sábado, 27 de julho de 2013


27 de julho de 2013 | N° 17504
NÍLSON SOUZA

Vizinhos

Estava muito inspirado o escritor norte-americano Eric Hoffer quando disse que é mais fácil amar a humanidade inteira do que amar o vizinho. Vale para o morador do apartamento ao lado, vale para o sujeito espaçoso que ocupa os dois braços na poltrona do cinema, vale para o motorista do carro que disputa a vaga ou a estrada com você – e vale também, obviamente, para os povos que fazem fronteira conosco. Os argentinos, por exemplo. Sempre tivemos uma diferença com os argentinos, aqueles italianos que falam espanhol e pensam que são ingleses. Pelo menos era o que se dizia deles antes da Guerra das Malvinas.

E não somos originais nisso: os próprios ingleses zoam os franceses, que zoam os belgas, que chamam os holandeses de burros, que pegam o pé dos finlandeses, que ridicularizam os russos e assim vai. Parafraseando aquela expressão policialesca de péssimo gosto, vizinho bom é vizinho distante.

Pois esse Papa bonachão que nos visita nesta semana já tem um mérito: está fazendo com que mudemos nossos conceitos sobre os vizinhos argentinos. Claro que não vamos renunciar às piadas, entre as quais a que enaltece a sabedoria do Espírito Santo por ter escolhido “o único” argentino humilde para o comando da Igreja. Mas a verdade é que o papa Francisco, com seu jeito despojado, sua simplicidade e sua inequívoca defesa dos pobres, conquistou a simpatia geral dos brasileiros e abriu entre nós um novo espaço de tolerância para com seus patrícios.

No dia da fumaça branca, nunca vou esquecer, a gente acompanhava pela televisão a Praça de São Pedro lotada e eu resolvi brincar com alguns colegas de Redação:

– Tem uma bandeira argentina tremulando perigosamente no meio da multidão – comentei, para, poucos minutos depois, engolir em seco a provocação.

O sentimento geral dos brasileiros, temos que confessar, foi de apreensão e até mesmo de certa frustração. Um argentino? Agora é que eles ficariam convencidos. Enganamo-nos todos. O homem desmanchou nossas resistências já no primeiro pronunciamento, com palavras de humildade, sabedoria e humanidade. Agora, no primeiro dia da visita ao Brasil, pediu licença para bater na porta do coração dos brasileiros. Senti vontade de ressuscitar Manuel Bandeira, dando voz a São Pedro para receber a preta Irene na entrada do céu:

– Você não precisa pedir licença, Francisco!


Além disso (para não perder a piada), os argentinos nunca pedem licença para atravessar nossas fronteiras e afundar o pé no acelerador pelas nossas estradas, como se estivessem no pátio da própria casa.

RUTH DE AQUINO
26/07/2013 22h04

A má-fé do terror oficial

A lambança na JMJ só se compara à má-fé das versões oficiais dos protestos contra Cabral

O papa Francisco bota fé nos jovens. E você? Bota fé na PM e no governo do Rio de Janeiro? O grau de lambança na logística da Jornada Mundial da Juventude só se equipara à má-fé das versões oficiais sobre os protestos contra a corrupção e Sérgio Cabral. Faltou “inteligência” na repressão fardada e infiltrada. Uma repressão seletiva, que fere manifestantes e jornalistas, mas deixa rolar depredações e saques com total impunidade – como aconteceu naquela madrugada no Leblon, até hoje mal explicada. Quem engoliu a história do “pacto com a OAB” para não reprimir crimes comuns contra lojas e patrimônio público?

PMs sem identificação e policiais à paisana – os P2, fantasiados de manifestantes, identificados com uma pulseirinha preta – criaram no Rio um clima de intimidação física e psicológica. Há relatos de sequestro-relâmpago, ameaças de morte, armação de flagrantes, acusações montadas de formação de quadrilha. Há detenções arbitrárias “para averiguação”. Um clima que, como diz Cabral, “afronta o Estado democrático de direito”.

Também afronta a democracia o decreto inconstitucional de Cabral exigindo, “em 24 horas”, das operadoras de telefone e provedores de internet, dados telefônicos e informações sobre suspeitos. Ele refraseou o decreto, mas a OAB continua a tachá-lo de ilegal. É essa “a agenda positiva” de Cabral para eleger seu vice Pezão? Cabral teve a pior avaliação entre 11 governadores, segundo o Ibope. Só 19% o apoiam hoje.

O episódio com Bruno Ferreira Teles, manifestante preso “por porte de artefato” perto do Palácio Guanabara, revelou o festival de contradições da PM. Vídeos e fotos no Facebook foram essenciais. Em liberdade condicional por habeas corpus, Bruno provavelmente ainda estaria preso se não fossem essas imagens. O procurador Eduardo Lima Neto, presidente da comissão criada pelo governo para investigar vandalismo, o denunciou por “tentativa de homicídio”.

O que mostram os vídeos e fotos? Bruno com casaco e óculos de proteção, sem mochila e sem máscara, na linha de frente da manifestação contra Cabral, junto à grade, gritando. Subitamente, um coquetel molotov é lançado por trás dele. Um policial à paisana, com camiseta e mochila pretas, tenta prender Bruno. Bruno dá uma “voadora” no P2. PMs perseguem Bruno e atiram. Ele cai desacordado. Um PM dá um choque no rapaz com a pistola Taser. Alguém o refreia: “Ele já está no chão!”.

Bruno é arrastado pela rua por policiais. Recobra a consciência e é algemado. Policiais mostram o colete metálico que ele usava – como “prova de vandalismo”. Um PM grita: “Foi ele que tacou o primeiro coquetel molotov”. Bruno nega. “Ele é preso de quem?”, pergunta um oficial. “Do P2”, responde o PM. Na delegacia, o subcomandante da PM acusa Bruno formalmente de ter jogado o artefato. Ele é autuado em flagrante na presença de representantes do Ministério Público e passa a madrugada na cadeia.

Nas redes sociais, acusa-se um P2 de ter lançado o coquetel molotov. Não há prova. A PM diz ser “uma hipótese absur­da imaginar que um policial possa cometer um ato bárbaro contra um companheiro de farda”. O assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, o cientista político Mauricio Santoro, enxerga sinais de que policiais à paisana desestabilizem passeatas para justificar a reação da PM. Isso é muito perigoso. Já vimos esse filme antes e ele não acaba bem, não é, presidente Dilma?

A geógrafa Carla Hirt, de 28 anos, foi presa, agredida, ferida com bala de borracha e acusada de formação de quadrilha com mais seis rapazes que não se conhecem. Pagou R$ 700 de fiança “para não ser levada para (o presídio de) Bangu”. O videógrafo Rafucko foi preso e algemado – e diz que o PM encheu sua camiseta com pedras portuguesas para montar uma acusação, rejeitada pela delegada. O sociólogo Paulo Baía foi vítima de sequestro-relâmpago por encapuzados armados, quando saía para caminhar no Aterro do Flamengo.

 “Disseram pra eu não dar mais nenhuma entrevista falando da PM.” O estudante Rodrigo D’Olivera Graça, de 19 anos, diz ter sido colocado por quatro encapuzados “no banco de trás de um Sandeiro branco” e ameaçado caso não saísse das ruas. Aconselho a comissão de Cabral a investigar todas as denúncias graves relacionadas aos protestos, se estiver preocupada com direitos humanos.

Cinegrafistas e jornalistas passaram a ser alvos de PMs no Rio. Câmeras foram quebradas. Um policial prendeu “para averiguação” Filipe Peçanha, do Mídia Ninja, que transmite as manifestações por internet. Outro PM deu golpe de cassetete na cabeça do fotógrafo Yasuyoshi Chiba, da AFP. A versão da PM era: “Atingido por coquetel molotov lançado por manifestante”. É condenável divulgar como “verdades” os releases da PM sem investigar antes. Não bote fé.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Fluturi si flori, muzica: Richard Abel

Richard Abel - Automn Butterflies

Les enfants qui s'aiment-RICHARD ABEL

Bel automne 2011 - Richard Abel -- Balada para Carmen ---



22 de julho de 2013 | N° 17499
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Boato que não foi boato

Se, em 2012, as projeções quanto ao PIB começaram em 3,3% da economia nacional, esta acabou crescendo menos de 1%, 0,9% para ser preciso; como no ano anterior, no início do ano em curso, as projeções andavam em 3,3%, mas não demoraram em cair para 2,4%, e a tendência é de repetir o resultado de 2012. Para isso concorrem vários fatores, em primeiro lugar está a situação que amarga a indústria; por conta da inflação, por três vezes aumentou-se a taxa de juros, agora em 8,5%.

E se é verdade que a senhora presidente, em uma de suas diárias divagações televisionadas, assoalhou que a inflação está contida e deve chegar ao fim do ano segundo a meta estabelecida, o fato certo é que o Banco Central praticamente anunciou o próximo agravamento senão os necessários agravamentos da taxa de juros, o que importa em dizer que o impacto inflacionário tem resistido às medidas anti-inflacionárias.

Esses dados servem para indicar os aspectos escuros da realidade nacional, cujas provas chegam aos feixes; sua confirmação está até na repentina descoberta de desnecessidade de 14 dos 39 ministérios. Em verdade, ninguém ignorava essa gritante anomalia, mas agora até em áreas oficiais houve quem percebesse que o rei estava nu – e disse o que muitos não queriam ver.

A consequência desse fato não é irrelevante, pois dele resultou a possibilidade da exclusão da senhora presidente no primeiro turno da eleição presidencial; sua reeleição, até então tida como pacífica, hoje não passa de mera possibilidade, quiçá remota.

Mudando de assunto ocorre-me registrar declaração do ministro da Fazenda, hábil em misturar temas para desfazer-se de alguns incômodos; em lugar de ocupar-se da reforma tributária, reclamada desde muito, esgueirou-se para distritos da denominada reforma política, misturando-a com plebiscito, e deixando no esquecimento a primeira das reformas, diretamente relacionada com o ministério que dirige.

De repente, com engenho e arte, referindo-se às denominadas desonerações tributárias, aproveitou para dizer que elas, durante dois anos e meio, foram o centro da política do governo e para afiançar que “não há mais espaço para corte de impostos”. Ora, como a carga tributária absorve mais da terça parte do PIB, disse sem dizer sequer adeus à reforma tributária, enterrou-a em silêncio, ao mesmo tempo que embalsamou as outras fossem quais fossem seus rótulos.

Encerrando, é relevante notar a publicação de uma nota singular, que visava apagar um boato malsinado. Dizia respeito à Bolsa Família, que teria sido extinta, fato que causara comoção entre milhares de pessoas nela interessadas. A senhora presidente qualificou a autora do boato de desumana e má, enquanto o ministro da Justiça asseverou que o plano fora orquestrado.

A Polícia Federal, encarregada de apurar a autoria da infâmia, decorridos quase dois meses, concluiu pela ausência de qualquer ilicitude no suposto fato que provocara a indignação oficial, e foi solenemente publicado que o fato não ocorrera. E dessa maneira a infâmia deixou de existir, e as autoridades que se envolveram no caso não cometeram nenhuma precipitação ou leviandade, e até a direção da centenária e por muitos títulos benemérita instituição CEF foi mantida, porque nada menos elogiável teria acontecido.

E desse modo findou um episódio raro, senão inédito, na crônica da administração pública, do qual tiveram participação conspícua algumas das eminências governamentais. E o governo lavrou um tento, pois, pela primeira vez, desde que o Brasil é Brasil, em ato estatal um boato deixou de ser boato infame e até de ter existido. Autêntico boato falso, falsíssimo como diria o José Dias, que adorava o superlativo.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF


segunda-feira, 15 de julho de 2013


15 de julho de 2013 | N° 17492
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Em queda

Manchete de primeira página de grande jornal, semana passada, noticiou que Dilma vê risco de desmanche da base em ano pré-eleitoral, e seria de surpreender se tal não sucedesse. Se, desde o começo, a senhora presidente desfrutou de excepcional aceitação por parte da opinião pública, ainda no primeiro trimestre do ano em curso a presidente teve o primeiro dissabor, quando pesquisa de opinião pública revelou a perda de oito pontos em sua popularidade, num universo de cem.

Algumas semanas se passaram e a cena se repetiu, só que desta vez a redução foi de mais 27 pontos, perda que surpreendeu o próprio Planalto. Ambas as perdas, perfazendo 35 pontos, ultrapassaram a terça parte em relação a cem; se novas medições forem feitas não me surpreenderei se prosseguir a perda.

Se há um ponto em que gregos e troianos estejam de acordo é no reconhecimento quanto à denominada “desaceleração” da economia nacional. As divergências são limitadas ao grau maior ou menor de esfriamento ou de retração econômica, no sentido de que o crescimento será ou não inferior a 2%.

A propósito, eu me pergunto se a senhora presidente ficou perturbada com os números divulgados ou se não lhes deu importância, uma vez que as sucessivas iniciativas que vem tomando desde então não tem contribuído e nem poderiam contribuir para minorar a queda que, evidentemente, erodiu sua popularidade.

Sobram os exemplos e me falta espaço para arrolá-los, mas não posso deixar de lembrar que no seu retorno de São Paulo, onde acompanhada de seu marqueteiro foi conferenciar com seu antecessor, desembaraçadamente, lançou a ideia de um expediente rotulado de constituinte exclusiva, mas que, pela feição grotesca, não durou 24 horas, tendo ela própria se encarregado de sepultá-la, sem sequer dedicar-lhe votos de piedade.

Sobreveio o plebiscito a que se apegou teimosamente, a despeito das gerais restrições, desde o primeiro momento opostas por pessoas de alta responsabilidade; nem mesmo a resposta que lhe deu a Justiça Eleitoral pela presidente do Superior Tribunal Eleitoral e por mais 27 Tribunais Regionais Eleitorais a demonstrar a inviabilidade do procedimento teve a virtude de demovê-la, e foi necessário que a grande maioria dos líderes que constituem sua base de sustentação lhe ponderasse que a iniciativa estaria irremediavelmente condenada.

Lembro que no começo do ano a imprensa noticiou fato inédito em manchete de primeira página “Governo manobra e garante R$ 16 bilhões para cumprir meta”, “Operações contábeis com recursos do Fundo Soberano, BNDES e Caixa garantem superávit, mas afetam credibilidade da política fiscal”. Não passaram muitos sóis e a credibilidade da política fiscal tão débil ficou que nem mais nem menos que o gestor da pasta das finanças proclamou a necessidade de se promover o reforço na credibilidade exatamente da política fiscal.

Entre tantos episódios capitaneados pela chefe do governo, por derradeiro, não posso deixar de lado um dos últimos que parece ter espantado crédulos e incrédulos. Após ter a ideia de promover a importação em massa de médicos de duvidosa formação científica e que teriam de aprender a expressar-se em língua portuguesa, mediante um veto parcial, vem de inaugurar a rebelião na respeitável comunidade médica de maneira inacreditável. Parece-me que estes gestos derradeiros tanto se distanciam dos que se pode esperar de governos criteriosos que me abstenho de tentar qualificá-los. Fiquei perplexo, para não dizer estarrecido.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF


sábado, 13 de julho de 2013


Delicioso sábado pra você..

Olá, Anjo de Luz e Amor
Bom dia,
Tenha um sábado fantástico.


 

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..

Vim trazer-lhe a doçura
De um abraço carinhoso,
Porque você, em minha vida

É um dom precioso.
12/07/2013 às 6:47

Geração Facebook diz “não” à Força Sindical, à CUT e aos partidos políticos, e Dia Nacional de Lutas vira um grande mico.

Falha tentativa dos “aparelhos” de ganhar as ruas

Micou de maneira retumbante o tal Dia Nacional de Lutas. A CUT, a Força Sindical, outras centrais e os partidos políticos de esquerda foram malsucedidos na tentativa de pegar carona da onda de protestos que sacudiu o país. Houve, sim, muita atrapalhação nas estradas, ocupação em porto, escaramuças, dificuldades aqui e ali, mas nada nem remotamente parecido com os protestos havidos no mês passado. ATENÇÃO, LEITOR! Se eu fosse um desses “cientistas sociais” que têm medo dos seus alunos e gostam de posar de moderninhos – aquela gente, sabe?, que agora deu para falar em “crise da democracia representativa” –, estaria achando lindo o que aconteceu. Mas eu não acho, não.

Na verdade, o evento desta quinta jogou ainda mais luzes sobre os havidos no mês passado e só reforçaram alguns temores que eu tinha. O que significa o micão desta quinta, em contraste com aquele milhão e meio de dias atrás? Significa que reivindicar o inexequível é bem mais gostoso, o que nos remete a um dos lemas de Maio de 1968, na França: “Seja realista, peça o impossível”. O evento também expõe uma das forças e, ao mesmo tempo, das maiores fragilidades da “onda de protestos” no Brasil: a composição social de quem vai ou foi às ruas. O primeiro passo para responder de forma eficiente à realidade e admiti-la: os pobres, com raras exceções, preferiram, até agora, ficar em casa.

Assim, entendam direito o meu ponto: não lamento o fato de o protesto desta quinta ter sido malsucedido porque gostaria de ver a CUT, a Força e até os petistas a liderar a massa… Eu não! Deus me livre! Lastimo é que a pobreza de liderança política no Brasil se reflita também nos sindicatos e que estejamos sem o fio que possa desatar o nó. Vamos lá. Milhões de trabalhadores poderiam ter ocupado as praças para cobrar redução na jornada de trabalho, certo? É uma reivindicação muito mais, como direi?, palpável do que os tais 20 centavos.

Mas aí alguém se lembrou de gritar: “Não é pelos 20 centavos”. E estava dada a deixa para uma mobilização que tem, sim, âncoras no mundo real – corrupção dos políticos, ineficiência do serviço público, gastança de dinheiro –, mas que se expressa numa espécie de bolha de sensações e de emoções. Para voltar a Maio de 1968, o que conta é fazer as barricadas do desejo. A utopia é a da ausência de estado, assuma isso a forma violenta (os baderneiros) ou pacífica (uma coisa, assim, “faça amor, não faça a guerra”).

Cobrar redução da jornada e fim do fator previdenciário, olhem que coisa!, parece apequenar o movimento e a razão por que se vai às ruas; é, como diriam os adolescentes hoje em dia (de maneira irritante), “tipo assim” coisa de pobre, de um pragmatismo incompatível com o sonho e com as evocações românticas. Os “sonháticos” querem um outro mundo possível… Não! Na verdade, pretendem um outro mundo… impossível. Nele, não só os políticos não roubam como, a rigor, não há políticos nem política.

É claro que eu poderia lembrar àqueles valentes cientistas sociais que têm medo de contrariar os alunos que também as manifestações de junho levaram às ruas as… minorias!, ainda que tenham mobilizado, sei lá, 20 ou 30 vezes mais gente do que a desta quinta-feira. Huuummm… Então vamos ver: líderes que efetivamente representam grupos e com os quais se podem fazer acordos mobilizam meia dúzia de gatos-pingados; não líderes – e que, portanto, não lideram, mas alçados pela imprensa à condição de estrelas da não representação – conseguem criar eventos que reúnem alguns milhares. Muito bem! O que se vai negociar com eles? Chamem a Mayara Vivian e os coxinhas radicais do Passe Livre…

Há quem se deixe cair de encantos por um paradoxo cuja graça, havendo alguma, é não mais do que literária – e literatura meio velha, da década de 60: a “juventude” (ah, os tarados pela juventude…) que está nas ruas tem força, mas não sabe o que quer, e os que sabem o que querem já não têm força. Mas onde está a virtude desse troço? Se isso produzir algo, tenho minhas dúvidas, será, no máximo, um impasse. Para o qual ninguém tem resposta.

Dilma está encalacrada? Está, sim, de dois modos distintos: há o impasse de fundo, que diz respeito ao esgotamento do modelo lulo-petista, do qual, vamos ser francos, até havia pouco, a esmagadora maioria da imprensa não havia se dado conta. Ou havia? Leiam os jornais de há dois ou três meses. Com ou sem “povo” na rua, o país ia mal das pernas. E agora ela enfrenta o descontentamento com “tudo isso que está aí”. Ocorre que esse “tudo isso” pode se voltar contra qualquer um; ele é dirigido, na verdade, contra o governante de turno. E não consegue se transformar numa agenda.

Essa conversa mole da “sociedade horizontal”, sem hierarquia de valores, sem eixo e sem centro, sinto muito, é conversa de bêbados. É divertido e coisa e tal, mas sempre chega a hora de pagar a conta e de voltar para casa – sem contar a ressaca… Não vai a lugar nenhum e ainda pode produzir alguns desastres. Boa parte do que o Congresso votou até agora, emparedado pelas ruas, se querem saber, não é coisa boa e tende a ter efeitos deletérios. Na esfera econômica, o país vive um congelamento branco de tarifas públicas que pode ter efeitos desastrosos. Ensaia-se facilitação de mecanismos de democracia direta que, se efetivados, tornarão a democracia brasileira refém de minorias organizadas e barulhentas.

Caminhando para a conclusão

Sim, as centrais sindicais e os partidos quebraram a cara ao tentar, de maneira oportunista, pegar carona no movimento das ruas. Tiveram uma lição e tanto. Mas isso só nos diz o tamanho do impasse e os riscos que estão por aí. Não há nada de belo ou de bom numa sociedade sem interlocutores considerados confiáveis para articular o futuro. Vivemos, nesses dias, sob uma espécie de ditadura do presente.

Pode dar em quê? No quadro atual, há, sim, o risco de eleger em 2014 alguém que fale em nome da “não política”, e aí saberemos o que é crise! Mas o mais provável é que se tenha mesmo uma saída “conservadora” – no caso, conservadora do statu quo; vale dizer: a continuidade do petismo. E isso seria igualmente desastroso.



RUTH DE AQUINO
03/07/2013 13h59

Lula versus Dilma

Por que o criador evitou apoiar a criatura justamente no auge da crise? Por que ficou mudo?

Há uma pedra barbuda no escarpim de Dilma Rousseff, furando a meia-calça. Lula é seu nome. O maior líder popular do Brasil sumiu, escafedeu-se, silenciou sua voz rouca, justamente nas semanas em que o povo acordou da letargia para protestar contra uma herança maldita. Por que se calou o grilo falante em todas as celebrações de conquistas no país e no exterior? Só aparece na boa?

Por que Lula finge que nada é com ele? Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo e invisível, quando a turba se insurgiu, e brasileiros de todas as idades passaram a falar, gritar, discutir e analisar, mesmo aos tropeços e sob o risco de errar?

O Lula que se metamorfoseou em oito anos de mandato e rasgou a bandeira da ética na política... O Lula que suspendeu suas férias para defender o ex-presidente do Senado sob o argumento de que “Sarney não pode ser julgado como homem comum”... O Lula que se locupletou com o corrupto-mor Maluf para eleger Haddad, “o novo”... O Lula que se uniu “aos picaretas do Congresso”... O Lula que quis reeditar a CPMF, uma taxa que antes chamava de extorsão... Esse Lula não põe seu bloco na rua numa hora dessas?

Por lealdade, deveria ter dado o braço a Dilma. Afinal, ela chefiava sua Casa Civil e só concordou em disputar a Presidência porque, sem Dirceu nem Palocci, Lula impôs seu nome.

A técnica Dilma, a gerentona, a ex-guerrilheira, talvez um dia escreva um livro sobre sua relação com Lula. Por mais responsável que seja, como presidente, pela explosão da insatisfação no Brasil, Dilma sabe bem quem a colocou nessa roubada de “mãe do PAC”. Sabe que recebeu uma herança de corrupção, impunidade, abuso de poder, desvio de verba pública, falta de representatividade dos partidos, péssima qualidade de serviços essenciais, impostos absurdos, altos salários e mordomias dos burocratas dos Três Poderes, cinismo e oportunismo de governadores e prefeitos. O Brasil já era assim quando ela foi eleita.

O Lula presidente se lamentava da “herança maldita” de Fernando Henrique Cardoso. Dilma não pode dizer nada nem parecido. Lula teve oito anos para mudar o caráter do Brasil para melhor. Tinha tudo. Tinha uma história de defesa da liberdade e dos direitos humanos, tinha credibilidade e a legitimidade do voto, tinha nas mãos a esperança de tantos jovens aglutinados pela estrela do PT. E por tantas bandeiras no ar. A ética. A educação e a saúde de qualidade ao alcance de todos. As creches, o transporte de massa. Mas Lula achou que o Bolsa Família seria suficiente.

Os jovens que protestam agora, em paz ou com raiva, mal chegavam aos 10 anos de idade quando a eleição de Lula emocionou o Brasil. A geração YouTube deveria rever a bela cerimônia em que FHC passou o poder a Lula. Se, na última década, a oposição fracassou com a juventude, imagine a autocrítica do PT. Um partido que inchou com siglas infiltradas e perdeu companheiros de raiz. Uns saíram por racha ideológico, outros por convicção de que nada mudaria na essência, e outros ainda porque foram processados, cassados e condenados.

Os jovens brasileiros de 16 a 18 anos, para quem o voto é facultativo, se afastaram das urnas e, até umas semanas atrás, pareciam alienados. Eles não acreditam nos partidos. Quem de bom-senso ainda acredita, a não ser os que ganham o pão – e os dólares – com a política partidária? Por isso a ideia de candidatura avulsa, endossada pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, ganha força. Joaquim defendeu um “recall” nacional dos políticos. Já pensou se os eleitores passam a ter o direito de revogar mandatos e de expulsar políticos de cargos? Renan continua com aquele sorrisinho pregado no rosto em todas as fotos. Até quando, Calheiros?

Na semana passada, Dilma virou a Geni. Tudo que disse e desdisse levou pedra de aliados e oposicionistas. Uns vândalos. Constituinte, plebiscito, referendo, pactos, apelos, nada pegou bem, nem com a maquiagem e o penteado que custaram R$ 3.125.

A presidente está isolada por seus pares e ímpares. Sua sorte é que, até agora, não há líderes oposicionistas com discurso consistente para o futuro do país. Aécio Neves converteu-se a uma pálida sombra do que poderia ser. Marina Silva virou uma analista em cima do muro, com o aposto de “evangélica”. Eduardo Campos desistiu do combate às claras e age nos bastidores à espera de uma derrapagem fatal.


E Lula... Bem, Lula recebeu alguns jovens em seu instituto. A aliados, diz-se que acusou Dilma de cometer “barbeiragens” na articulação e na resposta à nação. Lula é hoje a pedra mais incômoda no sapato alto da presidente.
WALCYR CARRASCO
12/07/2013 21h10

O fascismo politicamente correto

De que adianta manter as crianças numa redoma, se o mundo está cheio de lobos maus?
 
Vivo numa democracia. Como escritor, é difícil ter certeza disso. Acho que todo artista em algum momento teve a mesma sensação. Pessoas comuns também. A proibição em torno do que deve ser ou não falado é de lascar. As crianças são usadas como pretexto para proibições que nada têm de democráticas. Existe o veto claro, por meio de leis batalhadas pelas ONGs que se dizem bem-intencionadas.

Mas também o realizado por grupos, professores e até pais de alunos que, eventualmente, criam situações constrangedoras para os mestres. Houve um caso, há anos, em que uma professora adotou, num colégio, um livro em que dois adolescentes tinham uma relação sexual – a primeira e mais romântica de suas vidas.

Um pai exaltado reclamou. A saída encontrada pela direção foi arrancar a página da cena em que se realizava o ato, de todos os livros já comprados. Mas Shakeaspeare não mostra, em seu inesquecível Romeu e Julieta, dois adolescentes passando uma noite juntos? Escrevo livros infantojuvenis. Nunca me aventurei a falar de sexo por um simples motivo: a maioria dos pré-adolescentes sabe bem mais do que eu poderia escrever!

Professores cedem à pressão. Escolhem livros que não ofereçam riscos de reclamação. Da mesma maneira, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe colocar as crianças em situações constrangedoras. Aqui no Brasil, seria impossível filmar O exorcista, já que a menina possuída pelo demônio vive situações de violência. Outro dia, estive num debate em que, como sempre, a televisão foi duramente atacada.

– Como vocês podem mostrar situações de violência? E as crianças?

Resolvi falar das histórias de fadas:

– Joãozinho e Maria são abandonados pelos pais numa floresta. Atraídos pela bruxa má, Maria se torna escrava doméstica e Joãozinho é preso em cárcere privado, para engordar. Será, então, devorado pela bruxa. Engana a canibal e mostra um ossinho de frango no lugar do dedo, para fingir que continua magro. Finalmente, ela resolve assá-lo. Com a ajuda de Maria, Joãozinho empurra a bruxa para dentro do forno. Apoderam-se de suas riquezas e voltam para os pais, que os recebem felizes.

Quando terminei, houve um silêncio. Ninguém pensara nesse e noutros contos de fadas, muito mais fortes que qualquer novela de televisão. Concluí:

– Mas o conto é instrutivo. Ajuda a criança a lidar, simbolicamente, com sentimentos de rejeição familiares. A saber que há um mundo difícil a enfrentar lá fora. Do ponto de vista do inconsciente, é rico em possibilidades.

As ONGs e os defensores do politicamente correto se apoiam em questões que julgam ser objetivas. Dividem o mundo entre bom e mau. Confundem o que é complexo com o nocivo. Mesmo a Cinderela, tão querida do público infantil, não pode passar por uma interesseira, que se casa baseada no status do príncipe? Hummm... mas a questão é que esse é um conto de formação, que novamente lida com a rejeição e a existência de qualidades intrínsecas ao ser humano, aquelas que sobressaem mesmo quando negadas.

O inconsciente não funciona como uma receita de bolo, em que determinados ingredientes levam aos mesmos resultados. É um sistema complexo e simbólico. Vivenciar a realidade por meio da ficção é uma preparação para a vida adulta e para este mundo, que não anda nada fácil.

As restrições já deixaram o campo da teoria. Além de livros inscritos num “índex educacional”, há escolas que aboliram o Dia das Mães e dos Pais. Argumentam que, com as novas famílias, divórcios, recomposições, deve ser comemorado o Dia da Família. Não é errado de um ponto de vista teórico. Poderia ser incorporado no calendário, assim como o Natal – que, para mim, sempre foi o dia da família, mas enfim... Defendo o Dia das Mães e dos Pais. É uma maneira de festejar um vínculo emocional, de reforçar os laços de amor, de dizer novamente: “Eu te amo”.

Estruturar o mundo por meio do politicamente correto é criar proibições que afetam as obras artísticas. Mais que isso, as relações com as crianças. De que adianta criá-las numa redoma, se o mundo lá fora está cheio de lobos maus e um dia será preciso enfrentar alguns deles?


Antes eu achava que o “politicamente correto”era apenas uma grande bobagem. É mais sério: tornou-se um exercício de controle, travestido de boas intenções. Sob a capa de democrático, revive anseio por um mundo autoritário e, por que não dizer, fascista.

Bom Fim De Semana!
Amigos são flores, que desabrocham
no jardim de nossa existência,
perfumando nossa vida com fidelidade,
carinho e compreensão.
São anjos de bondade que surgem em nossos
caminhos, para nos dar forças nas
horas de amargura, e acompanhar-nos
em nossos momentos de solidão...
OBRIGADA POR SER MEU AMIGO(A)

sábado, 6 de julho de 2013

Fé S.A.


06 de julho de 2013 | N° 17483
NILSON SOUZA

Fé S.A.

Deu no jornal – de Brasília, mas não sejamos preconceituosos com a nossa bela Capital. Podia ter sido em qualquer cidade do país. Num anúncio classificado assinado por um certo Francisco, que certamente não é o argentino, foi publicada a seguinte mensagem: “Procuro 2 pessoas p/juntos abrirmos uma Igreja”. Acompanhava um número de celular para contato. Um repórter curioso (redundância, eu sei, mas vamos lá) ligou e ouviu do homem do outro lado uma explicação direta: “Meu propósito é espiritual e financeiro.

Sou bastante objetivo nos meus negócios”. Mais do que objetivo, caradura mesmo. Francisco explicou que a ideia é fundar uma igreja para ganhar muito dinheiro com ela. Lembrou que basta investir numa sala com algumas cadeiras de plástico, de preferência numa área bem pobre. E revelou sua estratégia: “Precisamos de alguém com noção de hipnose. A pessoa vai ficar hipnotizada, vai te dar 10% hoje. Amanhã dá mais 10% e conta o milagre para os outros”.

A fé é uma certeza. Um homem hipnotizado não tem dúvidas: faz o que lhe pedem ou ordenam. Talvez esteja aí, nesta simplória declaração de vigarice, a explicação para o fato de tanta gente se deixar enganar por charlatães. Alguns especialistas dizem que uma pessoa só pode ser hipnotizada se permitir. Quem ouve atentamente alguma pregação, religiosa, política ou de qualquer outra natureza, está predisposto a aceitar o discurso como verdadeiro. Ou a obter vantagens, que podem variar da aceitação social à vida eterna.

Na verdade, a hipnose é um estado de grande atenção em que o cérebro foca em alguma coisa e se desliga do resto. Li outro dia que todos nós passamos por momentos de auto-hipnose sem perceber. Um exemplo: quando nos dirigimos para algum lugar e, ao chegarmos, nem lembramos qual foi o caminho percorrido. Naquele momento de distração, nossa mente estava focada no objetivo, não no trajeto.

A hipnose chegou a ser utilizada por Freud e tem reconhecimento científico até mesmo como método medicinal. Outro dia fiquei sabendo que dentistas especializados na arte de mesmerizar receberam autorização do Conselho da categoria para utilizá-la como complemento da anestesia. Nessa não caio. Mesmo que fosse sugestionável a esse ponto, tenho certeza de que aquele barulhinho da broca me arrancaria de qualquer transe.


Pois, assim como a hipnose, a fé também tem o seu lado positivo. Não se pode ignorar que as igrejas sérias oferecem às pessoas paz de espírito, autoestima e, em muitos casos, um rumo para a vida. Porém, se encontrar alguma comandada pela santíssima trindade da esperteza – o anunciante, o investidor e o hipnotizador –, fuja dela e deles. Só querem os seus 10%.

Henrique e Renan não me representam

RUTH DE AQUINO - 05/07/2013 21h14 - Atualizado em 05/07/2013 21h35

Henrique e Renan não me representam

Sugestão para um plebiscito simples: os presidentes da Câmara e do Senado devem renunciar? Sim ou não?
 
Sugestão para um plebiscito simples e objetivo: os presidentes da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), devem renunciar? Sim ou não? Henrique e Renan agora querem ouvir a voz das ruas, embora tenham sido eleitos em voto secreto por seus companheiros. Que tal perguntar ao povo se Renan & Henrique têm estofo ético para presidir o Legislativo e conduzir a moralização?

Os dois usaram jatos da FAB para lazer pessoal e da família em fins de semana. Henrique foi de Natal ao Rio de Janeiro com filho, noiva, cunhado, concunhada e enteados para assistir à final Brasil x Espanha no Maracanã. Quanta generosidade com a verba alheia. Num Brasil já conflagrado por protestos, Renan foi com a mulher, no dia 15 de junho, de Maceió a Trancoso, na Bahia, para o casamento da filha do amigo Eduar­do Braga (PMDB-AM), líder do governo no Senado.

São os aviões da alegria, transportando com nosso dinheiro políticos profissionais que vivem em outro mundo, dissociados da realidade, divorciados da moralidade, alheios ao anseio popular. A casta superior do País Partido.

E as desculpas? Henrique tinha um “encontro oficial” na casa do prefeito do Rio, Eduardo Paes, no sábado, véspera da final da Copa das Confederações: “Não era turismo”. Renan disse que o casamento na Bahia foi um “compromisso de representação”. “Sou um presidente de Poder”, disse Renan, “na lei não há nada que diga que só posso usar avião da FAB a serviço.”

Seu padrinho e mentor se chama José Sarney. Em agosto de 2011, Roseana Sarney cedeu um helicóptero da PM para levar o pai a sua ilha particular de Curupu. Ministros do STF desaprovaram como “desvio de finalidade” o uso pessoal de aeronave destinada à segurança e à saúde do povo. Lembremos a resposta de Sarney: “Tenho direito a transporte de representação, e não somente a serviço. É chefe de Poder”. Renan só deu um “copia e cola”.

Um decreto presidencial de 2002 restringe o uso a “segurança e emergência médica; viagens a serviço; e deslocamentos para o local de residência permanente”. Henrique pediu desculpas pelo “equívoco” de ter dado carona. Prometeu devolver R$ 9.700 aos cofres públicos.

O jornal Folha de S.Paulo fez cotação com as empresas TAM e Líder Aviação, que fazem frete particular. Nas mesmas datas, trechos e passageiros, o valor mais baixo foi de R$ 158 mil. Renan achou – e continua achando – que pode usar aviões da FAB para ir a casamento na Bahia. Só depois do barulho e da pressão, ele disse que devolveria R$ 32 mil aos cofres públicos.

Aviões da alegria transportam com nosso dinheiro políticos que vivem alheios, em outro mundo

Em 2004, o filho do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Luís Cláudio Lula da Silva, usou um avião da FAB para uma excursão de amigos ao Palácio da Alvorada. No governo Fernando Henrique Cardoso, seis ministros usaram a FAB para ir com as famílias a Fernando de Noronha e foram condenados a ressarcir os gastos.

Deveríamos encher um Boeing com esses políticos profissionais e mandá-los a uma reeducação intensiva. Um reformatório da vida real, onde pegassem ônibus e trem, usassem o SUS, matriculassem filhos na escola pública.

Não precisamos desmoralizar os políticos. Eles desmoralizam a si próprios em golpes contra a cidadania. Alguém lembra o escândalo dos cartões corporativos em 2008 ? A ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, foi demitida por gastar R$ 175 mil só com aluguel de carros. O ministro do Esporte, Orlando Silva, usou cartão corporativo, com brasão da República, para levar a família a um hotel de luxo em Copacabana... e até para comprar uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra.

E os gastos de Rosemary Noronha com cartão corporativo? O jornal O Globo pede há seis meses acesso ao extrato da ex-servidora e secretária de Lula em São Paulo. A Presidência da República não vai liberar. Os gastos foram classificados como “reservados”.

Esta é a verdadeira reforma política: a reforma da cabeça de quem habita o Palácio do Planalto e o Congresso. A maioria tem ensino superior, mas não aprendeu o bê-á-bá: distinguir o público do privado.

Só um país da carochinha admite que Henrique e Renan elaborem sugestões para um plebiscito. Em janeiro, ÉPOCA revelou que, de acordo com a Polícia Federal, o empreiteiro da construtora Gautama pagou propina a assessores de Renan e Henrique por um contrato de R$ 77 milhões para construir uma barragem em Alagoas. Uma obra que recebeu R$ 30 milhões e parou. Renan amargou neste ano um repúdio inédito: 1,5 milhão de assinaturas de brasileiros exigiram sua saída da presidência do Senado.


Não é pelos 20 centavos, nem pela tapioca, nem pelos jatos da FAB. É pela transparência e decência. Não, Renan e Henrique, os senhores não me representam. Precisa explicar ou tem de desenhar?

Fé e fofoca

WALCYR CARRASCO
02/07/2013 16h50 - Atualizado em 02/07/2013 16h51

Fé e fofoca

A fofoca é a base da tese da “cura gay”: maléfica, preconceituosa, com o poder de destruir vidas

Um dos meus livros prediletos é Os miseráveis, de Victor Hugo, do século XIX. Creio que um dos trabalhos mais apaixonantes da minha vida foi traduzi-lo e adaptá-lo para jovens. Uma das passagens mais marcantes, descrita em detalhes no original, fala do poder da fofoca. Fantine é mãe solteira e deixou sua filha, a menina Cosette, aos cuidados de um casal, a certa distância da cidade onde se fixou.

Trabalha como operária e envia quase tudo o que ganha para o sustento da menina. Só que não sabe ler e escrever. Recorre a um profissional para redigir suas cartas e ouvir as respostas. As colegas de trabalho desconfiam.

Para quem tantas cartas, afinal? Convencem o homem que as escreve não a revelar seu conteúdo – ele é discreto –, mas a fornecer o endereço para onde são enviadas.

Uma delas, então, viaja às próprias custas para apurar a história. Volta com a satisfação de “saber de tudo”. Conta o que sabe para todas. Estigmatizada numa época em que ser mãe solteira era uma desonra, Fantine briga com as outras. É demitida por moralismo. Acaba nas ruas como prostituta. Quem leu o livro, viu algum dos filmes ou versões teatrais inspirados na obra sabe que ela vende os dentes e cabelos para depois morrer tragicamente. Onde começou toda a sua via-crúcis? Na curiosidade sobre a vida alheia.

Acredito que a fofoca é maléfica. É fundamentada no preconceito. Tem o poder de destruir vidas. Em sua primeira peça de teatro, em 1934, a escritora americana Lilian Hellman (1905-1984) aborda o tema. A peça, The children’s hour, foi sucesso na Broadway e ganhou versão cinematográfica com as estrelas da época, Audrey Hepburn e Shirley MacLaine. Aqui no Brasil, o filme ganhou o título de Infâmia. (Procurem, vale a pena ver.)

Narra a história de duas mulheres, sócias fundadoras de uma escola infantil nos Estados Unidos. Uma aluna as acusa de ter uma relação homossexual. Não têm, de fato. Mas a avó da garota espalha a fofoca na comunidade. Perdem os alunos, quebram financeiramente e, finalmente, uma delas se suicida. Histórias como essa são frequentes.

No mundo artístico, encontro jovens que deixaram a cidade distante onde viviam, porque não suportavam mais os falatórios. Certa vez, em visita à pequena Bernardino de Campos, interior de São Paulo, onde nasci, conversei com um rapaz de cabelos pintados de verde, num estilo meio punk, cuja família se mudara para lá. Fazia faculdade, mas queria voltar a São Paulo, onde trabalhava como motorista. Eu me espantei:

– Prefere o trânsito de São Paulo a terminar um curso universitário, ter uma carreira?

– Aqui, meu cabelo virou até notícia na rádio – respondeu ele. Por que falo sobre tudo isso?

Sim, sei que a proposta de “cura gay”, do deputado Marco Feliciano, já foi muito comentada. Seria chover no molhado dizer quanto isso nos ridiculariza internacionalmente, já que a Organização Mundial da Saúde não classifica a homoafetividade como doença e, portanto, não se trata de algo a curar. Mas quero olhar a questão por outro ângulo.

Todo esse movimento liderado por Feliciano, entre os evangélicos, e pela deputada Myrian Rios, como católica carismática, entre outros, não pode ser confundido com fé. É uma enorme curiosidade pela vida alheia. Como fofoca transformada em questão política. Convivo com esse tipo de comportamento não é de hoje.

Tenho uma tia que frequenta a igreja Assembleia de Deus. Nunca corta os cabelos, devido a uma interpretação do Velho Testamento, em que eles são descritos como “véu da mulher” – embora nada proíba Feliciano de depilar as sobrancelhas. Adolescente, eu morava em Marília, interior de São Paulo. Uma jovem evangélica da Assembleia deixou de ser virgem. A fofoca se espalhou no templo. A moça foi expulsa publicamente da igreja. Não é o primeiro preceito cristão acolher os pecadores?


Normatizar a vida dos fiéis é exercer poder sobre eles. Esse poder é exercido pela fofoca entre os membros da comunidade religiosa, que passam a controlar o comportamento uns dos outros. Trazer esse tema, da igreja, para a política, é um acinte para a sociedade. Quanto mais se fala em “cura gay”, mais cresce o preconceito. E o preconceito estimula a fofoca, o controle sobre o comportamento alheio. É um risco para quem acredita nas liberdades individuais. Inevitavelmente surgirão novas vítimas, como a Fantine de Victor Hugo.