terça-feira, 31 de dezembro de 2013


31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
MARTHA MEDEIROS

Oferendas ao nada

Ao reler o livro A alma imoral, do rabino Nilton Bonder, encasquetei com uma expressão que, na primeira leitura, feita anos antes, não havia me despertado a atenção – e isso explica a razão de releituras serem necessárias, pois acontecem num outro momento da vida, em que o que não era relevante passa a ser. E nem preciso dizer que essa predisposição à releitura deveria existir para tudo, não só para livros.

Mas retornando ao ponto.

No livro, o rabino diz que muitos dos nossos sacrifícios e esforços são oferendas ao nada. Oferendas ao nada. Foi esta a expressão que me fez refletir sobre a quantidade de privações e abstinências a que nos submetemos e que têm serventia nula. Zero.

Todo novo ano que se inicia é um convite a uma releitura de si mesmo. Você já passou pelos mesmos janeiros e fevereiros e marços que aí vêm, os mesmos carnavais e páscoas, as mesmas mordidas do Leão, as mesmas estações, o mesmo do mesmo. Se daqui para frente queremos extrair alguma novidade de fato, ela virá da nossa maneira de encarar a vida, de desfrutá-la com mais proveito.

Então, que se oferende flores à Iemanjá, já que rituais de otimismo e fé não fazem mal a ninguém, e que se oferte abraços e bons votos aos amigos, já que a alegria é uma energia que vale a pena ser trocada, e que a gente doe sempre o que temos de melhor, aquilo que nos movimenta – e não o que nos trava.

A timidez, por exemplo. O que a timidez tem feito por você? Ela impede que você se relacione olho no olho, que arrisque uma conversa com um desconhecido, que apresente aos outros seu trabalho, suas propostas, suas ideias. Orgulhar-se da sua timidez, colocando-a num altar, é fazer uma oferenda ao nada.

O que a culpa tem feito por você? Tem impedido você de se responsabilizar pelos seus atos e renegociar com a vida, tem trancafiado você em casa, obrigando-o a lidar incessantemente com questões passadas, tem envelhecido você, consumido você, paralisado você, e você ainda se ajoelha e reza para cultuá-la. Outra oferenda ao nada.

O que a insegurança tem feito por você? Nada. O que o medo tem feito por você? Nada.

O narcisismo, menos ainda. Cultuando esse deus chamado “Eu”, você não olha para fora, não exercita a solidariedade, não considera o sentimento dos outros, não compreende, não perdoa, não evolui. Oferece a si próprio uma homenagem patética, fica preso a uma energia que não circula, não realiza troca alguma. Joga flores para a solidão.


Que em 2014 consigamos romper com nossos receios sobre o que os outros irão pensar de nós, com o que não nos traz retorno, com o que não nos insere no universo de uma forma mais efetiva e bonita. Chega de cultuar impedimentos. Façamos, para variar, oferendas ao risco.

FELIZ ANO NOVO PRA VOCÊ...

31/12/2013 e 01/01/2014 | N° 17660
FABRÍCIO CARPINEJAR

Não é amor

Por que ela não conta? Por que ela não presta ocorrência na delegacia?

Todos acham um absurdo apanhar e não revidar publicamente.

Não é fácil se separar. Não é simples para muitas mulheres denunciar o companheiro.

Eu entendo a vergonha de quem suporta maus-tratos em casa.

A humilhação de apanhar do marido. De receber tapa ou empurrão e guardar para si. De levar soco ou pontapé e cuidar dos hematomas em sigilo.

Ninguém tem ideia de como essas pessoas sofrem.

Sofrem pela dor física, mas sofrem ainda mais pela esperança de que um dia seu homem vai se recuperar. E isso não acontece.

As mulheres que aguentam violência doméstica são solitárias. Absurdamente sozinhas. Loucamente desamparadas.

Perdem a paciência e a tolerância de quem poderia salvá-las.

Elas se isolam dos amigos, pois não têm mais coragem de disfarçar as histórias.

Elas se distanciam dos familiares porque nenhum parente admitiria a hipótese sequer de um insulto.

Morrem socialmente: enterradas vivas em suas próprias residências.

Apesar do calor excessivo, não podem usar vestidos e mangas curtas para não ostentar as feridas e os inchaços. Acordam de óculos escuros para se encarar no espelho. Colocam sua maquiagem a reparar os danos noturnos.

Para os colegas, estão constantemente caindo da escada e tropeçando nos móveis.

Para os filhos, fingem que não choram com um sorriso que não mexe nem as rugas.

Elas mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser feliz.

Dedicam suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.

Festejam as semanas sadias como milagres. Saúdam os momentos calmos como férias. Esmolam olhares de ternura para compensar o inferno.

Eu entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.

É uma espiral de constrangimentos, que abole as defesas, que apaga a personalidade, que anula o temperamento.

São frágeis, quebradiças, carentes.

Atravessam um domingo inteiro procurando uma desculpa para continuar.

São as únicas que não enxergam que terminou o relacionamento, que não há jeito de recuperar o respeito.

Não são apenas cegas de amor, porém também surdas e mudas. O amor roubou todos os sentidos, todo o sentido de suas vidas.

Juram que foi uma exceção quando é a terceira ou quarta vez que a discussão desanda em briga.

Invertem a perspectiva do mundo: a tranquilidade é a exceção em sua rotina e se enganam que é a regra.

Juram que o marido não é violento, que há muita pressão do trabalho, que é efeito da bebida.

Explicam e justificam e argumentam o impossível, naquela mania de se convencer da pobreza para aceitar a miséria.

Ele se arrepende, ele chora, ele promete que não fará de novo, ele se ajoelha, ele manda flores, mas será reincidente.

Para essas mulheres que resistem em segredo, só tenho uma coisa a dizer: quem bate uma vez baterá sempre.


Apanhar por amor jamais melhora o amor.

sábado, 28 de dezembro de 2013



29 de dezembro de 2013 | N° 17658
FABRÍCIO CARPINEJAR

Tática de guerrilha (para homens distraídos)

O que uma mulher mais reclama do homem é sua distração: esquece de observá-la, não valoriza os detalhes, não identifica surpresas e passa reto em datas importantes e comemorações amorosas.

Com objetivo de salvar casamentos e namoros, encontrei a saída do labirinto.

O homem deveria confessar que tem déficit de atenção já no primeiro encontro. Na verdade, déficit de atenção é um outro nome para egoísmo - ele só escuta o que quer e só faz o que deseja -, mas rebatizando o defeito terá uma nova vida sem atribulações e julgamento, sem críticas e implicâncias.

Tente, funciona perfeitamente.

Está começando uma relação, chame sua garota para perto, faça o olhar triste do Gato de Botas do Shrek, e puxe uma conversa séria:

— Antes de tudo, preciso expor algo, você tem o direito de não ficar comigo, eu entenderia, mas não desejo esconder nada: eu tenho déficit de atenção!

É óbvio que ela aceitará, todo mundo admite qualquer coisa que é dita na primeira semana de relacionamento (é a fase da tolerância e impunidade). Ela arregalará os olhos, lamentará a dificuldade, prometerá ajuda e não terá mais como cobrar absolutamente nada daqui por diante de seus lapsos e apagões. Será o paraíso fiscal, a redefinição mágica de sua rotina.

Você não reparou que ela cortou os cabelos, daí você diz:

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não lembrou que completam um ano de relacionamento, não comprou presente e flores.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você saiu com os amigos para beber, e não avisou.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não gravou quando ela avisou que não gostava de azeitonas e buscou servi-la.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não reconheceu o sogro de sunga e a sogra de biquíni.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você troca risos e bocas com uma estranha.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!

Você não notou que a casa está tomada de velas e que sua mulher dança sensualmente, e ligou a televisão no canal de esporte.

— Amor, você sabe que eu tenho déficit de atenção!


Mas, se ela se depilou e você não viu, por favor, não culpe o déficit de atenção, é o único caso que ele não pode ser usado. Vai voar um tabefe na sua orelha para voltar a ouvir. Ou para ensurdecê-lo de vez.

29 de dezembro de 2013 | N° 17658
MARTHA MEDEIROS

Boa entrada

Vou citar dois filmes antigos. Um é o inglês Mero Acaso, de 1999. Primeira cena: um rapaz bate na porta do vizinho, que é psiquiatra, e diz que precisa desabafar. São 6 horas da manhã, o vizinho ainda está de pijama, mas diante do inusitado da situação, convida-o para entrar e o acomoda numa poltrona.

O outro filme é o francês Confidências Muito Íntimas, de 2003. Um mulher está se separando e procura um psiquiatra pela primeira vez. Entra sala adentro e já começa a contar seu drama, sem dar tempo para o homem respirar. Ele fica absolutamente envolvido pela história dela.

Mesmo que você não tenha visto estes filmes, pode imaginar o que eles têm em comum. No filme inglês, o homem se enganou de porta e bateu na casa de um engenheiro, que ouve tudo quieto e só então avisa que o psiquiatra mora no apartamento ao lado.

Mesmíssima coisa no filme francês. A mulher se enganou de porta e invadiu o consultório de um contabilista. Mesmo depois do engano desfeito, os dois seguem se vendo para amenizar a solidão um do outro.

Ambos os filmes demonstram que terapia é, basicamente, uma via de desabafo, de investigação emocional, de elucidação de si mesmo, e tudo isso se dá quando estamos dispostos a falar.

Então qualquer amigo poderia substituir um profissional? Não. Conversar com amigos é ótimo, porém eles estão comprometidos afetivamente conosco. Conhecem a nossa história e já não prestam atenção nos detalhes. E tomam um tempo para falar deles mesmos, o que é natural.

Além disso, estes papos são frequentemente interrompidos pela chegada do garçom, por um telefone que toca, por outras distrações. E, pra culminar, você não está pagando. Faz diferença. Você não é o centro das atenções. É um encontro, literalmente, gratuito. E, em terapia, o foco tem que estar todo em você. Vigilância total para você não fugir de si mesmo.

Longe de mim estimular alguém a bater na casa do vizinho para contar seus sonhos e fantasias secretas. Ele mandará você plantar batatas, com razão. O que interessa disso tudo é o crucial: o quanto é importante falar. E ser profundamente escutado. E, mais profundamente ainda, escutar a si mesmo. Não é fácil ouvir nossa própria voz verbalizando aquilo que sentimos de forma tão confusa e irregular. É quando passamos a reconhecer abertamente nossas inquietudes, medos, vergonhas. E a nos comprometer com o que está sendo dito. A verdade ganha legitimação. Deixa de habitar apenas o silêncio, onde tudo fica protegido demais.

Alguns não acreditam em terapia e dizem que não é qualquer um que merece ouvir nossas intimidades. Mas tem que ser qualquer um, no sentido de qualquer desconhecido, qualquer pessoa que não tenha nada contra e nada a favor de você, que não lhe conheça, para poder lhe ouvir sem uma opinião prévia sobre sua história. De preferência qualquer um com um diploma na parede e competência para ajudá-lo a se conhecer pra valer.


Que lhe faça descobrir os efeitos terapêuticos de ouvir a própria voz assumindo questões que até então não eram enfrentadas. Dá para fazer isso sozinho também, mas com um interlocutor é mais fácil. Ou menos difícil. Tente. Nada como bater na própria porta e entrar. Feliz 2014.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013


17 de dezembro de 2013 | N° 17647
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Vocês, brancos

Ano chegando ao fim, mais um motivo para a gente dar balanço na vida, medir o que passou com o que ficou. Hora de celebrar a vida – aí, valeu, vida! –, mas também de lembrar de quem já não anda mais aqui.

Neste ano, vivi duas felicidades nascidas do passado: dois caros amigos, já falecidos, por assim dizer, reviveram, porque suas obras voltaram ao convívio do leitor. Um deles se chama Luiz Sérgio Jacaré Metz, e sua sensacional novela Assim na Terra está aí, em flamante edição da Cosac Naify.

O outro se chama Jorge Pozzobon, faleceu em 2001, no auge de sua carreira de antropólogo, mas no comecinho de uma promissora carreira de escritor. É o que se lê em uma reedição, pela editora Azougue, do Rio, de uma maravilha chamada Vocês, Brancos, Não Têm Alma.

A frase, nem precisava esclarecer, é de um índio. Pozzobon conheceu de muito perto, em convivência de vários anos, os Maku, uma tribo das mais peculiares. É gente desprezada, ou ao menos muito mal vista, por quase todos os índios da Amazônia.

Os Maku são esculhambados, não parecem caber em descrição técnica regular, casam em alianças nada comuns, chegam a extremos de roubar mandioca de outras tribos, quando se irritam ou ficam desconformes abandonam a aldeia e vagueiam por um tempão, como que para espairecer. Ao contrário da generalidade dos índios da região, vivem nas terras secas entre os rios. Não é raro que sejam pensados como os ciganos dos índios.

Pois é a essa gente que o velho Pozzo dedicou sua melhor atenção, descrevendo-lhes a língua e tudo isso que um antropólogo faz. Mas neste livro não temos antropologia em sentido estrito, científico: temos uma mão de romancista a serviço do relato dos espantos sucessivos do autor com a vida cotidiana dos Maku. Bom de ler como um grande romance, embora sejam 14 textos, de variados formatos (até dois roteiros para filme).


E o derradeiro texto, meu amigo, é para a gente lamentar que o autor tenha morrido tão jovem e com tão pouca publicação. Aproveitando a época, dá para dizer que Jorge Pozzobon produz, na gente, uma epifania como os melhores natais podem produzir.

17 de dezembro de 2013 | N° 17647
FABRÍCIO CARPINEJAR

A mulher fiel

Minha mulher permaneceu quatro dias descansando em Búzios. Eu me encontraria com ela no final de semana.

Quando cheguei ao litoral carioca, apareceu na porta da pousada morena, radiante, com os cabelos loiros quase brancos, um loiro diáfano. Era outra, nativa, contrastando com minha brancura amadora.

Eu, um branquinho com cravo; ela, um brigadeiro com granulado. Eu, bolero; ela, samba.

Uma diferença absurda. Ao seu lado, era mais um turista americano. Todos se aproximavam de mim falando inglês. Alguns até elogiavam meu português.

Não tinha saída, nem adiantava convencer do contrário. Faltava somente o chapéu panamenho e camiseta larga para entregar minha origem estrangeira: branquela desde a raiz dos pés.

No momento em que minha esposa pediu para passar protetor em suas costas, já ancorados na praia de cadeirinhas, identifiquei uma queimadura. Enquanto a pele seguia uniformizada, bronzeada, com a cor de café importado, ali havia uma região vermelha, doída de luz, descascando antes da hora.

Perguntei o que tinha acontecido.

– Não se cuidou? Ela meneou a cabeça, envergonhada:

– Como estava sozinha e você não veio comigo, não pedi para ninguém passar protetor em minhas costas. Era uma infidelidade.

Eu amoleci de ternura, como se estivesse na terceira caipirinha sob o sol.

Suas palavras foram açúcar e cachaça. Sucumbi diante da declaração de amor.

Sua timidez era cuidado comigo. Katy não quis insinuar nada de errado solicitando que outro tocasse em sua pele. Vá que homens e mulheres pensassem bobagem, confundissem favor com oferta.

Ela arcou com as consequências em nome do amor. Poderia ter pedido uma gentileza para a camareira, para o porteiro, para as atendentes das tendas à beira-mar.

Mas não. Não correu riscos. Suportou a solteirice pela integridade da relação.

Não há mulher mais fiel. A que se queima para não gerar dúvidas, a que aguenta a lealdade na ardência, reta e firme, sem olhar para os lados.

Mulher fiel não tem costas. Como um anjo. Voa no céu anil da paixão.

Dá gosto de olhar para o horizonte marítimo. Dá vontade de acreditar em casamento.


Mulher fiel não tem costas. Como um anjo. Voa no céu anil da paixão.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Boa Noite Anjo!

De onde for
Venha de onde vier
por terra, mar e ar...
Chegue quando chegar
de qualquer lua, de qualquer rua...
As portas do meu coração
estarão escancaradas
pra te abrigar...


Pra você, aqui sempre
haverá um lugar! 





Boa tarde Anjo!!!

Meu Anjo
Existe um lugar onde
Todos os sonhos se realizam
A Felicidade é constante
A o sentimento maior é o Amor

Este lugar é seu Coração
A você todo meu carinho.
Nunca se Esqueça...
Que a Vida é Um presente...
Maravilhoso de Deus!

Te Adoro Muito..
Beijos Meus!!


 

Maravilhoso fim de semana meu Anjo!

Não coloque no seu coração 

amarguras. Ele gosta de coisas com 
doces sentidos. 

Doces Beijinhos



15 de dezembro de 2013 | N° 17645
MARTHA MEDEIROS


Conversas iluminadas

Tem coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde.

A luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder trabalhar. Então bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa, sem conseguir desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas ali nos queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos a conversar. Que jeito.

Conversamos sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator voltar a Porto Alegre.

Aí eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um talento que eu estava mesmo desprezando.

Então foi minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, e então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.

Será que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão luminosa.

Quando por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o universo alheio.

E tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia humana, que seja, então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por semana: não haveria de causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo, prometo não reclamar para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.



15 de dezembro de 2013 | N° 17645
FABRÍCIO CARPINEJAR

A parte branca do biquíni

O verão é perturbador.

A nudez da mulher muda com a praia e a piscina.

Ela passa a ter uma calcinha na pele. Quando transar, terei duas calcinhas para tirar.

Se uma já era boa, duas são insuportavelmente excitantes. É a tara masculina saciada em dobro.

Você vai baixar a primeira de renda com as mãos e outra com os olhos.

Preste atenção, aproveite a temporada. Só nos meses quentes para contar com strip-tease duplo de sua esposa.

Irresistível a marca de biquíni que ela deixa para mim. Sua pele branca somente reservada para minha adoração.

É o mapa do pecado, é a geografia do desejo, é o país da lascívia.

Fortalecendo a morenidade de minha mulher, o sol me ajuda, é meu cúmplice de alcova. O sal e o mar colaboram colorindo o corpo e me separando a tez imaculada.

Abençoo o contraste. A parte branca do biquíni significa um presente marítimo, uma concha inteiriça e de som infinito que erguemos do rebuliço das águas.

Eu entendo e respeito quando ela fica horas torrando na cadeira. De bruços, de frente, de lado, seguindo os raios com a lealdade dos reflexos dos óculos escuros. Não reclamo do seu isolamento, não digo que é perda de tempo, não vejo como imolação, não recrimino com piadas sexistas, não zombo da dedicação.

Pelo contrário, agradeço sua generosidade comigo. Levo cerveja gelada, caipirinha e protetor reserva para prolongar seu tempo de exposição. Busco toda coisa que deseje. Ela tem direito a sonhos de grávida, a excentricidades de grávida. Não considero nenhuma regalia absurda perante o prazer que encontrarei de noite.

Eu me torno seu cooler, seu isopor, seu guia do deserto, seu pajem. Altero a direção dos ventos, sopro tempestades para longe, abro frestas nas nuvens com o poder do pensamento. Combato o que pode atrapalhar seu dia iluminado e claro.

Conheço o valor de minha recompensa, prevejo a extensão da dádiva.

Não é o bronzeado que me alucina, é onde ela não se bronzeou. É onde ela se guardou para mim.

A parte branca do biquíni vale qualquer esforço, qualquer sacrifício.

A parte branca do biquíni é uma cobiçada ilha após a natação dos braços.


Sem querer esnobar, eu entro onde nem a luz tem permissão.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Estava nua me vesti de amor.


Coloquei uma coroa de flores.
Todas com cores dos madrigais.
Seria um jeito de colocar o que sinto,
para que todos sintam o brilho do amor.
Quando chega não sentimos nem uma diferença.
O tempo vai passando ele vai criando formas...
Começa as transformações de céticos nos tornamos crentes.
De orgulhosos humildes sem pretensões alguma.
De egoístas abrimos um portal de doações.
Do brilho transferimos a todos os opacos.
Dos sábios amigos sinceros porque ouvimos sons sonoros.
Fazemos que a luz ilumine a todos, que sonhos se realizem.
Vestimos os nus e cobrimos abundância onde a miséria impera .
Fazemos o trajeto do mestres dos mestres.
JESUS CRISTO nosso amor e luz regidos por DEUS nosso pai.
AMEM...
Sol Holme..





Um Lindo Dia!
No vazio cabe um monte de coisa, mas nenhuma se encaixa.
Todas deslizam pelo rio de lágrimas que inundam todos
Os meus andares vazios. A hora que eu chorar,
Vai ser o choro mais triste do mundo.
- Tati Bernardi



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08 de dezembro de 2013 | N° 17638
MARTHA MEDEIROS

Cinemas de calçada

Os cinemas em shoppings possuem um conforto e uma qualidade técnica que só confirma a evolução do setor, mas atire a primeira pipoca quem não sente saudades dos cinemas de bairro.

Como passei dos 11 aos 25 anos morando na D. Pedro II, o Astor era o mais perto de casa. Situado na esquina da Benjamim com a Cristóvão, tinha uma fachada imponente e era vizinho do cineteatro Presidente (onde nunca vi filmes, só shows). Foi no Astor que assisti Laranja Mecânica e E.T.

E havia o cine Colombo ali perto, acho que um dos primeiros a fechar, pois só recordo de ter ido lá quando criança, em turma, fazendo uma bagunça na primeira fila que atordoava os adultos sentados atrás de nós. Mas o que adultos faziam assistindo aos filmes do J.B.Tanko, como Som, Amor e Curtição?

Teve a fase do Coral, em frente ao Parcão, com sua imensa escadaria que nos reconduzia à realidade ao deixarmos a sala escura. Foi lá que assisti, aos 14 anos, meu primeiro filme proibido para menores de 18. Minha mãe me emprestou seus óculos escuros e cruzei o saguão feito uma Jackie Onassis mirim para assistirmos juntas a Nosso Amor de Ontem, com Barbra Streisand. E na véspera de um aniversário, quando bateu meia-noite e passei dos 16 para os 17 anos, estava dentro do Coral também, assistindo ao The Last Waltz, antológico show de despedida da The Band, filmado por Martin Scorsese. Bem melhor do que ouvir Parabéns a Você.

Difícil imaginar que houve um tempo em que eu ficava facilmente acordada à meia-noite, ainda mais dentro de um cinema. Como esquecer as sessões da madrugada no ABC, na Venâncio? Woodstock e Blade Runner foram vistos lá. Assisti Blade Runner apenas uma vez, sou um caso a ser estudado pela ciência. Na época, quem assistia menos, assistia quatro ou cinco vezes.

Perto do ABC tinha o Avenida, na João Pessoa, onde fui introduzida pela primeira vez à obra de Pedro Almodóvar com seu hilário Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos.

O Vogue, na Independência, era meu reduto depois das aulas da faculdade. Foi lá que assisti obras políticas como Sacco & Vanzzetti, A Batalha de Argel e todos os do Costa Gavras, e foi lá também que assisti ao primeiro filme com o primeiro namorado (Jonas, que Terá 25 Anos no Ano 2000 – nome do filme, não do namorado).

No Centro, tinha o Imperial e o Cacique, lado a lado. Difícil lembrar em qual deles assisti, recém liberado pela censura, a O Último Tango em Paris ao lado do meu irmão, na única vez em que fomos ao cinema juntos depois de virarmos gente grande (eu com 18, ele com 16). E foi no Cine Victória, na Borges, que me encantei com A Marvada Carne, que segue na lista dos meus filmes nacionais preferidos.

Nunca fui ao Capitólio.

Por fim, a dobradinha Baltimore e Bristol, na Oswaldo Aranha. O Bristol era cult, com sua pequeníssima sala no segundo andar, alcançável por uma escada estreita onde nos espremíamos em filas para assistir aos ciclos do Godard. Já o Baltimore tinha uma programação mais comercial. Foi onde assisti a Uma Linda Mulher, já que filme cabeça todo dia não dá.


Qual o mais inesquecível dos cinemas? Na verdade, ficava a 200km de Porto Alegre: era o da SAPT de Torres, onde assisti desde os filmes do Roberto Carlos até 2001, Uma Odisseia no Espaço, sempre batendo com os pés no chão antes do início, fazendo barulho no assoalho de madeira para marcar aqueles anos que não voltariam mais.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013




04 de dezembro de 2013 | N° 17634
MARTHA MEDEIROS

Histórias verdadeiras

Quando me convidaram para assistir a uma nova modalidade de stand-up que está sendo implantada no Brasil (e que já funciona com sucesso nos Estados Unidos), fiquei curiosa. A ideia é levar pessoas comuns para compartilharem, no palco de um bar, a sua trajetória de vida. Em 12 minutos, a pessoa, sem ajuda de anotações, espontaneamente, conta sua história real, que pode ter a ver com superação, sorte, risco ou qualquer coisa que não seja trivial. Cômica ou trágica, pouco importa.

Na noite do projeto-piloto, eu estava na plateia. Foram cinco convidados a falar. Um diretor de teatro contou o que ele e seu companheiro passaram para adotar duas crianças. Um músico contou sobre o momento em que descobriu que tinha um câncer no estômago e do acidente de carro que sofreu um dia antes da cirurgia. Uma garota contou sua experiência vivendo num país estrangeiro, quando fez uma besteira e acabou presa. Um personal trainer contou sobre como deixou de ser um adolescente obeso, perdendo cerca de 40 quilos e tornando-se um amante dos esportes. E, por fim, uma mulher viciada em limpeza e arrumação contou como controla o TOC – transtorno obsessivo-compulsivo.

Nós cruzamos por eles todos os dias nas ruas. São exatamente como você e eu. Comem pizza, vão ao cinema, namoram, correm no parque. Olhando assim, nem diríamos que já viveram um roteiro pronto para um filme. A questão é: quem, com pelo menos uns 30 anos de idade, não teria algo significativo para contar? Todos, ou quase todos nós, já passamos por um turning point, uma perda, uma dificuldade, uma experiência surreal. Não há vida que seja irrelevante.

Em 12 minutos, uma pessoa comum, ao vivo, pode oferecer um reality show muito mais interessante do que três meses de episódios diários de Big Brother, pois ela está ali, na frente de estranhos, meio nervosa, constrangida, relembrando algo muito particular, como se estivesse numa sessão de terapia em grupo. Não há figurino, nem texto decorado, nem direção de cena. É simplesmente alguém falando algo que nunca postará no Facebook.

Para que serve isso?

Para quem fala, sinceramente, não sei. Se quiser, você pode se inscrever (www.historiasverdadeiras.com.br) e descobrir como é a sensação, caso seja escolhido – haverá uma apresentação por mês em Porto Alegre, a partir de janeiro.

Para quem ouve, é uma oportunidade de cair na real neste mundo onde tudo nos é apresentado com alguma maquiagem. É a chance de dar uma colher de chá ao que é estritamente humano. É uma possibilidade de se emocionar sem uma tela separando você de quem conta a história. É ser plateia de um striptease inusitado: ver alguém despindo a alma. 

É perceber que nem sempre a arte e o talento são necessários para uma narrativa – a realidade crua também tem seus encantos. É sentir-se lisonjeado pela confiança de quem não teme ser julgado. É testemunhar o humor, o jogo de cintura, a capacidade de relativizar e as saídas encontradas por desconhecidos.

Numa época em que muitos se exibem, mas poucos se revelam, está aí uma novidade.