sábado, 28 de junho de 2008



29 de junho de 2008
N° 15647 - Martha Medeiros


Compro, logo existo

Uma amiga acabou de chegar de Londres. Adorou, lógico. Mas ela disse que os preços estão um escândalo, uma exorbitância. Pensei: então é pra lá que eu vou.

Explico: eu também cheguei de viagem, estive em Buenos Aires, e os preços por lá estão igualmente um escândalo... de tão baixos! Algum problema nisso? Sim, há um problema nisso.

Óbvio que é sensacional ter transporte público barato (uma viagem de metrô está por cerca de R$ 0,60 e qualquer corrida de táxi dentro dos bairros mais procurados não custa mais do que R$ 5).

Nada como tomar um bom vinho sem ter vontade de chorar quando chega a conta, e comprar um casaco pra vida toda pagando três vezes menos o valor que pagaríamos aqui.

O problema? Já digo.

Quem gosta de viajar, mas gosta mesmo, aproveita seu tempo para caminhar pela cidade, apreciar prédios históricos, conhecer parques, entrar em livrarias, visitar museus e galerias de arte, vasculhar lojas de discos atrás de alguma novidade, jantar bem, ir a espetáculos e tomar um café com calma em algum lugar charmoso enquanto observa os transeuntes. Claro, fazer umas comprinhas também está no roteiro.

O problema, enfim: numa cidade com preços atraentes como Buenos Aires todo o resto (museus, shows, parques, cafés) fica para quando sobrar tempo - no caso de. O objetivo passa a ser comprar. Ir a todos os shoppings. Gastar até o último centavo, trazer tudo o que puder, abandonar-se à compulsão.

Eu, que estou longe de ser uma consumista crônica e me orgulho do meu comedimento, também fiquei impressionada com os preços argentinos. Uma pessoa controlada faz o quê?

Aproveita uma tarde para comprar o que precisa e segue seus dias curtindo o que a cidade tem a oferecer em termos culturais, ambientais, artísticos.

A questão é saber diferenciar o que se precisa e o que não se precisa, e se formos honestos, chegaremos à conclusão de que não precisamos nem da metade do que consumimos.

Eu gosto de bugigangas, e minhas compras em viagem quase sempre se restringem a artigos de papelaria, acessórios (pulseiras, echarpes) e algum artesanato, são os meus suvenires habituais, coisinhas coloridas e inventivas que me fazem lembrar da viagem pra sempre.

Mas se você entra em surto por causa de preço bom, vai encher três malas extras de coisas volumosas que, tudo bem, são baratas, mas que também são encontradas em Porto Alegre, e em Porto Alegre você nem olharia para elas, não importa quanto custassem.

Teve um momento em que me vi dentro de uma loja revirando cabides e me deu um estalo: o que estou fazendo aqui? Que ânsia é essa de "aproveitar" os preços?

Tenho que aproveitar a cidade, o meu tempo livre, a minha companhia, o meu olhar estrangeiro, a minha sede de informação, a minha curiosidade, e não me sobrecarregar de sacolas. É preciso estabelecer uma fronteira entre se apaixonar de verdade por um artigo e se apaixonar por comprar, simplesmente.

Da próxima vez, Londres. É perfeito. Olha-se algumas vitrinas, suspira-se e toca-se em frente até um dos arrebatadores parques da cidade para fazer um belo e barato piquenique.

Consumo consciente: Rui Spohr, preocupado em viabilizar projetos de inclusão social, colocou à venda uma camiseta confeccionada por ele onde se lê a frase: "A sofisticada originalidade do simples".

Quem comprar a camiseta, estará contribuindo para a Instituição Kinder, que presta atendimento educacional a crianças e adolescentes com deficiências múltiplas. Maiores informações no site http://estilistaruispohr.blogspot.com

Excelente domingo, um ótimo início de semana e um Feliz mês de julho.

Diogo Mainardi

O flanelinha dos ares

"Em 22 de agosto de 2006, Roberto Teixeira foi recebido no Palácio do Planalto. Perguntei por que a Varig teria pago as suas despesas da viagem a Brasília. Ele respondeu candidamente que ‘aproveitava as idas aos tribunais e passava no Planalto’"

22 de agosto de 2006. Lula está no Palácio do Planalto. Agenda do dia:

12:30 Lakshmi Mittal

15:30 Senadora Chikage Oogi

16:00 Conselho Brasil x Japão

Dá para encaixar um encontro com Roberto Teixeira? Dá. Sempre dá. Roberto Teixeira foi recebido por Lula. Segundo ele, tratou-se de uma mera visita de cortesia. Nada a ver com seu trabalho para a Varig. Nesse caso, porém, por que é que a Varig teria pago as suas despesas da viagem a Brasília?

Foi o que eu perguntei a Roberto Teixeira, por meio de sua assessoria de imprensa. Ele respondeu candidamente que "aproveitava as idas aos tribunais e passava no Planalto". Isto mesmo: a Varig pode ter bancado seu encontro com Lula, mas o propósito da viagem era outro.

Denise Abreu, no dia de seu depoimento, entregou ao Senado Federal uma mala abarrotada de documentos. Estou com cópias de alguns deles na minha frente. Referem-se às duas semanas que antecederam o encontro de Roberto Teixeira com Lula, no Palácio do Planalto.

Em 10 de agosto, a Anac decidiu cancelar os "hotrans" e os "slots" da Varig. No dia seguinte, esse cancelamento foi comunicado oficialmente a Cristiano Martins, genro de Roberto Teixeira.

Os "hotrans" e os "slots" da Varig em Congonhas eram o que a companhia aérea tinha de mais valioso. Em torno deles, desencadeou-se uma batalha. De um lado, a Anac. Do outro, Roberto Teixeira e o Palácio do Planalto. "Hotrans" e "slots" correspondem às vagas nos aeroportos. Roberto Teixeira brigou pela posse dessas vagas, como um flanelinha dos ares.

Em 16 de agosto, Cristiano Martins remeteu à Anac o plano de negócios da empresa, que incluía "hotrans" e "slots". Em 17 de agosto, Valeska Teixeira protocolou na Anac um pedido de registro da companhia.

Nesse período, ocorreu aquilo que, na diretoria da Anac, se tornou conhecido como Dia do Bife: um encontro de mais de oito horas, no Palácio do Planalto, coordenado pela secretária executiva de Dilma Rousseff, Erenice Guerra. Ela pressionou para que a Anac concedesse imediatamente um certificado homologando a Varig.

O coronel Jorge Velozo usou a imagem do cozimento de um bife para ilustrar a impossibilidade de queimar etapas a fim de acelerar o processo. Longe do microfone, o coronel Jorge Velozo confirma os detalhes intimidatórios do Dia do Bife. Eu testemunhei isso. Perto do microfone, ele é muito mais acanhado.

Em 22 de agosto, a Anac se reuniu para determinar a abertura do processo licitatório dos "hotrans" e dos "slots" da Varig. No mesmo dia, Roberto Teixeira deu um pulinho no Palácio do Planalto, para se encontrar com Lula. O que aconteceu depois disso?

O juiz Luiz Roberto Ayoub acolheu um recurso apresentado pelo compadre do presidente e desautorizou a Anac, alegando a necessidade de dar um "tratamento excepcional" à Varig.

Em 24 de agosto, ele mandou intimar toda a diretoria da Anac. O flanelinha dos ares garantiu suas vagas em Congonhas. Honorários: 5 milhões de dólares.

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

O Senai na mira do governo

"É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro"

Ilustração Atômica Studio

Depois de conhecerem o Senai em São Paulo, diretores de escolas de formação profissional da Alemanha mencionaram em seus relatórios que não seria apropriado oferecer cooperação técnica às escolas visitadas.

No máximo, poderiam trocar experiências. Em minha passagem pela OIT e pelo Banco Mundial, o Senai era sempre citado como o exemplo mais eloqüente de boa formação profissional em país do Terceiro Mundo. Visitei dezenas de suas escolas e somente nos doutorados o Brasil oferece qualidade equivalente.

Nos dias que correm, duelam o governo e o Senai. Mais uma tentativa de estatização? Ou de arrancar uma lasca do seu orçamento? O MEC quer ensinar ao "Sistema S" como operar suas escolas?

Como as propostas não são escritas, fica tudo meio no ar. Disputa de poder com sindicatos patronais? Exumação tardia das controvérsias entre soluções privadas e públicas? Talvez os fatos iluminem as batalhas políticas e ideológicas.

Afirma-se que o "Sistema S" não deveria cobrar dos técnicos (o que ocorre em alguns estados), e sim oferecer-lhes ensino gratuito, uma vez que recebe verbas públicas. Esse argumento é tolo. Justificadamente, para poder oferecer mais cursos, o sistema passou a cobrar das empresas e de alunos capazes de pagar.

Mas usa todo o tributo compulsório para oferecer cursos gratuitos ou subsidiados a 1,1 milhão de operários. Comprometidos os recursos, não há como oferecer mais gratuidade. Para cada técnico dispensado de cobrança seria necessário tirar vários operários do sistema.

Um argumento politicamente explosivo é o de que as federações surripiam recursos do Senai, permitindo-se mordomias espantosas. Tal promiscuidade é injustificável.

Felizmente, os gastos do Senai são rotineiramente examinados pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos estaduais correspondentes. Como nos últimos cinco anos não foram impugnados vazamentos para federações, se eles existem, a falha é dos tribunais.

A guerra dos números ainda não tem vencedores. O Senai é acusado pelo MEC de ser mais caro (por aluno/hora) que os técnicos e universidades federais. Dados do Senai revelam equívocos nas estimativas do MEC que, quando corrigidos, mostram o Senai menos caro, mesmo sem incluir os aposentados do MEC (que, para economistas, são um custo inalienável).

Ainda assim, o Senai ofereceu no ano passado 100 000 atendimentos às empresas, faz pesquisa aplicada, patenteia e mantém equipamentos de última geração em suas escolas.

O MEC propõe criar um fundo com o orçamento do "Sistema S" para ser distribuído de acordo com os méritos de cada curso, medidos por testes que vai preparar. Na teoria, parece interessante (aliás, por que o governo não aplica o sistema antes em suas próprias universidades e com seus próprios técnicos e tecnólogos? Ou no FAT?).

Na prática, há cursos profissionalizantes para centenas de ocupações, cada um podendo ser oferecido em diversos níveis. Não há como o MEC realizar 2 milhões de testes profissionais em oficinas, sobretudo porque jamais fez algum. Tampouco o Ministério do Trabalho conseguiu fazer certificação ocupacional, depois de trombetear suas intenções por décadas.

Por outro lado, a prática consagrada internacionalmente é avaliar os cursos pela empregabilidade efetiva dos graduados e pelo desempenho nos empregos. Sob tais critérios, o "Sistema S" mostra bons resultados. Mas isso jamais foi praticado pelo MEC, que desconhece o destino dos graduados de suas escolas técnicas e universidades.

Obviamente, o "Sistema S" tem falhas que precisam ser impiedosamente cobradas. O Senai e o Senac acumularam uma sólida reputação, mas são teimosos como mulas e respondem lentamente. O Sebrae é criativo, mas com altos e baixos.

Como o Sesi e o Sesc não oferecem formação profissional, para alguns são uma relíquia do papel paternalista dos empresários no Estado Novo. Por que, por exemplo, seus orçamentos são superiores aos do Senai e do Senac?

É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro. Mas, se as ameaças servirem para corrigir as falhas do "Sistema S", não terão sido em vão.

Claudio de Moura Castro é economista - Claudio&Moura&Castro@cmcastro.com.br


A nova era dos nômades digitais

Como a tecnologia da mobilidade está mudando nossos hábitos e nosso estilo de vida
Luciana Vicária e Thais Ferreira



O travesseiro da universitária Cibele Lima, de 23 anos, vibra às 6h30 todas as manhãs. E não pára de tremer até que ela aperte uma tecla verde localizada debaixo dele.

O confortável travesseiro de espuma não é a última novidade tecnológica do mercado. Tampouco tem alarme. Mas embaixo dele repousa um despertador especial: seu celular.

Cibele não sabe explicar por que o coloca ali. Diz que se sente bem em tê-lo ao alcance das mãos. “Sinto por ele o mesmo que sentia por minha boneca favorita, que eu costumava levar para o berço”, diz. “Ele me dá segurança.”

O celular de Cibele fica ligado dia e noite. A bateria, segundo ela, acabou no máximo três vezes nos últimos 365 dias. Ficar sem ele é um sacrifício, diz Cibele. Ela ainda se lembra, em detalhes, do dia em que passou 12 horas longe de seu celular: “Era como se eu vivesse uma profunda crise de abstinência”.

A jovem esqueceu o aparelho em casa. Só se deu conta quando já estava dentro do ônibus, a caminho da faculdade. Passou o dia sem falar com as pessoas. De vez em quando andava de um lado para o outro, vasculhava a bolsa. “Eu até ouvia ele tocar baixinho. Mas acho que era minha imaginação.”

Para Cibele, o celular é o objeto mais importante na vida. É mais valioso que seus documentos, que o relógio de pulso e até que sua câmera fotográfica. Ela não está sozinha: 18% dos brasileiros se sentem viciados em seus celulares, de acordo com a empresa de pesquisas Ipsos, num estudo divulgado com exclusividade por ÉPOCA.

A taxa é superior à de vários países desenvolvidos. A pesquisa, realizada com 6 mil pessoas de todas as classes sociais, avalia o impacto da mobilidade no cotidiano. Ela replicou aqui um levantamento feito em cinco países da Europa: Reino Unido, Sué­cia, Espanha, Alemanha e França.

As respostas às questões elaboradas pela London School of Economics and Political Science, o mais importante centro de pesquisas e debates políticos da Europa, mostram como o celular está modificando comportamentos da sociedade.

Os brasileiros na faixa de 16 a 24 anos fazem 30% mais ligações e mandam 50% mais mensagens de texto que a geração de 45 a 59 anos. Entre as pessoas de meia-idade, 11% dizem que se sentem indesejadas se o celular não toca pelo menos uma vez por dia. Esse sentimento é relatado por 30% dos jovens.

A média geral dos brasileiros é 22%. “Os jovens estão na ponta de um novo estilo de comportamento, que deve virar o padrão nas próximas décadas”, diz a socióloga americana Noelle Chesley, da Universidade Cambridge, que estuda como as gerações reagem diferentemente à tecnologia.

A principal característica da nova geração é sua mobilidade. A partir do momento em que não faz mais diferença estar em algum lugar para ter, a todo momento, acesso a serviços, pessoas ou informações, mudamos o jeito de nos relacionar com o espaço.

O antropólogo James Katz, chefe do Departamento de Comunicação da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, compara os novos usuários de celular às tribos tuaregues que cruzam o Saara em cima de seus camelos. “Somos nômades modernos”, diz.

A diferença, segundo ele, é que os tuaregues estão à procura de novas pastagens para o gado. E os nômades modernos estão em busca de novos espaços físicos para estudar, trabalhar e se relacionar.


28 de junho de 2008
N° 15646 - Nilson Souza


Ele

Recebemos esta semana em nossa Redação a visita do escritor Sergio Faraco e ele nos contou coisas chocantes sobre o ofício de escriba. Disse, por exemplo, que jamais sabe como serão os finais de seus inexcedíveis contos quando começa a escrevê-los.

Deu a entender que se deixa conduzir pelo texto, como se fosse um principiante e não o reconhecido autor de histórias antológicas que todos admiramos. Pior, e suprema heresia nesta era tecnológica: confessou que redige tudo à mão primeiro e só depois se aproxima cautelosamente do computador para dar o trato final.

A garotada da assistência arregalou os olhos, incrédula. Mas o mais espantoso de seu relato, pelo menos para mim que fui o autor de uma pergunta sobre o tipo de retorno que ele espera do público, foi esta revelação:

- Eu não me importo nem um pouco com o que o leitor pensa daquilo que escrevo!

Neste momento da preleção, nós, os mais calejados, também ficamos arregalados. Aprendi no meu longínquo curso de Jornalismo, pela voz do saudoso professor Ernesto Corrêa, uma lição inesquecível em uma frase, que ele disse ter copiado da parede da redação de um jornal norte-americano:

- Lembre-se que você está escrevendo para ELE!

O ele maiúsculo, explicou-nos o irreverente mestre na ocasião, significava o leitor. Significa você, que está me lendo agora. Escrevo meus textos jornalísticos e também estas crônicas bissextas para que você leia.

Sei, tem muita gente que escreve para as gavetas, já fiz muito disso também, mas acredito que mesmo esses autores voluntariamente anônimos têm lá no fundo de suas tímidas almas a certeza de que um dia alguém os lerá.

Ops, não vou começar a filosofar agora. Volto a Faraco e à sua quase arrogante declaração. Para dizer que ele tem uma justificativa plausível para a sua aparente indiferença pelo leitor.

- Não dou a mínima para críticas ou elogios simplesmente porque sempre procuro fazer o melhor.

Como seu leitor, e conhecendo sua obsessiva busca pela palavra exata, pela frase perfeita, pela mensagem ao mesmo tempo concisa e emocionante, eu poderia atestar que ele sempre consegue fazer o melhor.

Mas, como respeito demais o meu leitor e tenho a pretensão de que o desavisado escriba possa estar entre os poucos que chegaram ao final deste texto, não vou aborrecê-lo com observações tão desimportantes


28 de junho de 2008
N° 15646 - Moacyr Scliar


Gravidez na adolescência: o pacto do desamparo

Muito significativa a notícia que ZH publicou no fim da semana passado. Diz o texto: "Intrigados com o repentino aumento do número de adolescentes grávidas na escola, os diretores da Gloucester High School (Massachusetts, EUA) descobriram um fato surpreendente.

Ao menos metade das estudantes grávidas confessaram ter feito um pacto para engravidar ao mesmo tempo e criar os filhos juntas".

Essa notícia é importante porque remete a um problema cada vez mais freqüente no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde há uma verdadeira epidemia de gravidez na adolescência.

Em apenas 10 anos, de 1990 a 2000, praticamente dobrou o número de jovens que engravidam entre os 12 e os 19 anos, um total de 1,1 milhão de adolescentes. Cerca de dois terços da grávidas brasileiras têm menos de 20 anos.

As conseqüências são sérias. A gravidez na adolescência é quase sempre de alto risco. A hipertensão, que pode ter muitas complicações, é cinco vezes maior nas adolescentes, que também são mais propensas a ter anemia.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde mostra que a incidência de recém-nascidos com baixo peso é duas vezes maior nos partos de mães adolescentes. A taxa de morte neonatal é três vezes maior.

As complicações psicossociais também não são pequenas. As garotas freqüentemente são rejeitadas pelo pai da criança e por seus próprios pais, têm de deixar os estudos, perdem os empregos. Em suma: são marginalizadas.

Pergunta: por que engravidam as adolescentes? Por ignorância, era a resposta clássica. Essas jovens não teriam conhecimento de métodos anticoncepcionais.

Não é verdade. Um estudo feito em São Paulo mostrou que 92% das adolescentes conheciam pelo menos um método contraceptivo.

No Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, verificou-se que apenas 22% das grávidas adolescentes pensaram em interromper a gravidez. Dessas, somente 5% efetivamente adotaram alguma medida prática.

Aproximadamente 25% das adolescentes planejaram a gestação, como aquelas dos Estados Unidos, e muitas abandonaram o método contraceptivo que usavam com o intuito declarado de engravidar.

Portanto, não é a desinformação que leva à gravidez na adolescência. Mas o que é, então? A notícia que nos vem dos Estados Unidos dá uma significativa sugestão a respeito. Muitas dessas adolescentes querem engravidar. É uma forma de auto-afirmação, de deixar uma marca no mundo, através da criança.

E é, como mostra o pacto da escola americana, quase que um movimento de caráter social, resultante da ausência de oportunidades. Metade das adolescentes grávidas atendidas no Hospital das Clínicas da USP já havia interrompido os estudos antes de engravidar.

No passado, atribuía-se a chamada explosão demográfica à ignorância dos pobres ou, pior, a uma espécie de perversidade que fazia com que se reproduzissem como coelhos.

O jeito seria fazê-los usar contraceptivos de qualquer maneira. Agora sabemos que a coisa é mais complicada do que parece.

E há nisto uma clara mensagem para os pais e para as escolas. As garotas precisam ser ajudadas psicologicamente. Antes que optem pelo pacto da gravidez.

sexta-feira, 27 de junho de 2008



27 de junho de 2008
N° 15645 - Liberato Vieira da Cunha


Um disco de vinil

Um dia meu pai chegou em casa com um pequeno milagre. Um único disco, comprado na Casa Coates, continha uma sinfonia inteira de Beethoven.

- É um long-play - explicou.

E mais do que explicar, provou, colocando na eletrola a orquestra inteira da NBC, regida por aquele mágico chamado Arturo Toscanini.

Ensinou-nos então que, diversamente de nossa já alentada coleção de discos 78 RPM, aquele girava em 33 RPM, pois era gravado em microssulcos.

Não foi um exemplar solitário. Não demorou e éramos proprietários de uma larga seleção de elepês, a maioria dos quais dedicados à música clássica.

Sou dono até hoje de uma modesta amostra de discos de vinil, na maior parte devotados à música popular. Só aqui nesta sala onde escrevo, tem uns 50, número que se multiplica na estante do corredor.

Não sei se é ilusão minha, mas me parece que reproduzem músicas mais pura e autenticamente do que os giros dos CDs. Mas talvez não seja.

Leio em ZH que os elepês têm mesmo melhor qualidade de som. Leio mais, nesta boa reportagem de Gabriel Brust. Há mais de uma década a internet mostrou que a informação não precisava de mais de um meio físico isolado para ser armazenada. Podia correr por fios de forma epidérmica, aí incluída a música.

Isso significa na prática que está decretada a morte do CD, em benefício da ascensão e glória do MP3.

Mas não é improvável que dentro em breve me cheguem os primeiros sinais da agonia do MP3. As coisas mudam, a muitas rotações por minuto, neste começo de milênio.

Mas de algo estou seguro. O long-play, o elepê, o disco de vinil vão sobreviver.

Há lojas, nesta Porto Alegre, que continuam a vendê-los, tanto os antigos quanto os novos. Há pessoas, nesta Porto Alegre, que têm seus corações tocados de nostalgia.

Há gentes, como você e eu, que não aprenderam a resistir aos apelos de algumas capas, como esta que tenho agora na mão. Pois nela se resumem o jeito e o espírito das músicas dos Anos Dourados.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

quinta-feira, 26 de junho de 2008



O GRANDE CULPADO

ARTE PEDRO DREHER SOBRE FOTOS CP MEMÓRIA
Depois do meu texto radical da última segunda-feira, em que revelei toda a minha desconfiança em relação aos políticos, o deputado Germano Bonow me telefonou. Gentilmente, ele me lembrou que faltava um elo na cadeia de responsabilidade apresentada por mim: o eleitor.

Destacou ainda que, neste ano de eleições municipais, o eleitor poderá, se quiser, arrumar a casa. Não haverá desculpas. Nesse tipo de pleito, de proximidade, cada eleitor poderá recompensar ou punir bons e maus candidatos sabendo quem é cada um, o que faz, de onde vem e o que pretende.

Como não é politicamente correto dizer que os eleitores não sabem votar, fica combinado que eles o fazem em conhecimento de causa. São, portanto, co-responsáveis por aqueles que elegem. Como em 'O Pequeno Príncipe', cada um é responsável pela raposa que cativa.

Eu já propus que prefeitos, governadores e até o presidente da República sejam responsáveis pelos atos ilícitos dos seus secretários e ministros sabendo ou não previamente dos seus golpes. Vou ampliar agora a minha idéia de responsabilidade moral, que já era uma extensão da responsabilidade fiscal, para uma responsabilidade eleitoral.

Toda vez que um político roubar, mesmo que seja para financiar campanha, dez, cem ou mil dos seus eleitores devem ser sorteados para o acompanhar na cadeia. Se houver reincidência, a punição será dobrada. No caso de reincidência do eleitor, ou seja, votar de novo num ladrão, a pena será triplicada.

O eleitor é como a carta roubada da história de Edgar Allan Poe: está em cima da lareira e ninguém a vê por se encontrar num lugar óbvio. O culpado é quem elege. Claro que isso pode se tornar apenas um álibi para eleitos cínicos, ainda mais que essa parece ser uma qualidade essencial em política.

O único defeito dessa idéia é que, como político não vai para a cadeia, os eleitores também serão dispensados de cumprir pena. Há um ponto positivo: não acontecerá a explosão definitiva da população carcerária.

Talvez seja o caso de aceitar a sugestão de um leitor meu bastante antenado: parar de acusar os políticos de desvio de milhões de reais ou dólares. Isso absolve qualquer um.

Roubar muito é sinal de prosperidade, de ambição e de espírito empreendedor. O negócio é denunciá-los por roubo de pote de margarina. Aí é uma questão de princípio. Quem rouba pouco, lesa o alheio e dissemina maus hábitos. Em lugar de receber ou divulgar gravações, a mídia devia conferir o material das câmeras dos supermercados.

Como estou numa fase generosa, dando sugestões gratuitas, aqui vai mais uma proposta: cassar direitos políticos. Isso já existe? Não. Proponho cassar direitos políticos de eleitor que votar duas vezes num mesmo candidato corrupto.

Essa medida de profilaxia surtiria efeito a médio prazo. Outra possibilidade seria o título de eleitor com pontos, a exemplo da carteira de motorista. Cada vez que o eleitor votasse num salafrário, perderia pontos no título, até ter o documento cassado.

Nas carteiras de motorista, porém, tem gente que cobra para assumir infrações alheias. Duvido que alguém pague para transferir pontos perdidos do seu título de eleitor. O contrário seria mais provável.

Uma coisa me parece irrefutável: quem vota em ladrão conhecido, com culpa no cartório e na mídia, tem direito de ser roubado. É como assinar cheque em branco para político. Já imaginaram?

juremir@correiodopovo.com.br

Mesmo com chuva que promete chegar logo, pois que, já é real nas redondezas, que tenhamos todos uma ótima quinta-feira.

quarta-feira, 25 de junho de 2008



25 de junho de 2008
N° 15643 - Martha Medeiros

O vinho ou o carro

Uma coisa que me incomoda é andar de táxi numa cidade estranha. Me sinto impotente, já que o motorista, se for desonesto, pode dar voltas desnecessárias para aumentar o preço da corrida. Recentemente estive fora do país e tive a sensação de que havia sido roubada, mas provar como? Por que não pedi para descer antes? Porque não tinha certeza.

Agora vai ser diferente, porque vou andar de táxi na minha própria cidade, coisa que faço pouco. Daqui pra frente, irei e voltarei da casa de minhas amigas de táxi, irei e voltarei dos restaurantes de táxi, irei e voltarei das festas de táxi.

E a única vantagem é que os trajetos me serão familiares e não serei ludibriada, porque, afora isso, que xaropice. Em vez de ficar bem instalada no meu carro, com ar-condicionado, ouvindo meu som e dando carona para os amigos, vou virar refém de alguma cooperativa. Tudo porque eu adoro um bom vinho e me recuso a jantar tomando refrigerante ou água.

Eu bebo e pretendo continuar bebendo. Nunca provoquei um acidente sério, jamais dirigi na contramão ou fiz alguma insanidade nas ruas.

Do que se conclui que meu anjo da guarda está merecendo um aumento de salário. Ou que minhas doses não são tão exageradas assim. Mas agora não existe mais o conceito de exagero. Tolerância zero.

O Congresso aprovou a lei que torna todo acidente causado por motorista alcoolizado em um crime doloso, com intenção de matar. A sociedade aplaude, mas quem é a sociedade?

Não é uma entidade abstrata. Não é aquele pessoal que mora no edifício da esquina. É você, sou eu, criaturas civilizadas e de bom caráter, que se reúnem em torno de uma mesa para celebrar a vida tomando alguns drinques e que voltam pra casa ligeiramente mais alegres do que saíram, sem nenhuma intenção de matar - tanto que nunca matamos.

Porém, as estatísticas de violência no trânsito estão aí para provar que as infrações estão quase sempre associadas a bebida. Eu poderia estar citando, como praxe, os moleques que entornam um engradado de cerveja e depois voam a 120 km/h em vias urbanas só para se sentirem machos em seus possantes carros, essa coisa estúpida que a gente vê acontecer a toda hora.

Mas não: dessa vez estou virando o gatilho das palavras para mim mesma, que tenho idade mais que madura, uma consciência mais que formada, uma auto-estima bem resolvida, e que mesmo não tendo necessidades exibicionistas e respeitando meus limites, ainda assim já poderia ter provocado algum incidente num fim de festa. Bastaria uma única vez e babaus.

Para mim, vai ser uma difícil mudança de hábito. Gosto de dirigir, gosto de me sentir independente, e as pessoas com quem saio também gostam. Mas acabou esse conforto: freqüentarei os restaurantes perto da minha casa, de onde posso voltar a pé, ou virarei assídua dos táxis nas poucas vezes em que saio à noite.

Não há outra saída. E me ofereço como exemplo justamente para não perpetuar a hipocrisia de levantarmos a voz contra os problemas (função comum de colunistas e repórteres) esquecendo de fazer nossa parte para combatê-los.

Ninguém mais é inocente.

Eu não vivo sem um bom vinho, mas vou aprender a viver sem carro quando for preciso. A contragosto. Mas é uma questão de coerência com o que sempre preguei.

Bem, meus amigos, hoje tem sol e um céu azul embora o friozinho permaneça. Que tenhamos todos uma ótima quarta-feira. Aproveite, namore hoje afinal é o Dia Internacional do Sofá.

domingo, 22 de junho de 2008


MARIA RITA KEHL

O impensável

Não haverá solução se a outra parte da sociedade, a zona sul, não se posicionar radicalmente contra esse extermínio não oficial

O INIMAGINÁVEL acontece. Supera nossa capacidade de prever o pior. Conduz-nos até a borda do real e nos abandona ali, pasmos, incapazes de representar mentalmente o atroz. O pior pesadelo do escritor Primo Levi, em Auschwitz, era voltar para casa e não encontrar quem acreditasse no horror do que ele tinha a contar.

Acreditar no horror exige imaginá-lo de perto e arriscar alguma identificação com as vítimas, mesmo quando distantes de nós. Penso no assassinato dos cidadãos cariocas David Florêncio da Silva, Wellington Gonzaga Costa e Marcos Paulo da Silva por 11 membros do Exército encarregados de proteger os moradores do morro da Providência.

Assassinados por militares, sim, pois não há diferença entre executar os rapazes e entregá-los à sanha dos traficantes do morro rival. A notícia é tão atroz que o leitor talvez tenha se inclinado a deixar o jornal e pensar em outra coisa.

Não por insensibilidade ou indiferença, quero crer, mas pela distância social que nos separa deles, abandonamos mentalmente os meninos mortos à dor de seus parentes.

Abandonamos os familiares que denunciaram o crime às possíveis represálias de outros "defensores da honra da instituição". Desistimos de nossa indignação sob o efeito moral das bombas que acolheram o protesto dos moradores do Providência.

Nós, público-alvo do noticiário de jornais e TV, que tanto nos envolvemos com os assassinatos dos "nossos", viramos a página diante da morte sob tortura de mais três rapazes negros, moradores dos morros do Rio de Janeiro.

É claro que esperamos que a justiça seja feita. Mas guardamos distância de um caso que jamais aconteceria com um de nós, com nossos filhos, com os filhos dos nossos amigos.

O absurdo é uma das máscaras do mal: tentemos enfrentá-lo. Façamos o exercício de imaginar o absurdo de um crime que parece ter acontecido em outro universo. Como assim, demorar mais do que cinco minutos para esclarecer a confusão entre um celular e uma arma?

E por que a prisão por desacato à autoridade? Os rapazes reclamaram, protestaram, exigiram respeito -ou o quê? Não pode ter sido grave, já que o superior do tenente Ghidetti liberou os acusados.

Mas o caso ainda não estava encerrado? O tenente, que não se vexa quando o Exército tem que negociar a "paz" no morro com os traficantes, se sentiu humilhado por ter sido desautorizado diante de três negros, mais pés-de-chinelo que ele?

Como assim, obrigá-los a voltar para o camburão -até o morro da Mineira? Entregues nas mãos dos bandidos da ADA em plena luz do dia, como um "presentinho" para eles se divertirem? Era para ser "só uma surra"? Como assim?

Imaginaram o desamparo, o desespero, o terror? Não consigo ir adiante e imaginar a longa cena de tortura que conduziu à morte dos rapazes. Mas imagino a mãe que viu seu filho ensangüentado na delegacia e não teve mais notícias entre sábado e segunda-feira. E que depois reconheceu o corpo desfigurado, encontrado no lixão de Gramacho.

Imagino a cena que ela nunca mais conseguirá deixar de imaginar: as últimas horas de vida de seu menino, o desamparo, o pânico, a dor. "Onde o filho chora e a mãe não escuta" era como chamávamos as dependências do Doi-Codi onde tantos morreram nas mãos de torturadores.

Ainda falta imaginar a promiscuidade entre o tenente, seus subordinados e os assassinos do morro da Mineira: o desacato à autoridade é crime sujeito a pena de morte e a tortura de inocentes é objeto de cumplicidade entre traficantes e militares?

Claro, os traficantes serão mortos logo pelo trabalho sujo do Bope. Se outros cidadãos morrerem por acidente, azar; são as vicissitudes da vida na favela.

Quando membros corruptos da PM carioca mataram a esmo 30 cidadãos em Queimados, houve um pequeno protesto em Nova Iguaçu. Cem pessoas nas ruas, familiares dos mortos, nada mais. Nenhum grupo pela paz foi até lá.

Nenhuma Viva Rio reuniu gente de branco a marchar em Ipanema. Ninguém gritou "basta!" na zona sul. Não é a mesma cidade, o mesmo país. Não nos identificamos com os absurdos que acontecem com eles.

Não haverá um freio espontâneo para a escalada da truculência da Polícia e do tráfico, nem para o franco conluio entre ambos (e, agora, membros do Exército) que vitima, sobretudo, cidadãos inocentes.

Não haverá solução enquanto a outra parte da sociedade, a chamada zona sul -do Rio, de São Paulo, de Brasília e do resto do país-, não se posicionar radicalmente contra essa espécie de política de extermínio não oficial, mas consentida, a que assistimos incrédulos, dos negros pobres do Rio.

MARIA RITA KEHL é psicanalista e ensaísta, autora do livro "Sobre Ética e Psicanálise" (Cia. das Letras, 2002).

DANUZA LEÃO

No que dá ter juízo

Uma turma de desanimados, pois não temos mais coragem de beber além da conta, de falar bobagens

TENHO OUVIDO, cada vez mais, homens e mulheres reclamando da vida, dizendo que estão achando tudo chato, que são pouquíssimas as pessoas com quem querem conversar; sair, nem pensar.

Uma vez a cada 15 dias, para não virar bicho do mato de vez, aceitam ir jantar fora com dois, três amigos, e voltam dizendo "eu não tinha nada que ter ido, já sabia que ia ser uma chatice, da próxima não vou mais".

Jantares com mais gente, esses não há hipótese, e se houver pessoas famosas por serem interessantíssimas, mas que você não conhece, aí é que não vai mesmo.

Não há show de Chico Buarque, João Gilberto, Caetano, que entusiasme essa gente. Ah, o flanelinha, ah, a multidão, ah, a confusão da saída;

e se alguém propusesse que um desses cantores fizesse um show só para ele, alguma desculpa seria arranjada para não querer. A única coisa que os agrada é ficar em casa, vendo televisão ou lendo um livro, de preferência sós.

Mas os que trabalham em alguma coisa interessante têm uma saída: falar de trabalho. A vida vai ficando cada vez mais difícil, as pessoas cada vez mais sós, mas nem por isso infelizes. Qualquer coisa, menos estar com gente.
Dá para entender? Pensando bem, até que dá.

Houve um tempo em que essas mesmas pessoas eram a alegria das festas; dançavam, diziam bobagens, eram engraçadas, todo mundo gostava delas, o telefone não parava de tocar, e a vida era muito divertida.

O que aconteceu então? A idade que chegou? Não necessariamente, pois existem reclusos em todas as faixas etárias. As festas são menos animadas? Para eles são, mas há gente que não perde uma e acha todas ótimas.

Mas então que história é essa de não querer sair, não querer ver gente, não querer conhecer ninguém novo, nem -e sobretudo- Gisele Bündchen? Ah, os mistérios dessa vida.

Aí comecei a prestar atenção a essas pessoas, para saber em que elas mudaram -sim, porque está claro que foram elas que mudaram. O mundo continua o mesmo.

Lembrei de cada uma delas, pensando que nenhuma tinha responsabilidades, empresas, mulher, ex-mulher, filho. Todos podiam ir à praia, e há alguma coisa mais irresponsável do que passar a manhã pegando sol e dando um bom mergulho? E uma pessoa queimada de sol pode ser infeliz? Abaixo os dermatologistas, em primeiro lugar a felicidade.

Qual foi a mudança que aconteceu com cada um deles, que se tornaram preocupados com o futuro, com a bolsa, se subiu ou desceu, com os países asiáticos, com o futuro da China?

É que naqueles ótimos tempos ninguém tinha juízo. A vida corria mansa, sem uma só preocupação com o o futuro -futuro? E isso existia?-, mas com o tempo fomos ficando responsáveis e ganhando juízo.

De tanto ouvir nossos pais dizendo "essa menina precisa criar juízo", criamos, e somos hoje uma turma de desanimados, quase deprimidos, pois não temos mais coragem de falar bobagens, cobiçar ostensivamente a mulher do próximo, beber além da conta, dar um grande vexame, e sobretudo, sobretudo, deixar de ir ao trabalho numa quarta-feira para ir à praia, porque criamos juízo.

Como era bom o tempo em que não tínhamos nenhum.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Socuerro! A Gisele já tá coroa!

Desfile agora é pocket show: uma hora de espera pra três minutos de diversão!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Piada pronta e enlatada: "Quadrilha rouba festa junina".

E a grande e única novidade é que o Dunga foi promovido. De burro pra jumento. É verdade. No jogo contra o Paraguai, gritavam: "Burro, burro". E no jogo contra a Argentina: "Jumento, jumento". É um upgrade!

E um amigo meu artista plástico comprou um pincel caro pra caramba. Aí chegou em casa e viu o que estava escrito: "Pêlo de marta!" Isso já é perseguição. Pincel Pêlo de Marta. Depilaram a madame. Rarará!

Aliás, diz que o Kassab vai fazer uma campanha antiecológica: a favor do DESMARTAMENTO! E eu tava vendo uma matéria sobre cirurgia de troca de sexo, quando apareceu um oficial do Exército recém-operado. Escrito embaixo: EX-CABO!

E uma prefeita do PSDB inaugurou um arraiá chamando Pau de Santo Antônio de Mastro de Festejos Juninos. Tucanaram o pau de santo Antônio! Rarará!

E eu sei como resolver o problema da Amazônia. Cimenta tudo e vira estacionamento? Não, faz 18 buracos e vira campo de golfe! Rarará! Fashion Bicha! Adoro as modelos.

Tem uma tão branca que parece a larva da dengue. A Volta das Minhocas Albinas! Um monte de osso se equilibrando em salto alto. Rarará! E quando elas andam parece que vão partir ao meio!

E são todas franguinhas. A Gisele já tá coroa! Tia, me passa o cabide! E o pessoal da Fashion Bicha é tão fashion que, quando vai ao banheiro, só faz Cocô Chanel!

E desfile agora é tudo pocket show. Três minutinhos. É como no Playcenter: uma hora de espera pra três minutos de diversão! Eu adoro moda, e moda no Brasil é jeans e camiseta.

Aí as bibas vão pra boate e tiram a camiseta! Roupa é pra tirar.Como disse uma amiga minha: "Eu não quero roupa fácil de usar, quero roupa fácil de tirar".

E todo ano eu conto a mesma piada: sabe por que as modelos têm um neurônio a mais que os cavalos?

Pra não fazer cocô na passarela. De repente, elas pensam que é Sete de Setembro. Rarará! E acabou a frescura. Moda agora é mercado. Todo mundo sério!

E a maior invenção da moda: sandália Havaianas. A coisa mais democrática do mundo. Todo mundo usa: do mendigo ao surfista.

E eu tava vendo um programa policial quando apareceu um PM: "Estamos na captura de um elemento pardo de bermuda e sandália Havaianas". Então prende o Brasil!

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

sábado, 21 de junho de 2008



22 de junho de 2008
N° 15640 - Martha Medeiros


Um homem para combinar com o vestido

Dois filmes em um. É assim que defino o badaladésimo Sex and the City.

Assisti a pouquíssimos episódios da série de tevê, e essa falta de intimidade com as quatro moças me deu um certo distanciamento para analisar o que se passa ali, na tela do cinema, naquela Nova York hiperglamurizada, onde o mundo fashion é um quinto personagem.

Em minha análise de leiga, considero que a primeira parte do filme vai até a cena do casamento de Carrie com Mr. Big. Até ali, vi mais ou menos o que estava preparada para ver: um desfile non-sense de roupas que nenhuma mortal se atreveria a vestir à luz do dia (alguns dos modelitos eu não vestiria nem no escuro, mas como sigo a cartilha do "menos é mais", não sirvo de parâmetro).

Percebi também uma certa histeria feminina, aquele desespero que fica latente quando um grupo de mulheres se encontra para falar de bolsas, sapatos e homens, nessa ordem. Uma confraria de colecionadoras - dos três itens!

Até mesmo a direção do filme, nessa primeira parte, me pareceu mais frenética, ou eu é que estava lenta demais e não consegui acompanhar a rapidez dos acontecimentos e a excitação daquelas quatro.

Então acaba a cena do casamento, e a impressão que dá é que houve uma troca de roteirista - um novo filme começa. Não que se transforme automaticamente num drama existencialista francês.

Segue glamouroso, divertido, mas já não é tão fútil. É como se as quatro tivessem levado um balde de água fria (de certa forma, levaram) e resolvessem parar de pensar como colegiais, dando lugar a questionamentos mais maduros.

Claro, a profundidade é a mesma da série de tevê - água pela canela - mas o filme mostra claramente a confusão que algumas mulheres fazem ao alcançar sua independência: acreditam que o individualismo faz parte do pacote. Não é bem assim.

Trabalhar, ganhar nosso próprio dinheiro, defender nossas idéias, o.k., é imprescindível. Mas estamos tão obcecadas em proteger essa importante conquista que passamos a ter dificuldade em partilhá-la com quem, a priori, não faz parte do nosso time: eles.

Se por um lado é muito bacana ver no filme as quatro personagens cultivando uma amizade saudável, íntima e verdadeira entre elas, por outro soa meio antigo que essa amizade seja a única maneira de elas conseguirem conjugar a primeira pessoa do plural: nós. Nós, mulheres. Nós, as poderosas. Nós com nossos filhos, nossas secretárias e nossos amigos gays.

Na hora de pensar em "nós" em termos de casal, surge a dificuldade do relacionamento. Algumas mulheres encaram os homens como acessórios de luxo. Não pega bem sair de casa sem um homem, assim como não pega bem sair de casa com qualquer roupa. É como se os homens tivessem que combinar com nosso vestido.

Seguimos acreditando que mulher sem homem é uma mulher incompleta, e eles acabaram se transformando, também, num objeto de consumo. Só que estruturar uma relação afetiva requer bem mais do que bom gosto.

De todos os Manolo Blahnik, Prada e Louis Vuitton que fazem parte do elenco de Sex and the City, o que mais curti foi ver as mulheres se darem conta de que, ao abrirem seus closets, não encontrarão um amor prêt-à-porter.

Desaprendemos a dizer "nós" quando tivemos que lutar pelos nossos direitos: maternidade, profissão, sexo livre, tudo isso passou a dizer respeito ao "eu" da mulher, e foi fundamental esse mergulho particular para chegar até aqui.

Agora é hora de reaprendermos a dizer o "nós", não mais como a parte submissa da dupla, e sim como parceiras de um homem que já entendeu o novo mundo em que vive, já nos aceitou como independentes, e que agora nos quer menos controladoras e mais amigas, mais amantes, e por que não dizer, mais despidas.

Gostei, ela sabe das coisas. Um ótimo domingo para todos nós e um excelente início de semana.

Diogo Mainardi

O cimento da tragédia

"É um erro imaginar que se possa combater a criminalidade com a reforma de uns casebres, o Extreme Makeover: Home Edition da Igreja Universal. Se a Nona Brigada de Infantaria Motorizada subisse o morro para desmantelar o tráfico, talvez a barbárie pudesse ser contida"

– O presidente Lula gostou muito, dando a ordem para que fosse executado.

Do que é que Lula gostou tanto assim? Do projeto Cimento Social, do bispo Crivella. Quem declarou isso foi o vice-presidente José Alencar, num ato público, no Rio de Janeiro, menos de três meses atrás.

O bispo Crivella está sendo politicamente responsabilizado pelo que aconteceu na última semana, quando alguns soldados arregimentados pelo projeto Cimento Social se envolveram no assassinato de moradores de um morro carioca.

Mas havia alguém acima dele. Quem? O de sempre: Lula. Segundo José Alencar, o projeto só saiu porque Lula mandou o Ministério das Cidades liberar o dinheiro. E só saiu também porque o presidente mandou o Comando Militar tocar as obras na favela.

O projeto Cimento Social tinha tudo para dar errado. E deu. O cadastro dos moradores cujas casas seriam reformadas foi feito por integrantes da Igreja Universal, do bispo Crivella.

O Ministério das Cidades liberou o dinheiro antes mesmo que o projeto de lei sobre a matéria fosse aprovado. As obras foram usadas como material de propaganda do bispo Crivella, candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. O Comando Militar do Leste emitiu um parecer contrário ao projeto, temendo algo parecido com o que de fato ocorreu.

Um documento militar acusou dois assessores do bispo Crivella – chamados de Eduardo de Tal e Gilmar de Tal – de negociar uma trégua com os traficantes do Comando Vermelho, que dominavam o morro. Foi desse projeto que Lula de Tal gostou muito, "dando a ordem para que fosse executado".

Lula loteou a Petrobras e o Banco do Brasil. Agora sabemos que ele deu um passo adiante e loteou também as Forças Armadas. O PRB, do bispo Crivella, aparentemente ficou com a Nona Brigada de Infantaria Motorizada, que ocupou por seis meses seu curral eleitoral.

O Instituto Pereira Passos me forneceu os dados sobre a criminalidade na zona atendida pelos militares, no primeiro trimestre de 2008, comparando-os aos do mesmo período do ano anterior. Aumentaram os roubos.

Aumentaram os furtos. Os assassinatos diminuíram ligeiramente. Para Tarso Genro, a tragédia demonstrou de uma vez por todas que é um erro empregar soldados no combate aos traficantes. Como assim? Quem combateu os traficantes? Os soldados só ajudaram a caiar uns muros e a trocar umas telhas.

O que a tragédia demonstrou foi justamente o contrário: é um erro imaginar que se possa combater a criminalidade com a reforma de uns casebres, o Extreme Makeover: Home Edition da Igreja Universal. Se a Nona Brigada de Infantaria Motorizada subisse o morro para desmantelar o tráfico, talvez a barbárie pudesse ser contida.

Os soldados entregaram os suspeitos de pertencer ao Comando Vermelho aos assassinos de um bando inimigo, o Ada. Pelo que se soube, o chefe do Ada gostou muito. E deu a ordem para que eles fossem executados.

Ponto de vista: Lya Luft

Ainda se caçam bruxas

"Cair na armadilha do rancor primitivo e da atitude destrutiva torna a vida uma selva onde pessoas honradas são impedidas de executar projetos positivos, e às vezes têm sua vida injustamente aniquilada"

O motorista de táxi de um aeroporto deste Brasil xingava um político, acusado no rádio por ter-se encontrado ali mesmo, dias atrás, com um suspeito de corrupção. "Viu só?", ele vociferava, "viu só?".

Cansada de aeroporto e do assunto – e porque logo antes alguém tinha me dito: "Olha aí o fulano, fotografado ao lado do sicrano, que é suspeito de corrupção! Certamente ele também é..." –, fui curta e direta: "Meu filho, se sua namorada conversar com uma moça desonesta e disserem que por isso ela também é desonesta, você vai gostar?".

Ele olhou sobre o ombro, meio espantado: "Sabe que a senhora tem razão?". Comentei: "Chama-se a isso caça às bruxas". Chegando ao meu destino, não tive tempo de explicar mais.

Na Idade Média, uma tropa de psicopatas autorizados caçava gente com o entusiasmo com que se caçariam animais selvagens.

O maior divertimento era julgar, esfolar vivo e queimar na fogueira, depois de outros inimagináveis sofrimentos. Quem eram as vítimas da Igreja daqueles tempos? Em geral mulheres simples, que lidavam com o que hoje chamaríamos medicina alternativa – a sabedoria popular de suas antepassadas.

Havia também os bruxos, os que diferiam da doutrina religiosa ou da política dominante, contrariavam alguma autoridade, ou, ainda, aqueles cujo vizinho não ia com sua cara. Relatos e atas oficiais desses processos públicos enchem milhares de páginas da época, e nos dão vergonha de ser humanos.

Eu, que em dois livros infantis criei a simpática e marota Bruxa Boa Lilibeth, achava que neste mundo dito moderno nossa falta de limite estava só na má-criação em casa e na escola, na inversão de público e privado, no interesse pelas calcinhas de certas moças (ou na falta delas) e na postura geral de desleixo que se espalha.

Engano meu. Melhoramos, nos civilizamos, cortamos alguns preconceitos. A servidão, ao menos concreta e legal, acabou.

Servidões morais temos muitas. Uma delas é esse impulso primitivo, das cavernas, de destruir, essa ferocidade no julgar e sentenciar, essa vontade de que o outro se dê mal. Parecemos doentes de ansiedade por ver alguém enxovalhado, por baixo, sem remissão. Muito além da lei e da Justiça, queremos sangue – ainda que seja o sangue moral, o sangue da alma.

Sou quase fanática contra os crimes, incluindo a corrupção. Valorizo muitíssimo a lei. Quero o infrator julgado e severamente punido. Apóio todas as justas ações da polícia para proteger a sociedade, isto é, cada um de nós. Mas desgostam-me procedimentos que agridem levianamente, interrogatórios em vez de diálogos, ataques de qualquer ângulo, a execução moral de inocentes na fogueira da opinião pública, mais disposta a ver o mal em tudo.

Por toda parte no país, ao lado da Justiça e da lei que funcionam, esta parece ser a hora dos cantos escuros da psique humana e da democracia, lá onde lei e Justiça não funcionam direito. Ainda bem que a maioria de nós não é assim.

Naquela mesma viagem, numa palestra, um grupo de jovens questionava a agressividade com que se tratam pessoas em situações como as das mais variadas CPIs, desde o tempo do falecido mensalão. Há interrogatórios violentos, alusões cruéis, ofensas diretas; quebram-se todos os limites da decência em que deviam ocorrer dignamente perguntas e esclarecimentos entre homens dignos.

Os jovens tinham razão na sua perplexidade. Respondi que bastava ler um pouco de história dos povos para ver que não há nada de novo entre nós. Às vezes, como grupos ou como sociedade, adoecemos.

Não é generalizado, não é permanente: por isso podemos acreditar em respeito no convívio público.

Cair na armadilha do rancor primitivo e da atitude destrutiva torna a vida uma selva onde pessoas honradas são impedidas de executar projetos positivos, e às vezes têm sua vida injustamente aniquilada.

É quando as bruxas boas fogem nas suas vassouras, deixando-nos um mundo mais sombrio.

Lya Luft é escritora

Ruth de Aquino, de Pequim

Especial China - A nova superpotência

ÉPOCA foi a Pequim, Xangai e a vilarejos rurais para entender esse país que atrai de empresas a jovens estrangeiros em busca do mundo novo. Nesta reportagem e na série que publicaremos até as Olimpíadas de Pequim, tentaremos desvendar o mistério chinês

Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 23/junho/2008.

Assinantes têm acesso à íntegra no leia mais no final da página.

CONTRASTE

As gêmeas Huizi (à esq.) e Liangzi, de 18 anos, vivem num campus universitário em Pequim. Huizi se veste assim e pinta cada unha com esmalte de cor diferente. Liangzi foi produzida para lembrar a China antiga. Como todas as jovens urbanas, não querem casar antes dos 30 anosQuando as gêmeas nasceram, há 18 anos, na província de Liaoning, no nordeste chinês, seus pais se sentiram abençoados.

Era como tirar a sorte num país que proíbe mais de um filho. Ter gêmeos era uma forma de driblar legalmente o decreto governamental que criou na China uma geração de 90 milhões de filhos únicos – estudiosos, trabalhadores, competitivos, patriotas e orgulhosos de ser chineses.

Num país de mais de 5 mil anos, regido mais pela superstição que pela religião, os pais deram às filhas os nomes de Chen Huizi e Chen Liangzi. Chen é o sobrenome das gêmeas (na China, o nome de família vem em primeiro lugar). Huizi significa “filha inteligente”, e Liangzi “filha de bom coração”.

Elas tinham 17 meses quando seus pais se divorciaram. O divórcio ainda é um tabu tão forte na China que as duas mentiram para mim num primeiro momento: disseram que o pai havia morrido. Como os jovens do interior, de família pobre com alguma posse, Huizi e Liangzi foram enviadas a Pequim para estudar na universidade. Dormem com mais quatro estudantes.

Não usam celular porque a mãe acha caras as tarifas. São exceção. Há mais de 540 milhões de celulares na China. As gêmeas querem ser aeromoças. “Para aprender etiqueta, saber comer com garfo e faca e voar no céu”, diz Huizi, cinco minutos mais velha que Liangzi. Não sonham casar tão cedo. Acham a vida de casada um tédio.

Sua diversão maior é cantar nos karaokês, numa das centenas de salas fechadas e computadorizadas, em prédios da rede Party World, onde imitam suas cantoras favoritas: a coreana Cai Yan ou a banda S.H.E, de Taiwan.

As duas irmãs acham o presidente, Hu Jintao, e o primeiro-ministro, Wen Jiabao, “boas pessoas, que se preocupam com os pobres e os velhos”. Sabem que a internet é filtrada por dezenas de milhares de censores, mas não se importam. “A internet é proibida”, diz a “filha inteligente”. Elas não têm televisão. Devem assistir às Olimpíadas na TV comum da universidade.

Não imaginavam que os Jogos já custaram ao país US$ 34 bilhões, nem avaliam quanto isso significa, porque recebem 600 iuanes de mesada (US$ 90). Sabem que a festa olímpica vai começar no dia 8 do mês 8 de 2008, porque o número oito tem o som de “prosperidade” no mandarim, idioma chinês.

Encontrei Huizi, a “inteligente”, ao lado de uma escola de wushu, conjunto das artes marciais chinesas, à espera do namorado. Estava vestida como posou para a foto ao lado, um visual pop.

Sua irmã foi produzida num longo de seda vermelho da estilista Gu Lin. Nos trajes, a convivência entre o novo e o antigo na China borbulhante de hoje. O calor era tão intenso em Pequim que cobrou um preço sobre a magreza etérea das moças. Liangzi, a “de bom coração”, desmaiou na sessão de fotos na rua.

Para as gêmeas, que vivem num país onde filmes com sexo, livros políticos e shows de rock americano são proibidos, o Ocidente é sinônimo de “mistério”. Para nós, ocidentais, a China é exatamente o mesmo.

Um mistério. Na China, um carro é registrado a cada seis segundos. Cidades brotam como cogumelos. Arranha-céus sobem como aspargos no horizonte.

A China é um caleidoscópio que confunde, irrita e fascina. Tudo impressiona pela magnitude. São quase 10 milhões de quilômetros quadrados, 1,3 bilhão de habitantes, um quinto da população mundial. São 56 etnias, mas 92% pertencem à etnia Han. O idioma oficial, o mandarim, tem 80 mil caracteres.


21 de junho de 2008
N° 15639 - Nilson Souza


Madrastas

O filme Branca de Neve e os Sete Anões acaba de ser escolhido o primeiro de seu gênero pelo Instituto de Cinema Americano, que divulgou esta semana o ranking das cem melhores obras cinematográficas dos últimos cem anos.

O cinema deu forma, cores e a emoção do movimento a esta que é uma das mais fantásticas histórias infantis de todos os tempos, recolhida pelos irmãos Grimm na memória popular alemã, mas de origem desconhecida.

É uma fábula cheia de mensagens positivas, mas com uma terrível maldição que perdura até hoje: a rotulação das madrastas como pessoas más e invejosas.

Branca de Neve é linda e ingênua, os anões são trabalhadores e simpáticos, o príncipe é valente e generoso, mas o personagem mais marcante da história é mesmo a rainha, com seu espelho mágico, seu ciúme e sua maçã envenenada.

É em torno dela que a trama gira. Na ânsia doentia de ser mais bela do que a enteada, ela se transforma em bruxa e abre a caixa de maldades.

Nenhuma é bem-sucedida, pois até o sono eterno acaba sendo interrompido pelo beijo de Sua Alteza. Mas o estereótipo ficou: madrasta virou sinônimo de mulher má. O Aurelião chega a usar um palavrão para definir o termo: mulher ou mãe descaroável. Credo!

Pois bem, os costumes mudaram e hoje cada família tem uma ou mais madrastas, pois as pessoas casam-se, descasam-se, recasam-se, e as crianças crescem convivendo com homens e mulheres que nem sempre são os seus pais biológicos.

Neste contubérnio moderno, muitas mães emprestadas, certamente a absoluta maioria, desmentem o rótulo, são carinhosas, cuidam bem dos filhos das outras mulheres, amam e se esforçam para serem amadas.

Para driblar o estigma, algumas preferem ser chamadas de tias, de amigas, de qualquer coisa que não lembre a denominação infamante. Ainda que de vez em quando uma ou outra encarne o espírito da bruxa má, são exceções.

Quase todas que conheço fazem o possível para vencer a maldição, dedicam-se de corpo e alma à conquista dos enteados e ficam felizes quando recebem um retorno em carinho e reconhecimento. São umas injustiçadas as madrastas.

Mereciam, no mínimo, que a história fosse reescrita e que o filme festejado recebesse uma continuação, para a qual permito-me imaginar um final feliz. Uma criança beija a bruxa e o feitiço se desfaz: todos nós acordamos e paramos de estigmatizar estas segundas mães.

Ótimo sábado excelente fim de semana especialmente para você.

sexta-feira, 20 de junho de 2008



20 de junho de 2008
N° 15638 - Liberato Vieira da Cunha


As pessoas em geral

Uma leitora, que requer anonimato, e que por isso aqui chamarei de X., me escreve para contar uma fábula. Em sua pequena cidade, que apelidarei de Y., desabou certa vez um ciclone.

Depois que as pessoas em geral trataram de desimpedir as ruas, de abrigar as famílias sem lar no ginásio municipal, de cobrir as casas que tinham perdido o telhado, o boêmio local perguntou o que fariam pela Praça da Matriz.

A Praça da Matriz possuía um roseiral, um chafariz que à noite projetava uma cascata em várias cores, três estátuas de ninfas tombadas pelo vendaval. Tudo aliás estava arrasado pelo vento e pela tormenta.

As pessoas em geral opinaram que aquilo podia esperar, mas o boêmio local, que tratarei de Z., espantosamente sóbrio, argumentou que a Praça da Matriz ocupava um lugar no coração de todos eles e que seria uma vergonha deixá-la assim, humilhada e ofendida.

E com tanta segurança discursou que as pessoas em geral reservaram um fim de semana para repor o roseiral, iluminar a cascata e reerguer as ninfas às suas posições originais.

Foi quando o boêmio local lembrou que a biblioteca, inundada por uma espécie de maremoto, merecia atenção urgente. As partes inferiores das estantes, precisamente onde ficavam as obras históricas, eram as mais maltratadas. As pessoas em geral torceram o nariz para aquele capricho, mas terminaram montando um pelotão de resgate dos livros ameaçados.

O boêmio local recordou então o museu que, como ficava numa ladeira, represara em seus degraus as vagas. Toda a sala que preservava a herança dos primeiros povoadores havia sido alagada. As pessoas em geral acharam um desperdício, mas uma equipe foi destacada para salvar potes, flechas, cachimbos de gerações de índios exterminados.

O boêmio local não descansou.

Evocou as perdas do Arquivo Público, do Cemitério, do Solar da Condessa, do Coral dos Meninos, da Orquestra de Violões, do Clube de Xadrez.

Sustentou que, como todos se tinham dado as mãos na adversidade, era hora de se mostrarem mais solidários e renunciarem a pequenos egoísmos. Só que, a essa altura, as pessoas em geral começaram a achar que ele estava muito saliente e o trancafiaram dentro de uma garrafa.

Neste dia/noite quando começa o inverno, chove nesta Porto e que por isso não está nada alegre. Mesmo assim, uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

sábado, 14 de junho de 2008



15 de junho de 2008
N° 15633 - Martha Medeiros


Dentro da mala

Viajar de avião já teve seu encantamento, hoje é um incômodo. Fila no check in, controle de bagagem, detector de metais, espera na sala de embarque e o indefectível aviso de que o vôo sairá com atraso.

Depois ficar enlatado dentro da aeronave mal podendo se mexer, rezar para que um jatinho não colida com a gente, que o controlador de vôo não esteja cansado e, por fim, ter que aguardar sua mala surgir na esteira, e ela sempre será a última a aparecer.

Se aparecer.

Na última vez que saí do país, viajei com uma mala, digamos, bem nutrida. Fiquei fora 15 dias e levei um pedacinho da minha vida comigo. Passei por todas as etapas da chatice de voar e quando chegou a hora da esteira, adivinhe: extravio.

Nenhuma notícia da bagagem. A recomendação que recebi da companhia aérea: "Vá para seu hotel e quando localizarmos sua mala, a entregaremos lá. No máximo até amanhã ela aparece".

Numa cidade estranha, em outro país, eu me encontrava apenas com a roupa do corpo e meus documentos. Nada mais. "No máximo até amanhã" era uma infinidade de tempo, isso na hipótese de ela reaparecer mesmo. E se a mala tivesse sido desviada para a Namíbia e de lá nunca mais voltasse?

Eis uma experiência para avaliar seu apego às coisas que realmente importam. Claro que você vai lembrar daquele vestido que talvez nunca mais veja ou do sapato que usou só uma vez, mas isso tem mesmo tanto valor? Eu sentia falta era da minha escova de dentes.

E de uma foto que eu havia levado das minhas filhas, e que era a minha preferida. E de um anel que joalheiro nenhum daria um níquel, mas que pra mim valia como se fosse um diamante da Tiffany. O anel havia sido da minha avó.

E meu secador de cabelos. E meu creme depilatório. E meus batons. "No máximo até amanhã" eu teria virado uma mulher das selvas.

Dentro da mala estava meu diário de viagens, onde já havia relatado os primeiros dias transcorridos, além das dicas de lugares sugeridos pelos amigos e observações que, de cabeça, não conseguiria recuperar. Dentro da mala, também, a máquina fotográfica já com um monte de fotos armazenadas.

Uma farmácia em qualquer esquina resolve as necessidades práticas mais urgentes, mas e aquilo que não se substitui? Como, por exemplo, uma echarpe que foi comprada há anos num mercado de rua e que, dito assim, parece um trapo, mas que é uma peça de estimação com história na minha vida.

É nestas horas que a gente pensa: ok, são coisas materiais, tudo se repõe ou se esquece. Mas às vezes elas não estão apenas na categoria do material, e sim do emocional. Não se repõe nem se esquece.

Eu já sentia saudades de tudo isso e, mesmo podendo comprar qualquer jeans e camiseta para seguir viagem, me sentia desconfortavelmente nua.

À noite, a mala estava no hall do hotel, devolvida intacta. Reouve o anel da minha avó, meu diário de viagens, a máquina fotográfica e a echarpe. Tudo parte da memória, que, no final das contas, é o que mais tememos perder pelo caminho.

Ótimo domingo excelente final de semana.

Diogo Mainardi

Dois estalos — e virei Newton

"Além de cobrar 1 220 448 reais, Teixeira se atribuía a seguinte vitória: ‘Tivemos êxito integral na defesa jurídica dos interesses do grupo, livrando-o, até o momento, da sucessão das dívidas trabalhistas da Varig’"

Me deu um estalo durante o depoimento de Denise Abreu no Senado. Se eu fosse Newton, teria descoberto a lei da gravidade. Eu sou o Newton do lulismo. Cada um tem o Newton que merece. Estou para Newton assim como o lulismo está para as leis.

Acompanhe. Denise Abreu declarou que foi convocada por Dilma Rousseff dezenove dias depois de ser empossada na Anac. Isso significa que o encontro ocorreu precisamente em 8 de abril de 2006. Dilma Rousseff teria falado sobre a necessidade de criar um plano emergencial para atender os passageiros da Varig, porque o fim da empresa era iminente. Vinte dias mais tarde, Denise Abreu foi novamente convocada ao Palácio do Planalto.

O tom de Dilma Rousseff era outro. Segundo Denise Abreu, ela agora fazia de tudo para agilizar a venda da Varig aos sócios arrebanhados pelo fundo americano Matlin Patterson. Foi nesse momento do depoimento que me deu o estalo: o que aconteceu entre os dias 8 e 28 de abril?

Qual foi o fator que pode ter determinado o novo rumo do negócio? Quem teria persuadido o Palácio do Planalto a mudar de idéia, de uma hora para a outra? O que teria induzido a Casa Civil a pressionar a Anac no sentido de ignorar a suspeita de que os compradores da Varig eram apenas testas-de-ferro do fundo americano?

A resposta à primeira pergunta foi moleza. Fiz dois telefonemas e descobri que o fato mais marcante ocorrido no período entre 8 e 28 de abril de 2006 foi a entrada em cena de Roberto Teixeira.

Para ser mais exato, ele apresentou sua proposta de honorários aos sócios do fundo americano em 15 de abril. Foi imediatamente contratado. Falta descobrir o seguinte: ele se reuniu com Dilma Rousseff naqueles dias? Mais importante: ele se reuniu com Lula?

Durante o depoimento de Denise Abreu, me deu um segundo estalo. Dois estalos no mesmo dia podem ser considerados um feito histórico. E o segundo estalo foi ainda melhor do que o primeiro, porque corroborado por um documento inédito.

Os compradores da Varig foram isentados do pagamento das dívidas fiscais e trabalhistas da companhia aérea. Esse é um dos aspectos mais nebulosos do negócio.

No interrogatório a Denise Abreu, os senadores lulistas insistiram que o procurador-geral da Fazenda e o juiz encarregado do caso decidiram a matéria com total autonomia, baseados em argumentos puramente técnicos, sem nenhuma interferência política.

Meu estalo me levou a perguntar qual havia sido o papel de Roberto Teixeira nessa história. Fiz mais dois telefonemas e descobri um documento assinado pelo próprio Roberto Teixeira, datado de 24 de janeiro de 2008.

Além de cobrar 1.220.448 reais dos sócios da Matlin Patterson, ele se atribuía a seguinte vitória: "Tivemos êxito integral na defesa jurídica dos interesses do grupo, livrando-o, até o momento, da sucessão das dívidas trabalhistas da Varig, que a muitos pareceria impossível".

Alguns dos principais escritórios de advocacia do Brasil, como Pinheiro Neto e Machado Meyer, foram consultados sobre o assunto. A todos eles pareceu impossível livrar a Varig das dívidas.

O compadre de Lula dispunha de outros meios. Segundo seu cliente Marco Antonio Audi, Roberto Teixeira tinha "trânsito privilegiado" nos órgãos federais. A ele, tudo podia parecer possível.

Ponto de vista: Stephen Kanitz

São Paulo vai parar

"Se você está parado no trânsito e na vida, lute para que nossos administradores públicos ocupem os postos para os quais foram treinados"

A cidade de São Paulo vai parar definitivamente em 2012, por congestionamento terminal, e boa parte do Brasil parará como conseqüência. Isso porque São Paulo é o centro administrativo do Brasil. Mais de 50% das 1 000 maiores empresas deste país têm a sede localizada na capital paulista.

Os administradores dessas empresas, em vez de planejar a produção do país, fazer orçamentos para investimentos futuros, programar a distribuição e a logística, controlar e minimizar os custos, intervir aqui e ali, estarão parados no trânsito. Se usarem o celular, serão multados.

Ilustração Atômica Studio

Infelizmente, nossa elite, o governo, os empresários e os intelectuais não sabem disso e não percebem o perigo. Muitos agem até contra os administradores.

Os seguidores de Adam Smith acham que os administradores em nada contribuem para a riqueza das nações. Eles acreditam que produtos chegam a nosso lar na hora certa, na quantidade certa, ao custo certo graças à "mão invisível" do seu deus "mercado".

Outros acadêmicos, como Joseph Schumpeter e John Maynard Keynes, acham que o crescimento depende do "espírito animal" dos empresários e empreendedores com boas idéias, e não dos administradores que as fazem acontecer. Uma afronta a todo administrador.

Se você também pensa assim, leia A Mão Visível: a Revolução Gerencial nos Negócios Americanos, de Alfred Chandler, escrito em 1977, nunca traduzido para o português. Chandler refuta Adam Smith, Joseph Schumpeter e a ingenuidade dos neoliberais.

Alfred P. Sloan Jr., o administrador da GM, e Henry Ford já em 1917 perceberam que o "mercado" não conseguiria produzir as 4 000 peças diferentes do automóvel na quantidade certa, com a qualidade necessária, nem, menos ainda, entregá-las na hora certa.

Foram os primeiros a rejeitar essa idolatria do mercado da Escola de Chicago e criaram estruturas e empresas complexas para produzir tudo internamente, com a qualidade e o cronograma necessários. Se dependessem do "mercado", nenhum veículo sairia funcionando.

O problema deste país é justamente esse. Administradores públicos treinados nas melhores escolas do Brasil são sistematicamente preteridos para cargos de ministros, cargos de confiança e postos de comando. Toda semana o governo recebe 96 milhões de reais de impostos dos 8 000 carros novos que entram em circulação na cidade de São Paulo.

Mesmo assim, estradas não são construídas. Isso porque falta a "mão visível do administrador público", preterido governo após governo por políticos e acadêmicos nem sempre com a experiência em planejamento e gestão adequada.

Em vez de mais impostos, mais taxas de pedágio, mais dias de proibição para circulação de veículos – as soluções apresentadas até agora –, administradores públicos teriam sugerido e feito o seguinte:

1. Investido boa parte dos 25 bilhões de reais de ICMS e IPI pagos anualmente pela indústria automobilística em estradas, sistemas viários e metrô.

2. Investido a totalidade dos 12 bilhões arrecadados pelo IPVA em ruas, estradas e transporte público. Impostos que permitiriam construir 20 000 quilômetros de estradas por ano.

3. Proibido estacionamento privado em vias públicas, especialmente de caçambas de entulho, um inaceitável uso privado de espaço público.

4. Permitido aos táxis esperar em qualquer ponto, em vez de voltar vazios ao ponto original.

5. Eliminado o rodízio. Oito por cento dos carros de São Paulo são velhos, mantidos por famílias abastadas para ser usados como o "carro do rodízio", que vive quebrando e congestionando o trânsito.

6. Instalado semáforos com contagem regressiva, para alertar o motorista distraído da frente.

Proibir estacionamento em vias públicas requer planejamento. Gastam-se quatro anos para construir estacionamentos verticais em cada esquina, dobrando o fluxo trafegável da cidade. Não é uma lei que possa vigorar no dia seguinte.

Se você está parado no trânsito e na vida, lute para que nossos administradores públicos ocupem os postos para os quais foram treinados.

Pergunte-lhes que outras soluções eles oferecem para nossos problemas. Entreviste-os, se você é um jornalista progressista preocupado com o marasmo da gestão pública em geral. Eles são os profissionais mais treinados e preparados que temos para planejar o futuro deste país.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Por MÔNICA TARANTINO Ilustrações: FERNANDO BRUM

A nova arma contra o stress

Psicólogos ensinam uma moderna maneira de superar os traumas e desgastes do dia-a-dia - e ainda aprender com eles

De vez em quando, uma idéia contagia o mundo. Na área da psicologia e da psiquiatria, o mais recente conceito a virar moda é o da resiliência.

Nos últimos cinco anos, ele passou a fazer parte do vocabulário de universidades, serviços de apoio governamentais, hospitais e empresas.

O fenômeno é especialmente intenso nos Estados Unidos e no Canadá, mas está ocorrendo também em países como a França, a Alemanha e a Noruega, onde já existem centros de estudo e instituições dedicadas ao tema. Mas o que o termo pode acrescentar às nossas vidas? Muito. E o que ele significa?

É a mais nova arma usada para ajudar os indivíduos a suportar melhor as pressões da vida moderna. Sejam elas de grandes dimensões, como as perdas de emprego, sejam as pequenas, aquelas provocadas por aborrecimentos no trânsito, no cinema, em casa com a empregada doméstica ou com um vizinho.

Na verdade, resiliência é um conceito oriundo da física, que define a capacidade de um objeto retomar a sua forma original depois de sofrer um impacto. Como a bola de futebol depois do chute.

O que os especialistas estão fazendo é se apropriar da idéia para se referir à capacidade que uma pessoa tem de reestruturar sua vida após um impacto adverso de qualquer natureza, como explicou à ISTOÉ a cientista Anne Borge, do Instituto de Psicologia da Universidade de Oslo, na Noruega, uma das mais respeitadas autoridades nesse campo.

Resiliência significa o bom desenvolvimento em contextos significativamente desfavoráveis. É o reconhecimento de que existe uma grande variação nas respostas das pessoas a esses tipos de situações. Alguns sucumbem ao menor stress, enquanto outros lidam com sucesso com as mais terríveis experiências", disse.

No Brasil, o conceito começa a ganhar espaço. Na última semana, o Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP) anunciou a criação de grupos de resiliência com duração de três meses para pessoas que anseiam por uma maneira de enfrentar com menos sofrimento as agruras do dia-a-dia. Desde então, os telefones do Instituto de Psiquiatria não pararam mais de tocar.

A média é de 50 ligações por dia de interessados. À frente do projeto está o psiquiatra Elko Perissinotti, que desde janeiro ministra treinamentos semanais de resiliência a pacientes de síndrome do pânico, transtorno bipolar, fobia social e transtornos obsessivos-compulsivos, entre outros distúrbios.

"Essas pessoas se sentem muito fragilizadas. Muitas vezes, nem sequer conseguem dizer não por medo da rejeição. Dou a elas recursos para manejar melhor o cotidiano", situa o psiquiatra.

Com a ajuda de técnicas de psicodrama, durante esses encontros os participantes recriam as cenas problemáticas para que a platéia as discuta e proponha outros desfechos.

A receptividade à idéia de estender esse treinamento a indivíduos sem nenhum transtorno surpreendeu o psiquiatra. "Não esperava tanta gente", diz.

A perspectiva de sair com menos arranhões e até com saldo positivo dos impasses comuns na vida doméstica e profissional é sedutora.

As empresas sabem disso e têm investido nos cursos para aumentar o grau de resiliência dos funcionários, que, segundo uma pesquisa feita pela International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), é baixo.

No levantamento realizado pela entidade em três Estados brasileiros com 1.635 pessoas, apenas 227 delas reuniam as características que definem um ser resiliente. "Estamos falando da capacidade de a pessoa suportar o stress e superá-lo.

Ela cresce emocionalmente interpretando os problemas como desafios, resolvendo conflitos com criatividade e sendo flexível para se adaptar às situações", diz a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da entidade. Nos cursos que organiza nas empresas, ela mostra como essa competência pode ser desenvolvida.

"Os estudos revelam que ter boa auto-estima, objetivos claros em diversas áreas da vida, espiritualidade e fé e boas redes de apoio, como laços afetivos e familiares sólidos e verdadeiros torna as pessoas mais resilientes", explica. Mas não se deve confundir resiliência com conformismo.

Na prática, o esforço para fazer florescer a resiliência se confunde um pouco com as técnicas de controle do stress e outras aplicadas para lidar com situações complexas (chamadas de coping). "O controle do stress remete a métodos para lidar com a sobrecarga - entre eles fazer esporte ou meditação.

Já o coping refere-se às estratégias de enfrentamento que uma pessoa usa para suportar uma situação adversa. Diante da doença, pode rezar ou ir ao médico.

A resiliência está relacionada a esses aspectos, mas considera fatores internos e externos", explica o médico e psicoterapeuta João Figueiró, de São Paulo, pesquisador do HC/SP que estuda o tema.

O sentido da resiliência, para alguns especialistas, é ainda mais profundo e está conectado com os primeiros estudos sobre o assunto. No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os psicólogos começaram a estudar as características de pessoas que não tinham sucumbido aos terríveis sofrimentos dos campos de concentração nazistas.

Por que elas resistiram e outras não? O mesmo se via em crianças que conseguiam Fimanter o desenvolvimento normal, apesar da perda dos pais ou de terem sofrido traumas, como o assédio sexual. A princípio, pensava-se que possuíam algum tipo de invulnerabilidade, mas com o tempo as descobertas mostraram outras razões.

"Hoje sabemos que há fatores de proteção que podem ser estimulados desde a infância. Um deles é a sensação de ser amado", diz a psicóloga Sandra Cabral Baron, da Universidade Federal Fluminense e coordenadora da rede Resiliência, projeto que combina várias formas de expressão artística, como dança, pintura e música, para fortalecer a criançada em situação de risco nas favelas cariocas.

Na opinião da norueguesa Anne, de fato essas redes de apoio social, como organizações de bairro, entidades de jovens e até rodas de samba, têm um papel central na construção dessa capacidade.

A psicóloga Sandra segue a linha de ação do neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik, que tem viajado pelo mundo aplicando suas idéias sobre resiliência em países vitimados por catástrofes, como a Tailândia, atingida pelo tsunami, e a Bósnia, depois da guerra.

Autor de cinco livros, dois deles traduzidos para dez idiomas, Cyrulnik é o protagonista de uma grande polêmica no campo da psicologia. Ele contesta a idéia de que pessoas que passaram por grandes traumas ou carências terão seu desenvolvimento limitado para sempre.

"A nossa história não é nosso destino", afirma. Cyrulnik defende que é possível sobreviver criativamente aos traumas e redescobrir a alegria de viver, desde que a pessoa tenha experimentado na infância uma boa relação afetiva.

Por sua força, as teorias da resiliência são um campo novo e vasto que tem se mostrado extremamente importante em face das turbulências do mundo concontemporâneo.

Elas têm sido cada vez mais aplicadas no atendimento a populações vulneráveis e castigadas por guerras e desastres naturais.

Nas intervenções feitas nesses locais, os pesquisadores têm compreendido melhor os mecanismos que fazem uma pessoa e até uma cidade inteira responder de maneira positiva e criativa a uma catástrofe.

Algumas dessas constatações foram tema de debate em abril deste ano, durante uma conferência que reuniu em Estocolmo, na Suécia, intelectuais de vários campos do conhecimento, como ecologistas, especialistas em ética, psicologia e sociologia. "Temos olhado apenas para as adversidades.

Mas a existência de sociedades que se desenvolvem melhor do que outras, mesmo com problemas semelhantes, mostra que o ser humano tem recursos de autocorreção.

E que eles nos dão a esperança de achar caminhos para melhorar os métodos de prevenção e proteção da saúde e bem-estar humanos", afirma.


14 de junho de 2008
N° 15632 - Nilson Souza


Alienígenas

O primeiro frio de junho me fez espirrar, e me lembrei imediatamente daqueles índios isolados que apontavam suas flechas para o avião da Funai, nas imagens divulgadas ao mundo no mês passado.

Eram dois homens inteiramente pintados de vermelho e uma mulher coberta de tinta preta, eles aparentemente preparados para se defender da invasão alienígena e ela aparentemente apenas curiosa, pois não portava arma nem parecia tão assustada com a visão da máquina voadora.

Por que me lembrei deles? Ora, porque os especialistas vivem dizendo que um simples resfriado desses que nos atingem a cada inverno seria suficiente para dizimar tribos inteiras que nunca tiveram contato com as doenças do homem branco.

De minha parte, os irmãos selvagens podem ficar tranqüilos: não tenho a mínima vontade de pisar naquele fim de mundo cercado de verde, num ponto qualquer entre o Acre e o Peru.

Mas aquela imagem mexeu comigo. Não pude deixar de pensar que o avião dos pesquisadores deve ter assustado mais aquelas criaturas do que as caravelas européias no século 16. Com uma diferença abissal: os portugueses e os espanhóis não vieram para tirar fotografias dos nossos bisavós nativos.

Vieram para levar suas riquezas, para tomar-lhes as terras, para corromper suas vidas e para inocular a culpa e o pecado em suas almas ingênuas.

Agora, também aparentemente, somos alienígenas menos gananciosos. Por enquanto, num primeiro sobrevôo, nos contentamos com essas imagens digitais que capturam aquele mundo estranho no interior da Floresta Amazônica e o transportam quase que instantaneamente para a primeira página dos nossos jornais.

A cena causa duplo espanto: eles, com os corações aos pulos e o arco retesado, apontando flechas do passado para os nossos olhos; e nós, perplexos com a descoberta ancestral e com a existência de vida inteligente sem telefone celular, computador e televisão, mas acreditando que podemos vencer aquelas armas precárias com um simples espirro.

Alienígena é sempre o outro. E no entanto somos tão iguais nos nossos sentimentos, nos nossos assombros e nos nossos temores.

Aposto como no cair da noite, depois de tirar o medo da cabeça e o urucum do corpo, um daqueles grandalhões imberbes deve ter comentado baixinho para os companheiros de refeição, lá na língua deles, o mesmo que todos dissemos quando vimos as fotografias: - Que coisa!

segunda-feira, 9 de junho de 2008



09 de junho de 2008
N° 15627 - Kledir Ramil


Música e sexo

Música é que nem sexo. Dá pra fazer sozinho, mas se tiver parceria é muito melhor. A vantagem da música é que pode ser praticada em público, sem que ninguém ache isso esquisito.

Tanto uma coisa como a outra envolvem paixão e sensibilidade. Para se conseguir uma boa performance é preciso habilidade manual e emoção à flor da pele. Durante a atuação, dependendo do estilo, é possível que os corpos comecem a sacudir descontroladamente e ao final é comum que se escutem gritos e elogios.

O objetivo imediato das duas atividades é o mesmo: o prazer, o deleite, o entretenimento. A música é uma arte efêmera, precisa ser gravada para que as pessoas lembrem dela em sua plenitude.

O sexo também é uma arte fugaz e fica registrado apenas na nossa memória afetiva, já que não inventaram um CD pra isso. A prática sexual pode levar as pessoas ao paraíso.

Através da música é mais difícil chegar lá, mesmo que o arranjo use glissandos de harpa e badalar de sinos. O sexo também costuma dar frutos a médio prazo. Uma espécie de corrente sem fim, com gente saindo de dentro de gente.

A música pode ser praticada sem camisinha, mas em certos ambientes é recomendável o uso de casaca. O sexo, ao contrário, fica melhor se você estiver despido.

Para quem quer estudar, existem cursos nos quais se ensina harmonia, solfejo, regras e estruturas musicais. Já o sexo, não tem partitura. Você tem que improvisar. Não há escola. A única forma de aprender é com professor particular.

A música já entrou na era digital, circula pela rede em formato mp3. No caso do sexo, ainda estamos aguardando uma forma efetiva de compartilhamento online, que não fique só no voyeurismo. As novas telas com sensibilidade ao toque são um primeiro passo.

É possível praticar sexo escutando música, mas é difícil fazer música com alguém falando gracinhas no seu ouvido.

Para apresentar canções, além da boca, você vai precisar de alguns instrumentos. Para fazer amor, depende das suas preferências.

Em geral, quem trabalha com música recebe pagamento por direitos autorais. Quem é profissional do sexo, também. A diferença é que não há burocracia. Parafraseando Luis Fernando Veríssimo: o sexo, graças a Deus, não é organizado pelo Ecad.

Ótima Segunda-feira e uma excelente semana para todos nós. - Parabéns aos aniversariantes de ontem, de hoje e de amanhã

sábado, 7 de junho de 2008



08 de junho de 2008
N° 15626 - Martha Medeiros


Absolvendo o amor

Duas historinhas que envolvem o amor.

A primeira: uma mulher namora um príncipe encantado por três meses e então descobre que ele não é príncipe coisa nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. São todos assim, os homens. Ela resmunga: "não dá mesmo para acreditar no amor".

Peraí. Por que o amor tem que levar a culpa desses desencontros? Que a princesa não acredite mais no Pedro, no Paulo ou no Pafúncio, vá lá, mas responsabilizar o amor pelo fim de uma relação e a partir daí não querer mais se envolver com ninguém é preguiça de continuar tentando. Não foi o amor que caiu fora. Aliás, ele talvez nem tenha entrado nessa história.

Quando entra, é para contribuir, para apimentar, para fazer feliz. Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima.

Fique com o cartão dele, você vai chamá-lo de novo, vai precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque este estará sempre a postos. Viver sem amor por uns tempos é normal.

Viver sem amor pra sempre é azar ou incompetência. Só não pode ser uma escolha, nunca. Escolher não amar é suicídio simbólico, é não ter razão pra existir. Não adianta querer compensar com amor pelos amigos, filhos e cachorros, não é com eles que você fica de mãos dadas no cinema.

Segunda história. Uma mulher ama profundamente um homem e é por ele amada da mesma forma, os dois dormem embolados e se gostam de uma maneira quase indecente, de tão certo que dá a relação.

Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tic-tac excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha, adivinhe por quê: culpa.

Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado em matérias de jornal e em pesquisas, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e que ameaça ser eterno. Culpa, a pobre mulher sente, e mais: sente medo. Nem sabe de quê, mas sente.

Medo de não merecê-lo, medo de perdê-lo, medo do dia seguinte, medo das estatísticas, medo dos exemplos das outras mulheres, daquela mulher lá do início do texto, por exemplo, que se iludiu com mais um bobalhão que desapareceu sem deixar rastro - ou bobalhona foi ela, nunca se sabe.

Mas o fato é que terminou o amor da mulher lá do início do texto, enquanto que essa mulher de fim de texto, essa criatura feliz e apaixonada, é ao mesmo tempo infeliz e temerosa porque teve a sorte de ser premiada com aquilo que tanta gente busca e pouco encontra: o tal amor como se sonha.

Uma mulher infeliz por ter amor de menos, outra infeliz por ter amor demais, e o amor injustamente crucificado por ambas.

Coitado do amor, é sempre acusado de provocar dor, quando deveria ser reverenciado simplesmente por ter acontecido em nossa vida, mesmo que sua passagem tenha sido breve. E se não foi, se permaneceu em nossa vida, aí é o luxo supremo.

Qualquer amor - até aqueles que a gente inventa - merece nossa total indulgência, porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, não é ele, somos nós.

Um excelente domingo e um ótimo início de semana.
Goles de juventude

O resveratrol, encontrado no vinho tinto, retarda o envelhecimento, segundo uma pesquisa americana

Anna Paula Buchalla - Pedro Rubens

Nenhuma bebida atrai tanto a atenção da medicina quanto o vinho tinto. Seu consumo está associado a uma série de benefícios à saúde.

A mais recente descoberta sobre a bebida estende seus efeitos ao aumento da expectativa de vida – ao menos em ratos. Isso graças ao resveratrol, substância com propriedades antioxidantes e antiinflamatórias encontrada na casca e nas sementes das uvas vermelhas.

O estudo, feito por pesquisadores da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, e publicado na revista científica PLoS One, revelou que não são necessárias doses altas de resveratrol para que a substância tenha ação antienvelhecimento.

"Em baixas quantidades e consumido a partir dos 40 anos, já é possível obter os benefícios antiidade", diz um dos autores do trabalho, o brasileiro Tomas Prolla. O processo pelo qual o resveratrol retarda o envelhecimento se dá pelos mesmos mecanismos da restrição calórica.

Vários trabalhos (também em animais) já provaram que uma redução de 20% a 30% nas calorias consumidas diariamente aumenta em até 40% a longevidade – sem os efeitos mais perniciosos do envelhecimento.

Em ambos os casos, há uma alteração num conjunto de centenas de genes envolvidos na degradação celular.

A aposta da medicina no resveratrol é alta. Na semana passada, a gigante do setor farmacêutico GlaxoSmithKline pagou 720 milhões de dólares pelo laboratório Sirtris, que desenvolve medicamentos baseados em moléculas análogas à do resveratrol.

O fundador do Sirtris, o médico David Sinclair, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, descobriu que o resveratrol também age em outra frente antiidade: estimula a produção e o funcionamento de uma família de enzimas conhecidas como sirtuínas, que agem como guardiãs das células.

Em quantidades elevadas, essas enzimas tornam-se mais eficientes no reparo do DNA e, assim, prolongam a vida das células.

Beber vinho faz bem, mas, quando se fala em doses moderadas, não cabem aí subjetividades. O ideal são poucos copos por semana para todo mundo. "O consumo excessivo da bebida neutraliza seus benefícios. Adquire-se peso e, na pior das hipóteses, cirrose", diz o cardiologista Daniel Magnoni.

Os benefícios atribuídos ao vinho

Antienvelhecimento

O resveratrol é uma substância encontrada na casca da uva vermelha. O estudo mais recente indica que ela atua em um conjunto de genes associados ao envelhecimento. A substância retarda o processo de envelhecimento de vários tecidos, como o cerebral, o muscular e o cardíaco, em especial

Combate às doenças cardiovasculares

O resveratrol aumenta o HDL, o bom colesterol, e diminui o LDL, o colesterol ruim. Além disso, a substância é um potente vasodilatador que, ao relaxar as artérias, melhora a circulação sanguínea

Prevenção do câncer

Estudos em animais indicam que o resveratrol, por seus poderes antioxidantes, ao combater a ação dos radicais livres, preservaria as células de lesões que podem levar ao câncer

Combate a dores articulares

Atribui-se aos polifenóis, grupo do qual o resveratrol faz parte, capacidade analgésica – sobretudo em pacientes vítimas de artrite. A analgesia, ainda que baixa como mostram os estudos, deve-se às características antiinflamatórias da substância

Prevenção da doença de Alzheimer

O resveratrol, sugerem os estudos em neurologia, evitaria o depósito no cérebro das placas de proteína tóxicas, que levam os neurônios à morte