sábado, 27 de abril de 2024


26/04/2024 - 09h00min
Martha Medeiros

O amor é uma elegância em nossas vidas

Não pode virar um sacrifício sustentado por filmes e livros que contam histórias românticas tendenciosas. Ninguém é sozinho, há um povaréu dentro de cada um. “Mas o que eu vou fazer se ficar sozinha?” me perguntou ela, enfurnada num casamento que já tinha virado outra coisa, coisa nenhuma, um esconderijo.

Comecei dando sugestões práticas: criar várias playlists no celular, mergulhar nos livros e viver todas as vidas que de outra forma ela não viverá, viajar para algum lugar que ela sempre quis conhecer, chamar cada uma das amigas para uma conversa íntima sem hora para acabar, fazer uma oficina de literatura e transformar em prosa a sua história, visitar as exposições que a cidade inteira comenta, começar a se exercitar a sério. Mas será que esta lista prosaica, nada original, seria suficiente para ela entender que a solidão pode ser repleta de acontecimentos?

Acrescentei, claro, que nada impedia que ela iniciasse uma nova relação, menos algemada a contas conjuntas, rotinas familiares e planos a longo prazo, um engate sem tornozeleira eletrônica, um namorado para as próximas 24 horas, com renovação automática a cada manhã, se fosse bom para os dois. Mas confiança não era o forte dela. Não acreditava quando eu dizia que pessoas maduras têm tanta ou mais facilidade para namorar do que os jovens. A neura dela era ficar solteira em uma sociedade machista, em que os pares ainda valem mais do que os ímpares.

É uma cilada acreditar nisso. Porque a mulher vai se acomodando e perdendo oportunidades de renascer a cada novo desejo, que não precisa ser o desejo por outra pessoa, mas o desejo de ser mais livre, mais ela mesma. Até os índices de feminicídio poderiam cair se a gente entendesse que não é obrigatório formar um casal. Ninguém é sozinho, há um povaréu dentro de cada um. Que se pense bem antes de render-se ao casamento apenas por uma exigência social que interessa ao status quo (casados são ordeiros, formam família, consomem por quatro).

O amor é uma elegância em nossas vidas, não pode virar um sacrifício sustentado por filmes e livros que contam histórias românticas tendenciosas. Até a bossa nova nos deu um hino que mais parece uma sina: “é impossível ser feliz sozinho”. O marketing pró-acasalamento é milionário, glamouroso e distribui prêmios. Porém, a agenda da solidão não traz páginas vazias. Há também jantares, shows, viagens, cursos, beijos, trabalho – e descanso, dorme-se melhor. Mais que isso, há tempo para o silêncio, para a paz das leituras demoradas, para a música que toca noite adentro, para o convívio com nossa alma em estado puro.

Eu consegui um feito: levei minha solidão para dentro do meu namoro e ela foi recebida de braços abertos. Mas não é assim que funciona com a maioria dos casais, onde a solidão de um extermina a solidão do outro. Depois se perguntam como é que pôde ter dado errado.


27/04/2024 - 09h00min
Claudia Tajes

Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS

Que ele continue colorindo as nossas cartas. Um amigo disse que, em tempos de comunicação digital, o PS perdeu a sua razão de ser.

PS, o post scriptum, aquela informaçãozinha que complementa uma carta, às vezes com objetividade, às vezes com graça, às vezes com poesia. Também pode ser com graça poética objetiva, depende de quem escreve.

Para o meu amigo, o PS fazia sentido quando, após escrever uma carta caprichosamente à mão, com caneta tinteiro ou Bic mesmo, o missivista percebia ter se esquecido de alguma coisa. Óbvio que, nessa situação, a pessoa jamais reescreveria tudo para acrescentar o que ficou para trás.

Uma professora do ensino primário, a Irmã Urbana, veio transferida para dar aulas em Porto Alegre. Ela tentou fazer com que eu, com uns 10 anos de idade, mantivesse correspondência com uma aluna dela do Pará. Podia ter sido uma boa experiência, mas tanto eu quanto a outra menina éramos pequenas demais para achar graça naquilo. Minha mãe sentava comigo para escrever e eu quase dormia, de tão chata que era a minha vida de criança de apartamento para contar. Quando chegava a resposta da menina, tão desinteressante quanto a minha, eu ia direto para o PS, que em geral dizia: um abraço para a Irmã Urbana.

O PS tinha essa função. Estando o assunto da carta enfadonho, ia-se direto para ele, para ver o que realmente importava daquelas páginas todas. O suco da carta. Isso, claro, se as cartas não fossem de amor. Se fossem, até as maiores banalidades mereciam a mais atenta das leituras.

Com as cartas na máquina de escrever, mesma coisa. O Errorex era ótimo para consertos em textos de trabalho, mas ficava feio mandar uma carta toda remendada. Fora a desconfiança: uma linha inteira apagada, o que será que ela se arrependeu de escrever? O PS continuou não apenas útil, mas indispensável. Parecia uma instituição eterna, como a própria carta. E mais, a gente podia se valer de vários PSs, se necessário fosse. PS2, PS3, PS4. Hoje em dia, os desavisados ficariam boiando: que que tem o PlayStation a ver com isso?

Então veio o computador. O ponto do meu amigo é: ninguém precisa mais recorrer ao PS se basta voltar atrás e acrescentar o que faltou e onde der. Como se escrever fosse isso, achar um lugar qualquer e enfiar uma informação à moda Miguelão. Não é assim que funciona. Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS. Que ele continue colorindo as nossas cartas.

PS: Um abraço para a Irmã Urbana.


27 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Inexplicável!

Um incêndio estendeu o escuro da noite e cobriu a capital gaúcha de trevas e mortes durante a manhã de sexta-feira. Dez pessoas morreram, 15 ficaram feridas, num dos focos de fogo mais incompreensíveis dos últimos tempos, que atingiu uma pousada na Avenida Farrapos, entre as ruas Garibaldi e Doutor Barros Cassal, próximo a um posto de combustíveis. Os bombeiros chegaram por volta das 2h20 da madrugada.

Trata-se do segundo mais letal incêndio de Porto Alegre, apenas atrás da tragédia no emblemático prédio da Lojas Renner, na tarde de 27 de abril de 1976 (quase a mesma data), que matou 41 pessoas e deixou dezenas de feridos.

Não há como disfarçar a indignação. É sempre um luto carregado de raiva, bílis e injustiça. Será que são necessários 10 falecimentos, 10 famílias enlutadas para agora investigarmos se o hotelzinho realmente precisava do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI)?

Se a burocracia está em ordem, se a documentação está em dia, de quem é a culpa? Como uma estrutura de tantos riscos evidentes é aprovada para operar como pousada, na condição de alojamento de baixo risco, com a dispensa de alvará e autorização de funcionamento?

Será consequência da brandura da lei, engessando a fiscalização a ponto de esta só atestar falhas de monitoria depois de um desastre, quando já é tarde demais, quando existe uma fileira de covas abertas e caixões em procissão?

No albergue de três pavimentos, os modestos quartos eram colados uns nos outros, revestidos de madeira, sem a devida e adequada ventilação. Não tinha como fugir. Não tinha como escapar. Quem se via exausto, em sono profundo, jamais despertou.

Era uma ratoeira, um labirinto com único acesso pelas escadas, desprovido de plano e sinalização para evacuação rápida. Pela vista aérea dos destroços da edificação, da qual permaneceu somente o esqueleto carbonizado, percebe-se que se resumia a uma panela de pressão, com condições propícias ao alastramento das chamas e a sucessivas explosões.

Não aprendemos nada com as centenas de óbitos de estudantes em Santa Maria, na Boate Kiss. A amnésia repete as dores. O esquecimento reutiliza os scripts de falta de segurança, comprometendo covardemente vidas inocentes, que pagaram um quarto para pernoite, a cinco minutos da Rodoviária, jurando que se achavam protegidas.

Já que o espaço vinha sendo usado pela Secretaria de Assistência Social como moradia para desabrigados e desassistidos, a gravidade da ocorrência aumenta. O contrato público com a rede de pousadas, que possui outros três endereços em Porto Alegre, recebeu renovação com a prefeitura em dezembro do ano passado.

Que licitação é essa que repassa R$ 2,7 milhões por 360 vagas naquilo que acabaria sendo um cemitério? Com certeza, diante da precariedade das instalações, os moradores de rua, em situação de vulnerabilidade, estariam mais resguardados dormindo ao relento, debaixo das marquises.

Quantos gritos de socorro terminaram afônicos pela toxicidade da fumaça? Quantos assentos de ônibus seguiram vagos, sem o seu passageiro regressando ao lar no Interior? Tudo está sendo apurado, tudo é recente, mas, pelos indícios até então, dá para concluir que o incêndio poderia ter sido facilmente evitado.

Se não foi alguém que o provocou de propósito, a prefeitura deve oferecer uma resposta, pois o incêndio ocorreu sob sua autorização, sob sua tutela, num acordo em vigor de albergamento, no centro da cidade, numa de nossas mais movimentadas avenidas.

Queremos saber. Não basta oferecer os pêsames a Marcelo Wagner Schelech, 56 anos, um dos sobreviventes, que não conseguiu socorrer sua irmã, que não teve chance de salvá-la, que carregará o trauma de ter saído dali sozinho. Ele carece de uma explicação.

CARPINEJAR

27 DE ABRIL DE 2024
FLÁVIO TAVARES

DATAS INESQUECÍVEIS

A data de 25 de abril, ocorrida dias atrás, é inesquecível. Festejamos agora os 50 anos da Revolução dos Cravos, que em 1974 derrubou em Portugal a ditadura mais longa da Europa, estabelecida em 1932. Aqui no Brasil, porém, sucedia o oposto: 10 anos depois, no mesmo dia, a Câmara dos Deputados rejeitava a Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta do presidente da República, suprimida em 1964 pelo golpe militar direitista.

Em Portugal, pela primeira vez no mundo, um movimento militar instituía a democracia. Na ponta dos fuzis, os soldados levavam um cravo vermelho, símbolo da paz, sem opressão. O movimento das forças armadas nasceu para opor-se à cruenta repressão às guerras de libertação nas colônias portuguesas da África.

Naquele 1974, tudo foi diferente. Começou com a tomada da Rádio Nacional e a transmissão da canção Grândola, Vila Morena, proibida pela censura ditatorial. Era a senha que mobilizou os quartéis. O major Otelo Saraiva de Carvalho comandou o golpe, mas, vitorioso, não ocupou nenhum cargo no governo.

Já consolidada a democracia e a liberdade de expressão, morei dois anos em Portugal no século passado. Permaneciam, porém, alguns vestígios da longa ditadura. Parte das mulheres se vestia de preto, tal qual nos tempos idos, quando elas eram relegadas à condição de "seres inferiores", sem direito à cor sequer nos trajes.

Em compensação, havia uma explosão de liberdades, em que grupos de esquerda e direita disputavam território. Lembro-me da cena inimaginável em qualquer canto do mundo, mas lá habitual naquela época - transeuntes e automobilistas discutiam na rua com policiais de trânsito, sem que estes sequer esboçassem qualquer reação.

Entre nós, porém, 10 anos depois, outro 25 de abril tornou-se inesquecível pelo absurdo de a Câmara dos Deputados rejeitar emenda à Constituição que reinstituía o direito do voto direto na eleição do presidente da República, abolido pelo golpe militar de 1964.

Os tempos já são outros e podemos festejar.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

27 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DESLEIXO FATAL

É muito fácil levantar suspeitas e apontar culpados quando uma tragédia abrevia vidas humanas de forma tão cruel como ocorreu na madrugada de ontem, no incêndio da Pousada Garoa, em Porto Alegre. A comoção causada pelas mortes exige respostas imediatas e tende a gerar precipitações. Porém, embora seja mais sensato aguardar os resultados das perícias e das investigações policiais, não há dúvidas de que autoridades públicas e administradores do estabelecimento falharam nos cuidados, na fiscalização e na prevenção - desleixo fatal e inadmissível num Estado com memória traumática de sinistros semelhantes.

A verdade inquestionável é que o hotel popular tinha convênio com a Fundação de Assistência Social e Cidadania, o órgão da prefeitura da Capital que trata do acolhimento de cidadãos, famílias e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além disso, segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tinha alvará de funcionamento nem Plano de Proteção Contra Incêndios, o chamado PPCI. Mais: pelo testemunho de moradores e frequentadores, já se sabe que as instalações eram precárias e malcuidadas, tanto em relação à segurança quanto à higiene. Em resumo, mais uma armadilha construída pela imprevidência e pelo descaso, como nos célebres casos da boate de Santa Maria e da creche de Uruguaiana, que também causaram numerosas vítimas e chocaram a população gaúcha.

Há, portanto, culpados - e é imprescindível que essas pessoas sejam responsabilizadas na proporção exata de suas participações ou omissões na cadeia de incúrias que gerou a fatalidade. Porém, mais importante do que eventuais punições deve ser o trabalho de rescaldo voltado para a prevenção. Nesse âmbito, as falhas são mais amplas e coletivas, incluindo aspectos como o abrandamento da legislação protetora e a insuficiente fiscalização, que possibilitam o funcionamento de estabelecimentos comerciais, prédios residenciais e habitações sem as mínimas condições de segurança.

A população gaúcha, infelizmente, ainda não conseguiu adotar uma cultura de prevenção capaz de interromper o rastilho das tragédias antes do desfecho inexorável. Quando as autoridades não são suficientemente confiáveis e diligentes no exercício de suas obrigações, cabe ao cidadão fiscalizar, denunciar e exigir providências corretivas para não se tornar vítima do desmazelo.

Não podemos continuar convivendo com o perigo. E nem aceitando pacificamente que autoridades, representantes políticos e proprietários de estabelecimentos sinistrados fujam de suas responsabilidades. No caso recente, já é perceptível um certo jogo de empurra por parte de algumas pessoas ouvidas. Só falta tentarem culpar as vítimas que caíram na armadilha do desleixo porque não tinham outra alternativa de abrigo digno. O momento é de comoção e de compaixão pelos mortos, pelos feridos e por seus familiares e amigos, mas não se pode perder de vista a necessidade de investigação minuciosa que leve à responsabilização dos negligentes e à retomada de mecanismos eficientes de prevenção.


27 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Mundo do vinho quer conquistar jovens

Iniciativas isoladas já tentavam "puxar" o consumidor jovem para o vinho, mas agora haverá esforço de todo o segmento para atrair o público entre 25 a 35 anos.

Segundo Luciano Rebellatto, que preside o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis-RS), haverá mudanças em produtos e processos para oferecer mais bebidas leves e com menor teor alcoólico, além de campanha que estreia nos próximos dias com o mote "Vai de vinho brasileiro" - em várias situações.

- Nosso clima não propicia que uvas amadureçam muito. O resultado é maior refrescância, que ajuda - observa.

Como aos jovens também é atribuída a característica de ter maiores exigências sociais e ambientais, a coluna quis saber se há alguma pendência relacionada ao caso de trabalho análogo à escravidão que envolveu empresas do setor.

Segundo Rebellatto, como a percepção predominante foi de que se tratava de caso isolado, não houve impacto no consumo. O de imagem, avalia, foi momentâneo. Houve aprendizado e correção de práticas do setor.

Por reoneração, Lula contrata crise com Congresso e setores

Ao insistir em reonerar a folha de pagamento pela via judicial, o governo Lula contratou nova crise com o Congresso e os setores econômicos contemplados justo no final de uma semana marcada por aparente pacificação. Houve reação forte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de líderes empresariais e municipais, já que prefeituras também foram contrariadas.

Por mais que tenha fortes argumentos - a despesa não está no orçamento e há vedação constitucional a benefícios com base nas receitas da Previdência -, o governo entra em batalha difícil de ganhar e, caso consiga, terá vitória amarga.

No setor privado, o impacto é profundo, uma vez que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm efeito imediato. Ou seja, seria necessário adaptar o pagamento já na próxima folha. A Abicalçados considerou um "retrocesso" e um "desrespeito ao trâmite" do Congresso. Conforme a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), a decisão no STF "cria um cenário de total imprevisibilidade" e "abala a confiança dos setores produtivos". A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) argumentou que haverá "paralisação de investimentos essenciais".

Dado o perfil mais diplomático do presidente do Senado, chamou atenção a elevação de tom do discurso de Pacheco, que apontou "perplexidade e muita insatisfação". E, pior para o governo Lula, aderiu à pressão para que se corte gastos para alcançar equilíbrio fiscal:

- Vamos fazer um debate a respeito de como se aumenta a arrecadação sem sacrificar o contribuinte que produz e gera emprego e onde podemos cortar excessos de gastos.

É bom lembrar que Pacheco é padrinho de proposta de emenda constitucional dos quinquênios, que aumenta o gasto público, segundo o Ministério da Fazenda, em R$ 42 bilhões ao ano.

é o número de cooperados alcançado pela Unicred Central Geração, que atua no RS e em outros 10 Estados. Com mais de três décadas de atuação, a cooperativa financeira chega pela primeira vez a essa marca. Presente em todo o país, o Sistema Unicred, da qual a Central Geração faz parte, conta com 29 cooperativas, 370 agências e cerca de 310 mil cooperados.

MARTA SFREDO

27 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Lições deixadas pelo incêndio que matou 10 em Porto Alegre

Tragédias como a que deixou 10 mortos e 15 feridos na pousada da Avenida Farrapos, em Porto Alegre, nos obrigam a olhar para o futuro escaneando o passado para identificar o conjunto de falhas que criou o cenário para o incêndio. Foi assim no caso da boate Kiss, com seus 242 mortos. Como nos acidentes com aviões, é um conjunto de erros ou omissões somados que explica o sinistro. A isso não se pode chamar de fatalidade.

No caso da pousada Garoa, que abrigava pessoas pobres, sem teto, acolhidas pela assistência social da prefeitura ou que procuravam um lugar barato para morar, é preciso começar do início. Como pode um prédio naquelas condições ter licença para funcionar como pousada/hotel/hostel sem ter um plano de prevenção e combate a incêndio (PPCI)?

Ora, essa é a realidade da maioria dos prédios de Porto Alegre, públicos e privados - um dos edifícios mais exclusivos do bairro Moinhos de Vento não tem. O PPCI, popularizado depois do incêndio da Kiss, é uma obra de ficção em boa parte da cidade.

Mas e o alvará? A lei da liberdade econômica, cantada em prosa e verso como a solução para atrair investidores e combater a burocracia, permite que o "empreendedor" abra uma pousada sem que se faça qualquer fiscalização. Basta declarar que se enquadra como atividade de baixo risco.

Em geral, os proprietários buscam maneiras de agilizar o licenciamento, baratear custos e escapar da burocracia e das fiscalizações. Mas será que uma pousada improvisada em um prédio antigo é mesmo uma atividade de baixo risco?

Quando essas leis são aprovadas, não se faz a necessária reflexão. A sociedade só questiona quando ocorre a tragédia. A Lei Kiss, que foi aprovada a duras penas, é flexibilizada o tempo todo. No Estado mesmo, em 2022, dezenas de atividades foram liberadas do licenciamento do Corpo de Bombeiros. Repetindo o que fizeram os antecessores, o governador Eduardo Leite adiou para 2026 a vigência plena da lei, mesmo alterada e descaracterizada.

ROSANE DE OLIVEIRA

27 DE ABRIL DE 2024
MARCELO RECH

Imprescindíveis

Empresário experiente, um amigo costuma definir carinhosamente como "gauchinhos metidos" aqueles que, como ele, não se conformam com limitações de um Estado no extremo de um país periférico e enxergam o mundo como uma extensão da querência. Os gauchinhos metidos fazem deste torrão a plataforma para ganhar o Brasil e o Exterior ou para ser uma vitrine de excelência que atrai olhares de admiração. São, por isso, decisivos para fazer do Rio Grande o que ele representa hoje e o que poderá alcançar no futuro.

Eram gauchinhos metidos os criadores da Varig e da Ipiranga e políticos que moldaram boa parte da história brasileira no século passado. E são gauchinhos metidos muitos dos fundadores e os que tocam hoje empresas como Randon, Gerdau, Évora, Tramontina e Marcopolo, entre tantas outras que visualizam em um mapa-múndi as suas operações. Na cultura, Erico Verissimo e Moacyr Scliar cantaram sua aldeia e seguem universais, assim como o é Yamandu Costa. E, com todo o respeito, há muitas mulheres tão ou mais lindas que Gisele Bündchen, mas foi principalmente sua atitude de gauchinha metida que a levou à glória e ao reconhecimento internacionais.

Na raiz da disposição de conquistar o mundo, está uma pergunta íntima: por que não? O que nos impede, tal e qual europeus ou norte-americanos, de sairmos do casulo que aprisiona potenciais e de amarrarmos pacificamente nossos cavalos simbólicos nos obeliscos das principais capitais do planeta? No fundo, o que nos limita é aceitar, passivamente, que a gaúchos e brasileiros resta nos contentarmos com papéis secundários na grande ópera universal.

Na seleção de gauchinhos metidos, um novo expoente é o empresário Fernando Goldsztein, que, movido inicialmente por uma luta familiar, tomou nas mãos o desafio de buscar a cura do meduloblastoma, o segundo tipo de câncer mais comum na infância. Em 2015, seu filho com então nove anos foi diagnosticado com a doença. Ao constatar que os protocolos de tratamento haviam evoluído quase nada desde os anos 1980, ele fundou e se dedica agora de corpo e alma à The Medulloblastoma Initiative, um consórcio mundial de cientistas que já produziu uma série de avanços no enfrentamento de um câncer de cérebro que acomete 30 mil crianças por ano.

Quando David Coimbra se tratou experimentalmente no Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, ele teve a sorte de encontrar no grupo de pesquisadores outro gauchinho metido, o jovem oncologista André Fay. David contava: "O André e os outros caras dizem que estão ali pra achar a cura do câncer. Só isso. E eles vão achar".

Essa é a postura que muda destinos de pessoas, famílias, empresas, Estados e nações. Os imprescindíveis gauchinhos metidos não se gabam nem vivem a reclamar. Simplesmente vão lá e fazem.

MARCELO RECH

27 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

O frio na barriga

No próximo dia 7 de junho, entre idas e vindas, vou bater uma marca pessoal: 25 anos desde que pisei pela primeira vez no prédio de Zero Hora, em Porto Alegre. Eu ainda era estudante de Jornalismo e acabava de ser contratada como auxiliar de redação. Detalhe: com o salário de R$ 269,05 (nunca esqueci) e um baita frio na barriga.

Lembrei-me disso nessa semana, quando ouvi o Nelson Sirotsky, nosso publisher (não me pergunte o que isso quer dizer, mas, resumindo, é quem manda na "lojinha"), contando o que sentiu quando teve de falar pela primeira vez na redação.

- Eu tive medo. Até minhas pernas tremiam - confidenciou Nelson, no mesmo local, três décadas depois, arrancando gargalhadas da turma, às vésperas dos 60 anos de nossa querida Zero Hora.

Jornalistas, você sabe, são seres questionadores, céticos e críticos por natureza (para não dizer chatos). Agora imagine isso multiplicado por 200, no mesmo lugar, com todos os olhos cravados em quem está falando - nesse caso, o chefe (nem ele escapa do escrutínio).

Nelson cresceu na Zero Hora, levado pelas mãos do pai, Maurício, e do tio Jayme Sirotsky. É praticamente um de nós. Tem jornalismo nas veias. E, veja bem, ele sentiu medo.

Costumo ouvir, de pessoas que me abordam para conversar, diferentes versões da mesma pergunta:

- Como é trabalhar lá?

No primeiro dia, eu também fiquei apavorada. Primeiro, porque não sabia se daria conta. Segundo, porque essa redação tem história - e prêmios, muitos prêmios, de dar orgulho em qualquer jornal do mundo. Em terceiro lugar, porque ali, diante de mim, estavam os melhores jornalistas do Rio Grande do Sul.

Quem não ficaria aflito?

Enquanto escrevo este texto, olho ao meu redor. Na minha frente, na mesa, está o Rodrigo Lopes, conversando com o Vitor Netto. Ao meu lado esquerdo, o Ticiano Osório finaliza uma página. Do direito, o PG, a Gisele Loeblein e a Carolina Pastl trabalham. Na outra ponta, a Amanda Souza dedilha no teclado, concentradíssima.

É um privilégio trabalhar ao lado de tanta gente interessante. O mais legal são as conversas. Uma hora, é o Rodrigo falando de geopolítica. Dali a pouco, o tema é o filme que o Ticiano indicou em ZH. Quer saber das perspectivas do La Niña? A Gisele fala (e sempre, de algum jeito, nos faz sorrir). E o que dizer da Amanda, que entrou ao vivo, em rede nacional, em pleno BBB, lá do Alegrete?

Trabalhar em um lugar assim é estar ao lado de profissionais que têm muito a dizer. E é ouvir histórias saborosas, hilárias e (às vezes) impublicáveis.

Já não há mais o tec tec contínuo das máquinas de escrever, da época em que a redação era majoritariamente masculina, onde se fumava e - reza a lenda - se bebia muita cachaça. Esse tempo passou.

Hoje, o salão cheio de computadores e telas de TV é um lugar marcado pela diversidade e por um jornalismo adaptado aos novos tempos, no papel, no site, nas redes sociais e no que mais aparecer. Se eu perdi o medo? Sim, perdi. Mas preciso te contar uma coisa: o frio na barriga continua. Como da primeira vez.

É a maior crise de Canoas de todos os tempos. Como o terceiro maior PIB do Estado chegou a esse caos?

SHIRLEY FERNANDES

Presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas, sobre as turbulências politicas, financeiras e de atendimento na saúde enfrentadas pelo município.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem que, em vez de ler um livro, perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Presidente da República, cobrando do ministro e de outros membros do primeiro escalação maior participação na articulação política.

Eu tenho erros e acertos, não tenho problema de reconhecer o erro quando eu faço.

ARTHUR LIRA

Presidente da Câmara, no programa Conversa com Bial, admitindo erro ao ter chamado o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de "desafeto pessoal" e "incompetente".

A nossa bancada não tem como dar acordo. Não há possibilidade de votar favoravelmente.

LUIZ FERNANDO MAINARDI

Líder da bancada do PT na Assembleia, negando apoio ao projeto do governo Leite para elevar a alíquota geral de ICMS de 17% para 19%.

O que mais me dói é saber que ele sofreu lá dentro.

JOÃO FANTAZZINI JÚNIOR

Tutor do golden retriever Joca, cão morto durante transporte aéreo, após a Gol errar o destino e submeter o animal a um tempo de viagem muito superior ao que suportaria.

Fiquem tranquilos, não vamos a lugar algum.

SHOU ZI CHEW

Presidente-executivo do TikTok, após EUA aprovarem lei que pode banir a rede social chinesa do país, prometendo contestar no judiciário a legislação.

Temos que pagar os custos (pela escravidão). Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso.

MARCELO REBELO DE SOUSA

Presidente de Portugal, que admitiu responsabilidade histórica do país no período colonial em relação a escravidão, massacre de indígenas e saque de bens em terras estrangeiras.

arte

Retrato de um Homem Lendo Jornal

Desde que um alemão chamado Johannes Gutenberg "inventou" a imprensa, com a criação da máquina de impressão tipográfica, no século 15, o hábito da leitura diária se multiplicou e ganhou espaço, também, nas artes visuais. Inúmeras são as obras que reproduzem a ação.

Ao lado, você vê um exemplo disso na tela Retrato de um Homem Lendo Jornal, pintada no início do século 20 pelo artista francês André Derain, um autodidata que começou a carreira aos 15 anos.

Originalmente, o periódico que vemos nas mãos do tal homem era real, colado diretamente na tela. Curioso, né? O quadro pertence ao acervo do Museu Hermitage, que fica em São Petersburgo, na Rússia.

INFORME ESPECIAL

sábado, 20 de abril de 2024


20 DE ABRIL DE 2024
mARTHA MEDEIROS

Para sempre virgens

Já contei em entrevistas e talvez em alguma crônica, mas já que ninguém lembra de nada mesmo, vou contar outra vez. Tive um diário quando era adolescente, onde escrevi sobre meus 14, 15, 16 anos. Quando fiz 17, em uma determinada página daquela que já me parecia uma longa existência, registrei: "Tenho medo de nunca mais ser feliz como fui até agora". Chego a me comover com tamanha inocência.

Aos 17, eu era virgem. Nunca tinha saído do Brasil. Ainda não trabalhava. Não sabia o que seria quando crescesse. Não havia tido nenhum namoro que durasse mais do que duas semanas. Não havia sofrido, a não ser as angústias de qualquer adolescente. O que eu havia vivido de tão fenomenal até ali? Uma infância tranquila, confidências com as amigas, danças em festas, fins de semana na praia, shows e cinema, beijocas e paixonites. Quando passei a acreditar que não viveria nada mais empolgante que isso, envelheci. Ao terminar de escrever aquela frase absurda, meus ombros encurvaram e duas pantufas acolheram meus pés.

Velhice é quando o que ficou para trás torna-se superior ao que está por vir. Talvez aconteça com quem está chegando perto dos 90 anos: a improbabilidade de novas estreias conduz a um estado natural de nostalgia. Talvez, eu disse. Pode nunca acontecer: há pessoas que, mesmo com muita idade, estão focadas nos 10 minutos seguintes, onde novas estreias as aguardam. 

Uma tatuagem no pulso. Passar o aniversário em outro país. Escrever poemas eróticos. Fazer amizade com alguém 20 anos mais moço e mais inquieto. Mudar radicalmente de opinião (não há prazo para aprender sobre aquilo que não dominamos tanto assim). Uma emoção represada que enfim deságua. É tudo vida em frente.

Olhar para trás aos 17 anos? Apego às idealizações, covardia, medo. Olhar para trás aos 50, também, mesmo reconhecendo que é cansativo fazer planos e estar sempre a postos para os imprevistos. Eu mesma não vejo a hora de dar minha missão como cumprida e me instalar numa rede com vista para o mar, onde ficarei lembrando de tudo o que vivi dos 17 até aqui, e não foi pouca coisa. 

Tenho um patrimônio respeitável de acontecimentos na minha biografia de cidadã comum, e não acharia ruim viver de recordações entre um gole e outro de vinho. Mas as pantufas estariam ao pé da rede, e uma bengala também, já que viver de lembrança não tonifica os músculos.

Então sigo me prontificando a incluir páginas extras no meu diário sem fim. Quando fico tentada a achar que o melhor da vida já passou, como estupidamente achei aos 17 anos ("ninguém é sério aos 17 anos", escreveu Rimbaud), lembro que o dia de ontem é pré-história e listo as virgindades em mim que ainda aguardam serem rompidas. Amanhã mesmo posso vir a fazer algo que nunca fiz.

MARTHA MEDEIROS

20 DE ABRIL DE 2024
CLAUDIA TAJES

O PS

Um amigo disse que, em tempos de comunicação digital, o PS perdeu a sua razão de ser. PS, o post scriptum, aquela informaçãozinha que complementa uma carta, às vezes com objetividade, às vezes com graça, às vezes com poesia. Também pode ser com graça poética objetiva, depende de quem escreve.

Para o meu amigo, o PS fazia sentido quando, após escrever uma carta caprichosamente à mão, com caneta tinteiro ou Bic mesmo, o missivista percebia ter se esquecido de alguma coisa. Óbvio que, nessa situação, a pessoa jamais reescreveria tudo para acrescentar o que ficou para trás.

A missa da formatura começa às 19h. Tia Amélia está atacada do ciático. Adotamos um novo cãozinho, o Luizito. A solução era o PS que, dependendo do tom, podia ser até mais interessante que a própria carta. PS: Eu te amo. PS: Tirei teu nome do meu testamento. PS: Mamãe está tendo um caso com seu Odair, o vizinho do 602.

Uma professora do ensino primário, a Irmã Urbana, veio transferida para dar aulas em Porto Alegre. Ela tentou fazer com que eu, com uns 10 anos de idade, mantivesse correspondência com uma aluna dela do Pará. Podia ter sido uma boa experiência, mas tanto eu quanto a outra menina éramos pequenas demais para achar graça naquilo. Minha mãe sentava comigo para escrever e eu quase dormia, de tão chata que era a minha vida de criança de apartamento para contar. Quando chegava a resposta da menina, tão desinteressante quanto a minha, eu ia direto para o PS, que em geral dizia: um abraço para a Irmã Urbana.

O PS tinha essa função. Estando o assunto da carta enfadonho, ia-se direto para ele, para ver o que realmente importava daquelas páginas todas. O suco da carta. Isso, claro, se as cartas não fossem de amor. Se fossem, até as maiores banalidades mereciam a mais atenta das leituras.

Com as cartas na máquina de escrever, mesma coisa. O Errorex era ótimo para consertos em textos de trabalho, mas ficava feio mandar uma carta toda remendada. Fora a desconfiança: uma linha inteira apagada, o que será que ela se arrependeu de escrever? O PS continuou não apenas útil, mas indispensável. Parecia uma instituição eterna, como a própria carta. E mais, a gente podia se valer de vários PSs, se necessário fosse. PS2, PS3, PS4. Hoje em dia, os desavisados ficariam boiando: que que tem o PlayStation a ver com isso?

Então veio o computador. O ponto do meu amigo é: ninguém precisa mais recorrer ao PS se basta voltar atrás e acrescentar o que faltou e onde der. Como se escrever fosse isso, achar um lugar qualquer e enfiar uma informação à moda Miguelão. Não é assim que funciona. Independentemente da tecnologia, vida longa ao PS. Que ele continue colorindo as nossas cartas.

PS: Um abraço para a Irmã Urbana.

CLAUDIA TAJES

20 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Nem sempre é amor

Nem sempre é amor. Às vezes, é obsessão. Você percebe que é obsessão por um traço específico: quando não consegue terminar o relacionamento. Parece estranho concluir isso, até porque você nunca se envolve pensando em se separar.

Mas não é querer terminar, é poder terminar. Na obsessão, você perde o livre-arbítrio, a escolha, o senso de medida, a condicional de permanecer numa convivência de acordo com a sua felicidade. A outra pessoa mentiu, e você persiste na relação. A outra pessoa quebrou sua confiança, pegou dinheiro emprestado, não devolveu, e você continua na relação. A outra pessoa foi infiel, e você prossegue na relação.

Nunca se separa, nada faz você se separar, nenhum motivo é graúdo o suficiente - é obsessão. Você se contenta com migalhas de atenção, suporta o comportamento indiferente, desatento e grosseiro do seu par, e se fecha na imobilidade. É uma teimosia que extrapola os limites do aceitável. É uma fantasia que não corresponde aos fatos. Você se submete a uma dependência em torno de um único objetivo: manter-se junto. Não importa o que aconteça, jamais prepara as malas.

Quando é amor, você não sente medo de terminar. Não aceita ser maltratado. Não aceita qualquer coisa. Não aceita uma partilha em que você tem o que não merece. Não aceita gritos, ordens, brigas, discussões, pressão, ataque gratuito de ciúme. Vai exigir o melhor. Dará adeus se o outro pisar na bola.

Se você é afetuoso, se você se faz presente, e não há contrapartida, não verá condições de seguir adiante. Fechará a conta, a porta.

Você não jogará seu tempo e sua juventude fora com quem está pela metade ou com quem se revela egoísta. Quando existe uma obsessão, você exclusivamente se norteia pela idealização. Arrasta o romance. Não valoriza a qualidade da convivência. Não reage aos capítulos diários da troca.

Você não admite o término, bota na cabeça que aquele relacionamento é único e irrepetível, o mais importante de sua história. Não observa o que vem recebendo e acaba absolutamente bloqueado para o momento atual. Só envelhecendo na esperança, só mirando o futuro, só mirando uma promessa, só mirando a ideia fixa de um destino.

É uma obsessão, não amor, porque você é destratado, subestimado, posto de lado, excluído, e se devota a preservar uma aparência agradável de casal, uma fachada de harmonia, escondendo a explícita ausência de conteúdo.

Não mensurar o avanço do casamento, é sinal de que você se encontra obcecado. Acredita que achou a sua alma gêmea, e não identifica a precariedade em que se meteu. Não reconhece o pântano debaixo dos seus pés. Hipnotizado pelo sacrifício, abstraído pela crença da resiliência, apenas insiste em fazer o relacionamento durar.

Privilegia durar a dar certo, o que é muito diferente. Duração não significa que o relacionamento deu certo. Você pode partilhar o teto por 10, 15, 20 anos com alguém e ter sido infeliz. E ser com ele infeliz para sempre.

A duração não é sinônimo de felicidade. O que define a felicidade é o quanto você cresceu profissionalmente, o quanto fortaleceu os laços com a família, o quanto impulsionou a sua rede de afetos, o quanto passou a se mostrar mais sábio diante dos dilemas da existência.

O amor melhora você para todos, não somente para a parte interessada. Preso na teia da obsessão, você adia o fim, não é capaz de encerrar o ciclo de perdas. Pelo receio de morrer sozinho, desperdiça a sua vida com as piores companhias.

CARPINEJAR

20 DE ABRIL DE 2024
FLÁVIO TAVARES

EM DEFESA DA CIDADE

A velha canção Porto Alegre É Demais retrata aspectos tão positivos da cidade que seu autor, José Fogaça, foi eleito prefeito municipal anos atrás. O passar do tempo, porém, mostra declínios nunca previstos na Capital.

O mais saliente talvez seja a transformação do Parcão - o Parque Moinhos de Vento - para extinguir sua finalidade original de área verde de lazer, esporte e contato com a natureza, criando consciência ecológica nas crianças. Para reforçar essa situação, fundou-se a associação do parque, que ajuda na conservação e na manutenção, reconhecida como "de utilidade pública" pela Câmara Municipal. Em 1979 (com livros doados por empresas), ali se criou a Biblioteca Infantil Maria Dinorah, que funcionou durante anos e abriu caminhos na vida a crianças e adolescentes.

Conheci o terreno atual do Parcão quando ali se localizavam o hipódromo e o campo do Grêmio. Agora, querem explorar comercialmente a área, estabelecendo cafés e restaurantes permanentes (que abundam no bairro), com o que, aos poucos, será um "mercado persa" de bugigangas. Anos atrás, decidiu-se não autorizar ali nenhum ponto de comércio, a não ser em datas como o Natal. Agora, na atual gestão municipal, criou-se a Secretaria de Negócios, que busca abrir o parque ao comércio.

Os moradores da área, num abaixo-assinado, conclamaram a prefeitura a desistir de transformar o Parcão em área comercial. O médico Jaime Wageck, atual "prefeito" do Parcão, lembra, porém, que a reivindicação essencial é reabrir a biblioteca infantil.

No Centro Histórico, outro é o problema. Projeta-se construir um prédio em forma de L, com 41 andares e 115m de altura, na Rua Duque de Caxias, ao lado do Museu Júlio de Castilhos, que fará sombra à Catedral e ao Palácio Piratini.

O projeto foi aprovado pela prefeitura em janeiro de 2021 e as alterações foram feitas pela empresa construtora em 2023. O alerta lançado pela imprensa sobre os futuros problemas insolúveis de trânsito a serem criados, porém, fez os construtores adiarem o início da obra.

Mas burocraticamente, no Parcão e na Rua Duque, a ameaça continua.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

20 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

VIA PERIGOSA

Começa a aparecer a fatura do discurso descompromissado com as contas públicas e da desarticulação do governo no Congresso. Se no próprio Executivo predomina o princípio de que "gasto é vida", seria difícil ver no parlamento algum comedimento e zelo com a saúde fiscal do país.

Distribuir benesses, ainda mais em ano eleitoral, não é problema para deputados e senadores. Assim, as pautas-bomba começam a pipocar e o Planalto não tem forças para pôr um freio nas bondades com os recursos dos contribuintes. Pelo exemplo e pela base de apoio frágil.

O mais recente caso que foge à razoabilidade foi a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição para restabelecer quinquênios para juízes e promotores. Prevê 5% de reajuste salarial a cada cinco anos, sem qualquer vinculação a desempenho. Se justificaria apenas pela passagem do tempo, como era até 18 anos atrás, quando o benefício foi extinto. É ocioso lembrar que são categorias do topo da pirâmide social. O padrinho da iniciativa é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aliado do governo. Calcula-se que o custo, pelo efeito cascata, pode chegar a R$ 42 bilhões por ano. Espera-se melhor juízo quando a matéria for a plenário.

O Planalto também enfrenta resistência para encerrar o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, criado para amparar empresas do setor na pandemia. A crise sanitária acabou, o segmento funciona a pleno, mas o Congresso dificulta o fim do benefício, mesmo de forma gradual. São mais R$ 20 bilhões em jogo. O governo caminha também para perder as quedas de braço em torno do veto a R$ 6,5 bilhões em emendas parlamentares e da reversão da desoneração da folha de pagamento de prefeituras. Neste caso, mais R$ 10 bilhões anuais.

Além da base parlamentar pequena, o governo enfrenta percalços na articulação com o Congresso, onde o apetite do centrão parece não ter limites. O presidente da Câmara, Arthur Lira, considera o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um desafeto pessoal. O resultado de tamanha disfuncionalidade foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter de antecipar o retorno de uma viagem aos EUA para tentar melhorar a interlocução com os parlamentares sobre pautas com grande impacto no orçamento. Voltaram até sugestões de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se envolver mais no corpo a corpo com as lideranças partidárias.

O governo teve, ao longo de 2023, relativo sucesso na negociação de pautas econômicas no Congresso, ao contrário de matérias de outras áreas. Haddad foi decisivo neste desempenho, embora muitas medidas tenham sido desidratadas. Será temerário se o Planalto também começar a sofrer derrotas em série em temas que afetem as finanças.

De outro lado, convém lembrar que o governo acaba de jogar a toalha quanto à meta de produzir um superávit fiscal de 0,5% em 2025, baixando o objetivo para zero. Ficou a mensagem de que, apesar de reconhecer ser impossível cumprir o compromisso original do novo marco fiscal apenas pelo caminho da arrecadação, não está disposto a cortar gastos na magnitude necessária para atingir o resultado prometido. Para ser mais convincente com o Congresso, o ideal seria o Planalto liderar pelo exemplo. Deve-se alertar que o caminho das pautas-bomba e da gastança desenfreada produz pressão sobre juros, dólar e inflação e, ato contínuo, afeta a economia real. É uma história conhecida.



20 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Luxo para +60 fora do RS

O endereço ainda não é certo, mas a ABF Developments construirá um edifício de luxo para pessoas de maior idade em Florianópolis. Foi o que revelou à coluna Alessander Bellaver, gerente de marketing da construtora gaúcha.

Chamado de senior living no setor imobiliário, o modelo já está consolidado em Porto Alegre, com três edifícios da ABF Developments. Trata-se do trio de Magnos: Três Figueiras, Moinhos de Vento e Menino Deus.

A avaliação da empresa é de que, depois dessas construções, Porto Alegre praticamente esgotará as oportunidades no nicho.

Ainda há pequena possibilidade de uma outra unidade na zona sul da Capital, mas está tomada a decisão de levar os projetos para outros Estados, a começar por Santa Catarina.

- Para proteger o próprio negócio, vamos buscar regiões que não estejam tão saturadas. Estamos cogitando também São Paulo, mas é uma questão mais complicada, porque exige uma operação e uma gestão fortes - afirma.

A ABF Developments ainda aguarda parceiros para efetivar o negócio, mas é "certo que sairá do Estado", segundo Bellaver. Na segunda-feira, a ABF lança oficialmente o projeto do Menino Deus, que tem parceria com a Unimed. Os outros dois residenciais têm gestão da São Pietro.

é o gasto anual extra estimado pelo Ministério da Fazenda com a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio. A iniciativa aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado cria um novo benefício salarial para juízes, magistrados e promotores.

Imobiliária duplica o faturamento

O faturamento do primeiro trimestre deste ano da imobiliária gaúcha de alto padrão Pier 36 dobrou em relação ao mesmo período de 2023. A empresa, que tem foco em imóveis da zona sul de Porto Alegre, planeja aumentar em cerca de 10% o faturamento do ano.

Segundo Daniel Machado, sócio da Pier 36 ao lado de Marcos Bassanesi, o cenário econômico mais estável do período contribuiu para o crescimento da empresa.

A expansão também foi impulsionada pelo aumento da procura por residências, com os bairros Vila Assunção, Tristeza e Ipanema atraindo mais compradores. Em meados do ano passado, a empresa chegou a vender um imóvel por dia. Além do crescimento no faturamento, o número de novos clientes apresentou alta de 19% em relação ao primeiro bimestre de 2023. O ticket médio de vendas registrou aumento de 10%. Fundada em 2015, tem cerca de 3 mil imóveis em carteira.

MARTA SFREDO

20 DE ABRIL DE 2024
DEMOGRAFIA E DINHEIRO

Com R$ 2.255 por mês, RS tem a quarta maior renda no Brasil

No Estado, 70,3% da população contou com algum tipo de ganho no ano passado. No Brasil, a média ficou em 64,9%

O Rio Grande do Sul teve a quarta maior renda domiciliar per capita mensal do país, em 2023. O valor de R$ 2.255, verificado no ano passado, supera em R$ 407 a média nacional, que ficou em R$ 1.848. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em termos percentuais, o avanço da renda domiciliar per capita no Estado foi mais contido no período, de 6,3% ante a alta de 11,46% no Brasil. Esse aumento mais contido no RS determinou a perda da terceira colocação no ranking para o Rio de Janeiro, onde a média dos ganhos mensais subiu 14,7% - de R$ 2.009 para R$ 2.305.

Por outro lado, o RS atingiu 70,3% da população com algum tipo de renda. É a primeira vez desde 2012 que esse percentual é alcançado no Estado. São mais de 7 milhões de gaúchos com rendimentos mensais, a proporção mais alta entre as unidades da federação. A mais baixa fica no Acre, onde somente 51,5% dos moradores, pouco mais da metade, contam com rendimentos. No país, a média é de 64,9%.

Um dos fatores que justificam o desempenho é o aspecto etário da população. Como há número maior de adultos no Estado, existe um percentual mais elevado de pessoas no mercado de trabalho, explica o pesquisador do IBGE e coordenador da pesquisa no Rio Grande do Sul, Walter Rodrigues. Além disso, a quantidade de pessoas com idade de aposentadoria influencia os dados do RS, diz.

Esse panorama também garante aos gaúchos o quarto maior rendimento médio mensal real de todas as fontes, com R$ 3.208, atrás de Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro, mas bastante acima dos R$ 2.846 apurados no país. Diferentemente da renda domiciliar, esse indicador considera os ganhos de cada pessoa e não a média dos moradores da mesma residência.

- Como por aqui não existe uma quantidade tão elevada de pessoas que recebem os benefícios sociais, o alto rendimento médio de todas as fontes faz com que o Estado suba em razão dos rendimentos vinculados às aposentadorias. Ou seja, temos um percentual elevado de pessoas idosas e que se aposentaram com rendimentos um pouco mais elevados - comenta Rodrigues.

Trabalho

De acordo com a pesquisa, no país, são cerca de 140 milhões de pessoas que tinham algum tipo de rendimento. Na passagem entre 2022 e 2023, os dados apontam para um aumento da parcela dos brasileiros com rendimentos provenientes do trabalho.

Segundo o coordenador do Data Social da PUCRS, André Salata, trata-se de uma tendência verificada desde 2021, após a queda de 2020, por fatores ligados à pandemia de coronavírus.

- Em geral, há um aumento da renda com a manutenção da desigualdade. Isso porque o que compensa a renda do trabalho são os programas sociais na base da pirâmide. Mesmo as faixas que estão no meio da pirâmide tiveram 10% de aumento. Os de baixo, um pouco mais, e são os mais afetados pela renda do Bolsa Família - afirma.

RAFAEL VIGNA

20 DE ABRIL DE 2024
POLÍTICA +

Qual é a senha?

Viajando só com uma mala de mão, a deputada Silvana Covatti (PP) ficou em apuros na conexão do Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, para Verona, na Itália.

Na inspeção, os fiscais estranharam a presença de potinhos com produtos de higiene e beleza e pediram que ela abrisse a mala.

Só então Silvana se deu conta de que tinha esquecido os números do cadeado codificado. Foi preciso ligar para o marido, o ex-deputado Vilson Covatti, para saber a senha. Menos mal que Covatti sabia.

Alemanha em flor

O interior da Alemanha está em flor neste início de primavera. Há desde macieiras que brotam nas pequenas propriedades ao longo das estradas, com suas flores rosadas, a pereiras que tingem de branco os pomares.

As lavouras de trigo e cevada estão exuberantes e formam um conjunto deslumbrante com as plantações de canola e suas flores amarelas.

Perdidos na tradução

Foi um alívio para os deputados estaduais que acompanham o governador Eduardo Leite na Europa a reunião na empresa Nordex, na sexta-feira, ter sido toda em português - ou portunhol.

Como a maioria deles não fala inglês, idioma em que o governador se comunica com a maioria dos interlocutores, a saída para quem tem interesse em saber do que está sendo tratado durante as conversas é gravar o diálogo e usar aplicativo de tradução.

Nos aeroportos, a salvação dos deputados monoglotas tem sido o jornalista Cristiano Guerra, assessor do líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP).

Guerra resolve todos os problemas - do check-in ao despacho de malas, passando pela salvação em caso de apuros quando a bagagem de mão cai na malha fina.

ROSANE DE OLIVEIRA


20 DE ABRIL DE 2024
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA As características dos gaúchos

Quais são os anseios, os desejos e a personalidade dos moradores do Rio Grande do Sul em meios às grandes mudanças do mundo atual? Além dos tradicionais lenço, camisa, bombacha, chapéu e cuia na mão, quais são as outras facetas, adaptações e transformações que emolduram a imagem do gaúcho? Encomendada pelo Grupo RBS e realizada em parceria com as empresas de pesquisa Coletivo Tsuru e Cúrcuma, a segunda edição do estudo Persona mostra o que está por trás de uma imagem consolidada sobre o povo do Rio Grande do Sul - e o que se transformou ao longo dos tempos.

Conforme a reportagem do caderno DOC, da repórter Fernanda Polo, com ilustrações de Gilmar Fraga, o objetivo da pesquisa Persona é entender perfis, comportamentos e hábitos de consumo do gaúcho em meio às mudanças contemporâneas.

Como conta Fernanda, a tradição ainda está presente - mais para alguns, menos para outros - e "sentir-se gaúcho é um estado de pertencimento e uma condição coletiva". A diferença está, agora, na abertura a novidades e mudanças. E o período da pandemia acabou intensificando essa ampliação para o mundo e a essência afetuosa do gaúcho.

- Repetir o estudo Persona, cuja primeira edição ocorreu em 2017, além de contribuir para qualificar o nosso conteúdo, tem como objetivo posicionar a RBS junto ao mercado como especialista no comportamento e nos hábitos de consumo do público. Ao oferecermos este conteúdo aos nossos clientes, ampliando o entendimento das marcas sobre as pessoas que nasceram ou vivem no Rio Grande do Sul, potencializamos a geração de negócios - destaca a diretora-executiva de Marketing do Grupo RBS, Caroline Torma.

A pesquisa identificou três perfis de gaúchos: o Guardião, o Conciliador e o Explorador, como mostra a reportagem desta edição. Se o leitor quiser saber em qual dos perfis se encaixa, é só fazer um teste em GZH. Eu fiz, e o resultado apontou que eu sou uma baita conciliadora! Acesse o quiz pelo link ao lado.

DIONE KUHN

20 DE ABRIL DE 2024
MARCELO RECH

Longe do ideal

De todas as alternativas relacionadas à maconha, só há uma ideal: a de que não houvesse consumidores e, portanto, consumo de uma substância que faz mal ao corpo, ao bolso e à sociedade. Na prática, porém, o mundo se dividiu em três grandes blocos para lidar com a droga.

No primeiro, comércio e uso são vedados, com penas de prisão de assustar. Na Indonésia, o porte de algumas gramas pode levar a 25 anos de cadeia. Em ditaduras, como na China e no Oriente Médio, o uso é mínimo como resultado do controle sobre os indivíduos que criou Grandes Irmãos para a vigilância e a supressão de liberdades. Sociedades altamente tuteladas não são as únicas a banir a maconha. Na democrática Taiwan, virtualmente não há consumo porque a lei é dura e os acessos à ilha são mais facilmente monitorados.

No lado oposto, sobretudo em democracias ocidentais, a maconha vem sendo tolerada como um mal menor do que o encarceramento em massa e o tráfico. Em países como Holanda, Canadá, Uruguai, Portugal e, desde o mês passado, Alemanha, é possível se comprar maconha em pontos autorizados e fazer uso pessoal sem risco de ir para a cadeia.

Já no Brasil, vivemos no pior dos mundos e agora logramos a façanha de estarmos no meio de duas iniciativas antagônicas - uma no STF e outra no Congresso - que só tendem a agravar o que já é ruim. A Suprema Corte brasileira se encaminha para descriminalizar o porte de pequenas quantidades. Ou seja, na prática libera o consumo mas proíbe a produção e o comércio da maconha. Mas onde os ministros pró-descriminalização acham que os usuários vão comprar a droga?

Já o Senado aprovou de lavada um projeto que deixa a decisão de prender ou não o usuário pelas circunstâncias. Dado o histórico de achaques em Estados com polícias infiltradas pela corrupção, como o Rio, pode-se antever, caso a lei venha a vigorar, uma nova era da Prohibition, a lei seca contra bebidas alcoólicas nos EUA. De 1920 a 1933, a proibição tornou o álcool ainda mais desejado e esparramou uma onda de corrupção que corroeu polícias, promotores e políticos, além de encher as cadeias de beberrões pobres e enriquecer fabricantes e comerciantes clandestinos.

Diante de tudo isso, inclino-me pela legalização da maconha aos moldes do que já fizeram 23 dos 50 Estados norte-americanos. Lá, em geral, adultos com mais de 21 anos podem comprar pequenas quantidades em lojas autorizadas e plantar até meia dúzia de pés. Não se pode fumar em público e em veículos. Vendida em lojas especializadas, essa maconha tem origem em fazendas registradas, gera empregos e paga impostos bem acima da média. É o capitalismo e o mercado agindo contra o tráfico. Não é o ideal, mas inexiste saída ideal enquanto houver consumo.

MARCELO RECH

sábado, 13 de abril de 2024


13/04/2024
Martha Medeiros

Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Escutei de uma funcionária de uma indústria automotiva. “Depois de me separar, fiquei mais de 10 anos sem namorar. Minhas amigas não se conformavam, viviam perguntando: e aí, onde estão os crushs, vai ficar sozinha para sempre? Como insistiam nisso. Não aceitavam que eu estivesse legal comigo mesma. Até que conheci um cara e a gente começou a se relacionar. Parecia que eu tinha ganhado na loteria. Elas diziam: agora sim! Você está muito melhor!! Como podiam saber se eu estava melhor?”

Elementar: as amigas estavam falando delas mesmas. Elas, sim, agora se sentiam melhores. Uma mulher solta no bando é sempre inquietante.

Estimular as solteiras a formarem um par pode ser um carinho, mas também é um sintoma do medo que a sociedade tem das pessoas avulsas, principalmente se forem mulheres. As solteiras desapegaram do conceito arcaico de que uma mulher só tem valor com um homem do lado. Elas não topam qualquer arranjo para ter alguém. 

A solitude deixou de ser um bicho papão e ter filhos não é a única saída para dar sentido à vida: elas se sentem preenchidas pelo trabalho, pelas viagens, pelos livros e pelos amigos, inclusive aqueles que tentam “salvá-las” de tanta independência. A estrutura social do casal ainda embute a ideia de adequação, enquadramento – duas pessoas com o destino entrelaçado parecem previsíveis, nenhum susto virá dali.

Já a mulher avulsa é um enigma. O que faz, do que se alimenta, com quem acasala? Ela pode estar na cidade hoje e amanhã embarcar para a Índia. Não mora com ninguém, não dá satisfações, troca de planos em dois minutos. Se não tem um namorado, talvez tenha vários. Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Case logo, criatura. Case para deixar de ser um risco aos nossos casamentos. Case para que você se vista de forma menos extravagante e engorde um pouco. Para que você não nos faça lembrar de como era boa a liberdade de ir e vir, e de como a vida era mais barata quando não tínhamos que sustentar uma família. 

Case logo e tire esse sorriso do rosto, não fique escancarando que é possível ser feliz sozinha. Case e vamos jantar a quatro numa cantina, porque mesa com três pessoas desequilibra a ordem social. Case e contribua para a conversa da turma com as queixas habituais, em vez de falar sobre filmes que não vimos, cursos que não fizemos e noites bem dormidas, sem ninguém roncando ao lado. Não nos irrite.

Parece assunto do século passado, mas ainda há quem não sossegue antes de apresentar um bom partido para a coitada da amiga solteira, aquela que finge que está tudo bem. É CLARO QUE ELA ESTÁ MENTINDO!! Calma, não grite. Evite o descontrole. Eu sei, é um stress essa gente que se faz de moderna.