domingo, 31 de agosto de 2008



Diogo Mainardi
27 de agosto de 2008


Correr nu pelo gramado

Mauro Covacich é o melhor romancista italiano. Ou um dos melhores. Algum tempo atrás, ele largou sua mulher por outra. E resolveu escrever um livro sobre o assunto, contando todos os detalhes do episódio. Inclusive usando o nome real dos protagonistas.

Ele fez como aqueles ingleses que arrancam a roupa e, perseguidos por meia dúzia de policiais, correm pelados pelo gramado durante um jogo do Manchester United, com o estádio lotado, até conseguir agarrar Cristiano Ronaldo.

Despir-se publicamente foi a maneira mais dolorosa que Mauro Covacich encontrou para expiar seu pecado. Cobrir-se de vergonha. Expor-se ao escárnio coletivo.

Alguém deveria editar os livros de Mauro Covacich no Brasil. Recomendo com entusiasmo. Este último se chama Prima di Sparire, e foi publicado pela Einaudi.

Aqui, no podcast, pretendo tratar apenas de uma de suas páginas, a 165, que se refere diretamente a mim. Mauro Covacich é um grande amigo meu, dos tempos em que eu morava na Itália. Ele veio nos visitar no Rio de Janeiro em 2003, no Ano Novo.

Fez uma matéria sobre a posse de Lula para o Corriere della Sera, que eu tentei contaminar com uma série de comentários debochados e preconceituosos.

Numa das passagens do livro - e estou chegando onde eu pretendia chegar, só falta mais um tantinho -, Mauro Covacich recorda sua viagem ao Brasil.

Em particular: os sanduíches de filé com queijo e meu filho mais velho, aquele que tem paralisia cerebral (Sim, eu também já corri pelado pelos campos de futebol, exibindo alegremente minha intimidade, embriagado de felicidade, ziguezagueando para escapar de meus perseguidores).

Na página 165, Mauro Covacich cita expressamente meu filho, Tito, e pergunta a sua mulher:

- Você se lembra da pena que sentíamos daquele menino?

Pena? Eu olho para minha mulher, e minha mulher olha para mim, e nós olhamos para nossos filhos, tanto um quanto o outro, o primeiro com paralisia cerebral e o segundo sem paralisia cerebral, e dizemos em perfeita sincronia:

- Como é que alguém pode sentir pena dele?

Esse é um dos aspectos mais espantosos de se ter um filho como o nosso. Nada nele provoca pena. Nada mesmo. Ele é um homenzinho seguro de si, contagiosamente alegre, independente, cheio de idéias próprias. Mas os sentimentos das pessoas acabam barateando a realidade.

Eu sempre tratei os sentimentos, todos eles, com um certo desprezo. Os sentimentos tortos despertados por nosso filho só fortaleceram isso.

Em meu caso, correr nu pelo gramado, com meu filho no cangote, à procura de Cristiano Ronaldo, teve esse efeito salutar: me treinou a ignorar o grito passional e confuso da arquibancada.

Lya Luft

O que valem as medalhas?

"Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar"

Atletas são os modernos gladiadores. Não enfrentam animais de quatro patas ou adversários humanos na arena do matar ou morrer. Combatem outras feras: o público, o clube, a mídia, que os encaram como máquinas de produzir gols ou cestas, marcas extraordinárias, golpes, saltos ou velocidades sobre-humanas.

Não se pode obter menos do que o primeiro lugar e a medalha de ouro. Se for de prata, amarelaram. Se for de bronze, nos envergonharam. Vejo espantada rapazes e moças que atuaram com sacrifícios e dores que nem imaginamos saírem como derrotados, xingados e aos prantos, quando não conquistaram o ouro.

Que perversa cobrança lhes fazemos, ou os levamos a fazer a si mesmos? Que insano dever os obriga a estar na ponta, na frente, na trincheira? E, depois dessa medalha de ouro, tem de vir outra igual, pois nada lhes é permitido fora isso, a não ser pedir desculpas.

Eu nunca pude praticar esportes. Mas sempre os apreciei, numa casa em que se torcia entusiasticamente nas tardes de domingo, em partidas de futebol.

Fiz parte da torcida de muitos jogos de basquete e vôlei em que primos e colegas meus disputavam aplausos ou vaias. Talvez eu ligue esportes a convívio alegre, a brilho, à busca do melhor. Saúde, competição boa, camaradagem.

Atômica Studio

Nossa crueldade com os atletas atuais é impressionante. Anos de treinamento severo, pouca vida pessoal, afastamento da família, implacáveis exigências dos outros, do público e de si próprios.

Muito atleta brasileiro de origem modesta passou a ser um novo milionário em grandes cidades européias. Sua vida se resume a pouca diversão, dieta severa, sofrimento físico, e à pressão crescente de um público sempre insatisfeito. É preciso ser mais do que bom, pelo clube, pelo país.

É uma obrigação ser um ídolo, manter-se um ídolo. Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar. Polegar para baixo, fim de linha.

A questão não deveria ser o que esse atleta deu a seu país, mas, antes de tudo, o que o país fez pelo atleta para ele se tornar excelente.

Esporte faz parte da educação. Se ela anda em níveis trágicos, dificilmente o esporte brilha. Nossas escolas caem aos pedaços, universidades afundam na mediocridade, estudantes vagam na descrença, pressionados por mentira, farsa, negligência e esquecimento.

Onde estão as quadras esportivas públicas, para que se forme uma tradição e cresçam futuros vencedores, para que em lugar de rua e drogas crianças e jovens se empenhem em competir de forma saudável, com outros ideais além do mortal dinheiro fácil da venda de drogas?

Rola muito dinheiro por trás dos esportes e de competições como as Olimpíadas: será que nossos atletas recebem cuidado, alimentação, acompanhamento de primeira, de primeiríssima – como deveria, aliás, receber qualquer cidadão brasileiro?

Bibliotecas combinam com quadras esportivas, professores bem pagos e treinadores valorizados. Ensinar a distinguir o pior do melhor, tornar criança e jovem cidadãos conscientes e ativos, isso somado a ensinar a ler, habituar a ler, fazer escrever direito, em suma, ensiná-los a pensar e expressar seu pensamento de forma clara e ordenada.

Atletas não precisam ser broncos. Pobres não precisam ser ignorantes. Não considero boa a educação que apenas tenta formar o chamado "cidadão consciente", quando ele nem ao menos sabe de que deve ter consciência e como vai expressar isso.

Quando tachamos de "ricos babacas" os estudantes que não vivem na miséria, o que esperar deles? Que estímulo recebem os pouquíssimos alunos "ricos", sabendo disso, e como reagem os seus colegas menos privilegiados?

Esporte deveria ser convívio natural de gente saudável e pacífica, coerente e bem formada, sem medo de nenhum tipo de sucesso, e sem ter de correr atrás dele obsessivamente.

Nesta comédia de enganos, os "derrotados" por não ter o ouro devem se esconder. Os vitoriosos que fiquem atentos ao polegar: para cima ou para baixo, também para eles, se da próxima vez não cumprirem satisfatoriamente o seu papel.

Marianne Piemonte

Personagem da semana - F.P., 11 anos - O menino que roubava carros

Jovem demais até para ser levado para a antiga Febem, ele é o terror de um bairro da periferia de São Paulo

À SOLTA

Nas ruas do Jardim Ubirajara, zona sul de São Paulo, o menino de 11 anos mete medo nos vizinhos e não respeita a famíliaEsta criança tem 11 anos.

Há um ano e meio não vai à escola, foi expulsa duas vezes por provocar brigas. Nesse mesmo período, somou sete ocorrências registradas nas delegacias de polícia de São Paulo. Furto de três carros, assalto a uma farmácia e atentado ao pudor fazem parte de sua precoce folha corrida. No dia 5 de setembro, completará 12 anos.

Como presente, deverá ser levada para a Fundação Casa, a ex-Febem. Porque antes dos 12 anos completos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, não pode ter sua liberdade tolhida.

Porém, o pré-adolescente de 1,40 metro, cabelo raspado e topete descolorido mete medo nos vizinhos do Jardim Ubirajara, onde mora, na extrema zona sul da cidade, e na família.

Na última semana, voltou para casa de carona em carros da polícia duas vezes. Seus feitos: o roubo de um Chevette e um Gol, com mais dois adolescentes. O menino foi pego dirigindo em alta velocidade. No entanto, ele está à solta.

O promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude Thales Oliveira disse na quarta-feira à tarde que o menino havia sido levado para um “abrigamento”, casas onde são colocados menores em situação de risco.

“Ali eles recebem apoio psicológico, mas podem sair e receber visitas”, afirma. Naquele momento, nem o promotor sabia que F.P. havia fugido do abrigamento à noite, ameaçando os funcionários com uma caneta Bic.

No fim da tarde da quarta-feira, no quintal de cimento da casa de reboco no Jardim Ubirajara, dois cachorros vira-latas dormiam ao lado de um carrinho de plástico, uma Ferrari vermelha, e de duas bonecas de plástico duro, sem braços nem cabelos. Elizabete Antônio, de 35 anos, a mãe de F., ainda não tinha voltado para casa.

A irmã mais velha do menino infrator tentava que o padrasto dela e pai de F., o aposentado Lourenço Pinheiro, de 62, não falasse mais com os repórteres. “Se ele (F.) estivesse aqui, vocês não iam ter coragem de ficar na frente da casa”, dizia a menina de 16 anos.

Pela janela, sem trincos nem vidros, era possível ver a cama ainda feita do menino que havia três dias não voltava para casa. O motivo de seus lençóis, o filme Carros, da Disney.

Rene Samus, de 33 anos, inquilino da edícula da casa da família, conta que o pai já colocou cadeado nas janelas e até bateu no menino para que ele não saísse de casa.

Mas nada o detinha. “Eu ouvia falar que ele estava metido com coisas ruins, mas para mim ele é o garoto que brinca com carrinho no quintal.”

‘‘Fiquei feliz com a prisão, assim ele ia se recuperar” FERNANDO ANTÔNIO, 65, avô de F.

A poucos metros da casa fica o bar de seu José Joaquim, de 68 anos, onde a clientela costuma parar para tomar um conhaque com menta depois do expediente. É lá que mora o pedreiro Fernando Antônio, de 65, avô de F., pai de Elizabete.

Atrás do quarto que aluga estão a Favela do Abacateiro e seus altos índices de violência. O negro franzino e entristecido torce para que o neto fique preso. “Outro dia sonhei com ele morto. Fiquei feliz com a prisão, assim ele ia se recuperar.”

Fernando deixou Santa Rita de Ibitipoca, Minas Gerais, em 1968. Veio para São Paulo casado e foi no Jardim Ubirajara que teve os três filhos.

A mulher o abandonou com as crianças ainda pequenas. A mais velha, Elizabete, mãe de F., tinha apenas 5 anos. Por isso, os filhos foram criados com a ajuda de parentes.

“Mas parente não é como mãe, né?”, diz. Fernando enche os olhos de lágrima para contar que a filha ainda sofre de bronquite, doença que ele julga ter sido causada pela friagem que ela pegava na casa onde morou. “Era muito úmida”, disse.

DESABAFO

“Elizabete está pagando o que me fez passar”, disse o avô de F. sobre a mãe do menino, que teve passagens pela polícia e pela Febem

Ele conta que criou os filhos com muito carinho, mas faz questão de dizer que foi severo e cobrou que eles trabalhassem e estudassem. Mesmo assim, a mãe de F. teve uma passagem pela Febem por furto, onde ficou por dois anos.

“Ela tirava coisas dos lugares em que começou a trabalhar como doméstica aos 12 anos”, disse. Na década de 80, também segundo o pai, Elizabete passou mais cinco anos na cadeia pelo mesmo motivo. Há cerca de um mês, ele conta, ela foi parar na cadeia novamente.

Mas desta vez a passagem teria sido causada por uns cheques e um carro encontrado pela polícia na casa dela. Os objetos teriam sido trazidos por F.

O avô desabafa: “Elizabete está pagando o que me fez passar”.

Para Fernando, ainda bem novo F. demonstrava ser ambicioso. “Tênis para ele é só acima de R$ 200. Só veste roupa de marca e adora ir à pizzaria comer e beber”, disse. Para ele, isso deveria ter sido um sinal para os pais.

“Ninguém na casa é assim.” O avô conta que o menino andou no tráfico por um tempo, mas não acredita que ele esteja metido com drogas.

Os vizinhos contam que o menino costumava tirar rachas com os carros que roubava e se exibia costurando pelas avenidas do bairro. Ninguém sabe dizer quem o ensinou a dirigir tão cedo.

O dono de um bar próximo diz que nunca viu o menino armado: “Mas nem precisa, o povo aqui morre de medo dele”. Como o Dadinho, personagem do filme Cidade de Deus, o menino impõe respeito (ou medo) pelo linguajar da periferia e pelo jeito de encarar quem lhe passa pela frente.

“Qual é, tio?”, costuma dizer, empinando o queixo, quando quer começar uma conversa, conta o avô. O dono do bar diz que já viu casos de meninos ali que depois que “deitam” – “matam”, na gíria – o primeiro não param mais.

“A molecada aqui é perdida. Vive na rua e sem o que fazer”, afirmou. Se isso acontecer com F., o avô diz temer que o menino se torne um criminoso perigoso. E com isso uma fatalidade, a morte precoce dele.

Se o receio do avô virar realidade, o Jardim Ubirajara poderá assistir longe do cinema ao Dadinho se transformar no Zé Pequeno, aquele que foi o maior bandido e traficante da favela carioca, que começou a roubar ainda menino.


31 de agosto de 2008
N° 15712 - MARTHA MEDEIROS


Gentil demais

Recebi um livro chamado A Arte de Ser Gentil, que tem o dispensável subtítulo A Bondade Como Chave para Sucesso, que, a meu ver, descredibiliza um pouco o autor, o sueco Stefan Einhorn, porque ser gentil deveria ser uma atitude para facilitar as relações humanas, e não uma meta para o sucesso.

Que sucesso? Agora tudo o que a gente faz tem que visar o sucesso.

O texto da contracapa diz que uma pessoa gentil terá mais oportunidades de se tornar feliz, rica, bem-sucedida e realizada, e que o livro fornecerá soluções imediatas e de longo prazo para os interessados em se tornarem seres humanos melhores.

Foi tudo que eu li até agora, a contracapa, e creio que não vou adiante. Primeiro, porque tenho uma pilha de outros livros me aguardando, e em segundo, porque já sou gentil. Nem sabia que sendo gentil eu poderia ficar rica e bem-sucedida e essa maravilha toda. Sou gentil simplesmente porque acho mais fácil do que ser grosseira.

Dispende menos energia. E também porque não vejo graça nenhuma em magoar as pessoas. Até aí, estou no padrão. O que ninguém me ensinou é que gentileza demais pode, por incrível que pareça, ser um defeito, e dos graves.

Óbvio que não se deve ser rude com amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos, comerciários, mas ser exageradamente gentil com todo mundo pode colocar a nossa vida em risco.

Por exemplo: o que você faz se, ao chamar o elevador de um prédio estranho, à noite, a porta se abrir e lá dentro estiver um sósia do Coringa, com uma cicatriz perturbadora na face e vestindo um sobretudo enorme que poderia muito bem esconder duas pistolas, três granadas e um rifle?

Você simplesmente teria uma vontade súbita de descer pela escada e sumiria de vista.

Pois eu entraria no elevador toda faceira, daria boa noite e faria comentários sobre o clima, pois deus que me livre de ele achar que eu sou preconceituosa e que sua aparência me fez pensar que ele pudesse ser um esquartejador de mulheres. Por que ele não pode ser um pai de família como outro qualquer?

Se eu pego um táxi e o motorista demonstra não ter o menor senso de direção, arranha marchas, não usa o pisca-pisca e tira um fino dos outros carros, eu é que não vou mandá-lo de volta para a auto-escola.

Se ele correr a 200km/h, tampouco solto os cachorros, vá saber o dia horroroso que ele está descontando no acelerador, coitado. Neste caso eu simplesmente “me lembro” de que o endereço onde pretendo ir fica na próxima esquina, e não três bairros adiante, e saio pedindo desculpas pelo meu equívoco.

Se um garçom se aproximar perigosamente de mim com uma panela cheia de óleo fervente, eu não dou um pio, imagina se vou pedir para ele se afastar.

Certamente ele vai me considerar uma elitista estúpida - não basta ter pedido um fondue caríssimo, ainda vou ser grossa?

Nada disso, uma queimadura no braço não mata ninguém. E se eu estou caminhando por uma rua escura e, na direção contrária, vem um adolescente com um gorro enterrado até o nariz e as duas mãos enfiadas numa jaqueta, eu começo a rezar, mas não troco de calçada, imagina o trauma que posso causar no menino: vai ver é até um amigo da minha filha.

Se você tem mais de 9 anos de idade, já sabe o que é ironia e entendeu meu recado: seja gentil, mas não a ponto de perder o tino.

Se tiver que ferir suscetibilidades para salvar sua pele, paciência. Atravesse a rua. Desça pela escada. Dê no pé. Sucesso é chegar em casa com vida.

sábado, 30 de agosto de 2008



30 de agosto de 2008
N° 15711 - NILSON SOUZA


Antes de partir

Ganhou destaque esta semana a notícia da morte do publicitário americano que ajudou a escrever o livro Cem Coisas para Fazer Antes de Morrer.

Ele sofreu uma queda em casa, bateu com a cabeça e fechou a última página da sua história aos 47 anos – muito cedo para os atuais parâmetros de longevidade.

O irônico acidente de percurso, porém, não invalida uma de suas advertências: “A vida é uma jornada muito curta”, escreveu no livro. “Como você pode ter certeza de que pode preenchê-la com o máximo de diversão e os lugares mais legais do mundo antes de fazer as malas pela última vez?”

Ninguém faz as malas para esta viagem. Tem gente que se previne, é verdade. Conheci uma senhora do interior do Estado que não apenas construiu caprichosamente sua derradeira morada no cemitério da cidadezinha onde morava, como também ia todos os sábados colocar flores no próprio túmulo.

“Quando eu morrer, ninguém vai se lembrar de fazer isso para mim”, explicava. Mas essa providência não é tão difícil de tomar, nem é tão rara assim. Muitas pessoas fazem isso, até para não dar trabalho aos que ficam.

Difícil é fazer uma lista de coisas imperdíveis nesta primeira (ou única) passagem pelo planeta – e cumpri-la. Só em filme, como no maravilhoso Antes de Partir, em que Jack Nicholson e Morgan Freeman interpretam dois pacientes terminais que resolvem sair pelo mundo fazendo tudo que é tipo de aventura.

E provam que qualquer coisa que a gente deseje do fundo da alma pode ser obtida, inclusive beijar a mulher mais linda do mundo, que era uma das metas do personagem de Nicholson.

Não sou tão organizado assim. Mesmo que conhecesse a data exata do encontro indesejado, dificilmente seria capaz de elaborar um planejamento minucioso das coisas que ainda pretendo fazer.

Mas seria capaz de fechar contrato agora mesmo com aquela senhora que nunca falha, se ela aceitasse esta minha modesta proposta:

apenas o tempo suficiente para ler todos os livros que tenho empilhados ao lado de minha mesa de cabeceira, no meu gabinete de trabalho e na minha biblioteca.

Mil e uma noites seriam suficientes. Aquelas de Sherazade, evidentemente, que duram até hoje e permanecerão pela eternidade.

Um ótimo sábado e um excelente fim de semana para todos nós.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008



29 de agosto de 2008
N° 15710 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um estudo em azul

Por um desses acasos me retorna às mãos uma edição de Zero Hora com notícias passadas mas não menos inquietantes. Prossegue o mistério com o avião da Spanair, que causou mais de 150 mortes no aeroporto de Barajas, em Madri. Oficiais iraquianos revelam que os Estados Unidos não sairão antes de 2011 do país que invadiram.

Retirada das tropas russas não diminui a tensão na Geórgia. A violência não cessa no Paquistão mesmo após a renúncia do presidente.

Nada disso atrai mais minha atenção do que uma singela história acontecida em latitudes bem mais próximas. Uma senhora de Novo Hamburgo, chamada Doralice, descobriu ao despertar um pombo-correio em seu jardim.

Ela alcançou-o pé ante pé, conta a repórter Letícia Barbieri, fez carinho em sua cabeça e pegou-o delicadamente com as mãos. A ave não esboçou reação. Enfraquecida, ela apenas piscou os olhos.

Dona Doralice, que é empresária, mas não esqueceu o lado poético da vida, após ler a mensagem que o pombo trazia, iniciou uma detida investigação para identificar sua origem.

Não demorou a encontrá-la: o visitante vinha de Nova Petrópolis, de onde voara até ser atingido por um vento forte, que aparentemente o desorientou.

Bem cuidado e alimentado, o pombo se recuperou do susto de 60 quilômetros e, reconhecido, seu criador, o marceneiro Romeu, ficou de ir buscá-lo, levando de presente à salvadora dois filhotes da mesma e corajosa ave.

Mais não sei, mas suponho que o encontro haja sido alegre e cordial. O que me encanta nisso tudo, entretanto, é a dose de calor humano embutida na notícia.

Um jornal tem que cobrir acidentes dramáticos, erros políticos gigantescos, guerras sem motivo ou razão, convulsões internas de países longínquos, mas ao mesmo tempo precisa ter uma alma para o lirismo.

Foi o que Zero Hora revelou, dedicando meia página para a epopéia do vôo Nova Petrópolis-Novo Hamburgo, e mais meia, na contracapa, para a foto do herói e sua salvadora, um belo estudo em azul.

Mas, mais do que tudo, o que me motivou a escrever esta crônica foi uma palavrinha de três letras, que havia no anel do pombo fugitivo.

Ela existe em todos os idiomas do universo, mas está longe de criar raízes em todas as mentes. Se chama simplesmente paz.

Ótima sexta-feira, ainda que com vendaval e chuvas e um excelente fim de semana.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008



27 de agosto de 2008
N° 15708 - MARTHA MEDEIROS


Em quem pensar primeiro?

Semana passada, deputados aprovaram a Lei Nacional de Adoção, que, se for sancionada pelo presidente, irá agilizar os processos de adoção no país, o que é uma boa notícia.

Ainda assim, fiquei um pouco espantada com a idade mínima para se adotar uma criança: caiu de 21 para 18 anos.

Aos 18, dificilmente alguém tem estabilidade financeira para arcar com as próprias despesas e mais as despesas de um filho, e também me parece um pouco cedo para tomar uma decisão tão definitiva e que exige tanta responsabilidade, mas, enfim, se há amor suficiente, que seja aos 18.

O que lamento mesmo é que alguns deputados tenham exigido que o dispositivo que estendia o direito aos casais homossexuais fosse retirado.

Quando um deputado faz isso, em quem ele está pensando? A única resposta que me ocorre é: nele mesmo. Em ano de eleição, não pega bem ser moderninho.

Sempre é bom fazer uma média com a nossa população tão religiosa e defensora da moral e dos bons costumes. Talvez ele, intimamente, nem seja tão preconceituoso, mas não consegue deixar de fazer o papel de bom moço.

Ou então é realmente obtuso e nem cogita em tomar uma atitude que favoreça um casal homossexual. Nada de facilitar a vida desses pervertidos, não é assim?

Um deputado – e qualquer outra pessoa – pode ter os pensamentos que quiser, é um direito de todos.

Mas se a função do político é legislar pelo bem comum, em quem mesmo ele deve pensar quando se está em debate uma lei de adoção? Me parece lógico: na criança que, por algum motivo, não poderá ser criada pelos próprios pais.

Essa criança está num abrigo para menores, aguardando ser escolhida. Até quando ela terá que esperar para que um casal hétero a leve para casa?

Se surgir a oportunidade de ser amada e criada por dois homens ou duas mulheres predispostos a formar uma família, não seria muito melhor estar com eles do que sob a guarda de assistentes sociais?

Eu sei que é um arranjo que perturba – fugir do convencional nunca é fácil. Não tenho nada contra priorizar os padrões, pelo contrário, o ideal é mesmo uma criança ser criada por um homem e uma mulher, cada um com seu papel definido, mas isso não é garantia de equilíbrio emocional: a felicidade é sempre uma loteria.

A única coisa que me parece indiscutível é que, para uma criança que não tem lar algum, será sempre um privilégio ter sido escolhida para viver com quem deseja lhe dar amor, segurança e educação.

Ser criado por homossexuais lhe causará algum constrangimento futuro? Pode ser, pode não ser. Alguém tem bola de cristal?

Só vamos saber quando tivermos menos medo de polêmicas e mais coragem para aceitar que a sociedade mudou.

Excelente quarta-feira, para todos nós, ainda com sol pelo menos.

sábado, 23 de agosto de 2008



24 de agosto de 2008
N° 15705 - MARTHA MEDEIROS


A miopia do mundo

Wim Wenders diz: muita coisa nos diverte, mas o que vale são as experiências que nos transformam. Acho que essa frase define a palestra que o cineasta deu na última segunda-feira na Reitoria da UFRGS, dentro do projeto Fronteiras do Pensamento.

A platéia saiu, de fato, transformada, ou não o teria aplaudido tanto, e com tanto vigor, e por tão longo tempo.

Aos 65 anos, o alemão Wim Wenders é um homem centrado, que fala pausadamente sobre coisas simples e universais, abrindo nossos olhos para o que intimamente sabemos, mas que, diante do atropelo dos dias, esquecemos de lembrar.

O tema da palestra, muito apropriadamente, foi: fronteiras. Uma palavra que perdeu o status. Fronteira lembra muro, prisão, e quem deseja isso? Então vem a globalização e faz do universo um lugar aberto onde todos se parecem, tudo se parece. Ok, facilita a comunicação, mas o que exatamente está sendo comunicado?

Wim Wenders ressalta a importância das fronteiras como um espaço para se concentrar no que se é, em quem se é. Ele valoriza a sensação de se pertencer a um lugar, e tudo o que esse lugar nos transmite. Rejeita filmes que possam acontecer em qualquer cidade, em qualquer época.

Ele quer a identidade, ele quer o foco no que é micro, para que isso possa ganhar o mundo e comunicar o que está sendo ocultado: que há outras vidas além dos padrões instituídos.

Reconhece que o cinema americano é forte e excitante, mas raramente nos faz pensar. Por isso é que, na hora de assistir a um filme, ele geralmente escolhe um documentário, que é o diferencial do cinema de hoje. Ali se tem um olhar focado, que traz informação, emoção, que atravessa paredes.

Enquanto ele dizia isso, lembrei de Janela da Alma, um documentário brasileiro sobre a perda da visão, sobre a miopia do mundo (direção de João Jardim e Walter Carvalho), que foi das coisas mais emocionantes que assisti no cinema, e que, não por acaso, contava com um depoimento de Wim Wenders,

em que ele dizia que o mundo estava precisando de menos ofertas, de menos estardalhaço e de mais restrição. Ele usa um óculos de grau desse tamanho, mas enxerga longe.

No final da palestra, Wenders pediu licença para apresentar um documentário dirigido por ele, que faz parte de um projeto da organização Médicos sem Fronteiras.

Esses médicos fizeram uma lista das terríveis mazelas por que passam habitantes de várias regiões carentes e ofereceu a lista para alguns cineastas escolherem o que filmar, numa tentativa de, através desses pequenos filmes, mostrar ao mundo as dores que ninguém vê.

Wenders escolheu filmar depoimentos sobre mulheres que sofrem abuso sexual no Congo, na região mais pobre e isolada da África. O documentário chama-se Invisible Crimes e deixou a platéia de garganta seca e olhos marejados.

Belamente fotografado, mostra testemunhos de uma brutalidade que está acontecendo agora, neste momento, com garotas de 13 anos, de 18 anos, com mulheres de 40, de 60 anos, que não têm seus direitos respeitados e que sofrem nas mãos de criminosos impunes, em lugares onde não existe lei. Assim como no Congo, isso também acontece aqui no Brasil e em diversos outros países.

Desejei que esse documentário fosse veiculado na tevê aberta, em horário nobre. É uma vergonha que mulheres ainda padeçam tanto nos dias de hoje, enquanto as revistas sugerem que nossa única preocupação é com a vaidade e o rejuvenescimento.

O mundo é imenso. Um grande playground onde só se cultua o sexo e a violência. Mas se prestarmos atenção nos detalhes, nos espaços fechados, onde câmeras não entram, poderemos ter uma visão mais abrangente do mundo e alcançar a paz. A globalização é uma falsa abrangência. É o que gera a verdadeira invisibilidade.

Engajado sem ser chato, elegante sem ser pedante, simples sem ser superficial. Esse foi Wim Wenders em Porto Alegre, abrindo, literalmente, as fronteiras do nosso pensamento.


A estátua-estrela Elis

Ah, somos gaúchos! Como somos! Por vezes, demasiado gaúchos e, claro, divididos uma barbaridade, peleando até com a própria sombra.

Chimangos, maragatos, gremistas, colorados, petistas, antipetistas, urbanos, praieiros, contra o muro da Mauá, a favor dele e por aí vai.

A memória de Elis Regina, o teatro com seu nome e sua estátua poderiam nos unir. A sábia e apimentada Elis não deve estar se preocupando com a tal estátua, que, para mim, não é lá muito bonita.

O Ulysses Guimarães, grande e saudoso brasileiro,disse que a estátua dele era o povo na rua, que só os passarinhos tratam com naturalidade as estátuas, fazendo cocô na cabeça delas.

Se for para unir a galera, por mim podem guardar a estátua da Elis no cofre do Banrisul ou colocá-la em sala nobre do Museu Júlio de Castilhos.

Quando ouço a maior cantora do Brasil de todos os tempos cantando Águas de março, Como os nossos pais, Fascinação ou O bêbado e a equilibrista ergo uma estátua de luz no meu altar interior para Elis e estou pouco ligando se vou encontrar sua imagem em bronze em algum lugar da cidade.

Teixeirinha tem uma estátua interessante no cemitério da Santa Casa, onde com freqüência os fãs depositam flores frescas.

Bom, bonito isso, mas a alma e a música dele são maiores e mais importantes do que a estátua de corpo inteiro do Teixeira. Bom, tudo bem, claro que a Elis merece uma estátua, ou várias, em vários pontos da cidade.

Estátuas que nem deveriam ser de bronze. Elis é ouro, ouro puro, primeirona. Quem sabe não deveriam ser construídas algumas estrelas douradas bem grandes e depois colocadas no Iapi, no Gasômetro, na Redenção, no Morro Santa Teresa e em outros lugares, para reverenciá-la.

De noite, uma iluminação variada e multicolorida daria um brilho a mais lembrando que Elis vive, que sempre foi e será A estrela. Mario Quintana disse que os caminhos seriam tristes sem a presença das estrelas.

Ah, e se eu morrer, por favor, mandem tocar umas trinta vezes Águas de março no velório, usando, óbvio, a antológica gravação do Tom e da Elis.

E desejo que sirvam champanha, vinho, cerveja, água mineral, refrigerantes e comidinhas para os convidados, que, afinal, eu sou eles, eles são eu e nós todos vivemos em muitos mundos e dimensões, iluminados sempre pelas estrelas.
Jaime Cimenti

Diego Mainardi

Tapar as vergonhas

Acabei de voltar da praia. Está sol. O mar, esverdeado, transparente, está com jeito de limpinho. Me estendi na cadeira de plástico e pedi, nesta ordem, um picolé de coco, um biscoito de polvilho e um suco de laranja com cenoura.

Olhando para o horizonte, com ar satisfeito, pensei: preciso me mudar daqui.

Qual é o motivo? Aí é que está: eu nunca precisei de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse. Ir embora sempre me pareceu imensamente mais proveitoso do que permanecer. Ir embora de uma cidade.

Ir embora de um jantar. Ir embora de um espetáculo. Ir embora da praia. Eu gosto da praia. Eu gosto de mergulhar no mar.

Eu gosto de ter as costas suadas, grudadas na cadeira de plástico. Eu gosto de ter a pele queimada, naquele estado pré-cancerígeno. Mas muito melhor do que tudo isso é pagar os dez reais à barraqueira e voltar correndo para casa.

Compromissos familiares tornaram bem mais árdua a tarefa de ir embora. Tenho de arrastar um monte de gente comigo. Em geral, em meio a protestos.

O fato de nunca ter precisado de motivos para ir embora de onde quer que me encontrasse constitui um grande empecilho, porque me faltam argumentos para persuadir os demais.

Eu digo: "Precisamos ir embora da praia".
Respondem: "Por que precisamos ir embora da praia?"
Eu digo: "Tenho de dar um motivo?"
Respondem: "Tem".
Eu tento ganhar alguns segundos: "Tem de ser um bom motivo?"
Respondem: "Qualquer motivo serve, até mesmo um mau motivo".
Eu arrisco: "Olhem esta mancha. Deve ser um carcinoma".

Assim como um crente dispensa argumentos terrenos para acreditar em Deus, eu também dispenso argumentos para acreditar na necessidade de ir embora. Ir embora é meu valor supremo, absoluto. Migrar é minha única fé.

Sou uma espécie de padre Anchieta dos migrantes: tento converter o gentio a tapar as vergonhas, fazer as malas e ir embora. Em se tratando de brasileiros e brasileiras, essa é invariavelmente a parte mais difícil: tapar as vergonhas. Adeus.


Claudio de Moura Castro

Agronegócio sem educação?

"Podemos discutir se as escolas são fruto da prosperidade ou se ajudam a trazê-la. Mas sabemos que o agronegócio só vinga
onde há gente bem educada"

Repetem-se as proezas do agronegócio brasileiro. O país faz bonito na soja, nos sucos, na carne, no frango e em outros produtos resultantes do feliz encontro entre sol, água, inovação tecnológica e capacidade empresarial.

A equação contém os ingredientes do sucesso. Sol e água creditamos à generosidade divina. Na tecnologia, bem conhecemos a liderança da Embrapa, que traz a reboque muita pesquisa universitária. O empresariado rural foi uma surpresa.

Persiste a imagem do coronel do interior, herdeiro de um feudalismo atrasado. Era um empresário ausente do campo e presente nas grandes capitais, onde esbanjava suas riquezas. De onde veio essa nova classe empresarial moderna, arrojada e pragmática?

A história ainda não está bem contada. Quem sabe o mapa do Brasil daria algumas respostas? Pedi a um agrônomo que me marcasse com pontinhos no mapa onde estava situado o agronegócio.

Em seguida, tomei os níveis que cada estado obteve no Ideb (um indicador do MEC que combina a velocidade de avanço dos alunos no sistema com a pontuação obtida na Prova Brasil).

Dividi os estados em quatro categorias. Em seguida, superpus um mapa ao outro. Pude ver, simultaneamente, a distribuição do agronegócio e o nível de avanço da educação. Surpresa!

O agronegócio só viceja nos estados que estão na metade de cima da qualidade da educação. Seja qual for a razão, ele não gosta de estados com gente pouco educada.

Vamos entender melhor o lado da educação. A liderança dos estados do Centro-Sul é centenária. Mas o Centro-Oeste deu um salto enorme, ultrapassando velozmente o Norte e o Nordeste.

A razão é simples: foi colonizado por migrantes do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, tradicionalmente os estados com os melhores níveis de escolaridade. Ao migrar para os cerrados do Centro-Oeste, essa gente reproduziu lá seu estilo de vida.

No interior de Goiás deparei com um negro trajando bombachas. Vinha do Rio Grande do Sul, tchê! Como levaram as bombachas, os gaúchos também carregaram para lá as escolas e a infra-estrutura de água e esgoto tratados.

O mapa, contudo, mostra algumas bolinhas avançando sobre estados educacionalmente mais pobres do Norte e do Nordeste. Mas são microrregiões colonizadas pelos fluxos migratórios sulinos, avançando no território do oeste da Bahia, sul do Piauí e do Pará.

As aparentes exceções não fazem senão confirmar o que indica o mapa: o agronegócio não se localizou onde a educação é fraca.

Poderíamos pensar que a Embrapa estaria a serviço de um capitalismo sulino, furtando-se de investir no que precisariam o Norte e o Nordeste para dar igual salto. A teoria parece boa. Mas não é. A Embrapa tem enormes investimentos em produtos para toda a geografia nacional. Ainda assim, seus grandes clientes se encontram no agronegócio.

Ao se registrar a forte aderência do agronegócio às regiões habitadas por gente mais bem educada, nota-se, também, pistas para o enigma do aparecimento de um empresariado moderno no campo.

Ao que tudo indica, seu surgimento está ainda associado aos níveis superiores de educação e modernidade do Centro-Sul e às ondas de colonização vindas de lá. Por serem mais bem educados e possuírem uma cultura empresarial, eles entendem de mercado e apropriam-se das melhores tecnologias.

No fim dos anos 70, numa visita a Ijuí, eu discutia educação rural com as lideranças de uma cooperativa agrícola. Eu falava de escolas com galinhas circulando pelas salas de aula e não nos entendíamos. Finalmente, eu vi que estava fora de seu universo.

A preocupação delas era conseguir que as instituições de ensino da região preparassem seus alunos para entender a bolsa de cereais de Chicago, já on-line na cooperativa. São esses os responsáveis pelo crescimento da soja no Centro-Oeste.

O que aprendemos com o mapa citado no presente ensaio? Podemos discutir se as escolas são fruto da prosperidade ou se ajudam a trazê-la.

Podemos entrar no campo pantanoso das relações entre educação e traços culturais. Mas, no mínimo, ficamos sabendo que o agronegócio só vinga onde há ou aparece gente mais bem educada.

Claudio de moura castro é economista claudio&moura&castro@cmcastro.com.br


Claudio de Moura Castro

Agronegócio sem educação?

"Podemos discutir se as escolas são fruto da prosperidade ou se ajudam a trazê-la. Mas sabemos que o agronegócio só vinga
onde há gente bem educada"

Repetem-se as proezas do agronegócio brasileiro. O país faz bonito na soja, nos sucos, na carne, no frango e em outros produtos resultantes do feliz encontro entre sol, água, inovação tecnológica e capacidade empresarial.

A equação contém os ingredientes do sucesso. Sol e água creditamos à generosidade divina. Na tecnologia, bem conhecemos a liderança da Embrapa, que traz a reboque muita pesquisa universitária. O empresariado rural foi uma surpresa.

Persiste a imagem do coronel do interior, herdeiro de um feudalismo atrasado. Era um empresário ausente do campo e presente nas grandes capitais, onde esbanjava suas riquezas. De onde veio essa nova classe empresarial moderna, arrojada e pragmática?

A história ainda não está bem contada. Quem sabe o mapa do Brasil daria algumas respostas? Pedi a um agrônomo que me marcasse com pontinhos no mapa onde estava situado o agronegócio.

Em seguida, tomei os níveis que cada estado obteve no Ideb (um indicador do MEC que combina a velocidade de avanço dos alunos no sistema com a pontuação obtida na Prova Brasil).

Dividi os estados em quatro categorias. Em seguida, superpus um mapa ao outro. Pude ver, simultaneamente, a distribuição do agronegócio e o nível de avanço da educação. Surpresa!

O agronegócio só viceja nos estados que estão na metade de cima da qualidade da educação. Seja qual for a razão, ele não gosta de estados com gente pouco educada.

Vamos entender melhor o lado da educação. A liderança dos estados do Centro-Sul é centenária. Mas o Centro-Oeste deu um salto enorme, ultrapassando velozmente o Norte e o Nordeste.

A razão é simples: foi colonizado por migrantes do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, tradicionalmente os estados com os melhores níveis de escolaridade. Ao migrar para os cerrados do Centro-Oeste, essa gente reproduziu lá seu estilo de vida.

No interior de Goiás deparei com um negro trajando bombachas. Vinha do Rio Grande do Sul, tchê! Como levaram as bombachas, os gaúchos também carregaram para lá as escolas e a infra-estrutura de água e esgoto tratados.

O mapa, contudo, mostra algumas bolinhas avançando sobre estados educacionalmente mais pobres do Norte e do Nordeste. Mas são microrregiões colonizadas pelos fluxos migratórios sulinos, avançando no território do oeste da Bahia, sul do Piauí e do Pará.

As aparentes exceções não fazem senão confirmar o que indica o mapa: o agronegócio não se localizou onde a educação é fraca.

Poderíamos pensar que a Embrapa estaria a serviço de um capitalismo sulino, furtando-se de investir no que precisariam o Norte e o Nordeste para dar igual salto. A teoria parece boa. Mas não é. A Embrapa tem enormes investimentos em produtos para toda a geografia nacional. Ainda assim, seus grandes clientes se encontram no agronegócio.

Ao se registrar a forte aderência do agronegócio às regiões habitadas por gente mais bem educada, nota-se, também, pistas para o enigma do aparecimento de um empresariado moderno no campo.

Ao que tudo indica, seu surgimento está ainda associado aos níveis superiores de educação e modernidade do Centro-Sul e às ondas de colonização vindas de lá. Por serem mais bem educados e possuírem uma cultura empresarial, eles entendem de mercado e apropriam-se das melhores tecnologias.

No fim dos anos 70, numa visita a Ijuí, eu discutia educação rural com as lideranças de uma cooperativa agrícola. Eu falava de escolas com galinhas circulando pelas salas de aula e não nos entendíamos. Finalmente, eu vi que estava fora de seu universo.

A preocupação delas era conseguir que as instituições de ensino da região preparassem seus alunos para entender a bolsa de cereais de Chicago, já on-line na cooperativa. São esses os responsáveis pelo crescimento da soja no Centro-Oeste.

O que aprendemos com o mapa citado no presente ensaio? Podemos discutir se as escolas são fruto da prosperidade ou se ajudam a trazê-la.

Podemos entrar no campo pantanoso das relações entre educação e traços culturais. Mas, no mínimo, ficamos sabendo que o agronegócio só vinga onde há ou aparece gente mais bem educada.

Claudio de moura castro é economista claudio&moura&castro@cmcastro.com.br


A ordem é desacelerar

Nada de apertar a agenda para caber mais um compromisso. Adeptos do slow life declaram alforria do relógio na hora de comer, viajar e trabalhar

VERÔNICA MAMBRINI

SLOW DESIGN As peças que Vanessa faz levam até um mês para ficarem prontas

"Stop. A vida parou ou foi o automóvel?" Em poucas palavras, o poeta Carlos Drummond de Andrade expressou a aflição que corre junto com o tempo na cidade. Almoçar um lanche rápido, ficar preso no trânsito, correr para buscar os filhos na escola, descansar, se divertir – são muitas atividades para apenas 24 horas.

Para a maioria dos habitantes das metrópoles, essa rotina é comum. Mas precisa ser assim? Não, pelo menos na opinião dos adeptos do slow life (vida devagar).

Partindo do princípio de que uma pessoa vive em média 700.800 horas e que gastamos 70 mil delas no trabalho, esse movimento defende a idéia de não concentrar tanta energia só nesse aspecto da vida. Mas não há regras rígidas: tudo o que eles querem é liberdade para viver sem atropelos.

O pessoal do slow food, por exemplo, foge das refeições apressadas. Delivery, comida congelada? Nem pensar. Mas há especialidades para todos os gostos na vida slow: andar, vestir, comer, morar, educar, envelhecer, produzir.

Essas formas de viver sem pressa estão no manifesto em que Kakegawa, no Japão (onde nasceu o movimento), se declarou uma cidade slow em 2002, trazendo propostas para uso mais prazeroso e equilibrado do tempo.

SLOW FOOD Cenia Salles prega a valorização de produtos orgânicos e de pequenos produtores

O movimento ganha adeptos no Brasil, onde as pessoas começam a se reunir para discutir formas de eliminar os ralos por onde o tempo escorre na rotina. Um dos idealizadores desses encontros é o terapeuta corporal Jorge Mello.

“Organizar mal as prioridades gera frustração, porque você acaba se dedicando demais a coisas que não lhe dizem respeito”, diz Mello.

Em encontros em cafés e piqueniques apelidados de simplenics, as pessoas conversam sobre como obter mais tempo para o que gostam. O equilíbrio entre o que traz bem-estar e o que causa perturbação é chamado de “ponto de suficiência”.

A stylist Vanessa Montoro pode nunca ter pensado nesse rótulo antes, mas vive há tempos conforme o slow life. A criadora de roupas e acessórios em seda tingidos naturalmente aprendeu o prazer de tricotar e crochetar com a avó e o transformou em ofício. “Como o processo é todo manual, levo até 30 dias para fazer uma peça.

É um trabalho raríssimo, que máquina nenhuma consegue fazer”, explica. Isso tem um preço: algumas peças chegam a custar R$ 2 mil. Essa preocupação em produzir artigos que durem e sejam atemporais se enquadra numa tendência chamada slow design.

“Acho o conceito de moda absurdo: ela é passageira, te atropela. Ainda estamos no inverno e as lojas já estão em liquidação! É uma agressão, totalmente contra o que eu faço”, afirma Vanessa.

SLOW TRAVEL Mariane viajou para a Europa e conheceu 11 países em um ano. A idéia é mergulhar na cultura de cada lugar

É claro que viver assim em tempo integral é para poucos. Tanto que o movimento slow nasceu em países desenvolvidos. Na Itália, surgiu o slow food, do qual a consultora gastronômica CeCenia Salles é adepta.

Depois de ajustes na sua vida, ela mudou o escritório para casa, em São Paulo, concentrou seu diaa- dia no bairro e agora sobra tempo para refeições com a família e os amigos à mesa – como reza a cartilha do slow food.

Os adeptos, que participarão de um encontro mundial em outubro na Itália, pregam a valorização de produtos orgânicos e de pequenos produtores, e claro, dedicação às panelas. “Dá trabalho, mas, se você não abrir esse espaço, ele não existirá”, acredita Cenia.

Essa percepção do tempo que as pessoas tentam controlar está na dimensão psicológica (por isso 15 minutos num consultório médico parecem uma eternidade, mas voam entre amigos) e na social, em que é preciso se desdobrar entre trabalho, família, trânsito, etc.

Para o filósofo Luiz Felipe Ponde, quem adere à tendência passou por uma sofisticação intelectual e econômica. “É quase impossível você ser slow na Etiópia, sempre há custos envolvidos”, afirma.

Sem um centavo no bolso, Mariane Lins Cavalheiro, 24 anos, tinha acabado de se formar em administração quando decidiu passar uma temporada fora do País. Fez as malas e partiu para a Holanda, onde foi trabalhar como babá para uma família.

Descobriu o slow travel como um jeito relativamente barato de aprofundar a experiência. “Em um ano, conheci 11 países”, conta. “Você pode fazer isso em dois meses, mas aí vem a filosofia do slow travel.

É conhecer a cultura, as pessoas e fazer o que você realmente gosta.” Vale conhecer menos, divertindo-se mais. “Afinal, você não tem que voltar cansado das suas férias”, resume Mariane.

Por TATIANA DE MELLO

Md 82, o avião da morte

"Vi uma bola de fogo e ouvi uma explosão. Ele caiu como uma folha de árvore incandescente" - a frase é da espanhola Martha Natividad de las Rosas. "Foi o que há de mais parecido com o inferno" - a frase é da também espanhola Goretti Alvarez.

A "folha de árvore" e o "inferno" mataram 153 pessoas e feriram outras 19 no meio da tarde da quarta-feira 20, no Aeroporto de Barajas, em Madri, no acidente com um avião McDonnell MD 82 da companhia Spanair.

Entre os mortos está o brasileiro Ronaldo Gomes Silva, paraense de 28 anos. Goretti iria embarcar nesse vôo, mas desistiu porque o bilhete para o arquipélago das Canárias, da empresa Ibéria, custou-lhe dez euros menos.

Martha estava no aeroporto somente por estar, passeando, quando testemunhou o acidente: o MD 82 decolou, ganhou pouquíssima altura, pegou fogo (motor esquerdo), caiu, arrastou-se para fora da pista, explodiu e partiu- se em dois. Seu destino era Las Palmas, capital das Ilhas Canárias.

Na aeronave havia 162 passageiros (entre eles, dois bebês que sobreviveram) e dez tripulantes. Foi o pior acidente aéreo na Europa nos últimos dez anos.



23 de agosto de 2008
N° 15704 - NILSON SOUZA


Citius, Altius, Fortius

O mais rápido

O jamaicano voa. Usain Bolt cresceu jogando críquete nas ruas da cidade caribenha de Trelawny, no noroeste da Jamaica. Nunca foi muito de treinar.

O que ele gosta mesmo é de dançar um ritmo chamado reggae dancehall, mais pesado do que as músicas exportadas ao mundo pelo maior mito de sua terra, Bob Marley. Aos 15 anos, ele se revelou para o atletismo, vencendo a prova de 200 metros do Campeonato Mundial de Juniores promovido em seu país.

Desde então, não parou mais de correr. Transformou-se no Relâmpago, apelido que adotou antes mesmo de cravar em Pequim o assombroso tempo de 9s69 nos 100 metros rasos.

Na distância intangível da prova mais rápida do atletismo, cruzou a linha de chegada quilômetros à frente dos demais competidores, batendo no peito, como se dissesse para o mundo do alto de seu 1m96cm: “Eu sou o cara”.

O mais alto

A russa também voa. Yelena Isinbayeva tem fulminantes olhos claros e tanta autoconfiança, que é capaz de tirar uma soneca entre um salto e outro. Ela adora dormir. Dorme 11 horas por dia e só começou a saltar com vara aos 15 anos, na sua cidade natal, Volgogrado.

Antes, praticava ginástica artística, esporte que teve que abandonar por causa de sua altura: 1m74cm. Em Pequim, ela passou sorrindo pelo seu próprio recorde mundial e saltou a fantástica altura de 5m05cm. Depois, no pódio, chorou lindas lágrimas azuis.

O mais forte

O alemão levantou quase meia tonelada. Matthias Steiner nasceu na Viena de Johann Strauss, mas trocou a Áustria pelo país de sua esposa. Susann, sua amada, morreu num acidente automobilístico em julho de 2007.

Graças ao casamento, porém, Steiner ganhou a cidadania alemã em janeiro deste ano e competiu em Pequim pelo seu país adotivo.

Ergueu acima da cabeça um total de 461 quilos (203 quilos no arranque e 258 quilos no arremesso). Mereceu o ouro. Subiu ao pódio com uma foto da ex-companheira e desmanchou-se em lágrimas pesadas. O mais forte era também o mais frágil dos homens.


23 de agosto de 2008
N° 15704 - MOACYR SCLIAR


Saúde e educação: o binômio inseparável

Recentemente participei, na Fundação Oswaldo Cruz (Rio), da cerimônia de entrega ao presidente Lula e ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, do relatório da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde, constituída por recomendação da Organização Mundial da Saúde, da qual fiz parte.

Todo mundo sabe que as condições sociais de um país influem nos níveis de saúde dos seus cidadãos; mas a tarefa da comissão era avaliar em que medida isto acontece e o que se pode fazer para corrigir os problemas encontrados.

O estudo mostrou, à exaustão, que, além obviamente da renda, o nível educacional é absolutamente fundamental em termos de saúde. Querem exemplos?

- A proporção de mulheres de 25 anos ou mais que fizeram pelo menos uma mamografia é de 68,1% nas mulheres com mais de 15 anos de estudo, mas cai para 24,3% naquelas sem instrução ou com menos de um ano de escolaridade. No caso de exame para detecção do câncer de colo uterino, as proporções são de 93,1% e 55,8%, respectivamente;

- Entre mulheres com 12 anos ou mais de estudo, a proporção das grávidas que fazem pré-natal é de 97,3%; naquelas sem estudo cai para 85,6%;

- Mulheres com escolaridade de quatro anos ou menos fumam duas vezes mais do que aquelas com escolaridade maior que nove anos;

- A mortalidade de crianças menores de cinco anos é três vezes maior entre filhos de mães com menos de quatro anos de instrução quando comparados com filhos de mulheres que têm mais de oito anos de instrução.

Alguém poderia dizer que, na verdade, se trata de uma questão de renda, já que as pessoas com menor nível educacional são também mais pobres.

Em parte este raciocínio está correto, mas só em parte. Estudos têm mostrado repetidamente que, quando se comparam pessoas na mesma faixa de renda, aquelas com mais anos de escolaridade têm níveis de saúde melhor.

E não é difícil entender a razão. Saúde, hoje em dia, depende muito do estilo de vida: o modo como a pessoa se alimenta, os hábitos saudáveis ou nocivos que tem.

E estilo de vida, por sua vez, depende de duas coisas: informação e motivação. Motivação, que envolve fatores emocionais, é coisa complicada. Mas informação, que aliás é pré-condição para a motivação, pode chegar a todas as pessoas, pelos meios de comunicação, pela internet, pela educação escolar.

É o que se chama de promoção de saúde e, pensando nisto, o Ministério da Saúde criará um órgão que se dedicará exclusivamente a esta área.

Em termos de saúde, o Brasil melhorou muito: diminuiu a mortalidade infantil, cresceu a expectativa de vida. Mas pode melhorar muito mais, desde que se diminua a histórica desigualdade de nosso país.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008



22 de agosto de 2008
N° 15703 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


As pequenas coisas da vida

Contei aqui na outra sexta que uma senhora me deteve na rua, sorriu, perguntou como eu ia, indagou de pessoas que me são próximas, e a todas essas eu não fazia a menor idéia de quem ela fosse.

Pois não é que menos de uma semana depois entro num táxi e o motorista, que eu aparentemente nunca tinha visto, me trata pelo nome?

Esse rompe logo o suspense. Esclarece que há uns 30 anos trabalhamos juntos na mesma empresa, eu como escrevinhador, ele como encarregado de conferir as assinaturas de um estranho mecanismo de relógio-ponto, do qual não guardo a menor saudade.

E já que se apresentou, relembra personagens, ressuscita cenas e acontecimentos, com uma capacidade de reinvenção das coisas que me deixa literalmente pasmo.

Gostaria de ter um arquivo assim, ainda mais quando ele desce a detalhes pitorescos dos quais eu já não tinha remota noção.

Ao pagar-lhe a corrida, certamente menos do que lhe fiquei devendo por seu talento para as recordações insólitas ou divertidas, me surpreendo pensando se as pequenas coisas da vida (há um filme com esse nome, se não me falha a desmemória) não serão as mais importantes.

A gente guarda pedaços da caminhada que são os mais decisivos. É capaz de reviver as grandes datas, as grandes conquistas, as grandes paixões, as grandes amizades. Mas tudo isso não será apenas um rio fluindo por entre mínimas ilhas que são realmente as que contam?

Sei que livros escrevi, que cargos ocupei, que prêmios ganhei, o que produzi em determinados pontos de minha trajetória. E contudo o que verdadeiramente marca não serão veredas diversas?

Na época que o motorista recriou, eu era jovem. Pode haver algo de mais fundamental do que isso? Nesse tempo eu ainda sonhava em conhecer Paris, então um sonho distante. Naqueles dias as pessoas não eram tão prisioneiras de dígitos e de teclas.

No tempo de que ele me falou podia-se caminhar pela cidade de madrugada, exilado qualquer temor de um assalto.

Nos dias que ele reviveu, desconheciam-se os seqüestros-relâmpagos, o gigantesco submundo da droga, ou quadrilhas cometendo crimes de dentro de presídios.

O que me dá uma forte desconfiança de que o mundo era melhor.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008



20 de agosto de 2008
N° 15701 - MARTHA MEDEIROS


Nosso Centro Histórico

Muda alguma coisa se, em vez de dizer que o Theatro São Pedro fica no Centro, dissermos que ele fica no Centro Histórico?

Talvez pareça frescura, mas isso pode colaborar, sim, não só para incrementar o turismo da Capital, mas principalmente para melhorar o conceito que o próprio porto-alegrense tem desse bairro que já foi sinônimo de elegância, depois entrou em decadência, e que agora tenta se reerguer.

É só uma questão de semântica, mas a alteração do nome não atrapalha em nada, ao contrário, chama a atenção para algo que está acontecendo: o centro começa a se tornar um lugar novamente aprazível para se visitar, para morar e para trabalhar.

Não faz muito tempo, a maioria das salas comerciais ficava no Centro. Era lá que trabalhavam médicos, dentistas, advogados. Meu primeiro emprego foi numa agência de propaganda situada na ladeira da Rua da Praia, e o endereço não era considerado maldito.

Aos poucos, foi ficando. Os profissionais liberais começaram a abrir escritórios em bairros residenciais, as lojas foram se transferindo para os shoppings e os camelôs foram tomando conta das ruas. Todos que pudessem evitar ir ao Centro, evitavam.

Ainda é assim? Não totalmente, porque temos não só o já citado Theatro São Pedro, mas o Margs, o Santander, a Casa de Cultura Mario Quintana, o Centro Cultural Erico Verissimo, a Usina do Gasômetro, o reformado Mercado Público e o recente e bem-vindo Caminho do Livro, todo sábado, na Riachuelo.

O Centro Popular de Compras (camelódromo) está quase pronto e vai acomodar mais de 800 comerciantes da região, liberando as ruas, e ainda há a promessa de revitalização do Chalé da Praça XV e o sonho de ver o Cais do Porto se transformar numa área de lazer e cultura. O centro está mudando, não há dúvida. Mas falta mudar também a nossa mentalidade.

Morar no centro nunca me passou pela cabeça, por exemplo. Hoje me pergunto: por quê? Pelas carências da região (elas ainda existem, óbvio), mas também por preconceito.

Mesmo sabendo do charme e da amplitude dos prédios antigos, da possibilidade de ter vista para o Guaíba e de a violência não ser diferente da que existe nos bairros nobres, continuamos a marginalizá-lo.

É por isso que o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, presidido pela engenheira Rita Chang, está trabalhando para conscientizar a todos de que não podemos continuar desprezando essa que é uma das mais belas áreas da cidade e que tem tudo para voltar a ser o mais importante cartão-postal da cidade.

Trouxe esse assunto porque estamos em plena Semana do Centro Histórico. As comemorações envolvem diversas atividades até o próximo sábado.

Hoje, por exemplo, a partir do meio-dia, haverá aula de dança no Largo Glênio Peres, depois oficina de escultura e aula de tai chi chuan na Praça da Alfândega, e happy hour no Mercado Público.

Nada mudará da noite para o dia, mas fico na torcida para que o Centro recupere seu status. Centro, não. O Centro Histórico, que é como ele oficialmente se chama agora.

Mesmo com chuva, que teima em não parar, que tenhamos todos uma excelente quarta-feira.

sábado, 16 de agosto de 2008



17 de agosto de 2008
N° 15698 - MARTHA MEDEIROS


Eu não sou daqui

Qualquer pessoa que comece a escrever poesia irá, cedo ou tarde, usar como tema a sensação de ser um estrangeiro. Em seus versos, dirá que não pensa como os outros, que tem a impressão de ter vindo de outro planeta, que não se reconhece entre seus pares.

Quem faz música também acaba falando sobre isso, mais dia, menos dia. É um assunto que cativa, já que todos nós, em um determinado momento da vida (geralmente na adolescência) nos achamos, mesmo, muito diferente dos outros.

O psicanalista Contardo Calligaris, em sua recente palestra em Porto Alegre, no Fronteiras do Pensamento, disse que, quando garoto, tinha certeza de que os marcianos viriam buscá-lo em seu quarto, já que se sentia mais sintonizado com eles do que com sua própria família. Não é exatamente uma novidade: o “eu não sou daqui” já foi frase recorrente na nossa cabeça. E sejamos sinceros: alguns seguem pensando assim até o fim dos dias.

Contardo explica que, na puberdade, temos necessidade de fugir das nossas origens para que possamos criar uma identidade própria. E que essa identidade nunca é lógica, ao contrário, é sempre embaralhada, por isso a importância de a gente, ao longo dos anos, aprender não só a viver bem, mas a contar bem a nossa história para os outros. Aliás, o título da palestra era: A Ficção Como Linha de Conduta Para Inventar a Vida.

Quando ele diz que somos todos ficcionistas, não está sugerindo que somos todos uns fingidos. O que eu compreendo disso é que, ao nascer, recebemos mais ou menos o mesmo dote: uma família, algum amor e alguns ensinamentos.

Para quem é um pouco preguiçoso ou carente de imaginação, isso basta como baliza. Irá se satisfazer com o que foi recebido e contar sempre a mesma história sobre si mesmo. Mas há os desassossegados de nascença: louvados sejam.

Para esses, a vida é um livro em branco, uma oportunidade desafiadora de criar o seu próprio personagem e enriquecê-lo com experiências, desejos, erros, acertos, alegrias, tristezas.

Qual é o maior presente que nossos pais podem nos dar, além de algum amor e algum ensinamento? É justamente essa fagulha acesa no olhar, esse espírito aberto, o empurrão para ir além do “prefácio” e buscar a construção de si próprio visitando outras galáxias – que nada mais são do que outras pessoas e vivências. É através dessa matéria-prima que iremos estabelecer o fio da nossa narrativa, é que permitiremos que os outros nos conheçam – e que a gente se autoconheça mais um pouco também, através do olhar de fora.

É uma vida inventada? No melhor sentido. É uma vida que se atreveu a ir além dos 10 mandamentos iniciais. É uma vida regida por outros tantos: não julgarás os diferentes de ti, não criticarás o próximo sem antes ouvir suas razões, não te contentarás com o que aprendestes em casa, não evitarás estradas só por não saber onde elas levam,

não abdicarás de conhecer mais a ti mesmo, não censurarás aquilo que não compreendes, não te acorrentarás ao que te dá segurança, não te conformarás com tua ignorância, não temerás a amplificação do teu universo.

Em suma, o “eu não sou daqui” é a frase dos que não se atreveram a desbravar o mundo, preferiram se manter estrangeiros por orgulho e por medo. Só quando saímos do nosso esconderijo é que descobrimos que somos todos do mesmo lugar.

Diego Mainardi

A gente nunca chega até as finais

Eu estou certo. Quem está errado é Pequim. Eu durmo cedo e acordo cedo. O que sobra para alguém como eu, nos Jogos Olímpicos, é a bateria preliminar dos 200 metros de nado de peito.

Eu assisto à bateria preliminar dos 200 metros de nado de peito. E, à tarde, antes de pegar no sono - eu durmo cedo e acordo cedo, mas também tiro uma pestana bem no comecinho da tarde - assisto às reprises das burlescas trapalhadas dos atletas brasileiros.

É uma farra. Como é que eles conseguem ser ruins desse jeito? Como é que eles podem perder tanto assim? Eu vaio a TV, assobio para a TV, jogo o travesseiro na TV. Depois viro para o lado e durmo feliz.

O aspecto mais gratificante de se torcer contra os brasileiros é que a gente sempre acaba ganhando. Cada medalha de bronze perdida pode ser comemorada como um triunfo.

Mas nossos atletas em Pequim merecem ser festejados por algo muito mais transcendental do que o mero sucesso esportivo. Com suas humilhantes derrotas, eles ajudam a ratificar todos os estereótipos mais grosseiros sobre o Brasil e os brasileiros. O povo dócil. A cultura conformista.

O caráter frágil. A personalidade titubiante. O espírito resignado. O pendor para ser eternamente café-com-leite. É reconfortante saber que o país nunca trairá nossas piores expectativas.

No passado, eu era mais generoso. Só torcia para atletas cujos países conseguiam superar rígidos critérios sociais e políticos.

Antes de escolher um time, eu reunia o Conselho de Segurança da ONU em minha sala de estar e fazia-o debater por horas e horas, decidindo autarquicamente quem poderia contar com meu valioso apoio. Com o tempo, isso mudou.

Aceitei a idéia de que uma prova de canoagem era simplesmente uma prova de canoagem. A China oprimiu monges tibetanos?

A Rússia bombardeou a Geórgia? Continue a remar. Isso mesmo. Só mais um minutinho. Falta pouco. Estou quase dormindo. Dormi.

Quando eu acordar, o Brasil terá perdido mais umas doze medalhas de bronze. O país é uma bateria preliminar dos 200 metros de nado de peito. A gente nunca chega até as finais.

Lya Luft

Velhos amantes, novos amigos

"Ex-companheiros podem se reaproximar com bondade, tolerância e parceria, porque aprenderam a ser mais tolerantes, porque ficaram mais sábios"

No meio desse mundo dominado por mediocridade e sordidez – que se manifestam sobretudo na vida pública, na qual há muito o bem do cidadão tem menos importância que o bolso e o poder dos que deviam cuidar dele –, aparecem dados positivos. Alguns, quase extraordinários, nos consolam, nos fazem pensar, nos servem de modelo.

Falo em velhos casais separados, que voltaram a ter companheiros, mas se vêem outra vez sozinhos, por viuvez ou nova separação. Separação é sempre triste. Não há nenhuma alegrinha ou animada, tudo provoca culpa ou rancor. Filhos envolvidos sofrem sempre.

O melhor que os pais podem fazer é decidir de coração aberto: "Não somos mais marido e mulher, mas somos pais desses filhos". Se isso for levado a sério, muita dor será evitada. Pessoas dignas e decentes conseguem fazer isso, passada a primeira tempestade de emoções.

Os filhos convivem com pai e mãe, ambos igualmente interessados em sua vida, sua saúde, sua escola, suas amizades, seu crescimento enquanto seres humanos. O chão só se abre quando, o que é comum, os pais – ou um deles (a triste figura é em geral a materna) – usam os filhos para denegrir ou ferir o outro. Talvez o tempo nos torne mais civilizados nisso.

Ilustração Atômica Studio

Gira a roda do tempo, chega a velhice, tão amaldiçoada por uma cultura que endeusa a juventude e os dotes físicos, para pessoas com rala bagagem interior.

Em lugar de curtir a experiência, a serenidade e a sabedoria de sua idade, essas pessoas correm atrás de caricaturas dos jovens que foram. Mas, repito, chega a velhice, que tem aspectos bons e ruins, assim como os tem a juventude. Os que outrora foram um casal estão mais uma vez sozinhos.

Velhice solitária pode ser triste e perigosa, pois, sendo mais frágeis, mais do que nunca os velhos precisam de cuidados e afeto, que os filhos nem sempre podem dar. E eis que ex-cônjuges, na velhice, sozinhos, resolvem voltar a morar juntos.

Vejo bocas abertas de espanto: "O quêêê? Depois de velhos?". Pois exatamente depois de velhos – para se fazerem companhia, para não pesarem demais aos filhos, seja por preocupação ou financeiramente, seja apenas pelo prazer de estarem de novo unidos – ex-casais voltam a morar juntos. Em geral, em quartos separados, como amigos de verdade.

E, se for para dormirem na mesma cama, qual o problema? O que temos com a vida dos outros? O que temos com a vida de nossos pais, a não ser para lhes fazer bem, para lhes dar carinho e cuidados, e zelar pela sua maior felicidade, depois de tudo o que nos deram?

Mas em geral não queremos o bem do outro: queremos controlar sua vida, e que ele seja feliz segundo nossos desejos. Cansei de ver velhos homens ou velhas senhoras obrigados, pelo amor filial, a sair de suas casas, a não viajar mais, a deixar de fazer uma série de coisas boas e ainda possíveis porque "os filhos não o querem".

Lógico que, se for um perigo para o bem-estar ou a saúde, se eles forem pessoas fragilizadas ou doentes, tudo muda de figura.

Mas não é sempre assim. Talvez exageremos nesse cuidado, podando vidas que ainda podiam ser produtivas ou mais felizes, cobrando inconscientemente as preocupações que nos causam. Filhos não são sempre bons filhos, pais nem sempre são bons pais.

Mas voltemos aos velhos ex-cônjuges que voltam a morar juntos: economia nas despesas, generosidade na parceria, menos aflição para os outros. No começo, em geral, há uma fase de acomodação ou readaptação: nem ele nem ela são os mesmos de antigamente. Mas os de antigamente brigavam por razões que hoje talvez não existam mais.

E eles podem se reaproximar com bondade, tolerância e parceria, por novos motivos: porque as implicâncias ou a traição ou o tédio não existem mais; porque aprenderam a ser mais tolerantes; porque ficaram mais sábios;

porque é muito melhor dependerem um do outro, ajudando-se mutuamente, do que dependerem de filhos, muitas vezes ocupados e cansados demais com a vida cheia de compromissos que é a de hoje.

Acho uma linda idéia: ex-amantes brigados, que se tornam novos amigos. E por que não? Coisas boas também acontecem.

Lya Luft é escritora

FLÁVIO R. SILVEIRA

Preços apimentados

Carros importados do México não pagam imposto de importação - e o benefício só aumenta o lucro das montadoras



O dólar baixo é a senha: produtos importados vão ficar mais baratos no mercado nacional. Isso, de fato, está acontecendo e, em vários setores, a importação de bens tem sido um antídoto contra pressões inflacionárias.

Somadas a acordos comerciais bilaterais, que reduzem ou até eliminam tarifas de importação de produtos vindos de determinados países, as possibilidades de queda de preço poderiam ser até maiores.

Não é o que acontece, no entanto, na área automobilística. Levantamento feito pela revista Motor Show, especializada no mercado de automóveis, revela que, apesar das isenções desses tributos, veículos fabricados em países com os quais o Brasil mantém acordos dessa natureza continuam tendo, nas concessionárias brasileiras, preços bastante superiores aos praticados nas revendas das nações de origem. O caso mexicano é emblemático.

Mesmo com a isenção total dos 35% de imposto de importação vigorando desde 2002, carros fabricados no México custam aqui entre 44% e 84% a mais que lá, mesmo depois de somados valores referentes a margens de lucro, investimentos em marketing, despesas com tributos internos (como ICMS, IPI, PIS e Cofins), logística e transporte e adaptação às normas técnicas brasileiras (confira tabela).

Assim, o que os deixaria mais acessíveis para o consumidor brasileiro tem sido mais vantajoso para as montadoras.



O estudo, realizado em parceria com a consultoria CSM Worldwide, analisou 11 carros de quatro marcas - Ford, Volkswagen, Nissan e Honda. Depois, repetiu a análise, desta vez com seis modelos de quatro montadoras - Volks, Audi, BMW e Honda - importados de países com os quais o Brasil não possui acordos automotivos.

Os resultados foram bastante diferentes. No segundo caso, os preços praticados no mercado brasileiro permitem um ganho menor aos fabricantes - entre 0,7% e 42%.

"As margens de lucro com os carros mexicanos é fantástica", conclui Paulo Cardamone, diretor do braço brasileiro da CSM Worldwide e responsável pelo Serviço de Previsão de Produção de Veículos na América do Sul.

Com 29 anos de experiência na indústria automotiva, Cardamone afirma que não há uma única razão para que os preços praticados aqui sejam mais altos que os de lá. Em primeiro lugar estaria o próprio mercado, que não exige uma política mais agressiva de redução nas tabelas.

Com os preços dos veículos nacionais e importados de outras regiões mais altos, não interessa às montadoras vender seus modelos mexicanos muito abaixo do valor de seus concorrentes, reduzindo sua margem de lucro.

Em alguns casos, trabalhar com preços menores poderia até mesmo "canibalizar" outros carros da marca produzidos no Brasil, mas de categoria inferior.

"O mercado é equilibrado pelos altos preços internos. Com o preço de um Mille 1.0 no Brasil compra- se um Honda Fit completo nos Estados Unidos", explica.

Parte da explicação pela disparidade dos preços dos automóveis no Brasil e em outros países deve-se, sem dúvida, à taxa de câmbio, que de fato faz com que, convertidos para o dólar, os carros nacionais estejam entre os mais caros do mundo.

Além disso, a indústria automobilística brasileira sofre com os pesados encargos tributários - os impostos sobre produção e comercialização chegam a 35% do valor dos veículos.

Com uma carga menor, alegam as montadoras, haveria uma sensível redução nas tabelas. Procuradas, elas informaram que, em virtude de a composição de preços de seus veículos ser um assunto estratégico e sigiloso, não comentariam o levantamento.

A Ford, através de sua assessoria de imprensa, afirmou que o sedã Fusion - o mais vendido dos mexicanos no Brasil - "exige adequação de itens às normas locais, bem como ao combustível do País" e que "a incidência dos custos de logística e transporte marítimo e terrestre tem forte impacto no preço de um veículo". As respostas de Volks, Nissan e Honda seguiram pelo mesmo caminho.

CLAUDIA JORDÃO

Decifrando a matemática

Terror dos estudantes, a disciplina começa a ser ensinada de forma lúdica para cair no gosto dos alunos

GOSTO PELOS NÚMEROS O Colégio Ítaca estimula o consumo de literatura sobre matemática no ensino médio É na aula de culinária que os alunos da educação infantil do Pentágono têm o primeiro contato com números e medidas

A simples pronúncia das palavras álgebra, aritmética ou geometria é o suficiente para arrepiar os cabelos de boa parte dos alunos em uma sala de aula. A constatação não é de hoje.

Pelo contrário, geração após geração, a matemática tem lugar cativo no posto de disciplina mais detestada pelos estudantes. E não é só isso. Talvez por ocupar o topo da lista das menos amadas, ela não é assimilada como deveria – fato que também se confirma a cada ano.

De acordo com levantamento do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os brasileiros obtiveram notas que os colocam na incômoda 53ª posição em matemática, num total de 57 países avaliados.

As provas foram realizadas em 2006 com estudantes de 15 anos e divulgadas no ano passado. Mas, afinal, por que essa disciplina continua sendo tão difícil de aprender – e ensinar – no Brasil?

A professora Suely Druck, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, garante que a aversão por números não é exclusividade do povo brasileiro. “Essa é uma disciplina complexa mesmo”, diz. Segundo Suely, há um problema central na hora de ensinála. “Diferentemente das outras matérias, a matemática é seqüencial.

Ou seja, se o aluno não aprender a somar e a subtrair, não será capaz de multiplicar ou dividir”, diz. E, no dia-a-dia escolar, essa característica se torna traiçoeira.

“Se a criança começa aprendendo mal a matéria, seu desempenho estará condenado pelos próximos anos, porque ela não conseguirá acompanhar e ficará desmotivada”, conclui. Por causa disso, a dirigente defende que professores de primeira a quarta série do ensino fundamental tenham formação específica na disciplina.

Atualmente, no País, eles são formados em pedagogia e o mesmo profissional inicia a criança no mundo das letras, das ciências e dos números.

“Nas viagens que faço, nos quatro cantos do País, é comum ouvir de professores que os estudantes chegam à quinta série detestando matemática”, conta.

No ensino fundamental do Magno, o xadrez é usado para trabalhar o raciocínio (acima). Já os pequenos aprendem fazendo compras

Ex-ministro da Educação no governo Lula, o senador Cristovam Buarque (PDTDF) faz coro. “A matemática precisa ser apresentada à criança quanto antes, por profissionais capacitados e de maneira interessante”, diz.

Na opinião do senador, pais e educadores devem proporcionar o uso de brinquedos educativos a partir de um ano de idade.

“É nessa fase que eles começam a tomar gosto pelas formas geométricas, além de usar a lógica e o raciocínio.” Boa parte das escolas de educação infantil no País já atentou para isso e busca ensinar matemática de maneira diferente na tentativa de desmistificar o bicho-papão.

É o caso do Colégio Pentágono, em São Paulo, que estimula o aluno através de aulas de culinária. Com dois anos de idade, as crianças são convidadas a contar – o número de ovos, por exemplo.

A partir dos quatro, elas vivenciam situações concretas de manipulação de quantidade, associadas ao conceito de números. “Ao medir a farinha a ser usada no biscoito, pão ou bolo, a criança está vivendo na prática a matemática”, diz Gisela Bertipaglia, coordenadora de educação infantil de uma das unidades da escola.

O Colégio Magno, também em São Paulo, desenvolve atividades com o objetivo de ensinar educação financeira para alunos de três a seis anos.

Para praticar os ensinamentos, eles usam dinheiro de mentira e compram produtos de brinquedo na Vila OZ – um espaço que reproduz uma cidade, com mercado, peixaria e floricultura, montado dentro da escola. “Nessa fase, se a criança não observa, ela não entende”, explica Cláudia Tricate, diretora da instituição.

A preocupação em preparar o estudante para um convívio menos estressante com a matéria se estende, em algumas escolas, para os ensinos fundamental e médio. No Magno, por exemplo, o xadrez é praticado nas aulas de matemática de primeira a nona série, como forma de melhorar o raciocínio do aluno.

No Colégio Ítaca, também na capital paulista, a professora de matemática Maria Ângela de Camargo concilia a disciplina em si com literatura sobre o assunto na sala de aula do segundo e terceiro ano do ensino médio.

“Nessa época, quando os jovens se preparam para o vestibular e têm que ler e estudar muito, é um desafio inovar”, diz ela. Mas há dez anos a educadora vence a batalha.

“Procuro aproveitar todas as oportunidades que tenho para mostrar que a matemática é sensacional”, diz. Os livros indicados são O diabo dos números (Hanz Magnus Enzensberger), aos alunos do segundo ano, e O último teorema de Fermat (Simon Singh), aos do terceiro.

Se em escolas particulares os professores encontram dificuldades para atrair os alunos e desmistificar a matemática, os problemas crescem em progressão geométrica no ensino público.

Nele, a educação brasileira vive um trinômio perverso: má-formação de professores, baixos salários e péssimas condições de ensino. “

O educador é solitário. Ele ensina sem biblioteca, sem laboratório, sem internet e sem tempo para se reciclar, por causa de sua carga horária pesada”, diz Suely. Na análise de Buarque, há também a contrapartida do estudante. “Criança pobre não se alimenta bem.

Portanto, é mais complicado ainda assimilar a matéria”. Com dificuldades maiores ou menores, essa disciplina cheia de números e símbolos ainda é o bicho papão das salas de aulas, apesar do empenho em torná-la menos assustadora e mais atraente.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008



15 de agosto de 2008
N° 15696 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um jeito bem antigo

A senhora me detém na rua, sorri, pergunta como eu vou, indaga de pessoas que me são próximas, e a todas essas não faço a menor idéia de quem ela seja.

É tão amável e espontânea, que não me encorajo a dizer que não a reconheço. E então se desenrolam alguns minutos do mais absoluto nonsense. A senhora insiste em sua intimidade, quer saber de A e de B, comenta uma de minhas crônicas, me presenteia com uma confidência, aparentemente sem notar que só lhe respondo por brevíssimos monossílabos.

Por mais estranho que possa parecer, essa não é uma situação incomum comigo. Não digo que aconteça todos os dias. Ocorre no entanto com uma certa freqüência, o que elimina a idéia de uma simples coincidência.

As hipóteses são várias.

A primeiríssima delas é a de que sou um sujeito distraído. Vivo de tal modo no mundo da lua que me perco de minha realidade e circunstância. Sou mais chegado a outros universos.

Enquanto o comum dos mortais pensa em coisas sólidas e presentes, como a cotação do dólar em queda livre, a gangorra da Bolsa de Valores, a escolha dos candidatos a vereador e a prefeito, mergulho em meditações abissais, tipo o terceiro movimento da Nona Sinfonia. Vai daí que me alheio de tudo e de todos.

Segundíssima hipótese. Tenho um raro talento para esquecer faces, nomes e figuras. Enquanto os seres ajuizados, que pagam impostos, votam de dois em dois anos, vacinam-se contra a gripe, cultivam uma memória privilegiada, eu me dedico a um inelutável olvido. Deleto o leão, as eleições, os contratempos da saúde, em benefício de uma doce desmemória, que se estende às criaturas que me rodeiam.

Terceiríssima – e última – hipótese. As damas que sabem tudo a respeito de mim, e eu nada a respeito delas, são simples mensageiras de minha imaginação. Eu as ouço falar a respeito de mim, e de quem de mim é caro, apenas porque as programei para isso, feito quem digita as teclas de um computador.

Só que nada disso me convence.

Estou mais inclinado a crer que as senhoras e senhoritas que me tratam como a um amigo para sempre reencontrado são em verdade emissárias de um jeito bem antigo de me gostar que eu tinha.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008



13 de agosto de 2008
N° 15694 - MARTHA MEDEIROS


Amor e dor, mas com humor

No último final de semana, assisti ao show Onde Está o Amor?, de Nico Nicolaiewsky, no Theatro São Pedro, que estava merecidamente lotado.

A maioria dos gaúchos só conhece o Nico por causa do vitalício Tangos e Tragédias, mas o trabalho dele vem de antes, do Musical Saracura, que eu curtia nos meus 20 anos de idade – sejam generosos comigo, não faz tanto tempo...

Bom, esse show agora do Nico, além de composições próprias, traz algumas músicas do Saracura (“marcou bobeira/já era”... só quem viveu, lembra) e algumas releituras que são o ponto forte do espetáculo.

Comida, dos Titãs, ganhou um arranjo dramático, reforçado pelo efeito que o diretor José Pedro Goulart conseguiu com a tela cobrindo toda a frente do palco, mostrando cenas de amor e dor em preto e branco – de matar o Gerald Thomas de inveja!

A recriação de Ana Júlia, do Los Hermanos, é engraçada: no início a gente fica com aquela impressão de “onde é que eu já ouvi isso?” e quando entra o refrão, mistério desfeito. Uma pegadinha.

Ainda no quesito diversão, transformar Coração de Luto, do Teixeirinha, num rock metaleiro, fez a platéia inteira sorrir (no colégio, fui colega de aula de duas filhas do Teixeirinha, lembro delas e dos nomes, Gessy e Fátima – essa última era a cara do pai – alguém me dá notícias das duas?).

Mas o mais impressionante é quando Nico, ao piano, toca uma música romântica, linda, lenta, de dilacerar corações, e aos poucos a gente percebe do que se trata e não acredita:

Tô nem aí, da meteórica Luka, da qual nunca mais ouvi falar. Nessas horas é preciso tirar o chapéu: o que era uma musiquinha à-toa, chiclete pra ouvir no rádio durante um verão, virou uma balada sofisticada e elegante.

A gente já viu o Caetano fazer o mesmo com música do Peninha: transformar o brega em chique, o chique em brega. Prova de que nada é definitivo, rótulos não se sustentam.

Bravo, Nico! Bravo, João Pedro! E menção especial pro violino do Hique Gomez, participação afetiva e luxuosa desse espetáculo redondo, moderno, versátil, emocionante e divertido, tudo isso em apenas uma hora e 15 minutos. Qualquer hora ele ressurge na grade da nossa programação cultural, fique de olho e não perca.

Andei percebendo uma movimentação maior de ciclistas durante os dias de semana, em horário comercial, mas não sabia do que se tratava. Agora entendo e aplaudo: é a “Bike-entrega”, serviço similar ao dos motoboys, mas feito de bicicleta.

É um grupo de atletas treinados, uniformizados e equipados com celular, que fazem entrega de documentos, passagens, convites, presentes, cheques etc., sem sobrecarregar o trânsito e a poluição da cidade.

Os bikeboys aceitam encomendas de até dois quilos (levadas em mochilas) e também trabalham aos sábados e domingos, se agendados com antecedência.

Maiores informações pelo site www.bike-entrega.com.br/bikeboys.php

Ótima quarta-feira - Aproveite o Dia Internacional do sofá para namorar e amar.

domingo, 10 de agosto de 2008



10 de agosto de 2008
N° 15690 - MARTHA MEDEIROS


Os novos pais

Um dos vídeos campeões de acesso do You Tube é a palestra realizada em setembro de 2007 por Randy Pausch na Universidade de Carnegy Mellon, em Pittsburgh, EUA. Randy era um professor de informática que recebeu um diagnóstico de câncer no pâncreas e uma sentença desconcertante: teria apenas de três a seis meses de vida.

Com 46 anos e três filhos pequenos, ele transformou essa palestra numa espécie de aula sobre a importância de se realizar sonhos, de viver bem e de se divertir até o último suspiro, e tudo isso virou um livro chamado A Lição Final, best-seller publicado em mais de 30 países, inclusive no Brasil.

Randy viveu um pouquinho mais do que o previsto, mas acabou falecendo no último dia 25 de julho. Eu havia recebido o livro, mas ficou esquecido num canto.

Aproveitei para lê-lo agora. A tendência é santificar Randy Pausch, mas, não espalhe, ele me pareceu um sujeito meio esquisito, cheio de manias. Só que a essa altura, isso não tem mais a menor importância.

O que vale é que o objetivo dele ao fazer a palestra e o livro foi deixar uma herança de valores para seus filhos, já que, na idade em que estavam, dificilmente assimilariam alguma coisa numa conversa (todos têm menos de seis anos de idade).

Parece tudo muito óbvio, e é. Qualquer um de nós, nessa situação, trataria de deixar cartas, gravar vídeos caseiros, tirar fotos e promover aventuras que se tornassem inesquecíveis para nossos filhos. Por exemplo, em seus últimos meses de vida, Randy levou-os para mergulhar com golfinhos. Acertou na mosca.

Passeios originais não costumam mesmo sair da nossa lembrança: percorrer trilhas em montanhas, acender fogueiras gigantes, dormir em cavernas. Minhas memórias de infância estão quase todas ligadas a viagens com meus pais, ainda que nunca tenhamos dormido em cavernas.

A intenção de Randy era que seus filhos se sentissem muito amados, pois tendo certeza disso, eles lidariam com a orfandade paterna sem tanto trauma. O que me faz pensar: e os pais que estão vendendo saúde, têm se dedicado também? Pois salve! Hoje em dia, a relação pai e filho mudou demais, e para melhor.

Os homens até parecem estar com os dias contados, tamanha é a consciência que possuem da sua importância para a formação saudável dos filhos. Há uma quantidade enorme de pais quarentões que não precisam de nenhum estímulo extra (ou mórbido) para manifestar amor. Chegam a ser quase exagerados.

Eu não sou muito fã de exageros, mas antes isso do que a indiferença, o cansaço ou a falta de jeito para a paternidade. Essa nova geração de crianças que têm pais extremamente carinhosos e participativos será poupada de muitas neuras.

Sentir-se amado na infância não é uma questão meramente circunstancial: é o que vai nortear nossas escolhas e atitudes, é o que vai estimular nossa segurança ou dar vazão às nossas carências. Sentir-se amado é o legítimo “biotônico fontoura” da auto-estima.

Randy, no livro, agradece por ter tido alguns meses para preparar sua saída de cena. Poderia ser pior: morrer num acidente ou num infarto fulminante, sem chance de despedida. Corajoso, ele, porque a maioria de nós, se pudesse, escolheria um pá-pum - fui.

De qualquer maneira, a contragosto, todos iremos. Então fica essa lição que é óbvia, sim, mas nem por isso desimportante: enquanto estivermos por aqui, é bom não perdermos nenhuma oportunidade de dar o nosso recado. Ao vivo, de preferência.


MEU PAI

Existem pessoas que precisariam
sobreviver além da eternidade
e não deveriam obedecer a regra
de que a vida é uma passagem.
Poderiam ser como o sol, a lua,
o mar que nunca desaparecem
ou mudam de lugar.

Existem pessoas que possuem a alma tão pura,
tão grande e impregnada de tanta ternura
que não poderiam jamais sofrer ou morrer
para evitar que a vida de muitos viesse a escurecer.

Existem pessoas com cheiro de orvalho
e que não são simples caminhos,
são grandes atalhos.
Existem pessoas com um brilho extraordinário,
pessoas semelhantes as primaveras,
com flores coloridas e muito belas.

Existem pessoas que, apesar da aparência
de um cristal,
possuem uma imensa força espiritual
e uma garra sobrenatural.

Existem pessoas que são dia
porque possuem uma ousadia
em se tratando de viver
e nunca se parecerão com a noite
que insiste em escurecer.

Existem pessoas que são como um
presente que nunca
terminamos de desembrulhar deixando,
assim, na nossa mente
um toque de surpresa que jamais
vai acabar.

Existem pessoas infinitamente diferentes,
existe nesse mundo muita gente
que deveria se espelhar
no tipo de pessoa que acabei
de mencionar.

Mas...
pessoas especiais não nascem toda hora,
não vivem e simplesmente vão embora,
elas nos marcam de forma tão poderosa,
que a vida, mesmo depois delas,
ainda é saborosa.

Existe na minha vida uma pessoa especial
apesar do seu jeito parecer tão normal.
Essa pessoa é meu depósito de carinho,
é o meu herói, é o meu velhinho,
é o Pai que Deus colocou no meu caminho.

Feliz Dia Dos Pais!!!

Silvana Duboc


PAI - o Carinho Inesquecível
Por Vera Linden

Eu era a flor dele,
Logo, meu beija-flor era ele.
E me dizia:
Seu vinho único, eu sempre seria

Ao abrir minha janela
Via um lindo jardim, por ela.
Por ele foi desenhado e criado,
Por ele, meu Pai amado.

Juntos plantávamos flores,
Rosas, cravinas de todas as cores.
Também fizemos um pomar,
Que ele me ensinou a cuidar.

Aprendi a amar flores e frutas.
A não reparar em palavras brutas.
Penso nele e sinto sua ternura,
Sua maneira de ver a vida, tão pura.

Na noite fria de inverno,
Me socorria o seu afeto paterno.
Me cobria com cobertores e carinho,
Fazia de seu amor,um acolhedor ninho.

Me sentia tão protegida,
Sua atenção era minha guarida.
Pai, penso em ti a todo momento.
E isto, me livra de tanto tormento.

O que uma menina precisa ?
O maior tesouro que ela visa,
É esta força poderosa e invisível,
Que vem de um coração de pai, sensível.

Para mim, como inestimável lembrança,
Ele deixou a verdade e a esperança,
De que é possível nos homens acreditar,
Quem alguém bom, eu iria encontrar.

A mim mesma ser fiel,
E como o perfume das flores de mel
Ser doce,simples, amiga e generosa.
Para o meu homem, uma mulher carinhosa.

Verei sempre a ternura do seu olhar,
Dois lindos olhos azuis a me observar.
A me energizar, fortaleza invisível.
Meu amado Pai, carinho inesquecível!

O maior presente que um pai pode dar a uma filha, é ensiná-la a ver o mundo com compreensão e generosidade e que nem todos os homens são maus e através dele, de sua atenção, de seu afeto, saber distinguir e apreciar um homem honesto e bom de verdade.

sábado, 9 de agosto de 2008


Marcos Todeschini - Paulo Pereira

Trabalho - Saudosos do escritório

Depois de conquistarem a regalia de trabalhar em casa, eles se viram solitários – e buscam compartilhar salas

Uma secretária só
Eles trabalham em diferentes empresas, mas dividem tudo

Trabalhar em casa era um sonho acalentado por funcionários de algumas das maiores multinacionais na década passada. Com o surgimento da internet, parte delas aderiu ao home office, modalidade que deu àquelas pessoas, pela primeira vez, a alternativa de executar tarefas longe do escritório.

Nos Estados Unidos, 10 milhões de empregados passaram a cumprir parte do expediente em casa. No Brasil, foram 4 milhões.

Depois de uma década levando uma vida que eles próprios definiam como "mais livre" e "menos entediante", a novidade é que uma parcela começa a dar inesperados sinais de nostalgia em relação aos tempos de escritório.

É o que explica o fato de algo como 10% desses brasileiros terem saído em busca de uma alternativa. Eles estão alugando salas em espaços povoados por centenas de pessoas.

Lembra o passado, mas com uma diferença fundamental: essas pessoas permanecem fora das empresas para as quais trabalham. A experiência é relatada com grande entusiasmo por profissionais como o engenheiro Cledson Sakurai, 36 anos, desde 2002 numa multinacional francesa na área de tecnologia.

Ele trocou o silêncio do home office por um desses escritórios abarrotados de gente. "Trabalhar sem ninguém ao lado pode se tornar solitário e improdutivo."

O modelo de escritórios compartilhados, nos quais atuam pessoas das mais diversas empresas e áreas, popularizou-se nos Estados Unidos de três anos para cá, quando firmas especializadas no aluguel de salas comerciais perceberam estar diante de um novo fenômeno.

Pessoas que haviam conquistado o direito de trabalhar em casa começavam a se queixar do isolamento e de certa falta de infra-estrutura.

Em pesquisas, esses profissionais diziam sentir saudade da secretária e da velha sala de reuniões ("tratar de negócios em casa nunca deu certo"). Mas não queriam voltar à vigilância dos chefes. Os novos escritórios suprem tais demandas – e têm se revelado ainda ambientes favoráveis à produtividade tão almejada pelas empresas.

É por isso que algumas delas, as mesmas que haviam liberado seus funcionários para trabalhar em casa, patrocinam sua estada nas salas compartilhadas. Lincoln Brasil, diretor da Silva Rosa, consultoria na área de tecnologia, diz que, há dois anos, banca o aluguel de empregados nessas salas.

"Eles passaram a organizar melhor o tempo e a respeitar mais os prazos." Houve também um ganho financeiro para a empresa. "Enxugamos a estrutura fixa e, com isso, cortamos 85% dos gastos."

Lailson Santos

Eles pagam a conta

Lincoln e Marcos Sakamoto: suas empresas alugam salas para quem prefere trabalhar lá

Existem quase 1 000 escritórios do gênero nos Estados Unidos. No Brasil, não passam de uma centena – mas o modelo tende a se popularizar por duas razões.

Primeiro, muitas empresas começam a incentivar a permanência em tais estruturas, a exemplo do que fez o Google, nos Estados Unidos.

O segundo motivo é uma particularidade brasileira: o número de pessoas que trabalham por conta própria aumenta. Só nos últimos cinco anos, cresceu 22%. Esses profissionais também já procuram os escritórios compartilhados – impulsionados pelo preço (algo como 1 000 reais por mês) e pela chance de ampliar a rede de contatos.

Foi um "colega de espaço" que apresentou o publicitário João Paulo Filomeno, 28 anos, a um de seus melhores clientes. "Em casa, teria perdido um ótimo contrato", diz ele.

Para os donos dos escritórios, o negócio também se revela lucrativo. A maioria já vivia do aluguel de salas comerciais nos moldes tradicionais: um inquilino só e nenhum serviço adicional.

O processo de adaptação ao novo modelo, que inclui tornar o ambiente wi-fi e comprar equipamentos para salas de reuniões, é simples e barato. O investimento tem bom retorno.

"Com mais gente pagando pelo mesmo espaço, a margem de lucro do meu negócio subiu 50%", diz Daniel Corrales, sócio da Private Office, maior empresa especializada em salas compartilhadas do país.

Ao apostar na nova fórmula, ele e os outros contam com a atração daquelas pessoas para quem a possibilidade de trabalhar de pijama já não tem a mesma graça.