sábado, 27 de janeiro de 2024



Atualizada em 25/01/2024 - 12h18min
MONJA COEN

A razão de viver

O que faz você se levantar todas as manhãs? O que estimula você para a vida? Quem ou o que desperta sua alegria? Para quem ou para que se curva em reverência e respeito?

O portão de Shureimon, em Okinawa (Japão), onde a população é uma das mais longevas do mundo.

Há uma expressão japonesa, título inclusive de alguns livros e artigos em jornais e revistas, que significa dar vida à sua vida. Ikigai é essa expressão, composta de três caracteres japoneses ou kanjis, e pode ser traduzida como razão de viver, prazer na existência, força para sair da inércia.   

O que faz você se levantar todas as manhãs? O que faz você sair da cama, do sofá, da poltrona, da cadeira? O que anima, estimula você para a vida? Para quem ou para que você se levanta com alegria? Para quem ou para que você se curva em reverência e respeito?

Pesquisadores descobriram que a população de Okinawa, ao sul do Japão, é uma das mais longevas do mundo. Entre várias causas e condições, perceberam que em Okinawa as pessoas caminham bastante, ao invés de andar só de carros ou por transporte coletivo. Também se alimentam de produtos naturais, comem muitas verduras, arroz branco e peixes. Respeitam sua ancestralidade. 

Oram diariamente em seus altares familiares. Sentem gratidão e prazer na existência. Sentem vontade de viver, dar continuidade à vida que receberam de seus pais, e assim encontram razões para suas vidas nas coisas simples da rotina de trabalhar, cuidar da natureza, manter relações de amizade, encontrar tempo para o lazer e para os encontros familiares. 

Ikigai não significa ter posições sociais elevadas, reconhecimento público, comidas raras, lucro, fama, seguidores, lauréis. É estar presente no agora e apreciar o aqui.

Você já procurou alguma razão especial para a sua vida? Algum propósito? Algo estimulante? Você sente energia vital ao despertar? Vontade de descobrir o que poderá aprender hoje ou o que poderá fazer de benéfico este dia?  

Entre várias sugestões sobre desenvolver Ikigai, está a de ser útil ao mundo, escolher um trabalho, uma atividade para estar com outras pessoas, atender ao público, quer seja na saúde, na educação, na prestação de serviços, na segurança, no afeto, no cuidado. Auxiliar outras pessoas em sua busca por sentido, por propósito. Envolver-se com pessoas que criam ideias para melhorar o mundo e cuidar do planeta. Podem ser grupos pequenos, com ações locais e simples de hortas comunitárias e reciclagem, por exemplo.

No Zen Budismo, dizemos que quem desperta se torna um militante pelas causas da equidade social e respeito ambiental. Mestre Dogen Zenji Sama, fundador da ordem Zen Soto no Japão, nasceu no dia 26 de janeiro de 1200. Sua procura incessante pelo despertar da mente, pela iluminação, pela sabedoria, procurando mestres e filósofos em outros países, fez com que se empenhasse nas práticas severas do Zen. 

Já no século 13 ensinava seus discípulos a respeitar a natureza. Certa vez, à beira de um riacho límpido, retirou uma concha de água e bebeu a metade. A outra metade devolveu ao riacho como exemplo de respeito a água.

Construiu mosteiros, criou uma ordem religiosa no Japão que continua viva até hoje, com milhões de seguidores no mundo todo. Mestre Dogen considerava o Zazen, sentar-se em Zen, em meditação, como a forma mais eficaz de autoconhecimento. Como fazer com que todos pratiquem Zazen? Como fazer com que todos despertem e se tornem senhores e senhoras de si?

Ikigai não significa ter posições sociais elevadas, reconhecimento público, comidas raras, lucro, fama, seguidores, lauréis. É estar presente no agora e apreciar o aqui.

Uma grande pianista argentina, Martha Argerich, com mais de 80 anos, foi entrevistada por sua filha, recentemente: "Mãe, por que você nunca se importou em aceitar prêmios pelos seu trabalho?". Martha respondeu: "Prêmios se referem ao passado, ao que já foi e não sou mais. Vida é viver o presente".

Lembrei-me de um amigo que conheci em Los Angeles há mais de 40 anos. Quando perguntavam a ele qual a razão e sentido de viver, Walter Sheetz, de 86 anos, singelamente respondia: "O sentido da vida é viver".

Mãos em prece


26/01/2024 - 09h00min
Martha Medeiros

Não gosto nem de festa surpresa, imagine de emboscadas ambientais 

Essa é uma história de terror com final feliz. Mas até quando? Claudia foi meu segundo par de olhos, meu segundo par de braços.

Estávamos eu e Claudia Tajes, minha vizinha de página, sentadas na plateia do teatro Renascença, em Porto Alegre, assistindo a Sangue e Pudins, do Luciano Alabarse. Do meio para o fim do espetáculo, o barulho da chuva se intensificou de forma a nos iludir que era um recurso cênico – parecia que em instantes a água deslizaria pelas paredes e entre as poltronas. Faltando 10 minutos para acabar, a iluminação se foi e os atores terminaram a encenação no escuro.

Saímos correndo, nem cumprimentamos Luciano. O saguão do teatro era uma piscina – chovia lá dentro. Eu só queria pegar meu carro no estacionamento e voar para casa, minha filha estava sozinha, sem luz, e já havia mandado mensagens preocupantes sobre o vento e a chuva anormais. Outros motoristas que estavam na plateia não se animaram a atravessar o lago que havia se formado na rua, eu dei a partida e fui em frente com o meu otimismo. 

Cem metros adiante, tudo parado. Congestionamento e blecaute, só enxergávamos os faróis de outros carros igualmente encurralados. Sinaleiras apagadas. O Arroio Dilúvio, que margeia a Avenida Ipiranga, apresentava um volume crescente, quase invadindo o asfalto. Precisávamos sair dali.

Claudia foi meu segundo par de olhos, meu segundo par de braços. Eu, sozinha atrás do volante, não dava conta. Abrimos as janelas, pedimos passagem, mas era difícil contar com a boa vontade de quem também estava em apuros. As dúvidas transbordavam: seguimos reto? Dobramos? Por fim, alcançamos a Av. Princesa Isabel e, claro, muita água na pista nos aguardava.

Nunca senti tanto medo. Minha boca secou. Sabe aquela pessoa que reage com calma na hora do pânico? Não sou eu. Fico apatetada, volto a ser criança, quero um pai em meio a uma tempestade. Mas estávamos órfãs naquela terça à noite, enquanto árvores desabavam ao nosso redor, arrastando os fios de energia. 

A cada vez que atravessava um alagamento, com água batendo na porta, eu implorava ao carro: não apaga, não apaga. Quando passamos em frente a um hotel, nem foi preciso entrar em acordo. Era uma ilha. Claudia e eu dividimos a mesma cama, ainda no escuro, depois de consumirmos todas as garrafinhas d´água do frigobar. Às seis da manhã, voltamos cada uma para sua casa.

Essa é uma história de terror com final feliz. Mas até quando? A natureza anda mal-humorada, com razão. Vai acontecer de novo. Em Porto Alegre, Rio, BH, São Paulo, Belém. Que os governantes sejam previdentes e tomem decisões que beneficiem o bem-estar da população, em vez de privilegiar terceiros, lucros ou eleições. E que eu aprenda a desenvolver meu sangue frio. Não gosto nem de festa surpresa, imagine de emboscadas ambientais. Nunca estou preparada. Alguém está?


27 DE JANEIRO DE 2024
CARPINEJAR

O trote do marido

Amor é paciência. Na ausência dela, nenhum obstáculo será superado, nenhuma adversidade será transposta, nenhuma diferença será acolhida. Você deve respirar antes de discutir, deve pensar antes de opinar, deve rezar antes de explodir. A contagem mental é aliada das palavras.

Só que a paciência acaba quando o outro mete a sogra no meio. Cada um tem a responsabilidade de cuidar dos problemas e idiossincrasias da sua própria família. Uma das cenas mais irritantes da vida de casal é marido que não sabe se despedir da sua mãe no celular e repassa, de repente, a ligação para a esposa.

Atende a mãe, mas não termina o serviço. No meio do blá-blá-blá, mostra-se ansioso, aflito, culpado. Teme pela duração do interrogatório. Não consegue pôr um ponto final na conversa. Anda desesperadamente pela casa, do quarto à sala, da cozinha à lavanderia, procurando uma saída. E a porta de emergência é sempre a sua mulher, que está por perto. Ele a percebe como uma muleta para se apoiar na maratona da manhã.

Não aprendeu até hoje a dizer "tchau" à mãe. Incompetente para cortar o assunto, constrangido para alertar que precisa sair e trabalhar, ele larga a bomba em quem está ao seu lado.

Com pura malandragem, mente para a esposa que a sua mãe deseja falar com ela e lhe passa a sogra. Nem pergunta se ela está disponível ou com boa vontade de comunicação naquela hora: passa adiante a sogra. As duas não entendem direito o que aconteceu, paraquedistas empurradas do avião, e são obrigadas a inventar uma ponte, uma conexão, um ponto em comum, um jeito de pousar e não se arrebentar na queda.

Ele terceiriza a encrenca, as confissões, o relatório de incompreensões, a coleção de sintomas de algum mal-estar enigmático. A impressão é que emprestou a mãe por um momento, porém ele deu a mãe de presente. Sequer vendeu a mãe, ele doou a mãe.

Desavisada, a esposa tem que atuar como mediadora, tradutora, como se não tivesse também as suas ocupações. É um trote premeditado. No começo do papo, jura que é apenas um breve momento de cumprimento, de perguntar como está, de dar um recado, mas o marido some da vista, toma uma ducha e jamais pega o aparelho de volta.

Se a mãe alugava os ouvidos do filho, compra os ouvidos da nora, que se vê obrigada a ser educada e simpática no lugar do marmanjo. É a maior sacanagem que pode existir no relacionamento. Para aumentar a raiva, o marido pergunta, depois de um longo período desaparecido: - O que ela queria?

Era o que faltava ainda pedir um resumo, uma sinopse para a sua canastrice.

CARPINEJAR

27 DE JANEIRO DE 2024
FLÁVIO TAVARES

VIVENDO E APRENDENDO

Existem velhos refrões que, em qualquer idioma, expressam verdades incontestáveis, cuja importância sequer notamos ou reconhecemos. "Vivendo e aprendendo" é um deles e, agora, ressurge na memória em função de dois episódios recentes que mostram a grandeza da solidariedade.

O primeiro é a ponte construída no pequeno município de Nova Roma. Desatendidos pelos governantes, os habitantes substituíram a inação governamental pela solidariedade, e cada um deles doou algo para construir a ponte de ferro que tirou a cidade do isolamento.

Houve grandes e pequenas doações. Alguns aportaram milhares de reais, ao lado de outros que podiam ajudar, apenas, com o que mais parecia uma soma de centavos. Cada qual com suas possibilidades, alcançaram as necessidades. Tudo convergia para um único fim e todos sentiam-se irmãos.

A pequena Nova Roma executou materialmente o Hino Rio-Grandense, não só na cantoria das solenidades. Tornou-se "modelo a toda Terra", na "ímpia e injusta guerra" imposta pelo individualismo da sociedade de consumo.

Outra materialização do "vivendo e aprendendo" foi o comportamento das pessoas na tempestade que assolou a Capital e outros pontos do Estado. Em algumas ruas em que as árvores caídas impediam o trânsito, os moradores retiraram os galhos um a um, antecipando-se ao trabalho da prefeitura.

Na falta de eletricidade (que se prolongou por vários dias em muitas regiões) outro episódio refletiu a visão de solidariedade. Dias após a tempestade, este jornal publicou na capa a foto de um homem exibindo o cartaz "queremos luz". No entanto, nele não se expressava um protesto individual. Era a solidariedade vivida como reivindicação.

Mas há também o oposto disso tudo. Ao privatizar a CEEE, o Estado deu longo prazo para a nova empresa enterrar a rede elétrica da Capital, sem considerar ciclones e tempestades devido à crise climática. Assim, a atual rede transformou-se num perigo, tal qual a tempestade, pois as árvores caídas podem colidir com os fios à mostra.

Horror maior, porém, foi a aparente fraude de milhões de reais perpetrada na Secretaria de Educação de Porto Alegre. O suposto roubo envolveria a ex-titular Sônia da Rosa e Xandão, presidente afastado do MDB da Capital.

Será um novo vivendo e aprendendo?

 FLÁVIO TAVARES

27 DE JANEIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

RECORDAR PARA NÃO REPETIR

A cada 27 de janeiro, como este sábado, renova-se a oportunidade para refletir sobre os riscos do ódio e o valor do exercício da tolerância. Afinal, esta é a data escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ser o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Serve para recordar o genocídio de 6 milhões de judeus pela Alemanha nazista ao longo da Segunda Guerra Mundial. Rememorar um acontecimento doloroso também é importante. Ao se voltar a examinar as causas de um evento traumático, reforça-se a mensagem de que a humanidade não pode consentir com a possibilidade de que algo semelhante venha a se repetir.

É evidente que, neste momento, há razões ainda maiores para se lembrar de um dos episódios mais terrificantes da História. Há menos de quatro meses, o grupo terrorista Hamas executou o maior massacre de judeus desde o Holocausto e, ainda hoje, mantém mais de uma centena de reféns na Faixa de Gaza. Um dos objetivos fundadores dessa facção extremista, nunca é demais reforçar, é varrer Israel do mapa da Terra e eliminar o direito de um povo à sua autodeterminação.

Uma das tantas consequências lastimáveis que se seguiram à resposta do Estado de Israel ao ataque terrorista foi o aumento do antissemitismo no mundo. A onda de hostilidades, gerada tanto por preconceitos antes latentes, ignorância e supostamente por ideologia, infelizmente, também atingiu o Brasil. Um mês depois do ataque do Hamas, os casos de antissemitismo no Brasil registraram um aumento de cerca de 1000% em relação a semelhante período do ano anterior, mostrou levantamento da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Constatar que uma odiosidade do gênero também ganha espaço entre os brasileiros é decepcionante. O país, afinal, sempre foi um exemplo de convivência respeitosa e pacífica entre indivíduos de diferentes religiões, raças e nacionalidades. Mas, como é notório em diversas situações nos últimos meses, há motivos para lamentar posturas políticas e pessoais irresponsáveis e equivocadas, desde a sugestão de boicotes à ira indisfarçada. São condutas que, ao fim, alimentam o antissemitismo.

A despeito do vagalhão de preconceito, deve-se confiar que a sociedade brasileira, em sua ampla maioria, manterá a postura de tolerância que a caracteriza. Os radicais, de qualquer espectro, costumam ser barulhentos. Mas são apenas uma minoria ruidosa. O que prevalecerá, ao cabo, serão as relações civilizadas entre os cidadãos, a despeito das diferentes fés professadas ou da origem de antepassados.

Postula-se apenas às lideranças políticas que tenham a responsabilidade de não insuflar ainda mais divisões internas. O Brasil vive um período de fratura social por diferenças ideológicas. É desajuizado estimular mais desarmonia importando conflitos.

Este 27 de janeiro marca os 79 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz. Nada melhor do que uma data que lembra os estertores de um dos episódios de maior crueldade da História - que também vitimou ciganos, deficientes físicos, homossexuais e opositores do regime nazista - para ponderar sobre as consequências de palavras e atos que incitam a discórdia.


 
27 DE JANEIRO DE 2024
+ ECONOMIA

Cai ministro de Milei, aos 47 dias

Pouco mais de 24 horas depois da primeira greve do governo de Javier Milei, veio a primeira baixa em sua equipe. O presidente da Argentina exigiu a renúncia do ministro de Infraestrutura, Guillermo Ferraro. A informação vazada que irritou Milei foi uma ameaça que ele mesmo teria feito na reunião de gabinete da manhã de quinta-feira. Incomodado com a demora na aprovação da Lei Ônibus, especialmente com a resistência de governadores de todos os partidos, o presidente da Argentina teria dito que pretendia deixá-los "sem um peso" e "afundar a todos".

A pasta, que inclui transporte, obras públicas, mineração e comunicações, será transformada em uma secretaria do Ministério da Economia comandado por Luis "Toto" Caputo. É bom lembrar que uma das medidas de austeridade de Milei é não fazer investimento público em infraestrutura. A primeira baixa ocorre apenas um mês e meio depois da posse, tão prematura quanto a paralisação.

Segundo a imprensa argentina, foi atribuída a Ferraro a responsabilidade pelo vazamento da declaração de Milei nesta reunião de gabinete.

foi a "alta" da inflação medida pelo IPCA-15 em janeiro (a pesquisa é feita de meados do mês anterior até o meio do atual). Ficou bem abaixo da expectativa (0,47%), mas teve aumento do índice de dispersão (quanto a alta de preços está espalhada) e dos serviços subjacentes (os que variam menos), o que reforça o cenário para corte de 0,5 ponto percentual no juro na próxima quarta-feira (31).

Supressão de árvore terá critério técnico

A tempestade do último dia 16 acentuou o debate sobre eventuais riscos relacionados à vegetação. Enquanto moradores reclamam da inação da prefeitura ante pedidos de remoção de árvores que consideram ameaçadoras, cidadãos temem o corte indiscriminado, depois que podas malfeitas desfiguraram espécimes e ainda aumentaram o risco de quebra de galhos.

Na terça-feira passada, a prefeitura de Porto Alegre comunicou que articula com "Estado e CEEE (...) cooperação para podas e supressão de árvores". A coluna foi perguntar à secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, quais critérios técnicos devem guiar esse trabalho. Conforme a secretária, o governo do Estado já prepara um projeto, a ser enviado ao Legislativo, com regras para vegetação que tem propensão ou contato direto com a parte dos equipamento elétricos, sejam linhas de transmissão, de distribuição ou as subestações:

- Vamos trazer métricas de segurança para as vegetações que estão próximas à fiação elétrica, embaixo ou ao lado, por exemplo, um distanciamento de 15 metros para cada lado da fiação.

A coluna quis saber se "15 metros" é um critério técnico já definido, a resposta foi de que esse número é apenas "uma suposição". Foi um susto, porque se valesse para as árvores já existentes, Porto Alegre viraria um deserto. Menos mal que não será.

- Vamos estabelecer regras para novas ocupações com vegetação. As que já existem deverão passar por avaliação, mais urgente para as que oferecerem mais risco, promovendo substituição ou adequação. A ideia não é cortar árvores, apenas promover a convivência harmônica e segura.

Ainda conforme a secretária, o governo está incentivando que as prefeituras revisem ou elaborem planos diretores de arborização urbana e façam inventários para verificar a situação dos exemplares existentes. Segundo Marjorie, os critérios e parâmetros serão baseados em fundamentos técnicos, que vão determinar o tipo arbóreo mais adequado para cada região.

- As árvores são importantíssimas, são equipamentos da urbanização. Ajudam na regulação de clima, dão conforto ambiental e térmico. Então, em momento algum ou hipótese alguma, estamos dizendo que não devemos ter árvores nas cidades. Mas é preciso seguir ritos, técnicas e métricas, para reduzir o risco de causar impacto nos temporais.

A coluna está comprometida a acompanhar com lupa e a cobrar dos gestores públicos que a "supressão" não signifique transformar as cidades em desertos.

MARTA SFREDO

27 DE JANEIRO DE 2024
DIÁRIOS DO PODER

Chega a ser constrangedor o amadorismo da Abin sob Bolsonaro

O site da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) descreve as atribuições do órgão: "assegurar que o Executivo Federal tenha acesso a conhecimentos relativos à segurança do Estado e da sociedade como os que envolvem defesa externa, relações exteriores, segurança interna, desenvolvimento socioeconômico e desenvolvimento científico-tecnológico".

Como se vê, não consta desse rol de atividades servir a interesses particulares de quem ocupa, por delegação do voto dos brasileiros, o poder transitório.

Não obstante, a se confirmar as investigações da Polícia Federal (PF), a agência de inteligência brasileira, que tinha como diretor-geral Alexandre Ramagem, hoje deputado pelo PL, transformou-se em um braço ampliado do presidente Jair Bolsonaro e de sua família para produzir relatórios sobre adversários reais ou imaginários do Planalto: ministros do Supremo Tribunal Federal, o então presidente da Câmara, entre outros.

Não chega a surpreender, em uma gestão que tinha como característica mimetizar o público e o privado, que também esse fundamental organismo de Estado tenha sido aparelhado para fins particulares: dos móveis do Palácio do Alvorada ao escândalo das joias, o patrimonialismo, praga brasileira histórica que não obedece matiz político, floresceu nos anos Bolsonaro.

Em sua sina de encontrar traidores, o então presidente chegou a dar sinais do desejo de transformar os órgãos de inteligência em seus informantes particulares. Em reunião ministerial, em abril de 2020, por exemplo, ficou famosa sua queixa segundo a qual a PF e as Forças Armadas não lhe abasteciam, a contento, com informações. Ele poupou a Abin que, segundo o presidente, lhe "dava algumas informações". À época, a agência estava subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general Augusto Heleno, outro obcecado por identificar e neutralizar detratores.

A Abin deve estar a serviço do Estado brasileiro e de sua população. Não contra a sociedade ou a favor de interesses particulares - e muito menos a serviço do inquilino do Planalto para caçar seus desafetos.

As barbeiragens da agência tem componentes risíveis, típicos de filmes de espionagem de péssima categoria, que constrangem o que deveria ser o órgão ao qual cabe evitar possíveis ameaças ao Estado brasileiro. O flagrante do drone pilotado por um diretor da Abin para espionar o então governador do Ceará, Camilo Santana, explica - e muito - porque a PF usou o termo "inteligência" entre aspas no relatório do caso ao explicitar as operações da agência. É de um amadorismo impressionante.

RODRIGO LOPES

27 DE JANEIRO DE 2024
MARCELO RECH

Na encruzilhada

Toda crise repentina - um terremoto, por exemplo - tem quatro fases distintas. Quando o problema eclode, não se tem ideia clara da dimensão do desastre. Depois, a crise vai escalando uma curva até alcançar o auge. Neste momento, surgem sentimentos de exasperação, desamparo ou revolta. Em seguida, começa o declínio, caracterizado pelo controle da crise e pela administração das consequências imediatas. Por fim, há um longo epílogo, que pode ter dois caminhos: a prevenção dos efeitos de nova tragédia ou o esquecimento.

Quase duas semanas após o grande temporal de 16 de janeiro, quando 1,3 milhão de pontos se viram sem energia no Estado, estamos naquela encruzilhada. Pela nossa cultura do improviso, tende-se a acreditar que cortes de energia, com toda a sua funesta cadeia de prejuízos, fazem parte de nossas rotinas ou que medidas paliativas são a solução do problema.

Não são. Podar galhos ajuda, e, por segurança dos cidadãos, deve ser feito mesmo sem fios suspensos, mas uma nova tempestade como a de 16 de janeiro provavelmente terá repercussão similar. Investir em geradores é uma saída para poucos, além de terceirização de responsabilidades. Para que as próximas gerações não sejam atormentadas a cada tempestade, é preciso enterrar a fiação, começando pelos novos empreendimentos e pelas áreas de maior densidade comercial e de moradias.

Em Porto Alegre, há uma lei em vigor desde o ano passado. Até 2038, o emaranhado de fios que enfeia a cidade e desaba a cada ventania deve ir para baixo da terra. Os contrários sustentam que o custo é alto e que a conta será pendurada no consumidor. Mas se fôssemos aplicar para toda a infraestrutura o argumento do custo, ainda viajaríamos para o Litoral em estradas de chão, buscaríamos água de balde na fonte mais próxima e não teríamos substituído o lampião pela luz elétrica.

Além disso, em bom executivês, este é um caso clássico em que o Capex (o investimento) é amortecido a longo prazo pela redução do Opex (as despesas de operação). Nesta equação, as distribuidoras devem levar em consideração as perdas com a venda de energia a cada corte, os custos de manter enormes equipes de manutenção e lidar com a constante substituição de fios, postes e transformadores, furtos, multas, acidentes, indenizações e custas judiciais. E ainda há o intangível: a dramática crise de reputação que as atinge e que afeta o apetite de investidores e o valor das ações. A Light, a concessionária do Rio que está virtualmente quebrada, que o diga. Já para a sociedade, enterrar a fiação significará bilhões a menos em prejuízos com a economia parada, vidas em suspense e oportunidades perdidas.

É hora, portanto, de se tomar o caminho daquela encruzilhada que leva a uma solução definitiva para todos.

MARCELO RECH

27 DE JANEIRO DE 2024
INFORME ESPECIAL

"Caminho do alvorecer"

Zora, nas línguas eslavas, quer dizer algo como aurora, amanhecer. Via, no eslovaco e no latim, é estrada. Passagem. O nome dela, único e incomum, significa "caminho do alvorecer". Esta é Zoravia Bettiol (nas fotos), uma das artistas mais importantes nascidas neste solo que aprendemos a chamar de nosso.

No último final de semana, tive o privilégio de ser recebida por ela em sua casa-ateliê-instituto (assim mesmo, tudo junto), na zona sul de Porto Alegre. Na manhã de um sábado chuvoso, vi, pelas grades do portão de ferro, aquela mulher de olhar doce vindo em minha direção, com a sombrinha e a bengala em punho e um sorriso estampado no rosto.

Zoravia tem 88 anos. Nasceu na Rua Santa Cecília, na Capital, em 17 de dezembro de 1935. Ela vem de uma família multicultural: austríaca, sueca, italiana. Brasileira. Vive da arte há quase sete décadas.

Expôs suas criações em países como França, Suíça, Japão e Estados Unidos. Tem obras em alguns dos principais museus do mundo. Contabiliza mais de uma centena de mostras, distinções e homenagens.

Eu poderia contar muito mais, mas ela nada tem de soberba ou ostentação. É uma mulher simples, como são "os grandes" - quem é bom no que faz, afinal, precisa mesmo dizer isso?

Não, não era uma entrevista. Zoravia queria me presentear com um de seus trabalhos, por gostar do que escrevo - para minha surpresa e felicidade. Recebeu-me como uma amiga. Mostrou-me suas telas, falou sobre suas lutas, dores e amores, ofereceu-me um copo d?água e permitiu que eu entrasse no seu lugar mais sagrado: o estúdio onde cria.

Ali, no segundo andar da casa, diante de uma mesa cheia de pincéis, perguntei a ela o que é a arte. Aprendi bem mais do que isso.

- É uma razão forte para viver. Quando as pessoas dizem assim: "Ah, tu estás com quase 200 anos e ainda trabalha! E mora sozinha! E anda sozinha!" Parece que, com a idade, a pessoa fica um traste. Não fica nada. É importante criar projetos que incluam o outro, porque vivemos em um país muito difícil. Quem recebeu mais, como é o meu caso e o de muita gente, tem a obrigação prazerosa de ajudar os outros - disse ela.

A arte é a forma que Zoravia encontrou de fazer a parte dela. Que façamos, também nós, a parte que nos cabe nessa aventura chamada vida, a cada zora. A cada nova alvorada.

INFORME ESPECIAL

27 DE JANEIRO DE 2024
CARTA DA EDITORA

CARTA DA EDITORA Dicas para todos os gostos

A colunista de ZH e GZH Juliana Bublitz é incansável na busca por conteúdos diferenciados e, principalmente, que sejam úteis, que possam ser colocados facilmente em prática pelos leitores. A exemplo do que havia feito no verão anterior, quando criou a seção "Livro para ler nas férias", este ano a jornalista trouxe a série "Lugar para visitar no RS".

Desde o dia 8, Juliana tem publicado as sugestões de comunicadores dos veículos da RBS. A estreia foi com o apresentador do RBS Notícias Elói Zorzetto e a mais recente, publicada nesta sexta-feira, com a apresentadora do Timeline, da Rádio Gaúcha, Kelly Matos. Já foram 15 depoimentos até o momento.

Juliana destaca que são dicas para todos os gostos e bolsos, que provam que não precisamos ir longe para curtir férias especiais.

- É importante sempre trazer novidades para o público. Aí pensei: férias combinam com viagem. Por que não valorizar os destinos turísticos do RS? Tem tudo a ver com a minha coluna e com o meu jeito de fazer jornalismo. A partir daí, tive a ideia de convidar comunicadores do Grupo RBS, com toda a sua credibilidade, para que me ajudassem na missão. São colegas que admiro e que são muito queridos do público. Não tinha como dar errado. Comecei convidando Elói Zorzetto, que tem 45 anos de casa e 35 anos de RBS Notícias. Ele topou na hora. Dali em diante, a série deslanchou e foi muito bem recebida. É um luxo a gente trabalhar com pessoas assim, que, além de generosas, se destacam em suas áreas e são admiradas pelo profissionalismo - conta.

Juliana tem o apoio das assistentes Isadora Terra e Maria Clara Centeno, que ajudam na produção de vídeos e galerias de fotos, e de Laura Pontin, que cria versões do material para o Instagram e o TikTok.

Para incrementar a série de dicas, ela também grava vídeos com resumos das sugestões de cada semana, com a participação dos convidados (acessar pelo link ao lado).

A série segue até o início de fevereiro, mas a intenção, segundo a colunista, é continuar, sempre que possível, destacando as belezas do nosso Rio Grande.

- É incrível como ainda conhecemos pouco do nosso próprio chão. Tem muita coisa legal para ver. Precisamos nos valorizar mais - afirma Juliana.

DIONE KUHN

sábado, 20 de janeiro de 2024


20/01/2024 - 09h00min
Martha Medeiros

Sucumbimos à vulgaridade de uma forma vergonhosa

Nada existe além deste momento imediato, a não ser você em construção. Não perca a chance de ser alguém mais atraente, em qualquer idade.

Sucumbimos à vulgaridade de uma forma vergonhosa. Enviamos e-mails ofensivos para redações de jornais e insultamos desconhecidos nas redes. Exibimos nossa desinformação ao utilizar frases feitas que copiamos de pessoas que também não se informam direito. 

É um avanço quando o povo de um país se interessa mais por política, mas nossa reputação anda ameaçada pela quantidade de mentiras e bobagens que ajudamos a difundir: hora de refletir e escolher melhor a quem odiar, já que o ódio é um vínculo profundo, convém não desperdiçar com estranhos.

O inimigo está sob nosso teto. Dormimos com ele, e acordamos também – assim que abrimos os olhos, pegamos o celular para ver que horas são e então descobrimos que durante a madrugada entraram 38 mensagens de insones e de amigos que moram em outro fuso horário, e o teor é a velha conversa requentada, nada que mudará nossa vida, ao contrário dos livros que estão ganhando poeira na estante e que, se forem abertos, resgatarão para a sociedade uma pessoa muito mais interessante – você, quem mais?

Claro, responda às mensagens de WhatsApp, não seja mal-educado. Mas, antes, abra a cortina, tome água, faça exercícios físicos, tome água de novo. E corra, vi sua alma escapando para aquele lado.

Tonifique os músculos, pois guerra se ganha também pelo vigor, mas o combate mais urgente tem que ser contra o vazio, que se não for preenchido a tempo, vai deixar de herança uma velhice insuportável. Ocupe-se com filosofia, poesia e silêncio. O silêncio cala todas as fofocas e insignificâncias que nos rodeiam. Medite. Possua-se. Não perca a chance de ser alguém mais atraente, em qualquer idade.

Odeie em você a procrastinação demasiada, aquela que começou como preguiça e se tornou autoboicote. Expanda esse coração romantizado, que só se dedica a histórias privativas de amor, enquanto ignora o amor por toda a humanidade. Seja um hater da sua própria arrogância e frivolidade. Pode-se encontrar alegria dentro de cálices de espumante e na pista de dança, mas a plenitude é menos alegórica, buscá-la é a tarefa inconclusa de uma vida toda, a verdadeira sofisticação. Discreta, a plenitude pode estar aí mesmo, neste agora, enquanto seu café esfria.

Nada existe além deste momento imediato, a não ser você em construção. Declare guerra à vaidade de se expor como um produto acabado e não mendigue por aprovação alheia – glória e sucesso são conquistas íntimas, medidas por dentro. É difícil recusar os apelos da exposição pública, mas não leve o espalhafato tão a sério, ou o ego lhe dará uma rasteira.

Que seus inimigos se digladiem lá fora, enquanto você lê mais, aprende, pondera. Se precisa mesmo odiar alguma coisa, então odeie o que afasta você de você mesmo.

20/01/2024 - 09h00min
Claudia Tajes

Tudo o que você precisa agora mesmo

Se eu soubesse que viver era tão fácil, passaria 24 horas por dia no YouTube e no Instagram.

Mais jovem, mais rica, mais sabida, mais feliz: a vida vendida no Instagram.

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20 DE JANEIRO DE 2024
cARPINEJAR

Você tem direito a desconto na fatura pelos dias em que não teve energia elétrica. A conta deve ser proporcional. A compensação é automática, mesmo em casos fortuitos de tempestade.

Mas quem vai ressarcir as toneladas de alimentos que estavam no freezer, na geladeira, e foram jogados fora? Carnes e potes de comida devidamente condicionados foram desperdiçados após três dias sem luz.

Mais de 1,3 milhão de clientes padeceram com o apagão. Grande parte perdeu o seu rancho mensal.

O gaúcho costuma fazer uma despensa no congelador, adquirindo produtos em promoção, em especial para o churrasco. Não sobrou nada para o futuro. Nem as marmitas dos filhos preparadas de madrugada para a semana inteira.

Não se pôde passar adiante ou consumir no ato: simplesmente apodreceram. E quem pagará os eletrodomésticos estragados pelo vaivém da corrente elétrica? Máquina de lavar, de secar, geladeira, chuveiros elétricos sofreram com os baques.

Muitos acreditaram equivocadamente que a eletricidade estava normalizada, e ela, na verdade, encontrava-se em meia fase, naquele fogo-fátuo, bruxuleante e perigoso. Esses consumidores não receberam notificação de que a luz havia voltado em parte e da necessidade de se precaver com o uso do ar-condicionado.

O único controle era baixar e levantar o interruptor a toda hora, num ato repetitivo de enlouquecer. Nunca se olhou tanto para os apartamentos vizinhos da frente, para buscar luminosidade e salas acesas, pela esperança fugaz do reabastecimento.

Não existiu por parte da CEEE Equatorial qualquer campanha de informação por bairro. Não seria o caso de mandar mensageiros uniformizados para mitigar o desespero, reduzir os danos, esclarecer os consertos mais complexos? 

Por mais que seja multada pela agência reguladora devido à baixa qualidade dos serviços, a CEEE Equatorial não muda, não investe, muito menos tem a sua concessão ameaçada.

Leonel Brizola está se revirando no túmulo enquanto assiste ao que virou a empresa estatal que criara em 1959, após incorporar ao Estado a subsidiária da estadunidense Bond&Share pelo valor simbólico de um cruzeiro. Quem pagará o nosso prejuízo? Quem irá ressarcir a nossa estabilidade arrancada de modo fulminante, sem dó nem piedade?

Economias familiares terminaram reduzidas a pó por ausência de informação oficial. Moradores não dispuseram de chance de tirar o carro da garagem por causa das árvores derrubadas nas calçadas. Isso quando não se surpreenderam com a perda total do veículo, afundado pelo excesso de chuva.

Tratou-se de um cenário de guerra, como se a capital gaúcha tivesse sido bombardeada. Finalmente entendi a gravidade literal do poema Noite Escura, do frade espanhol João da Cruz:

"E num segredo em que ninguém me via, Nem eu olhava coisa alguma,

Sem outra luz nem guia Além da que no coração me ardia". O Rio Grande do Sul amargou uma pandemia particular e exclusiva na última semana. Se não tinha como sair de casa, também não tinha como ficar em casa.

CARPINEJAR

20 DE JANEIRO DE 2024
FLÁVIO TAVARES

GRITOS DA NATUREZA

As previsões indicavam "tempestade", mas o que se abateu sobre grande parte do Estado foi além e se transformou em caos. Não repetirei o que já se detalhou sobre as chuvas e as enlouquecidas ventanias de dias atrás, mas é necessário buscar as causas profundas e tentar saná-las, em vez de apenas socorrer os afetados.

A natureza está gritando e, em gemidos de dor, pede socorro. Seca na Amazônia e, aqui, chuva e tempestades. Continuamos ignorando as causas reais e nos preocupando só com as consequências. É como tratar a febre dando ao enfermo cada vez mais água, sem buscar a origem do processo inflamatório.

A Capital e as cidades do Interior estão, em parte, sem eletricidade e água, atingindo até hospitais. A crise climática está aí, mas o Estado continua ausente. Nos bairros humildes, faltava eletricidade já antes da tempestade. O caos é profundo e exige medidas drásticas.

Governos e grandes empresas (como as multinacionais) continuam surdos aos compromissos assumidos, anos atrás, por 195 países no Acordo de Paris sobre o aquecimento global. O pacto previa restringir o uso dos combustíveis fósseis para (até o fim do século) diminuir o aquecimento global em 1,5° C em relação aos níveis pré-industriais. Mas se mantivermos a atual visão climática, cada vez haverá mais tormentas, alternadas com longas estiagens. E ambas atingirão a agricultura, deixando o mundo à beira da fome.

"Estamos construindo uma catástrofe global", advertiu o secretário-geral da ONU, António Guterres. O principal ponto crítico é o que os países se comprometeram a fazer e o que fazem em verdade. Os acordos e pactos viram meros atos burocráticos, que se aplicam só no papel.

Desde a cúpula do clima de 2021, foi removida apenas 0,5 gigatonelada do dióxido de carbono lançado na atmosfera, menos de 1% do que haviam se comprometido até 2030, data-limite para evitar a catástrofe.

Indago: em apenas seis anos será possível remover o perigoso dióxido de carbono que contamina a atmosfera há mais de um século?

As mudanças climáticas, hoje transformadas em crise, se agravaram com a revolução industrial, um passo adiante no conforto de todos, mas que desdenhou da natureza. Agora, a natureza grita em dor profunda.

FLÁVIO TAVARES

20 DE JANEIRO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DEPOIS DO VENDAVAL

Passado o momento mais agudo da crise de desabastecimento de energia e água que atingiu quase 50 municípios do Estado devido ao temporal da semana passada, é imprescindível que todos os setores afetados - população, autoridades, políticos e empresários - reavaliem seus comportamentos com mais racionalidade e menos emoção, para que as lições da recente anormalidade ajudem a prevenir e a atenuar o sofrimento coletivo em eventos do mesmo gênero no futuro.

É praticamente consensual que qualquer análise construtiva deva começar pela responsabilização das empresas concessionárias, que não conseguiram atender satisfatoriamente às urgências da população. Espera-se que a atuação das prestadoras de serviço seja criteriosamente examinada nas investigações em diversas instâncias. Diante do descalabro verificado nos últimos dias, essas empresas ficaram no dever de prestar contas de suas ações e de comprovar que estarão mais bem preparadas para fazer frente a eventuais intempéries. 

Na lista de itens a serem analisados na conduta das distribuidoras, dois são imprescindíveis. Um deles é a agilidade na solução dos problemas, porque é inadmissível que milhares de clientes sigam sem luz e água tanto tempo depois da tempestade da terça-feira. Outro é clareza com transparência, pois são inaceitáveis situações como o péssimo atendimento aos usuários e as informações desencontradas de que determinadas áreas já tiveram o fornecimento restaurado quando na realidade isso não aconteceu.

Também os governantes precisam revisar suas estratégias administrativas. Quando o poder público delega parte de suas atribuições a parceiros privados, tem que assumir o compromisso de continuar acompanhando o atendimento à população que lhe concedeu a representatividade para agir em seu nome. Mais do que isso: os governantes precisam garantir as condições para que os concessionários não encontrem dificuldades para executar a prestação do serviço público - caso específico da arborização malcuidada que acaba desabando sobre a rede elétrica e desencadeando a sequência de problemas para a cidade. 

Sem energia elétrica, o fornecimento de água fica prejudicado, serviços públicos entram em colapso, empresas são atingidas em cheio, o trânsito fica dificultado e o caos se instala. Neste ponto, são esperadas ações mínimas do poder público, como blindar a rede de água e saneamento com transformadores, de modo a, ao menos, evitar que as torneiras sequem assim que a energia vai embora.

Vítimas dessa incúria, os cidadãos que pagam impostos para receber retorno em obras e serviços têm todos os motivos para ficarem indignados, como se viu nas manifestações públicas das coletividades mais afetadas. Porém, além de protestar, criticar e cobrar dos governantes, também cabe aos habitantes das cidades adotarem atitudes individuais preventivas e compatíveis com a convivência coletiva, entre as quais a separação adequada do lixo, o combate ao desperdício de luz e água, a educação no trânsito e o acompanhamento atento da administração pública.

Cabe ressaltar, neste aspecto, que a adversidade dos últimos dias - como já ocorrera na tragédia do Vale do Taquari - despertou o sentimento de solidariedade e civilidade de muitos gaúchos, que passaram a prestar ajuda em gestos como oferecer acesso a luz e água quando dispunham desses bens básicos e também revelaram compreensão e paciência no trânsito ao trafegar por áreas sem sinalização. Como na parábola do clássico ideograma chinês que relaciona crise e oportunidade, o Rio Grande pode extrair lições importantes do triste episódio climático.


20 DE JANEIRO DE 2024
+ ECONOMIA

Gaúcha na Suíça é exemplo para ministro

Há menos de dois anos - quando ainda se chamava BSBios -, a Be8 comprou a MP Biodiesel, que funciona em Domdidier, na Suíça. Ontem, depois de participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (na foto, o terceiro da esquerda para a direita), visitou as instalações no Cantão de Friburgo. Considerou a experiência interessante por abastecer veículos com até 100% de biocombustível (B100).

Em nota, a empresa relatou que o ministro destacou o fato de um subproduto (óleo de cozinha usado) virar combustível sustentável, que abastece totalmente um veículo de transporte pesado. Na visão de Silveira, isso "reforça todas as potencialidades brasileiras no campo da produção de biocombustíveis". A empresa gaúcha já tinha uma subsidiária comercial na Suíça desde 2017. A unidade suíça usa apenas óleo de cozinha usado, a maior parte de canola, e em menor proporção, de girassol, como matéria-prima de biodiesel.

Conforme a empresa, o biodiesel produzido na Suíça tem maior qualidade do que o feito no Brasil por ter ponto de entupimento a frio em 20ºC negativos. No Brasil, o biodiesel "endurece" com 5ºC negativos. Na Suíça, a mistura mínima do biocombustível ao diesel fóssil é de 7%.

Por que a CEEE-D foi privatizada?

A constante demora em restabelecer o abastecimento de energia depois de eventos climáticos severos despertou nos gaúchos uma certa "saudade da antiga CEEE". Era melhor antes da privatização? O que é possível afirmar com certa segurança é que havia períodos mais longos de calmaria entre um temporal e outro. Mas por que, mesmo, a CEEE-D foi privatizada? Ao menos nesse caso, não havia alternativa: era uma estatal quebrada em um Estado quebrado.

Quando foi comprada por simbólicos R$ 100 mil, a CEEE-D tinha patrimônio líquido negativo de R$ 4,8 bilhões - oito vezes o prêmio da mais recente Mega da Virada. Ou seja, se a empresa vendesse tudo, ainda sobraria uma dívida de R$ 4,8 bilhões.

O valor pago pela Equatorial no leilão que nenhuma outra empresa quis disputar só remunerou um ativo: a concessão para distribuir energia elétrica em parte da Região Metropolitana, no sul do Estado e no Litoral Norte. O resto era encrenca. Entre os passivos, havia uma dívida de R$ 4,4 bilhões só de ICMS, da qual o Estado acabou "perdoando" R$ 2,8 bilhões, alegando risco de que ninguém se interessasse pela compra.

E tudo isso ocorria em um Estado que atrasava salários de servidores, fornecedores e até pagamentos a hospitais por que não tinha dinheiro sequer para manter o custeio básico em dia. O pesado investimento necessário para tirar a CEEE-D da mira da perda da concessão, que já se arrastava pelo menos desde 2015, então, era totalmente inviável.

O risco era real porque a estatal descumpria tanto indicadores de qualidade - era e continua sendo a última do ranking da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - quanto os econômico-financeiros, que indicam capacidade de investir para melhorar o serviço.

Então, a CEEE-D foi privatizada para que uma empresa com acesso a recursos pudesse executar um plano ambicioso de melhora dos indicadores de qualidade e econômico-financeiros.

Os indicadores atuais, por incrível que pareça, até mostram certa melhora (leia reportagem de Fábio Schaffner na página 10), mas longe do ritmo necessário para que a CEEE Equatorial cumpra os requisitos que a Aneel cobra. Então, não serão CPIs, estadual ou municipal, que definirão o destino da distribuidora: será o empenho que sua atual controladora colocará no esforço para manter a concessão pela qual pagou módicos R$ 100 mil.

foi a alta do dólar no Brasil só nos últimos cinco dias úteis. A moeda americana ainda fechou a terceira semana do ano abaixo de R$ 5, mas por pouco. Na sexta, encerrou o dia em R$ 4,927. A maior pressão veio da mudança de projeção sobre o corte de juro nos EUA.

MARTA SFREDO

20 DE JANEIRO DE 2024
EFEITOS DA CHUVA

Rotina sem luz e com muitos degraus

Localizado na Rua Félix da Cunha, em Porto Alegre, edifício de 15 andares abriga muitas pessoas com mais de 60 anos

Cansados de esperar pelo retorno da energia elétrica, moradores do Edifício Dom Vicente, localizado na Rua Félix da Cunha, em Porto Alegre, tomaram uma medida drástica: decidiram espalhar cadeiras ao longo dos 15 andares. A medida visa possibilitar paradas de descanso para os idosos, grande maioria dos habitantes dos 92 apartamentos.

A aposentada Renée Varga, de 74 anos, precisa enfrentar a realidade da falta de energia desde terça-feira no prédio onde mora há 14 anos sozinha no terceiro andar. Ela tem um estado de saúde delicado, pois já teve três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e possui três stents no coração.

- Vou colocar todos os alimentos fora. E levo o celular para carregar na casa da minha filha na Rua Barão do Amazonas - explica Renée, dizendo que não consegue dormir por causa do calor e fica à luz de velas dentro do apartamento.

Subida

O vaivém de moradores pelo hall do prédio é constante. Com os dois elevadores fora de funcionamento, as pessoas não têm como evitar a longa subida por centenas de degraus em forma de caracol. Muitos sobem com alimentos e água, outros tantos descem com diversos gêneros alimentícios estragados pela falta de refrigeração.

A aposentada Ivete da Rosa, 75, descia com um saco de lixo e uma bolsa térmica cheia de alimentos. Vinha do 15º andar e disse que nunca passou por apuro semelhante em sua vida.

- Está sendo difícil e tenho tirado tudo da geladeira. Dou para quem precisa - revelou.

Os moradores do edifício não sabem mais a quem recorrer. E cogitam até promover uma manifestação pacífica bloqueando o cruzamento da Avenida Cristóvão Colombo com a Félix da Cunha. Acreditam que seria a única forma de chamar a atenção das autoridades para o problema.

ANDRÉ MALINOSKI

Por que o retorno da energia é tão desigual

Durante o longo processo de restabelecimento da energia elétrica na área afetada pelo temporal, um fenômeno chama a atenção em cidades como Porto Alegre. Em alguns lugares, enquanto a luz voltou em um determinado ponto, casas localizadas a poucos metros de distância seguiam às escuras.

A razão fundamental para a possível diferença de cenário entre vizinhos é que a malha de distribuição de energia não é uma estrutura completamente única e homogênea, mas conta com subdivisões, a exemplo de áreas que são atendidas por diferentes transformadores - equipamentos que costumam ficar no alto de postes com a função de ajustar a tensão antes do percurso final até o consumidor.

Cada transformador pode atender a um número variável de consumidores, e moradores de uma mesma rua podem estar conectados a aparelhos diferentes. Por isso, se um transformador for religado antes de outro localizado nas proximidades, um morador poderá contar novamente com a luz antes de parte dos vizinhos.

- Um transformador mais potente pode dar conta de um número maior de casas, principalmente quando não exigem carga muito elevada. Nesse caso, pode atender várias ruas. Se o transformador tiver menos potência ou a carga demandada pelos consumidores for maior, atende área menor, que pode ser um prédio grande - explica o engenheiro eletricista e de segurança do trabalho Renê Reinaldo Emmel Júnior, conselheiro titular e coordenador adjunto da Câmara de Engenharia Elétrica do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (CREA-RS).

A diferença de tempo para a luz ser restabelecida também pode ser ampliada pelo tipo de dano ocorrido. Durante um temporal, a interrupção no abastecimento pode ser provocada por um curto-circuito ocasionado pela queda de uma árvore.

Nesse caso, essa rede é desligada automaticamente até como forma de proteção contra dano mais grave e para segurança da população. Se o galho ficar preso à fiação, terá de ser removido antes de a rede ser reenergizada. Além disso, se o transformador acabar queimando por conta de sobrecarga ou descarga atmosférica, por exemplo, será necessária troca de equipamento que tende a levar mais tempo.

Há outras possibilidades, cujo impacto depende do ponto do sistema elétrico que for atingido durante a tempestade. Se o dano provocado pelo temporal envolver linhas de alta tensão que atendem a vários transformadores, por exemplo, uma área bem mais ampla da cidade ficará sem energia.

MARCELO GONZATTO 

20 DE JANEIRO DE 2024
EFEITOS DA CHUVA

Apagão gera revolta e pressiona CEEE

Lentidão no restabelecimento da energia depois do temporal cria cerco político e jurídico contra companhia privatizada

Há dois anos e seis meses sob controle do grupo Equatorial, a CEEE vive sua pior crise de imagem. As queixas à atuação da empresa se acentuaram após a lentidão na resposta ao temporal que deixou 600 mil clientes sem energia na terça-feira, colocando a maior distribuidora do Rio Grande do Sul no centro de um cerco político e jurídico. Enquanto o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública ameaçam com ações judiciais, duas CPIs para investigar a operação da companhia estão sendo gestadas na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.

A cobrança mais incisiva partiu do procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz. Em três horas de reunião com a direção da CEEE na quinta-feira, o chefe do MP interrompeu várias vezes a apresentação feita pelo presidente da companhia, Riberto Barbanera.

- Em um Estado polarizado como o nosso, seja na política e no futebol, vocês conseguiram a proeza de unir os gaúchos em um sentimento de ódio contra a empresa - disse Saltz.

Acompanhado de um gerente jurídico e de um responsável técnico, Barbanera prometeu soluções de curto prazo. Na segunda- feira, o MP deve entrar com ação de reparação por danos morais difusos.

Outro objetivo da ação será garantir a indenização dos consumidores individualmente atingidos. Ao todo, há 14 inquéritos e ao menos duas ações judiciais contra a CEEE.

- É preciso melhorar os planos de contingência para que haja atendimento mais imediato à população para que as pessoas não fiquem dias sem energia elétrica, com comida apodrecendo nas geladeiras. Há prejuízo de pessoas físicas, mas também de pessoas jurídicas, negócios estão fechados - disse o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, Luciano Brasil.

Prazo

Enquanto o grupo conversava, cerca de 100 mil clientes ainda estavam sem luz na Capital e, nos prédios vizinhos, servidores do Tribunal de Justiça eram liberados do trabalho em razão da oscilação da energia, com constantes quedas durante o dia.

Em outro flanco, a Defensoria deu prazo de cinco dias para a CEEE informar as medidas adotadas para mitigar os efeitos da tempestade, em comparação com a resposta dada em eventos climáticos anteriores. Para o defensor público Rafael Magagnin, do Núcleo de Defesa do Consumidor, a companhia precisa sobretudo melhorar o atendimento no momento em que o cliente notifica falta de luz.

FÁBIO SCHAFFNER

20 DE JANEIRO DE 2024
MARCELO RECH

Fiat lux

Esse negócio de qual é a maior invenção da história depende muito das circunstâncias. Na cadeira do dentista, ao ouvir o som da broca, você pode achar que é a anestesia. E, de madrugada, ao atender o bebê molhado, você acenderá uma vela ao inventor da fralda descartável. Mas, abstraindo-se situações peculiares e pulando aquela história de fogo e roda, eu diria que é a energia, a bendita luz elétrica.

Foi ela que libertou as forças produtivas em larga escala e permitiu o adensamento urbano. Sem o elevador, outra grande invenção, não haveria prédios altos, e os custos de todos os serviços básicos se multiplicariam. Foi a eletricidade que desencadeou revoluções em série, da lâmpada elétrica à internet, passando pelas comunicações e as telecomunicações, e, hoje, até pelo trabalho remoto. Desaprendemos a viver sem energia. Sem ela, estamos inertes, como podemos atestar mais uma vez essa semana no Rio Grande do Sul, quando boa parte do Estado foi despachada de volta ao período megalítico.

As causas das constantes faltas de luz são evidentes. Há uma ventania, os postes sobrecarregados por fios vergam ou a fiação descontrolada é derrubada por galhos. Ou seja, se nada diferente for feito, enquanto houver vento e árvore haverá falta de energia. Então, a solução mais óbvia para se evitar a pré-história é enterrar a fiação, como o fazem todas as nações civilizadas, onde, à exceção de zonas afastadas, desconhecem-se cortes de energia durante tempestades.

Como as intempéries não tendem a amainar, aqui vai uma recomendação aos conselhos de administração das empresas de distribuição. Considerem inevitável o investimento para enterrar a fiação. E podem levar junto para as profundezas aquele medonho amontoado de fios e traquitanas de terceiros que as distribuidoras permitem pendurar nos postes para arrecadar aluguel. As cidades brasileiras e a sociedade não vão suportar mais algumas décadas de cortes constantes de energia. Então, é melhor as distribuidoras começarem a agir, antes que ajam por elas.

A fiação suspensa é apenas a face mais visível e horrenda de um modelo que está nitidamente esgotado. Para resolver de vez a questão da baixa qualidade do serviço, é preciso recorrer a um santo remédio do capitalismo: a livre concorrência. Foi a estatização da energia que nos trouxe até essa situação esdrúxula de hoje. E são os monopólios privados que preservam um status quo que mescla letargia com desestímulo a mais investimentos. Então que se aplique finalmente à distribuição de energia o modelo das telecomunicações: quem oferecer o melhor serviço, com o custo mais baixo, fica com o cliente. Fiat lux, sempre com a fiação enterrada, bem entendido.

MARCELO RECH