aparentemente laicos e modernos, porém cativos de antiga síndrome ideológica típica das religiões e, mais ainda, de líderes religiosos. Trata-se de consagrar uma fonte de autoridade superior, geralmente no livro, no xamã ou em pacto teológico, para garantir o exercício de variados atos de poder. 

Nesses casos, passa-se a impor ao outro e à sociedade um parâmetro que se pretende superior e hegemônico e a querer controlar corpos e ideias, infundindo vergonha e culpa, mutilando ou matando quem discorda da norma moral que se quer impor. Será que moralistas conseguiriam se reconhecer nesse papel violador, e em sua relação com a mais tradicional forma de poder e controle, a religião, seus discursos e estratégias?

Uma das finalidades do discurso moralista é suprimir o debate para imprimir sua regra perfeita. Promotor(a) da heteronomia, a norma outorgada por outro, o(a) moralista repele a democracia, a dialética e a troca de opiniões e sensibilidades, necessárias para se construir um saber harmônico, visando o bem comum. Para moralistas, o saber está pronto, e deve-se controlar ou impedir o debate. 

Para isso, pode-se, naturalmente, usar as estratégias dramáticas do envergonhamento, chamar o outro de analfabeto, delinquente ou imoral, e, em casos extremos, fazer o divergente arder em brasas, como ocorreu com o sábio Giordano Bruno em 1600, no Campo dei Fiori, em Roma. Moralistas têm missão sagrada, ungida pela verdade, e autoindultam-se como heróis e heroínas virtuosos(as), em coro de apoio mútuo. Hereges que se calem, e a resposta nunca virá com argumentos, mas com reprimendas morais, ditas com autoridade doutoral.

As conquistas éticas substantivas são resultado do amadurecimento cultural, individual e coletivo, e decorrem de opções realizadas com autonomia. Desde o decálogo judaico e mesmo antes, líderes religiosos querem impor suas normas, baseados em prepotência patriarcal, com moralismo cerceador. Mais recentemente, desde os anos 1980, renovou-se o clamor por melhora ética da humanidade, superando-se preconceitos inadmissíveis quanto às identidades e opções de grupos expostos a violências vis. 

O movimento dito politicamente correto, deplorado pela direita conservadora, nada mais é do que mudança ética necessária e bela. Tão triste quanto o retrocesso dessas conquistas, que vimos na era fascista, é vermos hoje uma nova geração com clamor identitário, herdeira de lutas emancipatórias, equiparar-se aos censores reacionários, inimigos da liberdade, em estratégias moralistas patéticas e antidemocráticas. Ademais, todos podemos e devemos falar sobre as questões éticas, que são do interesse comum. A garantia do lugar de fala, legítima quando promove, é tirânica quando apregoa que se calem outras vozes e lugares.

Moralistas que se espelhem entre seus pares, censores e cafonas, e nós, democratas, conversemos todos com coragem e liberdade sobre tudo o que nos importa.

FRANCISCO MARSHALL

25 DE MARÇO DE 2023
CRISTINA BONORINO

SIGA O DINHEIRO

O governador atual do Estado da Flórida, Ron DeSantis, tem ficado famoso por promover uma agenda política antivacina e antiprogresso. Ele é hoje um dos favoritos do Partido Republicano para disputar a Presidência dos EUA na próxima eleição. Recentemente, ele discursou sobre uma lista que o Departamento de Educação da Flórida divulgou proibindo alguns livros da literatura americana nas escolas. Detalhe: a lista - feita pelo Departamento de Educação - tinha diversos erros de ortografia. Eles erraram ao escrever em inglês as palavras ?ninth" e "twelfth" (nono e décimo segundo). Não uma vez, mas todas as vezes que aparecem no texto.

O simbolismo e a ironia do fato não podem ser ignorados. E a conclusão óbvia é que não ler tem seus efeitos colaterais - que certamente se perpetuarão nas crianças educadas na Flórida.

Sempre falei que tudo o que fazemos tem implicações políticas, principalmente em educação e ciência, minhas áreas de atuação. Mas a politização desses temas ajuda a quem? Certamente não a você que precisa decidir em que escola colocar seu filho, ou a que pediatra levar. Quando a pessoa, seja ela um educador, um governador ou um médico, ignora ciência ou educação, esses efeitos adversos têm consequências tão ou mais graves do que qualquer medicamento. Quando um médico cita ou promove desinformação sobre vacinas, ele está não apenas se autopromovendo, mas perpetuando a ignorância que permite essa autopromoção.

Um médico que cita uma carta no Lancet como se fosse um estudo publicado no Lancet está mentindo. Uma carta é um comentário individual. O Lancet e outras revistas científicas publicam cartas para incentivar debates - essas cartas não são fatos. A produção e a interpretação de evidências cientificas é um longo, criterioso e dispendioso trabalho que não pode ser confundido com opinião. A Purdue Pharma, produtora do opioide Oxycontin, mentiu por anos citando um "estudo" do New England Journal of Medicine que diria que a droga não viciava. O "estudo" era um comentário de seis linhas, uma opinião pessoal. A empresa é hoje reconhecida como o epicentro da epidemia de opioides e pagou a maior multa da história das farmacêuticas, mais de US$ 600 milhões em reparações.

Que não trazem de volta as pessoas que morreram. Todas as evidências cientificas de anos de pesquisa mostram que, sim, opioide vicia. Mas a empresa só foi responsabilizada depois de promover muita desinformação - e ganhar mais de US$ 10 bilhões com a droga.

O ganho para quem faz desinformação nunca é "apenas" político. Não é direita versus esquerda. É quem ganha dinheiro com isso. Às custas de quem deixa de se educar por opção. Que fecha a porta para informação que levou anos para se solidificar, em razão de defender uma proposta que parece ser política. Antes de espalhar na rede social, siga o dinheiro.

CRISTINA BONORINO

Conteúdo distribuído por Gazeta do Povo Vozes

Cúmplices da bandidagem

O Brasil é um caso provavelmente único em matéria de injustiça deliberada, oficial e cada vez mais agressiva do Estado contra o cidadão. O Estado, em qualquer circunstância, só faz sentido se a sua atuação proteger a sociedade dos seus inimigos; se garantir que as pessoas não possam ser submetidas aos interesses e caprichos dos órgãos de governo nem de ninguém que queira suprimir os seus direitos.

Está acontecendo exatamente o contrário. O crime descontrolado e a cada dia mais violento no Brasil é hoje o fator que mais oprime o brasileiro comum ao lhe tirar a vida (41 mil homicídios em 2022), a integridade física e a propriedade. Mas o aparelho do Estado se dedica claramente, ano após ano, a servir aos interesses do crime de modo cada vez mais maligno - em vez de proteger, está punindo a sociedade brasileira.

O responsável direto por esta tragédia é o Congresso Nacional, que desde a Constituição de 1988 só aprova leis e regras que servem aos criminosos. Todas as vezes em que legisla sobre matéria penal neste país, o Congresso entrega mais privilégios, apoio e impunidade ao crime; em nenhum caso, aprovou uma única medida em favor da população.

Deputados e senadores abandonaram seu dever de legisladores - passaram a ser cúmplices da bandidagem e transformaram o Brasil no país onde o crime tem proteção da autoridade pública. Agem a serviço de advogados criminalistas de primeira linha, ONGs cuja função é defender os interesses do crime e tudo o que é descrito como "esquerda", dos "movimentos sociais" ao sindicato dos bispos. Só eles falam, influem e mandam; as causas da população não têm quem as represente no Congresso.

O último ataque aos direitos da sociedade é um projeto de lei, aprovado às pressas na Câmara, estabelecendo que "em todos os julgamentos em matéria penal em órgãos colegiados", a Justiça tem que beneficiar o criminoso caso haja empate na decisão. Que tal? É grosseiro. O projeto foi aprovado sem análise ou debate na Comissão de Justiça e sem contagem individual dos votos. O objetivo, ao que parece, é garantir a absolvição de ladrões de erário na "turma" do STF em que, a partir da aposentadoria de um ministro que só vota em favor de corrupto, poderia ocorrer empate nos julgamentos; se ocorrer, já está resolvido.

"O sistema pune a sociedade", afirmou o deputado Deltan Dallagnol ao denunciar o escândalo. Vai se tornando materialmente impossível no Brasil, de fato, condenar alguém que tenha dinheiro para se defender. O crime ganhou mais uma vez; continua ganhando todas.

J.R.GUZZO 



25 DE MARÇO DE 2023
INFORME ESPECIAL

O jeito de ser porto-alegrense

Se você é de outra cidade, cuidado. Não se atreva a mencionar os defeitos da capital gaúcha para um porto-alegrense "raiz". Há uma regra tácita intransponível do lado de cá do Guaíba: só os nativos estão autorizados a falar mal do "portinho", com muito orgulho.

Sim, porque se tem algo característico do porto-alegrense, esse ser único no mundo, é a autoestima elevada e o peito estufado, até na hora de criticar o lugar onde vive. Mais ainda se for para defender o seu chão, mesmo que ele seja todo esburacado.

Soa contraditório? Pois essa é a graça da coisa.

Ouse dizer que São Paulo é melhor. Ouse! Se o interlocutor for um porto-alegrense da gema, provavelmente ele vai arregalar os olhos e protestar com o dedo em riste. Cheio de razão, irá enunciar por longos minutos as qualidades inquestionáveis desta "mui leal e valerosa" trincheira ao sul do Brasil.

- Ibirapuera? Bah, tás de brincadeira! Melhor mesmo é a Redenção, tipo o Central Park, manja? - dirá o ser à sua frente, senhor de si, com a térmica no sovaco e a cuia na mão.

Esse é o porto-alegrense nato. Você nunca tem certeza se ele está falando sério ou de brincadeira. É um misto de soberba, rabugice e ironia fina, de quem também sabe rir de si mesmo. É divertido pacas. E é do contra sempre.

Quer dizer, quase sempre. Convide-o para comer um xis na Lancheira do Parque, uma salada de frutas com sorvete no Mercado Público ou um churrasco suculento no Barranco e veja só o que acontece. Ele não apenas aceitará o seu convite na hora, como irá exaltar tudo que há de bom na gastronomia local - e ainda irá arrastá-lo para uma saideira no Bar do Beto.

Ai de você, se ficar em dúvida. Vai por mim, melhor não contrariar?

Não, eu não nasci em Porto Alegre e sei perfeitamente que corro sérios riscos ao escrever essas mal traçadas linhas. O porto-alegrense aí do outro lado, com certeza, já torceu o nariz e está "tapado de nojo".

Mas eu tenho uma justificativa. Vivo na urbe há tanto tempo que já me tornei um deles. Sim, virei a casaca e posso provar: falo "néam", "tréass", "céava", "oárla", "parcããão", "ããhã" e conheço a Isabela Fogaça. Virei a Magra do Bonfa, versão feminina do inesquecível personagem de André Damasceno.

E é justamente por me considerar parte desse lugar tão singular que finalizo esta crônica desejando feliz 251 anos para nós, moradores desta Capital. Parabéns, Porto Alegre, por ser a melhor cidade do mundo. Quiçá, do universo.

Os livros de economia estão superados.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República, voltando a insistir que é preciso criar uma nova mentalidade sobre gestão pública.

Quando combatemos a corrupção, tentam nos matar com mentiras. Quando combatemos o crime organizado, tentam nos matar de verdade.

SERGIO MORO

Senador, após operação da Polícia Federal contra a maior facção criminosa do país, que tinha plano para matá-lo.

É inaceitável, como foi inaceitável o que aconteceu nos EUA com a invasão do Capitólio e o que se passou no Brasil.

EMMANUEL MACRON

Presidente da França, comparando os protestos no país em oposição à reforma da previdência a ataques contra as democracias norte-americana e brasileira.

Eu considerei o comunicado do Copom preocupante, muito preocupante.

FERNANDO HADDAD

Ministro da Fazenda, sobre as justificativas do Banco Central em manter a Selic em 13,75% ao ano, com ameaça inclusive de elevar o juro.

Era órfão de pai vivo, órfão de uma família ausente.

ARIANE SCHMITT

Psicóloga que atendia o menino Bernardo Boldrini, testemunhando no júri que condenou o pai, Leandro Boldrini, pelo assassinato do filho.

Na Vinícola Aurora não terceirizaremos mais trabalho temporário no período de safra.

RENÊ TONELLO

Presidente da presidente da Cooperativa Vinícola Aurora, sobre medidas para evitar novos episódios de casos de trabalho análogo à escravidão.

Com o passar do tempo, percebemos que só queríamos coisas diferentes.

GISELE BÜNDCHEN

A supermodelo gaúcha, em entrevista para a revista norte-americana Vanity Fair, falou pela primeira vez abertamente sobre a separação de Tom Brady.

arte -  Vista do Guaíba

Para celebrar o aniversário da Capital, a coluna apresenta a obra Vista do Guaíba, pintada em 1893 pelo italiano Giovanni Falcone, que também foi cenógrafo, decorador e paisagista. A tela, que compõe o acervo artístico da Câmara Municipal de Porto Alegre, impressiona pela beleza e pelo tamanho. Com dois metros de largura, o quadro retrata um Guaíba longínquo no tempo, com barquinhos, banhistas e lavadeiras no ponto de encontro com o Arroio Dilúvio.

INFORME ESPECIAL


25 DE MARÇO DE 2023
CHAMOU ATENÇÃO

Robô Doris vai buscar o ouro

A equipe de robótica da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), batizada de FBot, conquistou a classificação para o campeonato mundial, que ocorrerá na França, em julho. Na edição de 2022, realizada na Tailândia, o grupo ficou com o bronze na categoria Home, que reúne robôs domésticos. Agora, o trabalho está voltado para aprimorar o robô Doris e arrecadar recursos para participar da competição.

- Esteticamente, o robô permanece bem similar. Então, trabalhamos mais na parte da programação, no que mais ele pode fazer, em buscar melhores resultados - explica Jardel Dyonisio, acadêmico de Engenharia de Automação e um dos líderes da equipe.

Por ter conseguido o terceiro lugar logo na estreia em mundiais, no ano passado, a expectativa da equipe pelo resultado em 2023 é alta.

- A gente vem de um título em competição latino-americana, em São Paulo. Então chegamos nesse momento muito ansiosos querendo conquistar o título mundial - projeta Emilly Lamotte, integrante da equipe e acadêmica de Engenharia de Automação.

Alunos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Instituto Federal do RS (IFRS) também integram a equipe, que conta com oito estudantes no total.

O desafio agora é arrecadar recursos para a viagem. O gasto estimado é de R$ 130 mil. A competição está marcada para os dias 6 a 11 de julho. Uma vaquinha virtual foi criada para receber doações - a meta é R$ 75 mil. A Fbot também vende produtos personalizados da equipe, como canecas e outros itens. Mais informações pelo Instagram, nos perfis @furgbot e @furgbotstore.

 FELIPE BACKES


24 DE MARÇO DE 2023
EM CASA

EM CASA

Não serão necessários ingressos para curtir o Lollapalooza Brasil deste ano: a Globo organizou uma transmissão multiplataforma do festival de música, que tem início hoje e segue até o domingo. Assim, será possível acompanhar os shows na íntegra e ao vivo na televisão paga, a partir das 14h, pelos canais BIS e Multishow, e na internet, pela plataforma de streaming Globoplay. Ao final de cada dia do evento, também será exibido um especial na RBS TV com os melhores momentos do festival, no ar hoje após o Conversa com Bial, no sábado após o Altas Horas e no domingo após o Domingo Maior.

Josh Kovacs (Ben Stiller, na foto) vai tentar recuperar os US$ 20 milhões que seu antigo chefe, o dono de um luxuoso hotel em Nova York, roubou da previdência de seus funcionários na Sessão da Tarde de hoje. O troco, entretanto, será dado na mesma moeda: com a ajuda de Slide (Eddie Murphy), ele planeja o roubo perfeito para recuperar seu dinheiro, ao lado de seus colegas Lester (Stephen McKinley Henderson), Cole Howard (Casey Affleck) e Odessa (Gabourey Sidibe). Eis a trama de Roubo nas Alturas (2011), de Brett Ratner, que vai ao ar a partir das 15h40min, na RBS TV.

 


24 DE MARÇO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

PIB DO RS, O FUTURO E O CURTO PRAZO

O Departamento de Economia e Estatística (DEE) do Estado divulgou ontem o desempenho do PIB do Rio Grande do Sul em 2022 e, sem nenhuma surpresa, houve uma queda significativa na soma de bens e serviços produzidos. A retração de 5,1% ante o ano imediatamente anterior se deveu notoriamente à estiagem severa que atingiu em cheio a agropecuária, infligindo volumosos prejuízos, especialmente nas lavouras de soja. Era algo mais ou menos esperado desde o primeiro semestre em função dos números da produção agrícola. Outros setores importantes, no entanto, tiveram melhor desempenho, em parâmetros gerais em linha com o país. A indústria gaúcha cresceu 2,2%, e os serviços, 3,7%.

Chega o momento, portanto, de projetar 2023. Indústria e serviços encerraram o ano em desaceleração, seguindo o ritmo nacional. Mas na agropecuária, a despeito de um novo verão seco, as perdas devem ser menores em comparação com a última safra, indicando um PIB final melhor em relação a 2022.

A performance do campo, no entanto, mostra mais uma vez a premência de o Rio Grande do Sul avançar na reservação de água e na irrigação para o Estado não ter, no futuro, quebras tão intensas quando outra vez os índices pluviométricos forem aquém do necessário.

Outro aspecto é que o agronegócio, sem dúvida, é o setor mais dinâmico da economia brasileira e também da gaúcha. Muitas vezes, em anos anteriores, compensou a debilidade da atividade no mercado interno do país e fez o PIB do Estado ter um resultado superior ao brasileiro. Com todos os percalços, é um segmento que vai bem e tem confiança no futuro. Mas deve-se atentar para a necessidade de diversificar e fazer com que outros setores também floresçam e ganhem maior peso na economia gaúcha. Olhando o caminho das nações que mais avançam, fica óbvio que entre as grandes apostas têm de estar a inovação, o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e as soluções voltadas à sustentabilidade, como a energia verde. Não é razoável tamanha dependência dos humores do clima, algo sempre imponderável e que tende a ser cada vez mais instável.

Mas além de olhar para um horizonte mais largo, o curto prazo também deve gerar preocupação. O Rio Grande do Sul não é uma ilha e tem parte relevante de seu desempenho atrelado à economia nacional, que mostra nítida desaceleração desde o segundo semestre do ano passado. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu na quarta-feira manter a taxa Selic no patamar estratosférico de 13,75% ao ano. É um nível sufocante para a economia real.

O tom adotado no comunicado do colegiado abre margem inclusive para entender que existiu a intenção de firmar posição ante os ataques recebidos por membros do governo Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive do próprio presidente, e também do setor produtivo. O Copom, que não é infalível, alega que permanecem as incertezas fiscais e as expectativas de inflação seguem desancoradas. Teria acertado o Planalto se adiantasse a apresentação do novo marco fiscal. Melhor ainda se com um conteúdo, como se espera, demonstrando compromisso com a saúde das finanças públicas. Restou claro que não será constrangendo os membros do comitê que o juro vai baixar. É preciso criar condições para que a taxa caia com segurança. Hoje persiste um impasse que faz mal ao país, levando a projeções de um crescimento ínfimo do PIB nacional em 2023. O Rio Grande do Sul, por óbvio, vai a reboque. 


23 DE MARÇO DE 2023
ARTIGOS

O G DO ESG

A sigla ESG não é novidade. Muito se tem escutado e lido sobre a importância das práticas de ESG para a sustentabilidade dos negócios. Assuntos relacionados ao meio ambiente, questões sociais e de impacto - com a sua merecida relevância - estão sendo tratados pelos diversos nichos da sociedade, de modo que as empresas passaram a implementar, revisar e readaptar suas políticas nessas áreas com o intuito de vincular suas atuações às ditas melhores práticas de ESG. Entretanto, para aqueles que lidam com o "G" - parte da sigla voltada às práticas de governança -, já há uma percepção de que o assunto tem recebido menor importância.

O ano se iniciou com indicações sobre eventual mudança da Lei das Estatais - dispositivo legal que impôs regras específicas sobre governança corporativa às empresas públicas -, bem como com casos corporativos que questionam práticas de governança adotadas. Embora recente, 2023 já se mostrou um ano de teste para a governança corporativa, sinalizando que as empresas deverão olhar para a tão afastada letra "G" com mais apreço.

A implementação de práticas de governança corporativa não está limitada à forma de composição da administração, com estruturação de conselhos e comitês; o trabalho vai além disso, busca enraizar na cultura das empresas (independente do seu porte) práticas que atentem para as competências de cada órgão, afastando potenciais conflitos de interesse. A verificação de uma boa governança não corresponde, necessariamente, a uma estrutura robusta, constituída por conselhos e comitês (entre outros), e sim à forma fática de agir daquela instituição no seu dia a dia. Assim, fica o convite ao mundo corporativo para olhar com cuidado a sua governança, lembrando que a sustentabilidade e a perenidade, que tanto são buscadas com a implementação de práticas de ESG, passam por uma sólida e verdadeira governança corporativa.

No decorrer do ano, ficaremos felizes ao perceber que os casos de governança corporativa são mais fáticos e verdadeiros - mesmo que embrionários - do que marqueteiros, usados apenas como discurso.


23 DE MARÇO DE 2023
TULIO MILMAN

Respeitável público

Discursos, em geral, são enfadonhos, porque são pautados pela vontade de dizer de quem fala e não pelo interesse de quem escuta. A boa comunicação, nos ensina a teoria, começa pelo receptor. Sem ele, nada faz sentido. Durante a semana, tomei posse como presidente da Associação dos Amigos do Museu de Ciências e Tecnologia da PUC, um convite que me honrou e que me desafia a colaborar com um projeto absolutamente necessário e encantador.

O protocolo previa que eu me pronunciasse. Pensei nos amigos, familiares, empresários, colaboradores e dirigentes da PUC que lá estariam. Decidi que minha fala não ultrapassaria os quatro minutos. E seria lida, porque nessas horas mais solenes devemos afastar o risco de improvisos que possam nos desviar do caminho. "O que eu devo dizer?", foi a pergunta que pautou as minhas reflexões. Lembrei-me de duas histórias. A primeira: alguns domingos atrás, nos momentos que antecedem os tradicionais almoços de família, meu pai, minha mãe e eu conversávamos sobre os desafios do ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial que conversa por mensagens como se fosse um ser humano.

O questionamento que nos fizemos foi o mesmo de boa parte da humanidade. "Desse jeito, o que sobrará para nós, humanos?"

Há muitas respostas, pelo menos até que a tecnologia as desminta. Mas uma delas, acredito, é perene: nós, humanos, sempre teremos o poder da pergunta. A pergunta é nossa, ninguém nos tira.

Ao chegar a essa conclusão, me lembrei da segunda conversa, na beira da praia de Xangri-lá, com o reitor da PUC, irmão Evilázio Teixeira. Estávamos no Paleta Atlântida, o maior churrasco do mundo, embora o Guinness Book ainda não tenha oficializado.

Foi quando o irmão Evilázio afirmou, citando Aristóteles, em meio a uma conversa viva e instigante: "A filosofia nasceu do espanto". Faz todo sentido. É a necessidade de decifrar os enigmas do Universo que nos conduz na direção do conhecimento. Foi, basicamente, o que eu disse no meu breve discurso. Não vi ninguém bocejar, até porque não dei muito tempo para que isso acontecesse. Falei menos de quatro minutos. E tudo, ali e sempre, começou com uma pergunta. Encerrei desejando que seja concedida a todos nós, cada vez mais, a alegria de questionar. Não é apenas o que nos restará. É a tradução da nossa essência mais pura. É a matéria-prima da capacidade de união para construir as pontes que nos levam às respostas.

TULIO MILMAN

23 DE MARÇO DE 2023
INFORME ESPECIAL

South Summit Fest terá shows gratuitos na Orla

Festival musical com shows abertos ao público, o South Summit Fest - promovido pelo South Summit Brasil com o apoio da prefeitura de Porto Alegre - vai reunir artistas e proporcionar encontros especiais em um dos principais cartões-postais da Capital. As apresentações serão no dia 30 de março, das 18h30min às 23h, na Orla do Guaíba.

Com os shows gratuitos, os organizadores do fórum global de inovação, que promete atrair a nata do empreendedorismo ao RS, querem retribuir à população a receptividade recebida desde 2022. Os detalhes da programação serão divulgados nos próximos dias, mas a coluna adianta, em primeira mão, um dos espetáculos confirmados: será uma parceria entre os artistas gaúchos Serginho Moah e Renato Borghetti, bem no espírito do evento, conhecido por promover conexões. O South Summit Brasil ocorre de 29 a 31 de março, no Cais Mauá.

Clima retrô de volta a Garibaldi

Vem aí mais uma edição do Garibaldi Vintage, que já virou tradição na Serra. Amanhã, a partir das 17h, moradores e visitantes vão vestir trajes das décadas de 1920 a 1960 e levar o clima retrô ao Centro Histórico, com shows, gastronomia e, claro, taças de espumante.

A caracterização é levada a sério, com figurinos de encher os olhos. É o caso da advogada Caroline Benini Magagnin, rainha da Fenachamp em 2003, que já participou do evento com "looks" inspirados nos anos de 1950 e 60 e até na estrela Rita Hayworth, diva das telonas na década de 1940 (foto). Dessa vez, ela vai homenagear Marlene Dietrich, outra musa do cinema, que fez sucesso a partir de 1930.

Aberto ao público, o evento é promovido pela prefeitura, em parceria com a comunidade. Vale muito conhecer.

JULIANA BUBLITZ

22 DE MARÇO DE 2023
JEFERSON TENÓRIO

Lugar de escuta

Com entusiasmo tenho observado a quantidade de autores e autoras negros, indígenas e trans trazendo suas narrativas a público. Há pouco mais de 10 ou 15 anos, este cenário seria impensável no Brasil. O que demostra que o mundo mudou. Apesar dos graves retrocessos que tivemos no governo Bolsonaro, temos visto a emergência de outras histórias que se contrapõem aos discursos hegemônicos.

Por outro lado, tenho percebido no campo literário obras de autores homens e brancos, por exemplo, que procuram escrever narrativas para além da própria realidade, trazendo em seus livros protagonistas mulheres, negros ou indígenas. Há quem veja nesse movimento uma forma de apropriação cultural, ou ainda um jeito de se inserir na "onda do momento". O tema é delicado.

Não vejo problemas com as "ondas", porque, assim como o mar, as ondas sempre voltam, e às vezes voltam com mais força. Quanto à apropriação, eu concordo. Creio que escrever sobre uma vida ou sobre uma experiência que não tivemos é uma espécie de apropriação. Entretanto, é bom lembrar que estamos acostumados com a ideia de associar "apropriação" como sinônimo de "roubo". O que faz todo o sentido quando olhamos para o nosso vergonhoso passado colonial que de fato usurpou culturas pela violência e pelo apagamento indentitário.

Mas a questão que se coloca diante da criação passa para uma outra instância. Sabemos que na arte o conceito de lugar de fala não tem sentido. Na arte, tudo é possível. E, como tudo que envolve questões subjetivas, há sempre um risco. Isto é, se um autor branco, por exemplo, decide ter protagonistas negros, não vejo isso como mera apropriação. Agora, é claro que se não houver um rigor ético e responsável com essa representação, a probabilidade de chegar a um resultado caricato é grande, o que nos levaria a um sentimento de apropriação no sentido colonial.

Portanto, se na arte e na criação não faz sentido pensarmos em lugar de fala, é necessário, em contrapartida, preservar o lugar de escuta em relação ao outro. Além disso, é preciso também que essa escuta seja criativa. E criativa no sentido de muitas vezes renunciarmos a determinados valores conservadores e estereotipados. Porque escrever sobre o outro é também escrever sobre si. Para chegar a algum tipo de verdade estética, algum tipo de honestidade intelectual, não basta pintar personagens de determinada cor, é preciso um mergulho nessas experiências. E, ainda assim, mesmo que haja esse percurso, nada garante o êxito de uma obra. A arte não nos blinda das críticas. Mas o exercício de alteridade sempre vale o risco.

JEFERSON TENÓRIO

22 DE MARÇO DE 2023
PERIMETRAL

Para onde vai a Redenção

A boa notícia veio no início do mês: o prefeito Sebastião Melo desistiu do projeto de conceder a Redenção à iniciativa privada - ao menos naqueles moldes em que o governo havia divulgado, entregando o parque inteiro para um grupo administrar.

Segundo Melo, a ideia agora é elaborar um modelo mais enxuto. Ou seja, devem ser concedidas apenas as estruturas da Redenção que podem gerar receita. Quer dizer: em vez de pagar um aluguel para a prefeitura, como fazem hoje, os permissionários do pedalinho, do trenzinho, do parque de diversões, do centro gastronômico, dos bares e das floriculturas passariam a pagar o valor mensal a um grupo privado. Esse grupo privado, em troca, faria a manutenção do parque e os investimentos previstos no edital. Bem melhor assim.

Essa ideia, aliás, já havia sido publicada nesta coluna em outubro passado. Era uma sugestão do urbanista Benamy Turkienicz, professor de Arquitetura da UFRGS que considerava perigosa a proposta original da prefeitura. Porque, da maneira como havia sido concebido, o projeto dava carta branca para a iniciativa privada interferir em quase tudo. Artistas de rua, ambulantes, feirinhas, brechós, até professores que ensinam ioga ou corrida, todos seriam submetidos ao crivo da empresa gestora, o que ameaçava a espontaneidade típica da Redenção.

Na nova proposta, o grupo privado deverá arbitrar apenas sobre os espaços comerciais. É possível que o posto de gasolina, hoje desativado na esquina da Osvaldo Aranha com a José Bonifácio, entre no pacote. Mas já está definido que o estacionamento subterrâneo, um sonho antigo da prefeitura, não será mais construído. A garagem foi um dos principais alvos de críticas dos movimentos que se organizaram contra a concessão do parque. Eu aqui, sinceramente, não via maiores problemas.

Quem era contra o estacionamento argumentava que, no momento atual, em que a tendência são cidades cada vez mais pensadas para as pessoas, seria um retrocesso oferecer 577 vagas para automóveis. Há controvérsias: justamente para que a cidade seja mais agradável para as pessoas, me parece melhor que os carros estejam embaixo da terra - e, principalmente, estejam pagando para estacionar. Não faz mais sentido que a via pública continue servindo de depósito para armazenar um bem privado, ainda mais no entorno de um parque.

Mas tudo bem. Talvez nunca haja consenso quando o assunto for o espaço público mais importante da Capital. A boa notícia é que o pior ficou para trás: o prefeito entendeu que a Redenção jamais pode deixar de se parecer com a Redenção.

PAULO GERMANO

22 DE MARÇO DE 2023
ACERTO DE CONTAS

Domos e show no South Summit

Evento internacional de inovação conquistado por Porto Alegre em uma missão à Espanha em 2021, o South Summit prepara a sua segunda edição e será, novamente, no Cais, de 29 a 31 de março. Os preparativos estão a todo vapor, tanto na organização da estrutura quanto na formatação do conteúdo da feira. Ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, e em conversa com a coluna, o CEO Thiago Ribeiro detalhou o que vem por aí.

THIAGO RIBEIRO CEO do South Summit

O que muda no South Summit deste ano?

Sabemos o que precisa ser melhor e é justamente em cima disso que trabalhamos nos últimos meses: acessibilidade, mobilidade, acústica e alimentação. Será um evento de melhor qualidade.

Quais alterações serão feitas na estrutura?

Na primeira edição, quem chegava acessava pelo armazém central. Neste ano, mudamos o eixo e o acesso será pelo último. Teremos aproveitamento maior entre o muro e os armazéns. Haverá uma conexão mais fluida. Criamos uma estrutura que chamamos carinhosamente de "Innovation Street", que é composta por 11 geodésicas, que são espécies de domos gigantes.

Segue com foco no Cais, mas com atrações descentralizadas?

Sim. Dia desses, o prefeito de Madri (José Luis Martínez- Almeida) me disse que eu tinha arranjado um problemão para ele. Isso porque a María Benjumea (espanhola que fundou o South Summit) voltou encantada com o cais de Porto Alegre e queria fazer o evento da Espanha em um lugar igual. O prefeito dizia: "Mas eu não tenho um cais! Vou ter que arranjar um cais!" (risos). Mas estamos trabalhando com uma agenda complementar, com eventos sociais no Farol Santander, um coquetel no catamarã, evento na Catedral (um lugar pouco frequentado), ação no 4º Distrito (no Caldeira), festival de arte e gastronomia no Mercado Paralelo, noite nos museus na quinta-feira e um show na orla do Guaíba na sexta com músicos locais.

Quais são os palestrantes em destaque?

São vários. De nacionais, o André Esteves (CEO do BTG Pactual) fará a palestra de abertura, tem Luiza Helena Trajano, Nizan Guanaes, Jorge Gerdau... Internacionais, o Andrew Winston, um monstro do ESG e da sustentabilidade, o investidor Jeff Clavier, Sandra Uwera, entre outros.

Startups passam por uma ressaca. Investidores recuaram, o crédito ficou mais difícil e ocorrem ondas de demissões. Isso será debatido no evento?

Pelo palco, nos bares e corredores. Mas eu sou um otimista por natureza. Estamos entrando em um processo de mais realismo da cena startup, no sentido de entender que algumas coisas estavam exageradas e algumas avaliações, talvez, equivocadas. Mais consistência, mais solidez. Acho que é positivo.

GIANE GUERRA