quarta-feira, 29 de outubro de 2008



29 de outubro de 2008
N° 15773 - MARTHA MEDEIROS


O anjo e o diabo

A cena é recorrente em desenhos animados e filmes publicitários. Uma pessoa está na dúvida entre seguir um caminho ou outro. Subitamente, escuta a voz de um anjinho assoprando boas dicas em um de seus ouvidos.

No instante seguinte, escuta a voz de um diabinho recomendando selvagerias. O anjinho geralmente está certo, mas as dicas dele são desprovidas de adrenalina. O diabinho geralmente está errado, mas possui idéias excitantes. A quem obedecer?

O anjinho diz para um cara: “Que história é essa de sair do trabalho no meio da tarde? Você sempre foi responsável, não coloque em risco sua boa imagem por causa de uma aventura”.

O diabinho contra-argumenta: “Ninguém vai morrer se você sair mais cedo – e a bonitona que você conheceu quer pegar um avião logo mais à noite: e se ela for a mulher da sua vida?”.

O anjinho: “Esquece isso, você perderá a chance de ser promovido por causa de uma escapulida que vai pegar supermal com seu chefe” .

O diabinho: “Seu chefe não tem aquelas pernas!!”.

O anjo e o diabo brigam incessantemente, e essa é uma das razões pelas quais a vida pode ser divertida: se a gente tivesse certeza de tudo, qual seria a graça?

Eu geralmente sigo os conselhos do meu anjo porque ele enxerga a longo prazo. O diabo tem mais humor e mais ousadia, mas ele não prevê conseqüências, vive o agora, o imediato: sempre acha que vamos morrer amanhã. Não é diabo à toa.

São dois grilos falantes que não decidem por nós, mas nos ajudam a tomar atitudes razoavelmente equilibradas. Geralmente eu aproveito um pouco do que cada um deles me sussurra e transformo em outra coisa, em um terceiro pensamento: o meu.

Essa história de anjinho e diabinho me veio à cabeça por causa do Lindemberg, o sujeito que manteve em cativeiro as meninas Eloá e Nayara no seqüestro mais destrambelhado do ano.

Ao se comunicar com os policiais, ele avisava que tinha um anjo e um diabo orientando-o. Pode-se imaginar que o anjo pedia que ele liberasse as meninas, enquanto que o diabo lhe sugeria detonar com tudo.

A gente sabe a quem ele deu ouvidos. Nem ao anjo nem ao diabo, pois são apenas duas figuras metafóricas da nossa consciência, e que consciência tinha aquele desajustado? Ele seguiu a orientação do seu abandono.

Agiu conforme o que recebeu da vida: um pai e uma mãe que por nenhum momento deram as caras, nem durante, nem depois do seqüestro, e pior: tudo indica que nem antes.

Anjinhos e diabinhos nos divertem e instigam, mas a gente conduz nossos atos, a sério, de acordo com os sussurros que nos chegam da infância. Se não vem nada de lá, só nos resta detonar com tudo.

O meu anjo está avisando que não posso perder o show do Frejat, sexta, dia 31, na Reitoria da UFRGS, ainda mais que seu disco novo, Intimidade entre Estranhos, traz nossa primeira parceria musical.

Adivinha o que o diabo me sussurrou: que vai também! Então, todo mundo lá.

Aproveite a quarta-feira - Namore - Ame - Uma ótima quarta-feira a todos nós.


29 de outubro de 2008
N° 15773 - DIANA CORSO


Amores brutos

“Quem ama não mata”. Essa era a frase das feministas, décadas atrás, protestando contra a matança de mulheres pelos seus homens. A afirmação é convincente, mas será que se trata de amor nesses casos?

O Brasil inteiro assistiu a jovem Eloá, 15 anos, ser seqüestrada e assassinada pelo seu ex-namorado Lindemberg, 22 anos. Sobre as trapalhadas policiais que redundaram no desastre só teria a opinar que a atuação sistemática de algum psi (psiquiatra, psicólogo, psicanalista) nas negociações teria melhores chances do que o telefonema da Ana Maria Braga.

O amor não é desinteressado, só dizemos “eu te amo” para ouvir, no mínimo, “eu também”. Amamos para ser amados, mas as relações amorosas possibilitam também a construção e o reconhecimento da identidade sexual: só serei homem ou mulher de verdade se houver alguém que me deseje, que satisfaça seus anseios em mim e comigo.

Na lógica masculina mais corrente, uma mulher que está satisfeita na relação confirma a virilidade do parceiro. Se ela o deixa, é como se lhe negasse a potência, se o substitui, é como se ele perdesse a disputa, comparado ao novo amor.

Por isso os homens podem ficar bem violentos nos fins dos relacionamentos ou em uma simples cena de ciúme: está em jogo sua identidade. Para certos homens, fraquejar em sua potência não é um tropeço, pode ser vivido como uma ameaça de destruição.

Por isso, muitas vezes, aquele que foi traído mata a mulher, eliminando aquela que deveria mantê-lo homem, mas fez o contrário. O fato de sua mulher gozar com outro seria, para esses machos, o mesmo que feminilizá-los, submetendo-os ao domínio do novo escolhido.

A atitude de Lindemberg baseia-se nessa lógica. Ele promoveu uma encenação patológica, acompanhada pela audiência em tempo real, daquilo que deveria manter-se apenas na fantasia.

Ele matou Eloá pelas razões acima: ela não devia seguir vivendo sem amá-lo e jamais deveria entregar seu coração para outro homem.

Óbvio que uma menina de 15 anos sequer suspeita que sua vida amorosa possa tomar esse rumo. Quanto a nós, que vimos o rapaz demarcar seu território viril como um bicho furioso e acuado, podemos tentar compreender, sem jamais perdoar, a fonte dessa loucura.

Além de perguntar-se sobre a segurança, o papel do Estado, da polícia, da mídia, da família, vale no mínimo questionar-nos por que, para certos homens, sua identidade é algo que pode se decidir na ponta do cano do revólver.

Esse nunca nega fogo, não brocha e, infelizmente, não há dúvida: Eloá nunca pertencerá a outro homem.

terça-feira, 28 de outubro de 2008



DEPOIS DAS ELEIÇÕES

Ufa! Passou a eleição. Agora já se pode novamente falar de política. Mulher e futebol terão de dividir as atenções. Durante o tempo que durou a campanha eleitoral, o jornalismo de opinião ficou amordaçado. Só a propaganda, quer dizer, a autopropaganda teve espaço na mídia.

Os políticos, que legislam em causa própria, inventaram leis que os protegem da opinião da imprensa ao longo da temporada de caça aos eleitores. Podem dizer o que bem entendem sem contestação externa.

O jogo é deles e só entre eles pode haver réplica e tréplica. Os jornalistas viram mediadores em debates tediosos. Cabe-lhes passar a palavra ou levantar a bola para o candidato chutar. É como se um clube de futebol, na semana anterior a uma decisão importante, ganhasse imunidade contra a crítica para não prejudicar o desempenho e assegurar a neutralidade.

Aproveitei, nesse tempo de censura, para tratar do assunto que mais entendo: eu. Quando cansava de mim, abordava a crise norte-americana. Claro que estava cheio de opiniões sobre os candidatos. Como não podiam ser utilizadas, acabei esquecendo-as.

A política, como o futebol, é cheia de clichês que só permanecem por falta de outra coisa para se dizer. Por exemplo, diz-se que no Brasil os partidos não têm a menor importância, que se vota em pessoas, não em partidos.

Como se explica, então, que o PMDB ficou com 1.201 prefeituras? Como se explica que PSDB, PP e PT venham em seguida, com um lote considerável de administrações? Será que o PMDB teve a sorte de contar com as boas pessoas na maioria dos municípios brasileiros? Eu voto, quando não anulo solenemente por falta de opção, em pessoas e não vejo problema nisso. Partido, como a fidelidade, é uma instituição do século XIX. Vai passar.

No Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, candidato acima de qualquer suspeita, foi derrotado, talvez por isso mesmo, pelo quase desconhecido Eduardo Paes, que passou de severo crítico do governo federal a apoiado pelo presidente da República. Um candidato que muda de lado é mais habitual e certamente parece mais confiável. Excesso de coerência assusta. A 'pessoa' Gabeira perdeu a vaga de prefeito para o PMDB.

Nem o seu charme, nem a história do militante contra a ditadura e de ex-guerrilheiro de tanga de crochê, nem a sua postura corajosa e transparente nestes últimos anos de mensalão e máscaras caídas seduziram a maioria dos eleitores. Em torno de 900 mil foram à praia, ou a algum lugar semelhante, e não votaram. Os cariocas são especialistas em eleger nulidades ou em seguir a ordem dos seus caciques. O Rio é um curral com vista para o mar.

Porto Alegre ficou limpa durante a campanha. Tão limpa que nem parece ter passado por uma disputa eleitoral. Eu preferiria que estivesse mais suja. Campanha eleitoral é como sexo. Exijo certa meleca. Ou é fria. A nova lei valoriza a campanha asséptica e cirúrgica. Hospitalar.

Cada vez mais, o único canal de comunicação entre o eleitor e os candidatos é a mídia. Tudo gravado, produzido, maquiado, corrigido com programas de computador e arrumado para vender o produto sem suas rugas e imperfeições. É o triunfo absoluto do marketing.

A campanha é um comercial entre dois blocos de ficção. Enfim, passou, estamos livres, podemos até, se quisermos, abrir os nossos votos. Como é bom, depois de meses de silêncio político, ter novamente direito à expressão. Cheguei a pensar que Obama era candidato no Brasil. Era só a ele e a McCain que se podia criticar.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma excelente terça-feira para todos nós

sábado, 25 de outubro de 2008



26 de outubro de 2008
N° 15770 - MARTHA MEDEIROS


Educação para o divórcio

Estou lendo O Quebra-Cabeça da Sexualidade, do professor espanhol José Antonio Marina. No livro, o autor diz que considera preocupante que os jovens estejam recebendo dos pais a experiência do fracasso amoroso.

Ao ver a quantidade de casais que se separam, a garotada vai perdendo a expectativa de ter, no futuro, uma relação saudável e sem conflito. Desencantam-se.

Creio que esteja acontecendo mesmo. Hoje o casamento já não é a ambição número 1 de muitos adolescentes, e um pouco disso se deve à descrença de que o matrimônio seja uma via para a felicidade. Se fosse, por que tanta gente se separaria?

O casamento tem sofrido tanta propaganda negativa que é preciso uma reação da sociedade: está na hora de passarmos a idéia, para nossos filhos, de que uma relação não traz apenas privações, tédio e brigas, mas traz também muita realização, estabilidade, parceria, intimidade, gratificações.

Casar é muito bom. Como fazê-los acreditar nisso, se as estatísticas apontam um crescimento incessante no número de divórcios?

Um profissional do assunto deu uma entrevista para Zero Hora alguns dias atrás (o nome dele, mil desculpas, não recordo) e disse que está na hora de educarmos os filhos desde cedo para que a idéia de separação seja acatada como algo que faz parte do casamento.

Ou seja, quando os pirralhinhos perguntarem: “Mamãe, você ficará casada com o papai para sempre?”, a resposta pode ser: “Enquanto a gente se amar, continuaremos juntos – senão vamos virar amigos, o que também é muito bom”.

Isso pode parecer chocante para quem jurou na frente do padre que iria ficar casado até o fim dos dias, mas há que se rever certas fórmulas – a começar por esse juramento que mais parece uma punição do que um ideal romântico.

Está na hora de um pouco de realismo: hoje vivemos bem mais do que antigamente, com mais saúde, mais informação e mais oportunidades.

Deve ser bastante confortável e satisfatório ficar casado com a mesma pessoa por 40 ou 50 anos, mas se a relação durar apenas 10 ou 15, é bom que a gurizada saiba: não é um fiasco. É normal.

A normalidade das coisas se adapta aos costumes. Vagarosamente, mas se adapta. Se continuarmos insistindo na idéia de que o verdadeiro amor não acaba, as crianças vão achar que o mundo adulto é habitado por incompetentes que não sabem procurar sua alma gêmea e que sofrem em demasia. Vão querer isso para elas? Fora de cogitação.

Pra evitar essa fuga em massa do casamento, a saída é, como sempre, a honestidade. Seguir educando para o “eterno” é uma incongruência.

Ninguém fica no mesmo emprego pra sempre, ninguém mora na mesma rua pra sempre, ninguém pode prometer uma estabilidade vitalícia em relação a nada, e se a maioria das mudanças é considerada uma evolução, um aperfeiçoamento, uma busca por novos horizontes, por que o casamento não pode ser visto dessa mesma forma descomplicada e sem stress?

A frustração sempre é gerada por expectativas que não se realizam. Se nossos filhos são criados com a idéia de que pai e mãe viverão juntos para sempre, uma separação sempre será mais traumática e eles também temerão “fracassar” quando chegar a vez deles.

Se, ao contrário, souberem desde cedo que adultos podem viver duas ou três relações estáveis durante uma vida, essa nova ética dos relacionamentos será absorvida de forma mais tranqüila e eles seguirão entusiasmados pelo amor, que é o que precisa ser mantido, em benefício da saúde emocional de todos nós.

Excelente domingo - Vote consciente - e uma semana iluminada para você.

sábado, 18 de outubro de 2008



19 de outubro de 2008
N° 15763 - MARTHA MEDEIROS


Gente fina

Gente fina é politica-mente correta? Se for, não sou gente fina, porque fico muito impaciente com certas cortesias exageradas. Por exemplo, outro dia estava no aeroporto e uma voz no alto-falante convidou a embarcar os passageiros da melhor idade.

Se eu tivesse cem anos, entenderia que todos deveriam passar na minha frente. Que melhor idade? Claro que alguém pode estar mais satisfeito aos 80 anos do que quando tinha 40, mas isso é levar em conta o específico.

Na hora de generalizar, sejamos menos franciscanos. Milhares de pessoas idosas têm a cabeça ótima e estão realizadas, mas se tiverem bom humor, vão dispensar o consolo: pô, melhor idade é provocação.

O mesmo sobre magros e gordos. Cada um faz o que bem entender com o próprio corpo. Comer com liberdade é um direito e ninguém tem que se sacrificar para atender a um padrão estético, mas que ser magro é melhor do que ser gordo, é.

Pra saúde é melhor, pra se vestir é melhor, pra se locomover é melhor, pra dançar é melhor. Não quer dizer que um gordo não seja feliz. Geralmente, são felizes à beça, mais do que muito varapau.

Mas se fosse possível escolher entre ser magro e ser gordo sem nenhum efeito colateral de felicidade ou infelicidade, sem nenhum esforço, só no abracadabra, todo mundo iria querer ser magro, assim como todo mundo preferiria se cristalizar entre os 30 e os 50 anos. Eu acho. A não ser que eu esteja louca, o que é uma hipótese a considerar.

Porém, melhor que tudo é ser gente fina. Finíssima. Isso nada tem a ver com a tendência atual de ser seca, de parecer um esqueleto ambulante. Gente fina é outra coisa.

Gente fina é aquela que é tão especial que a gente nem percebe se é gorda, magra, velha, moça, loira, morena, alta ou baixa. Ela é gente fina, ou seja, está acima de qualquer classificação. Todos a querem por perto.

Tem um astral leve, mas sabe aprofundar as questões quando necessário. É simpática, mas não bobalhona. É uma pessoa direita, mas não escravizada pelos certos e errados: sabe transgredir sem agredir. Gente fina é aquela que é generosa, mas não banana.

Te ajuda, mas permite que você cresça sozinho. Gente fina diz mais sim do que não, e faz isso naturalmente, não é para agradar. Gente fina se sente confortável em qualquer ambiente: num boteco de beira de estrada e num castelo no interior da Escócia.

Gente fina não julga ninguém – tem opinião, apenas. Um novo começo de era, com gente fina, elegante e sincera. O que mais se pode querer? Gente fina não esnoba, não humilha, não trapaceia, não compete e, como o próprio nome diz, não engrossa.

Não veio ao mundo pra colocar areia no projeto dos outros. Ela não pesa, mesmo sendo gorda, e não é leviana, mesmo sendo magra. Gente fina é que tinha que virar tendência. Porque, colocando na balança, é quem faz a diferença.

André Petry, de Nova York

SALVOS, MAS E AGORA?

Diz-se que os economistas previram cinco das três últimas recessões. Espera-se que estejam exagerando também quanto às próximas

Evan Vucci/AP

TROPA DE CHOQUE Bush, com os ministros da Fazenda dos países mais ricos do mundo: "Resposta global"



A cronologia foi de pânico mundial nos dois lados do Atlântico. Em Washington, no sábado 11, o presidente George W. Bush encontrou-se pela manhã com os ministros da Fazenda dos sete países mais ricos do mundo. "Estamos diante de uma crise global que requer uma firme resposta global", disse Bush, cenho eternamente franzido.

No fim da tarde, ele apareceu, desta vez de surpresa, no encontro das autoridades econômicas do G-20, que reúne os países emergentes, Brasil incluído. Queria dizer que nenhuma "resposta global" resultaria numa sangria de capital dos emergentes.

No mesmo prédio, acabara a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujo diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, saiu dizendo que o sistema financeiro mundial estava "à beira de um derretimento sistêmico". Clima de pânico. No domingo, em Paris, o presidente Nicolas Sarkozy recebeu seus colegas europeus.

"Precisamos de medidas concretas, precisamos de unidade", conclamou. Dos ricos aos emergentes, de Washington a Paris, a tropa de choque mundial corria para salvar o sistema financeiro despejando a cifra colossal de mais de 1 trilhão de dólares nos bancos que se desmilingüiam.

Era preciso evitar que as bolsas, ao reabrir na segunda-feira, reprisassem o espetáculo tétrico da semana anterior, quando começaram a cair num abismo sem fundo.

Deu certo. Na segunda-feira, as bolsas ficaram eufóricas. Em São Paulo, alta de 14,7%. Em Nova York, 11,6%. Em Paris, 11,2%. Em Frankfurt, 11,4%. Em Londres, 8,3%. Enquanto as bolsas exibiam em público quanto o mundo financeiro virara uma coisa só, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, encarava em privado um sinal dramático dessa unidade planetária.

Diante dos nove maiores banqueiros dos Estados Unidos, convocados às pressas para uma reunião em Washington, Paulson disse que o governo americano estava comprando parte de seus bancos – compulsoriamente. Houve banqueiro achando que era uma boa idéia (J.P. Morgan) e banqueiro reagindo duramente à venda forçada (Wells Fargo).

No fim, querendo ou não, todos assinaram a venda. É a mais cara nacionalização bancária da história, na qual o governo americano vai desembolsar 250 bilhões de dólares para comprar ações de milhares de bancos, a começar pelos nove gigantes.

Desde que a Europa, com a Inglaterra à frente, decidira comprar ações de seus bancos, os EUA não tinham outra opção senão tomar o mesmo caminho, sob pena de deixar seus bancos na chuva. Coisas do mundo globalizado.

Tão globalizado que, no dia seguinte, quando a solução para a crise financeira estava finalmente encaminhada, as bolsas voltaram a cair. Motivo? O temor de uma recessão global severa.

Os economistas previram cinco das três últimas recessões. Espera-se que estejam exagerando também quanto às próximas. Mas os sinais de que a economia real sentiu o tranco da crise começaram a aparecer. A produção industrial dos EUA caiu 2,8% no mês passado. É a maior queda desde 1974.

O consumidor americano, conhecido gastador, está começando a conter os gastos. "É um dado realmente crítico", disse a VEJA o ministro do Comércio americano, Carlos Gutierrez. Crítico porque 70% da economia americana corresponde aos gastos de consumo.

Já caiu o preço da gasolina, dos automóveis, do vestuário. Se a economia americana pára, a economia mundial tende a parar – a menos que a Ásia, com a China na comissão de frente, siga de vento em popa, evitando assim uma recessão mundial.

Tudo evidencia, para o bem ou para o mal, que a conexão financeira do planeta chegou a tal dimensão que nada se restringe às fronteiras nacionais. A crise é global. A prosperidade é global. É preciso, portanto, pensar global.

"Agora, temos de criar a arquitetura financeira adequada para a era global", disse o primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, festejado como "Flash Gordon", o homem que salvou o mundo do colapso financeiro ao assinar um cheque de 90 bilhões de dólares para comprar parte dos bancos ingleses.

A atual arquitetura financeira nasceu na conferência realizada na cidade de Bretton Woods, em New Hampshire, que reuniu representantes de 44 países em julho de 1944.

A idéia era evitar a repetição do tumulto monetário do período entre os dois conflitos mundiais e estabelecer as bases para a reconstrução da Europa devastada pela guerra. Para tanto, a conferência criou um novo sistema monetário internacional, já sob a influência hegemônica dos Estados Unidos.

Depois de três semanas, a reunião consolidou a supremacia do dólar americano sobre a libra inglesa, criou mecanismos para estabilizar o câmbio, evitando as oscilações selvagens de antes, e definiu os princípios do livre-comércio. Durou até 1971, quando o câmbio fixo explodiu e se adotou o flutuante.

Em Bretton Woods, gestou-se o embrião do capitalismo moderno. Germinou ali a primeira semente do que hoje é a globalização. Mas a crise atual mostrou que, em alguma medida, o que foi construído há mais de meio século precisa de retoques. A questão é saber quais.

Uma alternativa é concluir o que já se começou – como a Rodada Doha, promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), filhote, aliás, das instituições de Bretton Woods, nascida da costela do antigo Gatt. Doha é o meio mais ágil para desobstruir o comércio mundial, o que injetaria uns 100 bilhões de dólares na economia do planeta, e poderia ser o pontapé inicial de uma reforma global.

"A começar por uma mudança no grupo de comando, que hoje é o G-7", disse a VEJA Barry Eichengreen, ex-conselheiro do FMI e professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Quem seriam os novos caciques da aldeia? "Talvez Estados Unidos, União Européia, Japão e o Bric", diz ele, usando o acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China. É uma ilusão infantil pensar numa "autoridade monetária mundial", mas é preciso incorporar ao sistema mundial as lições da crise.

"O sistema está opaco devido à assimetria de informação", disse a VEJA o professor Arthur Segel, da Universidade Harvard. "Precisamos de alguma regulação de capital e mais transparência no jogo", diz ele, que tem vasta experiência no mercado imobiliário, cuja explosão detonou a atual crise.

A idéia de uma Bretton Woods 2.0 aparece a cada tumulto global. Há dez anos, no rescaldo da crise da Ásia, o então primeiro-ministro Tony Blair dizia a mesma coisa que diz hoje seu sucessor, Gordon Brown.

Na semana passada, Sarkozy voltou a pedir uma cúpula mundial – já em novembro – para discutir o assunto. Existe um enorme ceticismo quanto à funcionalidade de uma ONU das finanças, mas é bom que os poderosos do mundo se mexam.

Claudio de Moura Castro

Os professores e a regra de três

"Nossos professores não aprenderam a ensinar e, como conseqüência, nossos alunos não aprendem o que deveriam aprender"

Ato I. Oitocentos professores no auditório. Peço que levantem a mão aqueles que aprenderam a ensinar "regra de três" na faculdade de educação. Surpresa! Nem uma só mão levantada. Ou seja, não aprenderam como ensinar a mais útil das ferramentas matemáticas.

Ilustração Atômica Studio

Ato II. Três mil professores no auditório. Falo com eles sobre a importância de receberem material didático bem detalhado, de forma a melhorar suas aulas e facilitar sua vida. Sou aplaudido de pé.

Choram de decepção, ou de raiva, os fundamentalistas antilivros presentes ao evento. Para eles, o professor precisa inventar sua aula em vez de usar o bom material existente.

Ato III. Eu em conversa com algumas professoras. Como elas não aprenderam na faculdade a dar aula, admitem que seus alunos servem de cobaias, enquanto elas aprendem – processo que pode durar até cinco anos. É como se num curso de cirurgia os alunos estudassem apenas a psicogênese do ato cirúrgico.

Ao se formarem, teriam de inventar maneiras de operar seus pacientes, já que não as haviam aprendido no curso. Pouco a pouco, aumentaria o número de sobreviventes entre seus pacientes.

Os exemplos acima não têm foros de evidência científica. Contudo, refletem a direção tomada pelos cursos que formam nossos professores. Alguns diretores de escolas públicas falam com nostalgia do velho curso Normal, no qual se aprendia a dar aula.

Foi substituído por faculdades de Educação, para formar orientadores nas escolas, e pelos Institutos Normais Superiores, para formar os professores de sala de aula. Mas essas últimas instituições não eram do agrado dos gurus da nossa pedagogia. Usando seus potentes decibéis, conseguiram o seu bloqueio pelo MEC.

O resultado é trágico. Hoje são formados nas faculdades de Educação não apenas os orientadores, mas a esmagadora maioria dos que vão ser professores de sala de aula. Nessas faculdades eles ouvem falar dos livros de muitos autores, vivos e defuntos, nenhum dos quais ensina a dar aula.

Em compensação, estudam as mais exaltadas teorias, tais como a luta de classes, a exploração do homem pelo homem, o imperialismo cultural, os intelectuais orgânicos e a psicogênese do conhecimento.

É como se a inclusão de algum fragmento de sapiência fosse condicionada a não ter nenhuma aplicabilidade na sala de aula. Piaget não ensina a alfabetizar. Portanto, isso não se aprende nessas faculdades. Resultado: os professores se sentem perdidos diante dos seus alunos.

O educador chileno Ernesto Schiefelbein diz que um médico pode abrir um livro de cirurgia e ficar sabendo dos procedimentos aconselhados para uma apendectomia. Um educador deveria ter também um livro que pudesse consultar quando quisesse saber como ensinar a regra de três. Só que há resistência a livros tão específicos.

Para nossos gurus, é errado explicitar como se ensinam tais detalhes, embora haja ampla pesquisa mostrando que isso dá bons resultados.

Entalado na controvérsia está o construtivismo, uma formulação teórica acerca da epistemologia do aprendizado. Aceitemos ou não as suas formulações, elas nada dizem sobre como os livros devem ser nem como usá-los.

A subsecretária de Educação da cidade de Nova York é construtivista ferrenha e confessa. E insiste nos materiais escritos que especificam, nos mínimos detalhes, como conduzir a sala de aula. No Brasil, dizem-se construtivistas os gurus furiosos contra livros detalhados.

Ou seja, o uso do livro nada tem a ver com o construtivismo. Mas tem muito a ver com o bom aprendizado. A receita é simples, precisamos de livros detalhados, em mãos de professores que aprenderam a usá-los e a dar aula. Assim se faz no mundo inteiro.

O resultado de não preparar professores para dar aula e fazer campanha contra livros é que nem a metade dos alunos da 4ª série é funcionalmente alfabetizada (todos deveriam saber ler ao final da 1ª série).

O Pisa (uma prova internacional de aproveitamento escolar) nos mostrou que 23% dos nossos alunos nem sequer atingem o nível 1, o mais baixo. No total, 86% estão abaixo do mínimo esperado.

A lógica é inapelável: como os professores não aprenderam a ensinar, os alunos não aprendem o que deveriam aprender.

Claudio de Moura Castro é economista

Mirian Goldenberg

"A mulher de 50 quer ser desejada"

A autora de Coroas afirma que as brasileiras sofrem quando deixam de ser paqueradas nas ruas

Martha Mendonça


Como a mulher de 50 anos se enxerga hoje? Para responder a essa pergunta, a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entrevistou brasileiras, alemãs e espanholas.

O resultado dessa investigação chega às livrarias na próxima semana sob o título Coroas. Estudiosa de gênero e corpo, Mirian já lançou livros provocadores como A Outra, Infiel e O Corpo como Capital.

Seu novo trabalho mostra que as mulheres de 50 anos se equilibram entre duas forças: de um lado, há o peso dos anos. De outro, a conquista da liberdade – inclusive a de não ter obrigação de provar nada. Para Mirian, as mais realizadas são aquelas que não deixam o tempo atropelar os projetos individuais – e as que gostam do corpo, com suas imperfeições e mudanças.

ENTREVISTA - MIRIAN GOLDENBERG

QUEM É
Nascida em Santos, São Paulo, mora no Rio de Janeiro, é doutora em Antropologia Social, tem 51 anos

O QUE FAZ
É professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O QUE PUBLICOU

Toda Mulher É Meio Leila Diniz, Os Novos Desejos, O Nu e o Vestido, De Perto Ninguém É Normal, Infiel, A Outra, Notas de uma Antropóloga e O Corpo como Capital

ÉPOCA – O que vai pela cabeça de uma mulher de 50 anos hoje?

Mirian Goldenberg – As questões que mais preocupam as brasileiras são a decadência do corpo e os homens. O corpo aparece de duas maneiras: problemas de saúde como artrites e dores na coluna e, especialmente, com relação à aparência.

Essas mulheres não são mais jovens e raramente são magras, ficando longe do padrão valorizado – o que constitui um problema.

Em relação aos homens, as solteiras ou separadas queixam-se das mesmas coisas das de 30 ou 40 anos: a dificuldade de encontrar parceiro. Dizem que os interessantes estão casados. As casadas queixam-se das faltas de seus maridos – falta de sexo, de companheirismo ou de dinheiro.

ÉPOCA – Nenhuma está satisfeita?

Mirian – As mais satisfeitas são as casadas há muito tempo, que já passaram pelas cobranças dos papéis de esposa e de mãe, e vivem, com mais liberdade e prazer, a relação com o companheiro. São raras, mas encontrei algumas. Elas se queixam menos da idade e usufruem o momento com mais liberdade para “ser elas mesmas”, como me disseram.

ÉPOCA – Como elas lidam com a sexualidade, sejam solteiras ou casadas?

Mirian – Uma queixa recorrente que encontrei, aqui no Brasil, foi o tratamento de “senhora” e também o fato de não serem mais paqueradas na rua.

Elas gostariam de continuar a ser chamadas de “gostosa”, sentem falta de os homens não olharem mais para seus corpos. Essas mulheres continuam querendo ser desejadas – mais até do que desejam o sexo em si. Isso vale tanto para as solteiras quanto para as casadas.

Foi interessante observar que algumas mulheres disseram que se sentem mais livres sem um homem, por não terem que satisfazer o desejo masculino. Disseram estar cansadas de fazer sexo, que com a idade vem também a libertação dessa obrigação.

ÉPOCA – Qual é a importância do casamento na vida dessa mulher?

Mirian – Eu criei o conceito de “capital marital” ao descobrir que ter um marido é considerado um verdadeiro bem para as mulheres de mais de 50.

As casadas sentem-se duplamente poderosas: primeiro, por ter um marido num mercado em que ele é cada vez mais raro. Segundo, porque acreditam que o marido depende delas, afetiva e psicologicamente. É algo que as faz sentir importantes.

“Ele não sabe fazer nada sem mim” ou “Ele me liga 20 vezes por dia” são frases que muitas repetem. Numa cultura como a brasileira, em que o valor feminino está atrelado à figura masculina, num universo em que a mais importante forma de reconhecimento é ser desejada por um homem, “o marido” é um capital extremamente valorizado e a prova definitiva do sucesso feminino. Sua ausência é vista pela maioria como fracasso. Mesmo que o casamento, na prática, não seja feliz.

ÉPOCA – Elas têm preconceito em relação a homens mais jovens?

Mirian – Isso está mudando. Muitas ainda têm medo de assumir uma relação com homens mais jovens porque temem a opinião dos outros ou têm medo de ser abandonadas no futuro.

Quanto mais capital tem uma mulher, quando não investe apenas no corpo e na sexualidade, mais é livre para assumir ou não assumir relações das mais diferentes maneiras. Nesse sentido, a velhice está sendo reinventada por toda uma geração de mulheres que não aceitam mais as classificações que lhes são impostas socialmente.

Criei o conceito de ‘capital marital’ ao descobrir que ter um marido é considerado um verdadeiro bem para as mulheres de mais de 50

ÉPOCA – Há medo da solidão, mas, ao mesmo tempo, sensação de liberdade?

Mirian – Sim. Não imaginei encontrar a extrema valorização da liberdade que encontrei. Muitas mulheres me disseram que esta é a fase da vida em que se sentem mais livres.
Depois que passaram por todas as obrigações, como cuidar do marido, dos filhos, muitas vezes fazer sexo sem vontade, elas dizem que podem, pela primeira vez na vida, ser “elas mesmas”, ter os próprios projetos, cultivar as amizades, ter mais prazeres.

Outro fato que me surpreendeu é que elas quase não falam dos seus trabalhos, filhos ou netos. Falam muito sobre o próprio corpo, o marido (ou a falta dele) e as amizades. Eu imaginava que o trabalho e a família teriam um peso maior na vida dessas mulheres, mas isso quase não aparece em seus depoimentos.

ÉPOCA – No que as mulheres brasileiras diferem das alemãs de 50 anos que você pesquisou?

Mirian – As alemãs não estão tão preocupadas com o corpo, a aparência e muito menos com a falta ou ausência dos homens em suas vidas.

Elas se preocupam muito mais com a realização profissional, com o poder que conquistaram, com o respeito que sentem por sua inteligência, idéias, personalidade. As alemãs me pareceram muito mais ligadas à qualidade de vida que conquistaram.

Casa, viagens, amizades, programas culturais. Não se sentem velhas, mas mais maduras, seguras, confiantes. Não parecem ter medo da solidão e a liberdade é algo extremamente valorizado, não apenas aos 50, mas desde sempre.

Acham falta de dignidade uma mulher querer ser mais jovem do que é. Também não se preocupam em ser sexy. Parecem muito mais poderosas que as brasileiras. No Brasil, observei mulheres poderosas objetivamente, mas aparentando ter uma subjetividade “miserável”, sentindo-se menos “capitalizadas” por estar envelhecendo. Lá, não percebi esse descompasso.

Aqui, o envelhecimento é vivido como um momento de perda de capital do corpo e da sexualidade. Lá, como um momento de colheita.

ÉPOCA – Que tipo de mulher costuma ter mais problemas com o envelhecimento?

Mirian – As que só olham para o que estão perdendo. As que se comparam às mulheres de outras faixas etárias ou a si mesmas no passado. As que se agarram aos modelos preconcebidos do que deve ser uma velha.

ÉPOCA – Quando é que a mulher de 50 anos é mais feliz?

Mirian – Quando tem um projeto próprio que não começa aos 50, mas muito antes. Quando percebe o envelhecimento como uma continuidade desse projeto e não como uma ruptura ou como um momento de mudanças. Quando não aceita as classificações e os estigmas sociais e faz da própria vida uma permanente invenção.

Quando gosta de seu corpo com suas imperfeições e mudanças. Quando não se paralisa ou quer imitar modelos de corpo, comportamento e desejos dos mais jovens. Quando não tem preconceitos ou modelos muito rígidos de ser homem e ser mulher, ser velho e ser jovem.

Quem sabe a geração dos anos 60, que reinventou a sexualidade, o corpo, as novas formas de conjugalidade e de casamento, as novas famílias, as novas formas de ser mãe e pai, vai também inventar uma nova forma de envelhecer?

É uma geração que pode optar por não se aposentar de si mesma. Que não aceitará uma identidade coletiva que sempre rejeitou e contestou.


18 de outubro de 2008
N° 15762 - NILSON SOUZA


A cinderela de Espumoso

Quando a gente menos espera, a política também produz uma história bonita. É o caso da eleição no interior rio-grandense da faxineira da Câmara de Vereadores de Espumoso, que a partir do dia 1º de janeiro deixará de lado o balde e a vassoura para legislar.

Sempre que uma pessoa humilde ascende socialmente desta maneira, todos nos sentimos de certa forma recompensados porque fica a idéia de que este país é justo e oferece oportunidades iguais para todos os seus filhos, sejam eles bem-nascidos ou excluídos. Não é bem assim, sabemos, mas a excepcionalidade nos fascina e nos dá esperança.

Como não simpatizar com aquela senhora determinada, que esfrega o chão do parlamento durante a semana e aos domingos canta no coral da igreja?

Acho que também daria o meu voto para ela, até mesmo porque está cada vez mais difícil para o eleitor decidir entre candidatos tradicionais que não hesitam em trair suas ideologias e suas biografias para conquistar aliados ou para depreciar adversários.

Além disso, a dama do rodo carrega no próprio ofício uma simbologia bem adequada para a atividade política: a vocação para a limpeza.

Generalizo, evidentemente. Assim como em todas as profissões, existem políticos honestos e desonestos. Acredito que os governantes e os legisladores representam fielmente a sociedade, no que ela tem de melhor e de pior.

É muito mais fácil culpá-los por todas as mazelas do que reconhecer que só estão lá porque nós os elegemos. Mais difícil ainda é admitir que muitos deles reproduzem nos altos escalões apenas o que alguns de nós fazemos nos nossos círculos.

De qualquer maneira, sempre esperamos menos ostentação e mais integridade de alguém que passou a vida batalhando pela sobrevivência, como é o caso de dona Maria Helena.

Sua eleição lembra o enredo de uma das histórias mais fascinantes da literatura infantil. O mito da Gata Borralheira (ou Cinderela, para ficar mais simpático) tem mais de três mil versões em todo o mundo.

Na maioria delas, uma jovem pobre e trabalhadora passa por muitas privações até viver o seu momento de sonho. No final, numa espécie de prêmio à honestidade e aos bons valores, casa-se com o príncipe encantado.

Espumoso, porém, produziu a sua própria cinderela – uma senhora de meia idade, de sorriso confiável, que realizará muitos sonhos se acrescentar à política um pouco da ingenuidade e da pureza que habitam o coração das pessoas simples.


18 de outubro de 2008
N° 15762 - PESQUEIRO - LUÍS AUGUSTO FISCHER


No anzol

O pesqueiro é o lugar onde se pesca; lugar para pescadores; lugar para encontrar certo alimento; lugar que requer uma certa paciência, longe da velocidade geral da vida; lugar mais ou menos afastado da rotina.

Um pesqueiro, metaforicamente falando, é qualquer bom livro: ali, o leitor interessado vai mergulhar o anzol de sua inteligência e de sua sensibilidade, em busca do alimento sutil de que necessita.

Pesqueiro é o nome da travessa onde morou, nos derradeiros tempos, meu falecido amigo Luiz Sérgio “Jacaré” Metz, autor de um livro que eu não sei como é que o prezado leitor não leu ainda,

Assim na Terra, que eu tentei mas não consegui (ainda) reeditar a contento. O Jacaré morava na Pesqueiro e isso foi motivo de conversa nossa, lá em seu último ano de vida, 1996.

Depois dele, outros leitores-pescadores vieram morrendo – como, de resto, acontecerá com todos nós –: Jorge Pozzobon, autor de outro livro também pouco lido e de enorme valor, Vocês Brancos não Têm Alma; agora mesmo, Luiz Paulo de Pilla Vares, leitor fiel, que gostava do romanção crítico e de ensaios filosóficos sobre o destino da humanidade,

sobre o tamanho da utopia, essas coisas fora de moda mas que, ainda bem, continuam interessando aos corações livres; ano e meio atrás foi meu irmão, Sérgio Luís “Prego” Fischer, autor de uns relatos de tipo policial que vão ser publicados ano que vem, junto com depoimentos de amigos que têm saudade dele.

E o Prego e eu, além disso, ganhamos do destino este sobrenome pescador. Nem ele nem eu pescamos a sério, jamais. Eu não devo ter passado mais de uma hora ou duas com uma linha na mão, à espera de um peixe real; em compensação, na beira do rio das letras, este rio baldo que dá de tudo, não têm conta as horas.

Que este Pesqueiro faça jus ao nome que escolheu: eis o programa de ação.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008



15 de outubro de 2008
N° 15759 - MARTHA MEDEIROS


Ninguém escapa

Quando perguntam qual o livro de que mais gostei na vida, é uma sinuca. Deve haver uns 158 livros que eu gostaria de mencionar pelos motivos mais diversos, mas é preciso escolher um só.

Uni-duni-tê: há 13 anos respondo que o livro da minha vida é Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. E gostei demais da versão que Fernando Meirelles levou pro cinema. Gostei mesmo.

Mas não é do filme que quero falar, e sim desse mundo patrulheiro em que estamos vivendo. Algumas associações de deficientes visuais (ao menos nos Estados Unidos) estão apelando pelo boicote ao filme, alegando que a obra passa uma imagem deturpada dos cegos, que não são pessoas tirânicas, depravadas ou com instintos animalescos de sobrevivência, como o filme leva a crer.

Deus meu, será tão difícil de entender? O filme é sobre todos nós.

Dá um desânimo ver como algumas pessoas têm dificuldade em abstrair, em compreender metáforas ou em deixar de lado seu complexo de perseguição. Procuram com insistência alguma coisa que as faça se sentirem ofendidas. E encontram, lógico.

Outro dia um jornalista deu uma entrevista na tevê dizendo que o programa dos Trapalhões, hoje, seria líder em acusações de politicamente incorreto. Não duvido.

Renato Aragão não tinha nenhum pudor em fazer piada sobre negros, gordos, gays, vegetarianos, loiras, publicitários, políticos ou qualquer outra tribo que rendesse piada – e todas rendem. Hoje ele colecionaria processos. É mais seguro ficar apresentando o Criança Esperança pro resto da vida.

Todas as pessoas devem ser cuidadosas, claro. Não há sentido em perpetuar preconceitos, mas uma terra de paladinos é muito xarope. Um mínimo de jogo de cintura deve ser preservado, senão ninguém mais poderá brincar, se divertir, fazer uma molecagem.

Como é que vamos manter a leveza se a turma dos “magoados” não cessa de crescer? Outro dia escrevi sobre escolhas, disse que todos temos escolha, enfim, um assuntinho bobo, prosaico.

Recebi um e-mail furioso: “Eu sou depressiva e não tenho escolha!” Ok, quem sofre de depressão tem dificuldade em escolher pela sociabilidade. Entendo. Mas, e agora?

Como escrever sobre o incômodo de se perder um óculos de grau, se há mães que perderam filhos? Como escrever sobre a delícia de se caminhar ao ar livre se tem gente que nasceu sem perna, como escrever sobre vinhos se tem gente que nem água potável tem em casa?

E nem pensar em elogiar o talento de Amy Winehouse, aquela drogada, devassa. Não importa que ela cante de forma magnífica, tem que ser pura e casta também.

Assim como o professor de redação de uma escola carioca, que recentemente foi demitido porque descobriram que ele escrevia poemas eróticos num blog. Que horror! Professor tem que gastar suas horas livres escrevendo vovô viu a uva. Se é que isso não é suspeito também...

Na onda desse abacaxi chamado “politicamente correto”, muita gente acha que está salvando o mundo, quando está apenas defendendo sua própria tacanhice.

Aproveite a quarta-feira ainda que com muita chuva por aqui. Tenha um excelente dia.

domingo, 12 de outubro de 2008



12 de outubro de 2008
N° 15756 - MARTHA MEDEIROS


...Oito, nove, dez. Lá vou eu!

Estava caminhando num parque quando vi um homem encostado de lado numa árvore, inerte, quase sem respirar. Que coisa estranha, um marmanjo encolhido junto a um tronco. Não sendo um maluco, só podia ser alguém se escondendo.

E logo descobri de quem. Ele estava se escondendo de três adoráveis salsichas. Estou falando daquela raça de cachorro, daschhund, e não de embutidos. Os três cachorrinhos estavam paranóicos atrás do dono, au, au, au, onde ele está, onde nosso dono se meteu?

Achooou!!

Ficaram todos abanando o rabo, felizes e aliviados, inclusive o dono. Na hora me lembrei de como é bom brincar de esconde-esconde. É um ensaio prático sobre o poder da presença. Você some de vista e ficam todos te procurando: é ou não é uma sensação incrível?

Mais tarde você treina isso com namorados e namoradas: fica um dia sem ligar e o mundo desaba. Onde você estava, por que não retornou minhas ligações? E você: ahn, humm, é que fiquei sem bateria no celular. Uau, quanta aflição e quanta saudade você provocou. Mesmo manjada, a estratégia ainda funciona.

Mas e quando não funciona?

Lembro de uma vez, no auge da infância, em que me escondi tão bem, mas tão bem, que ninguém me achou. Pior: pararam de me procurar. Foram tomar um lanche, ver televisão.

E eu ali, encolhida atrás de um arbusto, ou enclausurada num sótão, ou esprimida atrás de uma porta (já nem lembro onde eu estava), só sei que desistiram de brincar e ninguém vinha me salvar da solidão.

Tem coisa mais frustrante do que você ter que sair do seu esconderijo e se entregar para quem não tem mais nenhum interesse em lhe encontrar?

Aquele homem atrás da árvore devia ter uns 55 anos. Ou mais. Ou menos: entre os 30 e os 60, todos hoje têm a mesma cara. Enfim, ele não era nenhum garoto. Mas sabia da importância de ser procurado.

De ter sua ausência sentida, de testar sua ascendência perante os outros, de provar para si mesmo que é imprescindível, que sua existência não é indiferente aos demais, que ele pode se sentir um pequeno deus por alguns míseros minutos, que é capaz de fazer com que alguém se descabele diante da impossibilidade de revê-lo, ou seja (e usando de menos dramatismo): aquele homem conhecia o prazer indescritível que é ver alguém sentindo sua falta.

Se for alguém do sexo oposto, prazer triplicado. Mas vale para qualquer alguém: um amigo, um parente, um ex-sócio, um parceiro de cela. Até mesmo três cãezinhos salsicha.

Era um homem bem posto na vida, talvez um empresário, um profissional liberal, um homem com responsabilidades, que declara imposto de renda, que usa gravata nos dias úteis, que esmurra a mesa quando alterado.

Pois estava ele ali, numa manhã de sábado, escondidinho atrás de uma árvore num parque público, provando que todo ser humano, por mais adulto que seja, não adianta: traz sempre dentro de si uma criança.

PARABÉNS A VOCÊ. TENHAS UM FELIZ DIA DAS CRIANÇAS e mantenha-a viva dentro de ti.

sábado, 11 de outubro de 2008


Marcio Aith e Giuliano Guandalini

Um perigo em cada curva

Enquanto as ações das bolsas de valores pareciam não encontrar um piso sólido na semana passada, o Banco Central usava poderes especiais para impedir que o pânico do investidor financeiro contaminasse a vida das pessoas, empresas e bancos no Brasil. Como mostra esta reportagem, isso não se faz sem dramas nem riscos

Dida Sampaio/AE

SÓLIDA, MAS NÃO IMUNE


Henrique Meirelles, o presidente do BC: a economia brasileira no meio do caminho entre o céu e o inferno

Na manhã da última quarta-feira, seis dos principais bancos centrais do planeta executaram uma ação inédita. Liderados pelo Federal Reserve (o Fed, banco central americano), eles fizeram uma redução coordenada em suas taxas de juro.

Foi o mais recente esforço dos Estados Unidos e da Europa na tentativa de reavivar os mercados financeiros e desbloquear as linhas de crédito entre os bancos, artérias fundamentais no sistema que irriga empréstimos em todo o planeta.

Mais uma vez, no entanto, as intervenções cavalares não bastaram para restabelecer a confiança. Para muitas bolsas, foi a pior semana de todos os tempos – caso da Bolsa de Nova York, cujo índice Dow Jones acumulou uma perda de 18%, a maior sangria em uma única semana nos 112 anos de sua história.

No Brasil, coube ao presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, a missão de proteger o país dos efeitos mais nefastos da crise. Naquela mesma quarta-feira de pânico global, o mercado de câmbio brasileiro amanheceu travado.

Na abertura dos negócios, às 9 horas, não havia nenhuma pessoa, empresa ou instituição financeira disposta a vender ou comprar dólares. Ninguém. A cotação da moeda começou a subir rapidamente e atingiu 2,48 reais, o valor mais elevado desde 2006.

Para desemperrar o mercado, o Banco Central brasileiro determinou a venda de 4 bilhões de dólares no mercado à vista, por meio de três leilões realizados ao longo do dia. À tarde, enquanto o remédio começava a fazer efeito, Meirelles encontrava-se no gabinete da presidência do BC em São Paulo.

Um interlocutor mostrou a ele uma folha de papel em que, separadas por uma linha horizontal, estavam escritas as palavras "céu" e "inferno". Instado a mostrar em que ponto naquela linha se situava a economia brasileira, se mais perto do céu ou do inferno, o presidente do BC desenhou um X na metade do caminho. Insatisfeito com a resposta, diplomática demais, o interlocutor perguntou, então, para que lado os ventos empurravam o Brasil.

Meirelles desenhou uma flecha em direção ao inferno. Esperou alguns segundos. Desenhou, então, uma segunda flecha, em sentido oposto, em direção ao céu. E riu.

Foi sua maneira de ilustrar o que já vem dizendo há tempos: ao contrário da ciclotimia dominante, a verdade é que a economia brasileira não está à beira de ser varrida pela crise externa e nem 100% blindada contra ela. Tudo vai depender do sucesso de como será usado todo o arsenal de medidas preventivas e, claro, da serenidade das autoridades monetárias.

Ricardo Stuckert/PR

PREVENIR, E NÃO REMEDIAR



Lula em inauguração de plataforma da Petrobras, na semana passada: "Não haverá pacote. Vamos tomando medida a medida"

Na tarde daquela quarta-feira, Meirelles fazia duas coisas ao mesmo tempo.

Negociava a edição de uma nova medida provisória que lhe daria mais liberdade e agilidade para usar a munição necessária para enfrentar a crise. E acompanhava, em tempo real, o impacto das três intervenções que o BC fizera no mercado de câmbio. O dólar inicialmente cedeu. Em um segundo momento, voltou a subir. A alta, entretanto, não se sustentou.

No início da tarde, o preço da moeda americana passou a cair com mais intensidade. Encerrou o dia valendo 2,28 reais. "Derrete, dólar!", disse Meirelles em tom de vitória. O desabafo, explicou o presidente do BC, tinha uma razão específica.

Meirelles satisfez-se ao impedir que os grandes fundos internacionais aproveitassem a disparada do dólar para rapinar as empresas nacionais pegas de calças curtas com a mudança brusca do câmbio – mais de 50% desde agosto. São muitas as companhias nessa situação.

Elas fizeram apostas na estabilidade da moeda brasileira em alguns casos não apenas para se proteger da flutuação do câmbio, mas para ganhar dinheiro com a certeza de que o real ficaria ali por volta de 1,80 por dólar. Quando essa cotação foi pulverizada, as empresas entraram em pânico.

Suas apostas são os chamados "derivativos", e eles exigem que alguém perca para que outro ganhe. Quando se está do lado perdedor – caso das companhias brasileiras pegas nadando peladas quando baixou a maré do real – e a aposta foi feita com dinheiro emprestado, é preciso cobrir o prejuízo diariamente.

É uma sangria dolorosa, que obriga o empresário a bater à porta dos bancos à procura de mais e mais dinheiro. A intervenção do Banco Central no mercado havia baixado o preço do dólar e aliviado um pouco a romaria das empresas à banca. Foi isso que Henrique Meirelles comemorou em voz alta.

Até pouco antes de a crise se agravar, em meados de setembro, empresas como Sadia, Aracruz e Votorantim viam como impossível a subida do dólar no Brasil, uma vez que, com a política monetária rigorosa adotada por Meirelles, a moeda nacional tendia a manter-se valorizada.

Por quê? Porque investidores internacionais continuariam trazendo dinheiro tomado a juros menores no exterior para lucrar com os juros altos e as aplicações em bolsa no Brasil – essas operações são chamadas no jargão financeiro de carry trade.

Usando instrumentos financeiros complexos, apostaram que o dólar continuaria caindo até o fim do ano. Quando o dólar começou a subir, elas precisaram cobrir o prejuízo que tiveram com as apostas erradas – até a semana passada, o buraco somava 5 bilhões de reais.

Algumas empresas culpam o governo, em especial o Banco Central, por tê-las "induzido" a concluir que a cotação do real em relação ao dólar permaneceria estável.

Os diretores do BC dizem que eles e o próprio presidente Meirelles se cansaram de avisá-las de que as circunstâncias mundiais estavam mudando para pior e logo o carry trade perderia sua atratividade, trazendo como conseqüência a perda de valor do real.

"Como as organizações de empresários no Brasil preferem o lobby à análise macroeconômica confiável, eles não enxergaram os sinais de perigo e apostaram fortemente no real", diz um diretor do BC que não pode ser identificado.

Piotr Snuss/Reuters

NÃO ERA O FIM DO TÚNEL



O francês Jean-Claude Trichet, presidente do BC europeu: ação coordenada não animou os mercados

Formalmente, o Banco Central não persegue metas para o câmbio. Seu compromisso é manter a inflação dentro do alvo. Mas ele intervém no mercado sempre que considera que há problemas de liquidez ou volatilidade excessiva.

Ao mesmo tempo, cabe à instituição assegurar a solidez do sistema financeiro. Munição para atuar nessas diversas frentes não falta. Mas, desde que a turbulência entrou em um novo patamar de instabilidade, o crédito internacional secou.

Meirelles precisou agir rapidamente para impedir que o colapso externo, sentido aqui nas linhas de financiamento à exportação, contaminasse os bancos do país. O BC colocou aproximadamente 70 bilhões de reais nos bancos para remediar a falta de dinheiro que vinha de fora.

Essa estratégia ocorreu em duas frentes: na diminuição dos depósitos compulsórios que os bancos precisam deixar parados no BC e na venda de dólares nos mercados à vista e futuro.

O governo anunciou também medidas de incentivo para que os grandes bancos comprem as carteiras de crédito das instituições pequenas, principalmente aquelas voltadas para o crédito consignado e para o financiamento do varejo.


Lya Luft
Legado aos nossos filhos

"O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas,
burras, grosseiras ou maliciosas"

Uma importante empresa financeira me chamou para falar com alguns clientes. Não sobre finanças, pois eu os arruinaria, mas sobre algum tema "humano" – no meio da crise queriam mudar de assunto.

Uma sugestão de tema que me deram foi: "O que esperamos de nossos filhos no futuro". Como acredito que pensar é transgredir, falei sobre "o que estamos deixando para nossos filhos". Acabamos nos dando muito bem, a excelente platéia estava cheia de dúvidas, como a palestrante.

O mundo avança em vertiginosas transformações, e não é só nas finanças ou economia mundiais: ele se transforma a todo momento em nossos usos e costumes, na vida, no trabalho, nos governos, na família, nos modelos que nos são apresentados, em nossa capacidade de fazer descobertas, no progresso e na decadência.

O que nos enche de perplexidade, quando o assunto é filhos, é a parte de tudo isso que não conseguimos controlar, que é maior do que a outra.

Se há 100 anos a vida era mais previsível – o pai mandava e o resto da família obedecia, o professor e o médico tinham autoridade absoluta, os governantes eram nossos heróis e havia trilhas fixas a ser seguidas ou seríamos considerados desviados –, hoje ser diferente pode dar status.

Ilustração Atômica Studio

Gosto de pensar na perplexidade quanto ao legado que podemos deixar no que depende de nós. Que não é nem aquele legado alardeado por nossos pais – a educação e o preparo – nem é o valor em dinheiro ou bens, que se evaporam ao primeiro vendaval nas finanças ou na política. A mim me interessam outros bens, outros valores, os valores morais.

O termo "morais" faz arquear sobrancelhas, cheira a religiosidade ou a moralismo, a preconceito de fariseu. Mas não é disso que falo: moralidade não é moralismo, e moral todos temos de ter. A gente gosta de dizer que está dando valores aos filhos.

Pergunto: que valores? Morais, ora, decência, ética, trabalho, justiça social, por exemplo. É ótimo passar aos filhos o senso de alguma justiça social, mas então a gente indaga: você paga a sua empregada o mínimo que a lei exige ou o máximo que você pode?

Penso que a maioria de nós responderia não à segunda parte da pergunta. Então, acaba já toda a conversa sobre justiça social, pois tudo ainda começa em casa e bem antes da escola.

Não adianta falar em ética, se vasculho bolsos e gavetas de meus filhos, se escuto atrás da porta ou na extensão do telefone – a não ser que a ameaça das drogas justifique essa atitude. Não adianta falar de justiça, se trato miseravelmente meus funcionários.

Não se pode falar em decência, se pulamos a cerca deslavadamente, quem sabe até nos fanfarronando diante dos filhos homens: ah, o velho aqui ainda pode! Nem se deve pensar em respeito, se desrespeitamos quem nos rodeia, e isso vai dos empregados ao parceiro ou parceira, passando pelos filhos, é claro.

Se sou tirana, egoísta, bruta; se sou tola, fútil, metida a gatinha gostosa; se vivo acima das minhas possibilidades e ensino isso aos meus filhos, o efeito sobre a moral deles e sua visão da vida vai ser um desastre.

Temos então de ser modelos? Suprema chatice. Não, não temos de ser modelos: nós somos aquele primeiro modelo que crianças recebem e assimilam, e isso passa pelo ar, pelos poros, pelas palavras, silêncios e posturas.

Gosto da historinha verdadeira de quando, esperando alguém no aeroporto, vi a meu lado uma jovem mãe com sua filhinha de uns 5 anos, lindas e alegres. De repente, olhando para as pessoas que chegavam atrás dos grandes vidros, a perfumada mãe disse à pequena: "Olha ali o boca-aberta do seu pai".

Nessa frase, que ela jamais imaginaria repetida num artigo de revista ou em palestras pelo país, a moça definia seu ambiente familiar. Assim se definem ambientes na escola, no trabalho, nos governos, no mundo.

Em casa, para começar. O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas, burras, grosseiras ou maliciosas. O resto é conversa fiada para a qual, neste tempo de graves assuntos, não temos tempo.


Lya Luft
Legado aos nossos filhos

"O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas,
burras, grosseiras ou maliciosas"

Uma importante empresa financeira me chamou para falar com alguns clientes. Não sobre finanças, pois eu os arruinaria, mas sobre algum tema "humano" – no meio da crise queriam mudar de assunto.

Uma sugestão de tema que me deram foi: "O que esperamos de nossos filhos no futuro". Como acredito que pensar é transgredir, falei sobre "o que estamos deixando para nossos filhos". Acabamos nos dando muito bem, a excelente platéia estava cheia de dúvidas, como a palestrante.

O mundo avança em vertiginosas transformações, e não é só nas finanças ou economia mundiais: ele se transforma a todo momento em nossos usos e costumes, na vida, no trabalho, nos governos, na família, nos modelos que nos são apresentados, em nossa capacidade de fazer descobertas, no progresso e na decadência.

O que nos enche de perplexidade, quando o assunto é filhos, é a parte de tudo isso que não conseguimos controlar, que é maior do que a outra.

Se há 100 anos a vida era mais previsível – o pai mandava e o resto da família obedecia, o professor e o médico tinham autoridade absoluta, os governantes eram nossos heróis e havia trilhas fixas a ser seguidas ou seríamos considerados desviados –, hoje ser diferente pode dar status.

Ilustração Atômica Studio

Gosto de pensar na perplexidade quanto ao legado que podemos deixar no que depende de nós. Que não é nem aquele legado alardeado por nossos pais – a educação e o preparo – nem é o valor em dinheiro ou bens, que se evaporam ao primeiro vendaval nas finanças ou na política. A mim me interessam outros bens, outros valores, os valores morais.

O termo "morais" faz arquear sobrancelhas, cheira a religiosidade ou a moralismo, a preconceito de fariseu. Mas não é disso que falo: moralidade não é moralismo, e moral todos temos de ter. A gente gosta de dizer que está dando valores aos filhos.

Pergunto: que valores? Morais, ora, decência, ética, trabalho, justiça social, por exemplo. É ótimo passar aos filhos o senso de alguma justiça social, mas então a gente indaga: você paga a sua empregada o mínimo que a lei exige ou o máximo que você pode?

Penso que a maioria de nós responderia não à segunda parte da pergunta. Então, acaba já toda a conversa sobre justiça social, pois tudo ainda começa em casa e bem antes da escola.

Não adianta falar em ética, se vasculho bolsos e gavetas de meus filhos, se escuto atrás da porta ou na extensão do telefone – a não ser que a ameaça das drogas justifique essa atitude. Não adianta falar de justiça, se trato miseravelmente meus funcionários.

Não se pode falar em decência, se pulamos a cerca deslavadamente, quem sabe até nos fanfarronando diante dos filhos homens: ah, o velho aqui ainda pode! Nem se deve pensar em respeito, se desrespeitamos quem nos rodeia, e isso vai dos empregados ao parceiro ou parceira, passando pelos filhos, é claro.

Se sou tirana, egoísta, bruta; se sou tola, fútil, metida a gatinha gostosa; se vivo acima das minhas possibilidades e ensino isso aos meus filhos, o efeito sobre a moral deles e sua visão da vida vai ser um desastre.

Temos então de ser modelos? Suprema chatice. Não, não temos de ser modelos: nós somos aquele primeiro modelo que crianças recebem e assimilam, e isso passa pelo ar, pelos poros, pelas palavras, silêncios e posturas.

Gosto da historinha verdadeira de quando, esperando alguém no aeroporto, vi a meu lado uma jovem mãe com sua filhinha de uns 5 anos, lindas e alegres. De repente, olhando para as pessoas que chegavam atrás dos grandes vidros, a perfumada mãe disse à pequena: "Olha ali o boca-aberta do seu pai".

Nessa frase, que ela jamais imaginaria repetida num artigo de revista ou em palestras pelo país, a moça definia seu ambiente familiar. Assim se definem ambientes na escola, no trabalho, nos governos, no mundo.

Em casa, para começar. O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas, burras, grosseiras ou maliciosas. O resto é conversa fiada para a qual, neste tempo de graves assuntos, não temos tempo.

Marcelo Bernardes, de Nova York

Queremos adotar mais uma criança"

Em entrevista a ÉPOCA, Angelina Jolie confirma que ela e Brad Pitt querem aumentar a prole e não descartam adotar uma criança sul-americana.

A ex-bad girl e atual miss generosidade também explica por que gosta de filmes de ação e se emociona ao lembrar da mãe, morta há dois anos

MULHERÃO, MÃEZONA

A atriz mais bela de Hollywood diz que sua imagem na mídia é irreal: “Meus filhos é que dirão quem eu sou”São 11 da manhã de um domingo. entro no elevador do hotel Waldorf-Astoria, quando alguém grita: “Por favor, segure a porta!”.

É Angelina Jolie. Ela usa um vestido de alcinha violeta, que acentua o volume dos seios, e segura um copo de café com leite gelado.

Durante o trajeto até o 18º andar, Angelina fala a seu maquiador sobre uma proeza de Brad (Brad Pitt, com quem vive desde 2005): calibrar o iPod com “surpreendentes” escolhas musicais.

A atriz mais cobiçada do planeta, que assanha os tablóides com a exótica combinação de mulher fatal, embaixadora de refugiados e mãe de seis crianças (três adotadas), não se importa com falar da vida pessoal na frente de estranhos.

Só no 18º andar, o quarto reservado para a entrevista com ÉPOCA, me apresento. Durante uma hora de conversa, ela disse que ainda amamenta os gêmeos Vivienne Marcheline e Knox Leon, nascidos em julho.

E ficou com os olhos embaçados ao falar da mãe, morta em 2007. Angelina diz tê-la reencontrado espiritualmente nas filmagens de A Troca, de Clint Eastwood. O filme estreará em janeiro no Brasil.

Angelina interpreta Christine Collins, uma mãe que vai ao trabalho e deixa o filho sozinho. Quando volta, não o encontra. A investigação deflagra uma luta contra a polícia corrupta de Los Angeles. É o melhor papel de sua carreira.

ÉPOCA – A princípio, você não queria estrelar o filme A Troca. Por quê?

Angelina Jolie – A história funciona como um filme de horror para qualquer mãe. Depois de ler o roteiro, tive muita dificuldade para dormir. Não queria lidar com uma personagem que me faria pensar que meus filhos poderiam um dia sumir para sempre.

Não estava a fim de passar por essa ansiedade. Durante as filmagens, meus filhos reclamaram, dizendo que eu estava muito pegajosa, que eu os amassava com tantos abraços e beijos (risos).

ÉPOCA – O que a fez mudar de idéia?

Angelina – Peguei-me várias vezes contando a história de A Troca para o Brad (Pitt) e para outras pessoas. Era uma história que não saía de minha cabeça. O filme não é só sobre a vitimização dessa mulher, mas também sobre justiça e democracia.

A personagem se levanta e desafia todas as pessoas que a manipularam. O roteiro também me fez lembrar muito de minha mãe, que morreu no ano passado.

ÉPOCA – Você parece se emocionar sempre que fala de sua mãe (a atriz Marcheline Bertrand). Como descreve o relacionamento que tinha com ela?

Angelina – Minha mãe era uma pessoa muito calma. Ela falava baixinho, como se sussurrasse. O nome dela era Marcheline, mas todo mundo a chamava de “marshmallow” (risos). Era impossível para ela alterar a voz ou praguejar, mesmo quando me mandava arrumar a bagunça do meu quarto.

Eu queria sempre fazê-la feliz. Ao mesmo tempo, ela virava uma fera quando alguém fazia alguma coisa contra mim ou contra meu irmão (o também ator James Haven). Quando o Brad viu A Troca, ele disse que minha interpretação o fez lembrar de minha mãe (risos).

Fazer esse filme resultou em uma experiência catártica, pois, desde que minha mãe morreu, eu evitava olhar uma foto de nós duas juntas. Acabei fazendo as pazes com isso. Foi como tê-la a meu lado o tempo todo, com ela me reconfortando.


11 de outubro de 2008
N° 15755 - NILSON SOUZA


Crianças para sempre

Parada de ônibus, sete da manhã. Dois passageiros esperam, solitários e silenciosos.

Passo no meu passo de caminhante matinal, como recomenda o doutor Moriguchi. Pisando firme, movimentando os braços, concentrado no percurso e na minha própria respiração. Mas meus olhos se desviam para o casal madrugador que aguarda o ônibus. Observo-os, curioso.

É uma mãe, intuo, acompanhada por um rapaz de idade indefinida. Ela tem um mapa indecifrável de sulcos no rosto. Ele tem um inconfundível olhar oblíquo, fixado no nada. Estão de mãos dadas, ele sereno, ela vigilante.

– Pobre mãe! – comento com meus botões, e sigo adiante.

Mas não deixo de pensar naquelas pessoas. Sempre me comovo quando vejo mães ou pais acompanhando filhos portadores de deficiência. Fico imaginando que só mesmo o mistério do amor incondicional explica tamanha abnegação.

Passei a valorizar ainda mais essas heróicas criaturas no dia em que conheci uma instituição que abriga pessoas especiais, abandonadas por suas famílias. Confesso que na primeira vez levei um choque ao ver aqueles homens e mulheres condenados a ser crianças para sempre.

Depois, ao visitá-los outras vezes, deixei de vê-los com olhos de espanto e percebi que são seres humanos mais humanos do que muitos dos que consideramos normais.

Meus últimos preconceitos se desfizeram no dia em que conversei com a mãe de uma menina com síndrome de Down e ouvi dela a seguinte declaração:

– Minha filha é uma bênção.

Então ela me disse que tinha sofrido bastante no início, quando descobriu que sua criança não era igual às outras. Com o tempo, porém, foi percebendo o quanto ela era sensível, carente de seu afeto, amorosa e feliz.

Passou, então, a compartilhar de cada etapa do seu desenvolvimento, a vibrar junto a cada pequena conquista, a valorizar coisas simples que só os puros de espírito conseguem identificar.

Nem sempre é assim. Às vezes, as pessoas não estão preparadas para enfrentar o acidente genético que interrompe seus sonhos de gerar seres belos, perfeitos e inteligentes. Então, optam pela fuga da responsabilidade. Não as condeno.

Cada um sabe a carga que é capaz de suportar. Desconfio, porém, que muitas delas talvez tenham desperdiçado a oportunidade de transformar uma eventual desventura na bênção de segurar a mão do filho por toda a vida.

Ainda que com chuva, um ótimo sábado e um excelente fim de semana.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008



10 de outubro de 2008
N° 15754 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um traço de ternura

Foi na esquina de uma avenida da Cidade Baixa. Havia ali uma feira de antigüidades mais ou menos modernas. Senhoras que eram passeadas por seus poodles. Marmanjos que ameaçavam cuidar dos carros. Pombas que ensaiavam vôos rasantes sobre os transeuntes.

E havia o pai e o filho.

O pai tinha uns 30 anos e toda uma experiência de mundo. Vestia roupas gastas que já não lhe serviam e trazia uma barba de três dias. O filho não devia ter mais de dois anos e trajava uns panos que em alguma época haviam sido um macacão branco.

Estavam no entanto acompanhados, naquela encruzilhada de duas avenidas movimentadas, da aura de algo incomum nas cidades grandes: um traço de ternura.

O pai se dirigia ao filho como quem tentasse lhe explicar o universo. Falava-lhe da diferença entre as pessoas que são donas de casas e carros e as que não são, das que dispõem do que comer pelas manhãs, tardes e noites, das que padecem de fome, das que sofrem de desesperança, das que são pobres, embora essa não seja sua culpa, das que são açoitadas pelo frio e pela solidão e pelo medo.

O filho ouvia, um pouco triste porque seu pai estava triste, mas em outros instantes distraído pelo vôo livre de uma borboleta, pelo canto de um pássaro no alto de uma árvore imensa, pelo jeito com que um gato se espreguiçava em cima de um muro.

As borboletas nasceram para voar? – se indagava. Os pássaros conhecem todas as músicas? Os gatos são preguiçosos porque não dormem?

Foi bem nesse momento que apareceram umas damas severas na companhia de uns homens sérios e fardados e começaram a fazer umas perguntas ao pai.

Ele poderia apresentar a certidão A? Ele poderia exibir o certificado B? Ele poderia mostrar o atestado C?

O pai não podia, pois nunca se dera bem com essa questão de papéis. E então se aproximaram do filho, que se fingiu distraído com um pássaro, um gato, uma borboleta.

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008



08 de outubro de 2008
N° 15752 - MARTHA MEDEIROS


Se o Gabeira ganhar

“Sempre fomos amigos, ele é uma pessoa capaz e não pretendo vencer a qualquer preço.” O autor dessa frase é Fernando Gabeira, avisando que não engrossará o tom da campanha para enfrentar Eduardo Paes no segundo turno pela prefeitura do Rio.

Infelizmente, algumas mulheres e homens íntegros costumam dar férias para sua integridade durante campanhas eleitorais. Nessa hora, todo mundo vira leão e quer devorar o outro. Imagine um candidato admitir, antes do resultado final, que o adversário é um homem capaz.

Por essas e outras é que a grande novidade desta eleição foi a votação expressiva de Gabeira, a despeito de todos os preconceitos que poderiam barrar a alavancagem de sua candidatura. Isso, por si só, já é uma vitória do Brasil – não só do Rio de Janeiro.

Se Gabeira ganhar, será a prova de que o brasileiro está votando de forma mais consciente e que cansou de ficar se lamentando em balcão de bar, repetindo a ladainha de que político é tudo igual.

Se Gabeira ganhar, saberemos que existe uma parcela da população que não tem medo de quem possui uma mentalidade aberta e que está apostando em novos horizontes, em quem tem experiência não só política, mas de vida.

Se Gabeira ganhar, finalmente teremos em um cargo público um homem que conversa com o eleitor feito gente grande, dizendo exatamente o que pensa, em vez de apelar para discursos fleumáticos e repetitivos, entulhado de jargões.

Se Gabeira ganhar, vai ser a recompensa merecida por ele ter peitado Severino Cavalcanti, dando nele um cala-boca que todos nós gostaríamos de ter dado na ocasião do “mensalinho”.

Se Gabeira ganhar, não será apenas o deputado federal que assumirá o cargo, mas também o escritor e jornalista que tantas vezes defendeu as liberdades individuais, os direitos humanos, as formas alternativas de viver em sociedade e que possui uma consciência ecológica que vem de muito antes disso virar moda.

Muitos políticos – inclusive Fogaça e Maria do Rosário, que disputarão o segundo turno aqui em Porto Alegre – já eliminaram a pose de super-heróis e a prosa característica dos “profissionais” do ramo, aqueles que dizem apenas o que o eleitor quer ouvir, sem compromisso com a viabilidade do que está sendo dito.

Mas Fernando Gabeira, pela projeção nacional que tem e pela cidade problemática que pretende governar, é o fato eleitoral de 2008.

É interesse de todos que o Rio resolva suas dificuldades, e que a política brasileira espane a caretice e ganhe um perfil mais corajoso e cosmopolita.

Se ele será um bom prefeito, caso vença? Não tenho bola de cristal. Mas ter superado a desconfiança diante da sua biografia incomum já é motivo para comemorarmos.

sábado, 4 de outubro de 2008



05 de outubro de 2008
N° 15749 - MARTHA MEDEIROS


Temos escolha

No interessante livro Homem Lento, de J.M. Coetzee, há uma passagem que me marcou. É um confronto verbal entre o personagem principal do livro, um homem de mais de 60 anos que teve uma perna amputada depois de um acidente de bicicleta, e um garoto adolescente.

Ambos estão no sombrio e decadente apartamento do velho, que resmunga: “Eu fui ultrapassado pelo tempo. Este apartamento e tudo o que existe dentro dele foi ultrapassado pelo tempo”.

O garoto pergunta se ele não gosta de coisas novas. O velho (que nem é tão velho) responde: “Isso tudo um dia foi novo. Tudo no mundo um dia foi novo. Até eu fui novo. Na hora em que nasci, eu era a coisa mais moderna da face da Terra”.

Nada é tão moderno quanto nós ao nascermos. Sublinhei.

Prosseguindo o diálogo, o garoto então comenta, como quem não quer nada, que um dia foi visitar o avô para mostrar como funcionava um computador. O avô era bem velho e também tinha sido ultrapassado pelo tempo. Hoje fazia compras pela internet, enviava e-mails, recebia fotos.

“E daí?”, pergunta o mal-humorado sem perna.

“Daí que dá pra escolher”.

Eis uma frase, uma verdade, um verso: dá pra escolher. Todo dia, ao levantar da cama, eu procuro me lembrar: dá pra escolher. Nem eu nem você estamos jogados ao léu, nas mãos do destino.

Não temos controle sobre tudo, mas dá pra escolher entre ter amigos ou viver recluso, dá pra escolher entre privilegiar um amor ou ter vários casos superficiais, dá pra escolher entre participar ativamente de um projeto que alavanque nosso bem-estar ou ficar de fora apenas criticando, dá pra escolher entre se refugiar num lugar tranqüilo ou aprender a lidar com o stress urbano, dá pra escolher entre levar a vida com bom humor ou levar a vida na ponta da faca.

Tudo é uma escolha, inclusive ser velho ou ser jovem, e isto não se resolve apenas numa clínica de estética. Todas as nossas escolhas passam pelo estado de espírito.

É ele que vai determinar se vamos viver uma vida mais simples ou mais complicada, mais solitária ou mais social, mais produtiva ou mais lerda.

Dá pra escolher entre ser carnívora ou vegetariana, entre fumar ou não, entre correr na praia ou ficar um pouco mais na cama, entre jogar paciência ou ler um livro, entre amores serenos ou amores turbulentos. Se a escolha será acertada, aí já é outro assunto, o futuro vai dizer.

Pensando bem, acertos e erros nem estão em pauta aqui. O que importa é ter consciência de que ficar sentado esperando que a vida escolha por nós não é uma opção confortável como parece. Descansados da silva, vem o tempo e crau: nos ultrapassa.

Infelizmente não poderei votar hoje porque estou longe do meu domicílio eleitoral – vou cumprir meu dever no segundo turno, se houver.

Mas se você vai votar, não esqueça que dá pra escolher entre quem repete o mesmo discurso automático e quem apresenta soluções realizáveis.

Entre quem tem apego ao poder e quem tem consciência social. Entre quem quer trabalhar só para si mesmo e seu partido, e quem quer trabalhar pela cidade. Não vá pelos outros, não vá por pesquisas: vá pela sua cabeça. Bom voto.

Um excelente domingo, especialmente a você e vote consciente.

André Petry

Sarah Palin, o erro

" Sarah Palin está preparada para presidir os EUA? As pesquisas dizem que não. Dá para entender. Quando abre a boca, Sarah Palin faz Bush parecer um Sócrates"

Sarah Palin é um fenômeno estrondoso, raro. Quando compareceu à convenção republicana, roubou a cena, hipnotizou a platéia e levantou John McCain nas pesquisas eleitorais.

Os comícios republicanos, que sempre tiveram mais espaço que gente, começaram a lotar. Ela é um sucesso na Wikipédia (6 milhões de consultas no seu verbete em um mês) e no YouTube (4,5 milhões de acessos a um vídeo em que é satirizada por uma comediante).

Na quinta-feira, Sarah ficou frente a frente com o veterano democrata Joe Biden, no primeiro e último debate entre candidatos a vice. Sua presença fez a audiência disparar. Nunca um debate entre vices chamara tanta atenção. Sarah Palin é um fenômeno estrondoso, raro.

E sua escolha pode ter sido o erro fatal de McCain.

Primeiro, porque o que interessava aos republicanos era transformar a campanha num plebiscito sobre o democrata Barack Obama. Era o que estava acontecendo.

Quando Sarah entrou em cena, com seu carisma e exuberância, mudou a dinâmica da disputa. Obama deixou de ser a novidade, o jovem, o negro. Também havia, do outro lado, uma novidade, uma jovem, uma mulher. Parecia bom para os republicanos.

O problema é que, ao se colocar no centro do palco, deslocando a atenção plebiscitária de Obama, Sarah jogou luz sobre si mesma. E aí começa o outro aspecto do erro de McCain: quanto mais o eleitor conhece Sarah Palin, menos confia nela.

Depois de sua aparição nacional, 45% achavam-na despreparada para, eventualmente, virar presidente. Na semana passada, eram 60%. Os republicanos esperneiam. Dizem que há uma campanha da imprensa para desqualificá-la (soa familiar?). Numa entrevista, Sarah não soube dizer qual é a importância de governar o estado americano (o Alasca) mais próximo da Rússia.

Não soube mencionar uma decisão da Suprema Corte da qual discorde, além da que legalizou o aborto nos anos 70. Com tamanho potencial autodestrutivo, seria preciso orquestrar uma campanha para desqualificá-la?

Do debate, Sarah saiu elogiada porque seu desempenho não foi desastroso, e não dizimou a candidatura de McCain, como alguns republicanos temiam. É divertido um candidato ser aplaudido porque não deu vexame.

Sarah Palin entrou na chapa de McCain com dois objetivos. Um era atrair o voto feminino de democratas e independentes insatisfeitas com a derrota de Hillary Clinton – o que ela não conseguiu.

O outro objetivo era energizar os republicanos da direita religiosa que torciam o nariz para McCain – o que ela conseguiu.

O problema é que o eleitor começou a levá-la a sério. E começou a perguntar: além de tentar cabalar o voto feminino e açular os instintos mais regressivos da direita religiosa, Sarah está preparada para presidir os EUA em caso de morte ou renúncia do titular?

As pesquisas mostram que a resposta majoritária é não. Dá para entender. Quando abre a boca, Sarah Palin faz o presidente George W. Bush parecer um Sócrates.

colunadopetry@abril.com.br

Stephen Kanitz

As vantagens da democracia negativa

"Cresce a cada eleição a sensação de que a democracia não está funcionando, e só permanece como instituição na falta
de melhor opção"

As 37 formas de democracia listadas na Wikipédia são basicamente variações sobre o mesmo tema: eleitores votam diretamente nas questões que lhes interessam, como na Grécia, ou votam em representantes que vão administrar e decidir por eles, como no Brasil.

Crescem a cada eleição a desilusão e a sensação de que a democracia não está funcionando, e só permanece como instituição "porque não há forma melhor".

Existe uma outra forma de democracia, que não é listada na Wikipédia, e que vou chamar de democracia negativa. Ela existe, e já foi implantada milhares de vezes, normalmente nas empresas de capital aberto.

Ilustração Atômica Studio

Nelas, os acionistas não elegem seus representantes nem votam nas questões do dia-a-dia empresarial. O presidente, e algumas vezes toda a diretoria, é escolhido por um conselho de acionistas composto de presidentes de outras empresas, líderes comunitários e especialistas.

Essa escolha é feita levando-se em conta a capacidade administrativa dos candidatos, a experiência prática efetiva e a escolaridade técnica. Amador não entra. Muitas vezes é um funcionário com anos de casa, que já sabe exatamente o que deve ser feito, desde o primeiro dia.

Na democracia negativa o presidente não é eleito pelas promessas de campanha ou pelas suas projeções de lucro. Os acionistas nem têm como escolher o mais charmoso, o mais simpático ou o mais mentiroso.

Os acionistas, os legítimos donos da empresa, apesar de qualificados, sabem que não têm tempo para analisar cada um dos candidatos, e sabem que escolher no tapa, na semana anterior, não é uma boa decisão. Sabem também que não têm as competências necessárias para decidir quem seria o melhor administrador da "máquina" com todas as suas peculiaridades.

Não se vêem campanhas eleitorais nessas empresas, que não gastam fortunas em eleições, embora sejam justamente as que mais dinheiro teriam para isso. O conselho de administração escolhe quem é bom no batente e não quem é bom de voto.

Nas democracias negativas existe, sim, o direito de voto, mas se vota contra, daí o nome. Os acionistas têm o direito de chamar uma assembléia extraordinária a qualquer momento e demitir o presidente (mal) escolhido – o que acontece com freqüência.

Demite-se também o conselho que o escolheu. Hoje em dia, na democracia, também se vota contra, especialmente no segundo turno, cada vez com mais freqüência, o que gera enorme frustração na população, para a alegria do candidato eleito. Nenhum conselho de empresas escolhe o menos ruim para tocar a companhia, como muitas vezes fazemos.

Não confunda com o impeachment, em que há a exigência de um crime definido. Na democracia negativa basta os acionistas mudarem de idéia ou ficarem insatisfeitos. Poderíamos caminhar na direção de uma democracia negativa no Brasil, aproveitando o espírito desse conceito, sem ter de copiar o que as empresas de capital aberto fazem. Poderíamos reconhecer os votos nulo e em branco como sendo votos contra.

Se 50% dos votos fossem em branco, mostrando nossa insatisfação com os candidatos apresentados pelos caciques políticos sem nenhum critério profissional, nova eleição seria convocada com novos candidatos, até acertarmos.

Outra característica da democracia negativa que poderíamos facilmente adotar é a obrigatoriedade de um mestrado em administração de todo candidato a um cargo executivo.

Atualmente a democracia legitima profissionais de outras áreas a exercer ilegalmente a profissão de administrador, quando deveria ser o contrário.

Alguém que está disposto a ser prefeito ou governador por oito anos não tem desculpa para não estudar e se preparar por dois anos num mestrado de administração.

Amadorismo sai caro. Curiosamente, 23 milhões de brasileiros já aceitam a democracia negativa, acionistas que são da Petrobras, da Vale e de outras companhias.

Precisamos discutir e aprimorar a nossa democracia, reduzir as promessas e a gastança, e melhorar a qualidade dos candidatos para estancar a visível deterioração dessa preciosa instituição.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)


Padroeiro da ecologia, São Francisco de Assis levava vida despojada

Santo sonhava em ser cavaleiro, mas não conseguiu servir à guerra. Ele pregava fidelidade ao evangelho e amor à natureza. Foto: Isabela Noronha/G1

Frei abençoa cão no Santuário São Francisco de Assis, em São Paulo, em 4 de outubro de 2007 (Foto: Isabela Noronha/G1)Nascido em 1181, em Assis, na Itália, Francisco de Assis sonhava em ser cavaleiro, mas logo percebeu que não conseguiria servir à guerra.

Filho de um comerciante, ele decidiu então mudar de vida e abrir mão de todos os bens materiais para seguir o evangelho de Jesus Cristo, segundo a Igreja Católica, que comemora neste sábado (4) o Dia de São Francisco de Assis.

À Igreja, São Francisco de Assis pregava mais fidelidade ao evangelho, e foi com base nessas escrituras que ele optou pelo voto de pobreza, que caracterizaria mais tarde a Ordem Franciscana. O santo considerado patrono da ecologia dedicou sua vida à idéia de uma irmandade que integrasse todos os homens, a natureza e os animais.

São Pedro foi primeiro apóstolo escolhido por Jesus, diz Igreja São João morreu defendendo a fidelidade Santo Antônio é casamenteiro porque ajudava mulheres a arrumar dote Mensagem de paz é lembrada no dia de Nossa Senhora de Fátima Devotos celebram nesta quarta-feira o dia de São Jorge

“São Francisco de Assis pregava a paz entre as relações humanas e considerava que os animais e todos os elementos da natureza faziam parte da mesma rede, da mesma irmandade diante de Deus”, afirma ao G1 frei Luiz Henrique Ferreira de Aquino, vigário paroquial da Paróquia São Francisco de Assis, na Vila Clementino, em São Paulo.

De acordo com Ferreira, São Francisco de Assis não pretendia ser seguido em sua escolha de vida despojada, mas aceitou a criação natural da Ordem Franciscana, que comemora, em 2008, 800 anos de existência.

“Ele dizia que queria seguir Jesus porque Cristo foi pobre quando esteve entre nós. Essa é uma das verdades que seguimos também na Ordem”, diz o frei.

São Francisco morreu em 1225 ou 1226. Dois anos antes de morrer, já doente e cego, ele escreveu o Cântico do Irmão Sol, no qual, segundo Ferreira, o santo louva todos os elementos da natureza. “Durante toda a sua vida ele tentou integrar os seres humanos e a natureza como irmãos em Deus e o hino retrata isso”, diz Ferreira.

Os frades franciscanos de todo o mundo celebram a morte de São Francisco de Assis com uma missa na sexta-feira (3). Neste sábado, as paróquias realizam a festa de São Francisco e a bênção de animais de estimação que podem ser levados à igreja.

A Paróquia São Francisco de Assis, na Vila Clementino, terá também uma feira de adoção de animais e atendimento clínico e veterinário gratuito durante a celebração do dia de seu santo padroeiro.


04 de outubro de 2008
N° 15748 - NILSON SOUZA


Com açúcar

Eduardo Galeano, o uruguaio que escreve pelos cotovelos, e sempre bem, disse em recente entrevista que a página em branco (no papel ou na tela do computador) ainda lhe causa terror. O nosso Verissimo tem uma explicação igualmente desconcertante para o seu incomparável talento de escritor e cronista.

Diz que sua inspiração é o pânico – o pânico do prazo de entrega dos textos que assina em jornais e revistas. Sempre que enfrento estas duas situações, a página em branco e o horário de fechamento desta crônica, penso nesses monstros sagrados da escrita e nas suas curiosas confissões.

Mas quem realmente me estimula a seguir em frente é a Valeska de Assis, esposa de outro mestre das letras, o reconhecido romancista Luiz Antônio de Assis Brasil.

Galeano nem sabe da minha existência, Verissimo talvez até se detenha de vez em quando neste espaço quando olha a programação de cinema aos sábados.

Mas Valeska, que também transita com desenvoltura pelo mundo das palavras e ministra concorridas oficinas de texto, sempre encontra tempo para ler o que escrevo e para me mandar uma mensagem de carinho e incentivo.

Generosa, ela pinça uma expressão ou um parágrafo menos rotineiro e dispara e-mails açucarados de simpatia. Escrever – concluo por experiência própria – também é uma questão de auto-estima.

Outro dia recebi na editoria de Opinião um interessante artigo de um professor de filosofia sobre o sofrimento dos torcedores de futebol. Quando seu time perde, ele conta, fica pouco produtivo, foge-lhe a inspiração, custa a se recuperar.

Parece exagero, mas a frustração de uma expectativa, por menor que seja, tem o poder de nos abater. Somos assim, movidos a motivação. Uma reprimenda estraga o nosso dia. Um elogio nos eleva o espírito e nos faz ver a vida com olhos de crença e esperança.

Só não podemos nos deixar enganar: muitas vezes a crítica é mais importante do que o elogio.

Sem qualquer desconsideração às gentilezas de minha leitora e amiga, sempre aprendi mais com as críticas do que com eventuais louvações. Fico, evidentemente, envaidecido com o carinho de suas mensagens.

Mas elas servem, acima de tudo, para me lembrar que um sorriso, uma palavra gentil, um elogio sincero, um gesto de atenção, todas essas coisas simples, têm o poder de dar sentido e encanto à vida.

Ótimo sábado e um excelente fim de semana.


04 de outubro de 2008
N° 15748 - CLÁUDIA LAITANO


Queda que os eleitores têm para os tolos

Entre os muitos lançamentos e relançamentos que aproveitam a renovada atenção dos leitores para a obra de Machado de Assis neste ano de centenário, um livrinho que se lê no Brique, entre um gole de chimarrão e um abanico para os conhecidos, guarda algumas reflexões que podem ser especialmente úteis neste fim de semana – tanto para mulheres que estão selecionando pretendentes quanto para os eleitores que ainda não escolheram seus candidatos.

Trata-se de Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, pequeno ensaio satírico que tem sido objeto de uma animada polêmica entre machadianos desde que foi publicado, em 1861, quando Machado tinha apenas 22 anos.

A dúvida diz respeito à autoria do texto: seria realmente uma tradução, como aparecia na folha de rosto da primeira edição, sem o nome de um autor, ou um texto original do suposto tradutor – então ainda um jovenzinho com mais talento do que fama?

Hoje, parece não haver mais dúvida: o ensaio é mesmo uma tradução do texto de um belga chamado Victor Hénaux, como comprova a edição bilíngüe lançada agora pela editora Unicamp (que, obviamente, coloca o nome do tradutor famoso bem grande na capa, enquanto o do autor desconhecido aparece no pé, em letras miúdas).

Traduções sem a identificação da autoria original eram comuns na época, e como o escritor belga não conquistou um décimo da fama do seu tradutor brasileiro, estava aberto o caminho para a confusão.

Esclarecida a questão da autoria, permanece a polêmica em torno do conteúdo. Como o próprio autor reconhece na primeira página do ensaio, falar do amor das mulheres pelos tolos é arriscar-se a comprar briga com a maioria de um e de outro sexo.

O título, abertamente misógino na superfície, na verdade obriga o leitor do sexo masculino a encaixar-se em uma de duas posições igualmente pouco confortáveis: fracassado nas lides amorosas, porém sábio, ou partido disputadíssimo, ainda que rematado bobalhão.

Aos que não titubeariam em bandear-se para o segundo time, se tivessem escolha, o autor adverte: “A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino. O tolo não se faz, nasce feito”.

É preciso esclarecer que “tolo”, para Hénaux/Machado, opõe-se a “homem de espírito”. Em uma versão contemporânea, a tradução mais aproximada do sentido original do texto talvez fosse a dupla canalha/homem sincero.

A bronca do autor não é com os parvos, como o título provocador parece sugerir, mas com os homens que não levam nem a mulher nem o amor a sério – e também, evidentemente, com as moças que caem na conversa fiada do galanteador.

O homem de espírito ama muito e para sempre. O tolo desfaz-se das amantes sem pena nem esforço. O homem de espírito fala a verdade, sem calcular o efeito que ela possa ter. O tolo mente, finge, dissimula – e o remorso nunca o atormenta.

Políticos, como os amantes, podem ser “tolos” ou “homens de espírito”. Distinguir um do outro nem sempre é fácil – e mesmo se os desonestos trouxessem no pescoço uma plaqueta advertindo “não pretendo fazer nada disso que estou prometendo” ainda haveria quem se deixasse seduzir pela fala envolvente, pelas promessas mirabolantes, pelas maneiras gentis.

Pois o eleitor descuidado corre o risco de agir exatamente como uma donzela ingênua do século 19. Para continuar acreditando na política, é preciso saber encontrar os homens e mulheres de espírito em meio a todos os outros – eis nossa missão, nada simples, na votação de amanhã.