sábado, 31 de outubro de 2009



01 de novembro de 2009
N° 16142 - MARTHA MEDEIROS


O último a lembrar de nós

REcentemente li Rimas da Vida e da Morte, do excelente Amós Oz, que narra os delírios de um escritor que, ao participar de um sarau literário, começa a olhar para cada desconhecido na plateia e a criar silenciosamente uma história fictícia para cada um deles, numa inspirada viagem mental. Lá pelas tantas, em determinado capítulo, o autor comenta algo que sempre me fez pensar: diz ele que a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que lembra de nós.

Pode ser um filho, um neto, um bisneto ou um admirador, mas enquanto essa pessoa viver, mesmo a gente já tendo morrido, viveremos através da lembrança dele. Só quando essa pessoa morrer, a última que ainda lembra de nós, é que morreremos em definitivo, para sempre. Estaremos tão mortos como se nunca tivéssemos existido.

Pra minha sorte, tive poucas perdas realmente dolorosas. Perdi um querido amigo há mais de 20 anos, e perdi uma avó que era como uma segunda mãe. Lembro deles constantemente, sonho com eles, busco-os na minha memória, porque é a única homenagem possível: mantê-los vivos através do que recordo deles.

Daqui a 100 anos, ninguém mais se lembrará nem de um, nem de outro, eles não terão mais amigos, netos ou bisnetos vivos, eles estarão definitivamente mortos, e pensar nisso me dói como se eles fossem morrer de novo.

Aquele que compõe músicas, faz filmes, escreve livros, bate recordes ou é um Pelé, um Picasso, um Mozart, consegue uma imortalidade estendida, mas, ainda assim, será sempre lembrado por sua imagem pública, não mais a privada, não mais a lembrança da sua voz ao acordar, da risada, do bom humor ou do mau humor, não mais daquilo que lhe personificava na intimidade.

Serão póstumos, mas não farão mais falta na vida daqueles com quem compartilharam almoços, madrugadas, discussões, já que essas testemunhas também não estarão mais aqui.

Alguém me disse: se você acreditasse em reencarnação, nada disso te ocuparia a mente. De fato, não acredito, e mesmo que eu esteja enganada, de que me serve a eternidade sem poder comprová-la? Se sou um besouro reencarnado ou se já fui uma princesa egípcia, que diferença faz? Minha consciência é que me guia, não minhas abstrações. Sou quem sou, sou aquela que pode ser lembrada. Não me conforta ser uma especulação.

É provável que ainda não tenha nascido aquele que será o último a me recordar, a rever minhas fotos, a falar bem ou mal de mim. Nem tive netos ainda. Qual será a data de minha morte definitiva? Não será a do meu último suspiro, e sim a do último suspiro daquele que ainda me carrega na sua lembrança afetiva – ou no seu ódio por mim, já que o ódio igualmente mantém nossa sobrevivência. Cafajestes e assassinos também se mantêm vivos através daqueles que lhes temeram um dia.

Nessa véspera de Finados, queria fazer uma homenagem a ele: ao último ser humano a lembrar de nós, a ter saudade de nós, a recordar nosso jeito de caminhar, de resmungar, o último a guardar os casos que ouviu sobre nós e a reter nossa história particular.

O último a pronunciar nosso nome, a nos fazer elogios ou a discordar de nossas ideias. O último a permitir que habitássemos sua recordação. Bendita seja essa criatura, que ainda nos manterá vivos para muito além da vida.

Bendita seja essa criatura, que ainda nos manterá vivos para muito além da vida


Pequeno manual da civilidade

As pequenas vantagens de virtudes grandemente subestimadas, analisadas por quem entende tudo do assunto, desde sempre

Juliana Linhares - Montagem sobre foto divulgação
NÃO LIBERTE O MONSTRO QUE EXISTE EM VOCÊ



A vida em estado natural: "Solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta"

Engana-se quem pensa que civilidade é uma matéria relacionada a senhores pomposos e mesas cobertas de talheres esquisitos. Mas é verdade que o tema foi tratado por cavalheiros com quilometragem de pelo menos alguns séculos.

Tudo o que disseram, porém, sobre a necessidade de convenções sociais para promover a boa convivência e administrar conflitos permanece de urgente contemporaneidade. Quando Schopenhauer, o gigante da filosofia alemã do século XIX, dizia que as pessoas deveriam seguir o comportamento do porco-espinho - se fica muito perto de seus pares, morre espetado; se fica muito longe, morre de frio -, não estava pensando no uso do telefone celular em público, mas bem que poderia.

Thomas Hobbes, um dos gênios do pensamento político produzidos pela Inglaterra, constatou no século XVII que em estado natural, sem as construções sociais, "a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".

Em outras palavras, um congestionamento em São Paulo em dia de chuva. Por isso, emergem leis necessárias, entre as quais que "os homens cumpram os pactos que celebrarem" (e não parem em fila dupla, por exemplo) e "não declarem ódio ou desprezo pelo outro por atos, palavras, atitude ou gesto" (e não façam perfis falsos na internet).

Especialistas em ética, comportamento e controle dos monstros interiores fazem análises e sugestões nesse pequeno manual das virtudes da civilidade. Todo mundo pode aprender - e até lucrar com elas.

"O stress é causado em grande parte por relacionamentos humanos mal resolvidos. Se melhorarmos a capacidade de nos relacionar, teremos menos brigas, menos stress e, consequentemente, menos processos e pessoas doentes", diz o italiano Piero Massimo Forni.

Professor da Universidade Johns Hopkins e um dos maiores especialistas mundiais no estudo da civilidade, ele até calculou o custo da falta dela nos Estados Unidos: 30 bilhões de dólares por ano. Já pensaram se ele conhecesse o Congresso brasileiro?

Questão de honra

Houve um tempo em que tudo girava em torno dela: ter honra era ser um legítimo membro da tribo; não ter, preferível morrer. O conceito de honra, na sua interpretação mais tradicional, nasceu na Grécia antiga, foi remodelado em Roma e reemergiu na Idade Média.

"Na época feudal, a honra era uma qualidade atribuída aos nobres, essencialmente guerreiros, cuja função social era proteger o rei, as crianças e as mulheres", diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp. Hoje, a HONRADEZ pode ser mais relacionada à fidelidade aos próprios princípios ou ao próprio eu.

Ou, no popular, ter vergonha na cara. É por isso que o tribunal da própria consciência continua a pesar mesmo quando se alega que "todo mundo faz", a começar dos "caras lá de cima", então "que mal tem" em levar a avozinha para passar na frente na fila de comprar ingresso, desrespeitar a precedência na hora de pegar uma vaga no estacionamento do shopping ou deixar uma toalha guardando lugar o dia inteirinho na espreguiçadeira da piscina disputada?

O mal, evidentemente, está em desprezar a própria dignidade.

Lya Luft

Não fui eu!

"Como tantas coisas neste mundo contraditório, a internet é ao mesmo tempo covil de covardes e terra de maravilhas"

Há semanas venho recebendo, via e-mail de amigos ou conhecidos, um texto com meu nome, às vezes até com minha fotografia, mas que não é meu. Pessoas me abordam para dizer que o receberam de outras, e eu negando, tentando esclarecer: não fui eu!!! Eu não o escreveria.

É um texto cretino, dizendo entre outras bobagens que numa palestra para mulheres, que nunca dei, eu falava "coisas inteligentes" fazia mais de uma hora, e ninguém reagia. E que então decidi usar de um recurso especial: "Revelei minha idade, e toda a plateia fez um ahhhhhh de espanto".

Primeiro, eu jamais diria que falei para uma plateia pouco inteligente, e nunca precisei revelar minha idade: ela sempre foi de domínio público, tão natural quanto ter olhos azuis e me chamar Lya.

Aliás, não tem a menor importância. Idade é natural, apesar do universo de narizes diminutos, sobrancelhas no meio da testa, bocas ginecológicas e caras inexpressivas que se multiplicam na paisagem. Nem ao menos sou do tipo que, por magrinha ou serelepe, pareça ter menos do que tem.
Ilustração Atômica Studio

O que me chama atenção em tudo isso não é me atribuírem um texto alheio, mas quanto estamos desarmados, despreparados, indefesos, nessa mistura de terra de ninguém e ferramenta extraordinária que se chama internet. Uso computador há muitíssimos anos. Ando pela internet para pesquisar, viajar, me comunicar (com pouquíssimas pessoas), para me informar.

Para ler vários jornais do país e do mundo. Para comprar livros. Para visitar ou rever museus e outros lugares. Para reservar hotel quando preciso. Para ler artigos de qualquer assunto que me interessa.

Mas, nas raras vezes em que entro em algum blog, me assustam os comentários que qualquer um pode ali postar, sem dar seu nome, escrevendo as coisas mais disparatadas ou violentas, sem que o atingido possa se defender. Cansei de receber textos apócrifos, que seriam de Drummond, Pessoa, Verissimo, Clarice e, agora, meu. Basta um rápido olhar e, se estamos familiarizados com os autores, sabemos: isso não é dele, dela.

Porém, muitas vezes não há como saber. Engolimos sapos desse tipo, como recebemos mensagens com vírus, mensagens que são spam, mensagens que são bobajadas. Um bom antivírus ou anti-spam sempre ajuda.

Porém, usarem nosso nome embaixo de algum texto falso e a gente nem ter como dizer "não, pelamordedeus, não fui eu!", admito: é incômodo.

Acusar alguém injustamente de qualquer imoralidade, invadir ou distorcer a vida pessoal de alguém, escrever frases insultuosas, ameaçadoras, hostis, sob a capa repulsiva do anonimato, é um crime contra a já tão achincalhada ética. Mas como encontrar o criminoso? Que leis lhe aplicar? O jeito é dar de ombros. Nem sempre dá para dar de ombros. Às vezes machuca.

Ofende. Prejudica quem é inocente, alegra quem é perverso. No espaço cibernético podemos caluniar e destruir ou elogiar e endeusar quem quer que seja, sem revelar nossa identidade. Também podemos trabalhar, pesquisar, nos comunicar, aprender, nos deliciar, sem sair de casa. Como tantas coisas neste mundo contraditório, a internet é a um tempo covil de covardes e terra de maravilhas.

Na prerrogativa deste espaço, a quem interessar possa, estou mais uma vez avisando: o tal artigo em que eu teria assombrado uma plateia de mulheres apalermadas revelando o mistério dos meus 71 anos não é meu. Certamente vai adiantar pouco.

Em breve vou receber o texto mais uma vez, e outra: e escutar comentários, entre elogiosos e hesitantes, sobre quanto ele foi "bom". Possivelmente outros textos falsamente meus já apareceram e nem me dei conta. O melhor nesses casos é não ligar, não dar bola, achar graça.

Achei graça por algum tempo, mas, quando um número cada vez maior de amigos ou leitores me vem dizer que receberam o tal artigo, com foto, quem sabe com musiquinha atroz (já circularam por aí poemas meus ou falsos com todo tipo de musiquinha), já estou sorrindo menos.

Aviso aos navegantes: vão continuar circulando por aí textos meus, falsos e reais, bons e muito ruins. Esses, não fui eu!


Você é financeiramente saudável?

Um novo conceito de independência financeira diz que ela só existe quando se trabalha por prazer ou lazer, não por necessidade. Faça o teste para saber se suas finanças andam bem e confira como alcançar tal independência
LAURA LOPES

Domingues, no lançamento do audiolivro. Segundo ele, independência financeira é quando se trabalha por prazer, ou lazer



"Independência financeira é quando se trabalha por prazer, e não por necessidade de seu ganho. Para isso, é preciso ter um montante aplicado cujos juros paguem de duas a três vezes o seu padrão de vida mensal. Não é dinheiro de bilionário, não é ser rico. É dizer que você pode se sustentar de ganhos que não dependam do seu trabalho." Esse conceito de "independência financeira" é de autoria de Reinaldo Domingos, consultor financeiro.

Se esse tipo de indepedência só se consegue quando o sujeito não precisa mais trabalhar para se sustentar, então a sociedade está andando pelo caminho errado. O que ela precisa é poupar, e não usar e abusar dos créditos disponíveis. "As pessoas precisam ter uma reserva, a reserva da independência financeira. Por isso elas nunca param de trabalhar. E hoje vivem até os 100 anos!", afirma Domingos.
Arquivo

Ele é autor do livro Terapia Financeira, que ganhou a versão em audiolivro no começo de outubro. Na publicação, o consultor sugere que o ouvinte siga a Metodologia DiSOP de Educação Financeira, "que leva qualquer pessoa à sua independência financeira".

DiSOP significa Diagnóstico, Sonho, Orçamento e Poupança, os quatro pilares para o endividado se tornar um feliz investidor. Primeiro, é preciso relacionar todas as despesas do dia, durante três meses, no máximo. Diante do relatório de gastos, avaliar quanto se gasta em supérfluos, bobagens e evitáveis. Essa é a tarefa mais difícil, uma vez que as pessoas temem saber ou encarar seus gastos reais.

A pessoa tem medo de sua verdadeira situação financeira, de descobrir como ela chegou a tamanho grau de endividamento. "Ela diz: 'já estou devendo mesmo, nem quero ver'. Permanece em desequilíbrio financeiro e não quer encarar o problema", diz Domingos.

Depois do primeiro choque, a próxima tarefa se torna prazerosa: relacionar todos os seus sonhos de consumo. Um carro? Uma viagem? Uma casa? Uma roupa de festa? Qualquer que seja o sonho, ele custa dinheiro e a sua compra deve ser muito bem planejada. Depois, é preciso colocar tudo na ponta do lápis e montar o orçamento mensal.

Manter o equilíbrio entre quanto se ganha e quanto se gasta é importante, mas mais importante ainda é saber poupar – para os sonhos. Adequar seu padrão de vida ao que se ganha é fundamental. "Você não pode aumentar seu padrão de vida porque ganhou um pequeno aumento", afirma o consultor.
Saiba mais

O primeiro item que deve constar do orçamento é a parcela para a realização do sonho. "Eu sou sempre a favor de se pagar à vista, porque você ganha mais descontos", diz Domingos. Se a pessoa guarda uma quantidade "x" durante "y" meses, conseguirá "comprar o sonho" à vista e com desconto.

Mas as pessoas são ansiosas e sofrem pressão do marketing e do crédito fácil, que acabam por facilitar a compra impensada, o consumo imediato, que costuma quebrar o equilíbrio das finanças. Com isso, compra-se um bem que não estava planejado e com dinheiro que nem existe.

Além da quantia destinada ao sonho, também é preciso separar um tanto para o investimento que vai proporcionar a tal independência financeira. O que sobrar vai para gastos fixos e, quem sabe, até os supérfluos.

Parece fácil, mas exige muita disciplina. "Se você fizer o dignóstico por um período de 30 a 90 dias por ano, já está bom. Mas todo ano tem que atualizar, porque o padrão de vida tende a subir", afirma.

Domingos preparou um teste que indica qual é a sua condição financeira atual: endividado, equilibrado financeiramente ou investidor. Se o resultado for uma das duas primeiras opções, melhor começar a pensar mais seriamente sobre o DiSOP.
Deu certo para Domingos, que nasceu em família humilde no interior de São Paulo e conquistou sua independência finaceira aos 37 anos – a melhor propaganda para o seu método.


31 de outubro de 2009 | N° 16141
NILSON SOUZA


Sr. Redactor

No dia 25 de setembro de 1827, o Diario de Porto Alegre – primeiro jornal desta província de homens bravos, mulheres bonitas e monumentos públicos horrorosos – publicou em sua capa uma carta de leitor. O autor era um cidadão indignado com as autoridades da época. Sentia-se humilhado por ter sido preso em flagrante depois de ter agredido um “moleque”, como eram chamados os jovens escravos da época.

Ocorre que o cativo pertencia ao juiz, que acionou o alcaide, que colocou o sujeito atrás das grades por oito horas. Bem feito! – poderíamos dizer tranquilamente hoje, 182 anos depois. Mas, naqueles tempos incandescentes, o homem não se conformou e escreveu uma longa carta ao jornal, desafiando-o:

– E que tal, Sr. Redactor! Será digno o caso de se lhe dar publicidade, ou não?

Conseguiu o que queria. Sua denúncia contra o que considerou abuso de autoridade acabou sendo publicada e ganhou perpetuidade, pois está na primeira página de um dos exemplares do acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa. Mas o que me chama atenção nesse episódio nem é o fato de o homem se julgar injustiçado porque foi punido por ter dado “huma pequena bofetada num moleque captivo”.

Fico mais espantado com a existência, já naqueles tempos pretéritos, da interatividade jornalística – esta relação de mão dupla entre o público e os meios de comunicação. Ao dar guarida para seu leitor, aquela modesta publicação já cumpria, quase dois séculos atrás, uma das atribuições do jornalismo moderno.

Hoje, o público participa como nunca da produção do conteúdo dos veículos de comunicação. Com a internet, o acesso ficou tão fácil e tão rápido que as pessoas reagem imediatamente a qualquer notícia, opinam sobre ela, dão informações adicionais, contribuem com fotos e vídeos, muitas vezes elaboram integralmente a mensagem que querem ver divulgada. Evidentemente, nem todos os que participam desse processo são bem-intencionados.

Alguns aproveitam a facilidade tecnológica para defender causas nem sempre defensáveis, como o homem que esmurrou o adolescente escravo e achava que estava coberto de razão.

Como agir em casos assim? Cabe ao Sr. Redactor fazer a sua parte, olhando a vida por todos os lados, divulgando ponto e contraponto, priorizando aquilo que for efetivamente de interesse do público. Um fato – seja ele uma ocorrência policial ou a observação de uma obra de arte – pode ter muitas versões. A função do jornalismo é encontrar aquela que mais se aproxima da verdade.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009



28 de outubro de 2009 | N° 16138
MARTHA MEDEIROS


Confie em Deus, mas tranque o carro

Mike Tyson segue na mídia: andou sendo entrevistado pela Oprah e fazendo um mea-culpa por uma vida inteira de desvios de comportamento. Isso me fez lembrar de quando ele foi acusado de estupro pela ex-miss Desiree Washington, em 1991. A moça havia entrado no quarto com ele, de madrugada e, ao que consta, desistiu de levar adiante a brincadeira.

Qualquer pessoa tem o direito de desistir do ato sexual na hora H e o parceiro tem o dever de respeitar a decisão, por mais fulo da vida que fique, mas deixar Mike Tyson fulo não é algo que uma pessoa de juízo arrisque. Na época, a escritora Camille Paglia disse que Tyson errou, logicamente, mas que a moça era uma idiota.

E justificou sua opinião dando o seguinte exemplo: se você estaciona seu carro numa rua escura e deixa a chave na ignição, não significa que ele possa ser roubado. Mas, se for, você foi um panaca.

Essa história sempre me volta à cabeça quando começo a ouvir algum “ai de mim”, que é o mantra das vítimas. Fico prestando atenção na história e, quase sempre, descubro que o mártir deixou a chave na ignição.

São os casos de garotas que se deixam filmar nuas pelo namorado e depois descobrem que viraram as musas do YouTube, garotos que dirigem alcoolizados a 140 km/h e acordam no outro dia no hospital, ou artistas que vivem dando barraco em público e depois se queixam por serem perseguidos por paparazzi. Eles devem se perguntar, dramáticos: onde está Deus nessa hora, que não me ajuda?

Está ajudando a encontrar sobreviventes de um tsunami ou consolando quem tem um câncer em metástase, porque esses, sim, são vítimas genuínas: mesmo deixando seus carros bem trancados, foram surpreendidos pelo destino.

“Não há prêmio ou punição na vida, apenas consequências.” Não sei quem escreveu isso, mas está coberto de razão. Sorte e azar são responsáveis por uns 10% do nosso céu ou inferno, os 90% restantes são efeitos das nossas atitudes.

Vale para o trabalho, para o amor, para o convívio em família, para o dinheiro, para a saúde da mente e também do corpo. Reconheço que os governos não ajudam, que certas leis atrapalham, que a burocracia atravanca, que o cotidiano é cruel, e até as disfunções climáticas conspiram contra. Ainda assim, avançamos (prêmio) ou retrocedemos (punição) por mérito ou bananice nossos.

Então, tranque o carro numa rua escura e também dentro da sua garagem, não entre no quarto de um neanderthal se você não estiver bem certa do que deseja, não deixe uma vela acesa perto de uma janela aberta, pense duas vezes antes de mandar seu chefe para um lugar que você não gostaria de ir, não tenha em casa Doritos, Coca-Cola e Ouro Branco se estiver planejando perder uns quilos e lembre-se do que sua bisavó dizia: regue as plantas, regue suas relações, regue seu futuro, porque sem cuidar, nada floresce.

E, por via das dúvidas, confie em Deus também, que mal não faz.

Uma excelente quarta-feira ensolarada por aqui, para todos nós.

sábado, 24 de outubro de 2009



25 de outubro de 2009 | N° 16135
MARTHA MEDEIROS


Viver a vida infantilmente

Gosto das novelas do Manoel Carlos porque os personagens conversam como se não tivessem decorado o texto, é tudo muito naturalista, e assim está sendo em Viver a Vida, mas algo tem me chamado a atenção: esse naturalismo nunca foi tão infantil. Sei que uma novela é apenas uma caricatura da realidade, mas não posso deixar de reparar que a maioria dos personagens não parece ter mais do que 16 anos.

Irmãos marmanjos correm pela casa para bater um no outro. Um advogado persegue a prima da esposa e, para “pegá-la”, vive se escondendo atrás das portas ou no banco de trás do carro, provocando gritinhos histéricos na moça, que é jornalista especializada em economia.

Esse mesmo advogado outro dia foi corrido pela personagem da atriz Maria Luiza Mendonça, que o perseguiu pelo escritório com um taco de golfe nas mãos. Alinne Moraes não caminha: saltita.

Lilia Cabral interpreta uma mulher que não tolera cinco minutos de solidão e só pensa em dar o troco no ex-marido que a largou. Giovanna Antonelli e a filhinha parecem ter a mesma idade. Taís Araújo e José Mayer curtiram a lua de mel num carrossel em Paris. Búzios também parece um parque de diversões, onde se anda de conversível com os braços pra cima, como numa montanha-russa. Imagens lindas, mas é novela das oito mesmo?

Não é Malhação?Não faz tanto tempo assim, pais e filhos não se vestiam igual, fofocas maliciosas não faziam parte das conversas de gente grande, as relações não eram descartáveis como latinhas de refri, envelhecer não parecia tão trágico, não havia tantos brinquedinhos tecnológicos para maiores de idade, e os papéis eram mais bem definidos: crianças e adolescentes tinham o direito de brincar e se divertir, enquanto os adultos colocavam ordem no galinheiro.

Piorou? Não. Acho ótimo que possamos ser joviais e divertidos até os 100 anos, mas é bom ficarmos atentos para não cair na cilada de achar que só os imaturos sabem viver a vida.

Manoel Carlos tem fama de escrever novelas realistas e está fazendo exatamente isso. Tempera todas as cenas com muxoxos, beicinhos, chiliques, deslumbramentos, birras e flertes, escancarando uma fatia da sociedade que parece não saber mais se comprometer, nem trocar ideias sem agredir, nem aceitar o sofrimento.

Uma das exceções é a personagem da atriz Lica Oliveira, que faz a charmosa mãe da Helena e que demonstra ter abandonado faz tempo o jardim de infância, esbanjando elegância e bom senso.

É novela, criatura!!

Eu sei, eu sei. E é possível que essa infantilização seja uma estratégia para contrastar com o dramalhão que vem pela frente. Mas não custa refletirmos sobre o que parece bobo, mas não é: o desprestígio da maturidade nos tempos atuais.

Sei que, no fundo, somos todos crianças grandes, só que não dá pra perder a compostura e sair atrás de quem nos enerva com um taco de golfe nas mãos. Viva a espontaneidade juvenil, mas nosso lado adulto merece continuar com algum ibope.

Ainda que com chuva, que possamos ter um lindo domingo e um ótimo início de semana.


Quase uma bicicleta

O minicarro elétrico idealizado por Jaime Lerner foi projetado para ser alugado em terminais de transporte coletivo e percorrer pequenas distâncias

Marcelo Bortoloti
Juliana Braz


O MENOR DO MUNDO
Lerner ao lado do Dock Dock: inspirado na experiência de Paris

Em 1974, quando era prefeito de Curitiba, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner implantou um modelo de transporte público que se tornaria referência mundial.

O Ligeirinho, mais tarde batizado de BRT (Bus Rapid Transit), sistema de ônibus com pistas exclusivas e embarque similar ao das estações de trem, foi copiado em 83 cidades no mundo.

Agora, Lerner está lançando um projeto no outro extremo da cadeia do transporte urbano: um veículo movido a energia elétrica com capacidade para uma única pessoa.

O Dock Dock, cujo protótipo será apresentado no fim desta semana no Rio de Janeiro, é o menor carro elétrico já concebido: mede 60 centímetros de largura, 1,38 metro de comprimento e 1,5 metro de altura. Atinge velocidade máxima de 20 quilômetros por hora e foi pensado para circular em faixas compartilhadas com pedestres, bicicletas e locais onde o trânsito de automóveis é restrito. Sua inspiração vem do Velib, sistema de bicicletas públicas de Paris.

A ideia é que os veículos funcionem como complemento do sistema de transporte coletivo, possibilitando deslocamento mais rápido do que o permitido pela caminhada e mais confortável do que sobre uma bicicleta. Como no modelo parisiense, os carrinhos serão alugados em áreas de grande circulação, próximas aos terminais de ônibus ou metrô. Os usuá-rios poderão retirá-los e devolvê-los em qualquer estação, pagando com cartão de crédito.

Essa é a grande diferença entre o Dock Dock e outros minicarros elétricos, como o Puma, da General Motors e da Segway, com lançamento previsto para 2012, que é um veículo para ser comprado e guardado na garagem do usuário, como qualquer outro.

O projeto se escora em experiências internacionais bem-sucedidas, que demonstraram a eficiência do complemento individual ao transporte público. Depois do êxito no projeto do Velib, a prefeitura de Paris planeja, para o fim de 2010, implantar o Autolib, um carro de uso coletivo, para até quatro pessoas. Serão disponibilizados 3 000 veículos elétricos em mais de 1 000 pontos da cidade.

Outra iniciativa interessante nessa linha é o Personal Rapid Transit, um veículo elétrico para até quatro pessoas que circula sobre trilhos com estações situadas a pequena distância. Ele dispensa motorista – é o usuário quem aciona um botão correspondente à estação em que deseja saltar. Um modelo piloto está sendo construído no aeroporto internacional de Londres.

A ideia central é que o transporte de massa consegue resolver o problema de grandes deslocamentos. Mas não acaba com a necessidade de deslocamento individual dentro de um mesmo bairro ou entre bairros vizinhos. "Isso provoca alguns dos principais problemas no trânsito das metrópoles", diz José Eugênio Leal, professor de engenharia de transporte da PUC-Rio.

James Leynse/Corbis/Latin Stock

NO FILÃO DOS CARROS ELÉTRICOS
O pequeno Puma, que será lançado em 2012 pela General Motors e pela Segway

O conceito de transporte complementar pode funcionar especialmente bem nas regiões centrais de grandes cidades que adotaram a opção de banir, ou reduzir drasticamente, a circulação de automóveis.

É o caso de Nova York, que, desde maio deste ano, interditou ao tráfego parte da Broadway, na Times Square. Um trecho de cinco quarteirões transformou-se numa área ampla onde só é possível circular de bicicleta ou a pé.

O Brasil também se movimenta nessa direção. São Paulo aprovou em junho um projeto de lei que prevê a restrição gradativa dos automóveis particulares no centro. No Rio, existe a intenção da prefeitura de fechar ao tráfego uma das principais avenidas centrais, a Rio Branco. Lerner enxerga aí um filão para seu veículo.

Mas sua ambição é maior que essa.

Quer fazer dele um complemento ao transporte coletivo em qualquer local de uma grande cidade.

Ainda que seja preciso construir ciclofaixas por onde passem bicicletas e seus Dock Dock. Diz Lerner: "Pode parecer complicado, mas é mais fácil do que foi construir as faixas exclusivas de ônibus".

Claudio de Moura Castro

Academia de ginástica (mental)

"Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade"

As primeiras ondas encantaram os turistas. Eles ficaram então esperando as próximas. Contudo, foram salvos por uma inglesinha bem jovem, em cujo livro de ciências estava explicado o que era um tsunami e que perigos trazia. Que corressem todos, o pior estava por vir!

Em contraste, alguns pobres coitados de Goiânia receberam doses fulminantes de radiação ao desmontar o núcleo radioativo de um aparelho de raio X vendido como sucata. Os turistas foram salvos pelo conhecimento científico da jovem inglesa. Os sucateiros foram vítimas da sua ignorância científica. Não é fortuita a nacionalidade de cada um.

H. Habermeier mostrou que, dentro de níveis comparáveis de qualidade da educação, os países com melhor desempenho em ciências obtinham resultados econômicos mais expressivos. Ou seja, há argumentos poderosos sugerindo o efeito de uma boa base científica no desempenho econômico.

Estamos cercados de aparelhos com extraordinária densidade de ciência e tecnologia. Decifrar e manipular a natureza é crítico para a nossa produtividade. A liderança do país no etanol requer que um reles pé de cana incorpore melhoramentos genéticos de altíssima complexidade.

Esses argumentos vêm sendo repetidos ad nauseam. Apesar disso, é lastimável o desempenho brasileiro em ciências. Nas provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o Brasil está entre os últimos lugares, abaixo da média da América Latina, um continente de pífio desempenho educativo (vejam o livro recente O Ensino de Ciências no Brasil, do Instituto Sangari). Quero trazer mais dois argumentos possantes.

O primeiro tem a ver com a ideia de que aprender a pensar é uma das tarefas mais nobres e mais árduas da escola. Mas, ao contrário do que almas ingênuas poderiam imaginar, não se aprende a pensar em cursos do tipo "Como pensar". Aprende-se pensando sobre assuntos que se prestam para tais exercícios. E, entre eles, as ciências oferecem um campo excepcional. Exercitamos os músculos nas academias.

E exercitamos os músculos do intelecto lidando com as ciências e outros assuntos de lógica exigente. Que fantástica academia para exercícios mentais são as teorias científicas! O rigor das definições, a precisão das leis e as abstrações disciplinadas oferecem um terreno ideal para ginásticas simbólicas. Portanto, mesmo que os conhecimentos não servissem para melhor operar em um mundo complexo, a ginástica mental que permitem é uma das fases mais nobres do processo educativo.

Ilustração Atômica Studio

Vejamos o segundo argumento. Se pensamos na contribuição da Europa nos últimos cinco séculos, muitas ideias nos vêm à cabeça.

Mas talvez uma das mais decisivas tenha sido o desenvolvimento do método científico, salto que teve Bacon e Descartes como ícones. Por trás dos gigantescos avanços científicos está o método. Com ele, a ciência avança, seja com passinhos, seja com saltos. Não há marcha a ré, pois até o erro educa.

O método impõe a disciplina de formular as perguntas de maneira rigorosa e sem ambiguidades. Em seguida, propõe e fiscaliza um plano de ação para verificar se as hipóteses para responder às perguntas, de fato, descrevem o mundo real. Sem essa disciplina para escoimar de imprecisões e equívocos a busca científica das respostas, não poderíamos ter confiança nos resultados. A vulgarização do poder da ciência se traduz nas afirmativas publicitárias de que "a ciência demonstrou...".

Sem o desenvolvimento do método científico, não teríamos os avanços tecnológicos que tanto beneficiam a humanidade. Mas o meu argumento aqui vai em outra direção. O método tornou-se uma espécie de roteiro seguro para pensar bem sobre todos os assuntos, não apenas para fazer pesquisas.

Quem aprendeu a pensar como cientista e a usar o método científico tem um raciocínio mais enxuto e rigoroso. As perguntas são mais bem formuladas e já facilitam a busca sistemática das respostas.

Não importa o assunto (mas, obviamente, uma boa base científica apenas dá a embocadura para entrar com segurança no assunto, não substitui o conhecimento específico).

Só falta dizer que há uma enorme diferença entre aprender a pensar como um cientista e decorar fórmulas, teoremas e leis. Infelizmente, nosso ensino pende para a segunda versão. E o Pisa joga isso na nossa cara.

Claudio de Moura Castro é economista


O mito da mulher triste

Sou feliz - e não sou exceção. O mundo de hoje não é de mulheres tristes, mas de lutadoras
RUTH DE AQUINO
Revista Época - RUTH DE AQUINO


Não me convenço de que a mulher seja mais triste que o homem. Ou que a mulher seja hoje mais infeliz que no século passado. Pesquisas com 1.500 pessoas, feitas anualmente de 1972 a 2006 nos Estados Unidos, revelariam essa “crescente tristeza” da mulher e “crescente felicidade” do homem.

ÉPOCA publicou reportagem na edição passada sobre isso. Depois, a revista Time deu capa. Antes que todo mundo acredite na tristeza feminina, queria dizer: acordem. Isso não é verdade.

Lembro que minha mãe, hoje com 87 anos, me dizia: “Tenha filhos homens, porque mulher sofre muito. Homem tem mais liberdade”. O tempo dela, em que a mulher não tinha como controlar o número de filhos, precisava pedir dinheiro ao homem, era malvista caso se separasse do marido, enfrentava como dramas seus ciclos biológicos... esse tempo passou. Felizmente.

O estudo “descobriu” que as mulheres estão cada vez mais tristes por uma única medida, totalmente subjetiva. A pesquisa não se baseou em nenhum histórico de internações ou rebeldia no trabalho e em casa. Americanas entrevistadas dizem que estão menos felizes.

Imediatamente, concluiu-se que as mulheres no mundo estão mais tristes que nunca. Homens citam amigas sem namorado como provas irrefutáveis da tese. Alguns dizem que a mulher foi “enganada” pela revolução sexual – talvez a solução fosse ter um homem só a vida inteira.

Eles citam a obsessão de uma minoria em parecer mais jovem, recorrendo a cosméticos e plásticas. Especialistas entendem que, claro, foi o feminismo que entristeceu as mulheres. Só pode ter sido o trabalho fora de casa o grande vilão, pela dupla jornada que sobrecarrega a mulher.

Leio as interpretações dessa pesquisa como uma ficção. Tendenciosa. Sou feliz. E não sou exceção. Mulheres bem-sucedidas no trabalho não são necessariamente mais felizes do que donas de casa. Mas o inverso também é falso.

O mundo que eu encontro como jornalista nas ruas da minha cidade, nos países que visito, não é de mulheres tristes. Mas de lutadoras. Mulheres inquietas, não acomodadas, que discutem desde a relação amorosa até seu lugar no mundo.

Não lhes basta que seu time de futebol ganhe o campeonato para que ela se diga feliz. Sou feliz – e não sou exceção. O mundo de hoje não é de mulheres tristes, mas de lutadoras

Mulher reclama mais. Sempre reclamou – isso não mudou. Ela precisou ir à rua, ser presa e espancada para conquistar direito de voto. “É a natureza da mulher”, diz Carmita Abdo, psiquiatra e professora da USP. “Por característica biológica, o homem guarda muito mais o que sente, porque mostrar fragilidades não é viril.

A mulher se expressa mais, na alegria ou na tristeza. O fato de ela se questionar mais não pode ser confundido com infelicidade. O dia em que a mulher parar de reclamar, vai enfartar tanto quanto os homens, porque doenças cardiovasculares resultam muito de emoções reprimidas.”

Como no pós-guerra, a mulher foi convocada a trabalhar fora para complementar o orçamento familiar, quem sabe agora, na crise do capitalismo americano, convém espalhar que é melhor ficar em casa? Os índices de desemprego diminuiriam se as mulheres todas resolvessem de novo se domesticar.

Os cursos à noite – de ioga, dança de salão ou filosofia e arte – estão lotados de mulheres depois dos 50. Elas viajam sozinhas ou em grupo. Vivem sete anos a mais do que os homens porque cuidam da saúde.

“A mulher, quando se aposenta, vai pintar uma tela, tecer o tapete, aprender jardinagem. O homem se arrepia só de pensar em se aposentar e ficar em casa”, diz Carmita.

Talvez toda a humanidade esteja mais triste e sobrecarregada com a sociedade moderna. Homens e mulheres sentem falta de tempo físico e mental para os filhos e para o lazer absoluto. Há superposição de funções.
Saiba mais

Por que as mulheres são tão tristes?

Simone de Beauvoir disse, em O segundo sexo, que a questão da mulher não é a felicidade, mas a liberdade.

Dos quase 200 comentários em epoca.com.br, pinço um de Camila, de São Paulo: “Será mesmo que as mulheres eram mais felizes quando tinham que ficar em casa sendo destratadas, traídas, sem liberdade para sair?

Para um homem é fácil falar. Eu quero provas”. Camila, não temos provas. Isso é um mito.
A Time e a revolução silenciosa das mulheres tristes

qui, 22/10/09
por Martha Mendonça | categoria Uncategorized
| tags felicidade, mulher, pesquisa


Em meados de setembro, fiz um post aqui no blog sobre a pesquisa americana que eu havia lido no New York Times e mostrava o crescimento da insatisfação das mulheres em relação à vida.

De acordo com os dados do estudo O Paradoxo do Declínio da Felicidade Feminina, elas estavam menos felizes do que as mulheres da década de 70, quando a série de pesquisas começou a ser feita.

O post causou debate e acabei fazendo uma matéria na ÉPOCA - Por que as mulheres são tão tristes? -, que também está rendendo muita leitura e comentários em nosso site.

Esta semana, a Time, para muitos a revista semanal mais importante do mundo, dedicou sua capa ao assunto. De onde vem esse paradoxo: se as mulheres nunca tiveram tanta liberdade, tantas opções, por que estão tão insatisfeitas?

É justamente a complexidade do mundo de hoje - quanto mais expectativas, mais chances de decepção? Ou as duplas, triplas jornadas estão pesando demais sobre nossos ombros? “Uma revolução silenciosa mudou o status da mulher americana“, diz a Time.

Em maio de 1972 - tempo em que, segundo a pesquisa, as mulheres eram mais felizes -, a revista também dedicou uma edição às mulheres, que estavam na efervescência de sua emancipação. “Onde ela está e para onde vai?”, pergunta a matéria principal.

Na capa, uma cabeça de mulher transparente mostra o que há por dentro: filhos, casamento, trabalho, feminismo, livros, consumo, troféus (e até um bob de cabelo, coisa que não se vê mais). Ou seja: muita coisa.

Mesmo achando bastante estranha essa ideia da infelicidade (e não me sentindo assim de forma alguma), tenho a sensação de que pode se tratar mesmo da semente de uma revolução silenciosa, como diz a Time.

Alguma coisa está fora da ordem. Isso não significa que tenhamos que esvaziar nossas gavetas do trabalho e passar a ficar em casa com as crianças. Mas certamente há algo a ser debatido e, talvez, modificado.

Talvez não seja algo em bloco, mas um ajuste individual, de cada uma. A ideia de que o que é melhor para cada mulher é sabido apenas por ela e deve ser seguido sem medo dos padrões, obrigações e expectativas de quem está em volta e da sociedade.

A certeza de que não há fórmulas para a vida e nem rigidez para o que vem a ser ”uma grande mulher”.

Você concorda? 


24 de outubro de 2009 | N° 16134
NILSON SOUZA


A n j o s

Outro dia, a governadora do nosso amado Rio Grande arrancou risinhos irônicos dos seus governados, inclusive deste descrente cronista, ao afirmar que alguns anjos lhe tinham dito para não viajar aos Estados Unidos porque alguém (possivelmente um anjo mau) preparava um golpe no Estado.

Não saiu a viagem, não saiu o golpe e ficou a dúvida: a tucana estaria falando sério quando atribuiu aos chamados seres de luz a autoria do aviso ou estaria nos gozando como na história do pufe verde-kiwi? Para buscar uma resposta, recorri à literatura, consultei gente que já virou anjo e anjos travestidos de gente.

A inspirada Clarice Lispector absolveria a nossa polêmica governante:

– Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam – sentenciou a autora de A Hora da Estrela.

Já o eterno Drummond (“E como ficou chato ser moderno, agora serei eterno”) garante que não foi o seu anjo torto o informante, até mesmo porque, se fosse chamado a palpitar, ele provavelmente repetiria a sua conhecida advertência:

– No meio do caminho tem uma casa, tem uma casa no meio do caminho.

Talvez tenha sido o anjo de Chico Buarque, que também parafraseou o poeta de Itabira numa de suas canções:

– Quando nasci, veio um anjo safado/ O chato dum querubim/ E decretou que eu tava predestinado/ A ser errado assim.

Deve ter sido ele. Pelo menos, a governadora anda repetindo uma de suas estrofes nas entrelinhas de suas enigmáticas declarações:

– Já de saída a minha estrada entortou/ Mas vou até o fim.

Em contraponto, outras mulheres da terra, como a presidente do Cpers e a deputada relatora do frustrado impeachment, parecem preferir o personagem da mineira Adélia Prado:

– Quando nasci, um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira.

Neste Rio Grande de tantas bandeiras antagônicas, talvez fosse bom a gente prestar atenção na mensagem de um de nossos mais ilustres vizinhos, o argentino Jorge Luis Borges:

– Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.

Me faz lembrar uma conterrânea sua que conheci certa vez em Mar del Plata. Quando lhe pedi desculpas por ter que voltar-lhe as costas durante uma situação de trabalho, ela retrucou com voz doce:

– Los angeles no tienen espalda.

Depois, me presenteou com um pacote de alfajores. Então, olhando para aquela argentina linda e gentil, me ocorreu um pensamento em castelhano:

– Pero que los hay, los hay.


24 de outubro de 2009 | N° 16134
CLÁUDIA LAITANO


Comer e rezar, beber e jogar

Mulher recém-separada (ou com o casamento em crise) parte em férias para as ilhas gregas (ou para uma charmosa vila na Toscana ou para qualquer outra paisagem exótica e deslumbrante ao gosto do freguês) e lá reencontra a alegria de viver nos braços de um ardente amante latino (jamais um suíço ou um finlandês, por exemplo).

Você já leu esse livro, já viu esse filme ou assistiu a essa peça. Essa é a história, entre tantas outras, de Shirley Valentine – espetáculo que esteve em cartaz em Porto Alegre no último fim de semana.

O sucesso mais recente desse gênero, que a gente podia apelidar de “on the road romântico” , é Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert, best-seller com mais de 4 milhões de exemplares vendidos que está sendo filmado na Indonésia. No filme, Julia Roberts interpreta a balzaquiana em crise que busca o autoconhecimento em cenários “exóticos” – para americanos, qualquer coisa localizada a leste de Londres – e acaba se apaixonando por um amante latino (no livro, um brasileiro; no filme, o ator espanhol Javier Bardem).

Não li Comer, Rezar, Amar (nem a crise existencial mais profunda ou o amante latino mais ardente me levariam a percorrer o mundo em busca do segundo item), mas achei muito divertido quando fiquei sabendo que havia sido lançada uma debochada versão masculina do livro – e com um título que promete resumir as ambições mais profundas de seu público-alvo.

Beber, Jogar, F@#er, de Andrew Gottlieb, pega carona no best-seller nos mínimos detalhes – da capa à estrutura dos capítulos, incluindo o final romântico ideal para a adaptação para o cinema.

Descansando lado a lado na prateleira de um hipotético casal de leitores (há literalmente “vendas casadas”, com desconto, em oferta nas livrarias), o conjunto oferece uma curiosa galeria de estereótipos de ambos os sexos – além de ser um desafio para qualquer harmonia conjugal.

De um lado, a mulher que aspira à elevação espiritual e ao amor romântico. Do outro, o homem que sonha em se divertir sem regras, enchendo a cara com os amigos e fazendo sexo à vontade e sem compromisso.

Lidos em conjunto, os títulos podem ser vistos como complementares ou contraditórios – dependendo do ponto de vista. Comer e beber aparentemente fazem parte da mesma comunhão à mesa, mas enquanto o prazer feminino de desfrutar uma bela refeição remete a jantares românticos ou à família, a bebida da fantasia masculina não é o cálice de vinho degustado lentamente, mas a alegre noitada com a turma de amigos (sem mulheres atrapalhando, de preferência).

Amor e sexo podiam muito bem se complementar (e não é para discutir a relação que elas pensam no amante latino), mas o casamento não combina com a fantasia de variedade infinita deles. Dois a zero para a discórdia.

Sobram rezar e jogar. Bom, de quem reza, se diz que “tem” fé, e de quem joga que “faz” fé – mas provavelmente apenas os jogadores muito endividados conseguem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Três a zero.

E a mulher daquele hipotético casal acaba de fazer as malas para a Itália.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009



21 de outubro de 2009 | N° 16131
MARTHA MEDEIROS


Insultos e piadas ruins

Dois episódios foram bastante comentados semana passada, ambos definidos como insultuosos. Um deles foi uma brincadeira que a apresentadora Sabrina Sato, do Pânico na TV, armou para o senador Eduardo Suplicy.

Ele foi convidado a vestir uma sunga vermelha de super-herói. Notório boa paz, Suplicy vestiu a sunga por cima do terno, o que bastou para o corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma, abrir uma investigação para definir se houve quebra de decoro parlamentar. Anteontem, Tuma voltou atrás.

Outro assunto foi o vídeo que Maitê Proença gravou para o programa Saia Justa, em que ela aparece em Portugal tirando um sarro dos lusitanos. Conseguiu desagradar lá e aqui também, já que muitos brasileiros colocaram o vídeo na rede acompanhado de ofensas múltiplas à atriz.

Ambas as reações me pareceram superdimensionadas. Suplicy tem aquele jeito bobo e acaba pagando uns micos desnecessários, mas, até onde se sabe, é um político honesto – a Corregedoria- Geral certamente tem casos mais sérios de quebra de decoro pra investigar.

E Maitê gravou um vídeo adolescente. Não estava traçando um perfil oficial dos portugueses, e sim valendo-se da prática mundial de perder o amigo, mas não perder a piada. Foi deselegante? Até foi, mas só porque o Saia Justa não é catalogado como um programa de humor. Se o Casseta e Planeta tivesse produzido o mesmo vídeo, ninguém acharia nada de mais.

Muita gente se defende de suas grosserias dizendo: eu estava apenas brincando. E sabemos que estavam. É fácil perceber quando alguém está tentando promover diversão à custa de um comentário ou de um ato.

Isso não impede que esse alguém tenha péssimo gosto para brincadeiras, e acabe ofendendo. Nem todo mundo tem desconfiômetro. Mas não se pode colocar os maus piadistas no mesmo rol daqueles que agridem com a intenção explícita de detonar com o bem-estar do outro.

Eu me sinto insultada cada vez que pago uma exorbitância de imposto e sigo sem segurança para sair às ruas. Me sinto insultada por políticos falastrões que não se importam com seus eleitores.

Me sinto insultada por quem mente e comete injustiças para salvar a própria pele. Em contrapartida, não me sinto insultada quando falam mal de brasileiros, de mulheres, de publicitários, de colorados ou de qualquer categoria a que eu pertença, porque sei que são generalizações, não uma acusação individual. Relativizo justamente porque a intenção é fazer graça, mesmo que não tenha graça nenhuma. Só a falta de humor é que cria mártires.

Ninguém precisa aplaudir grosserias, deselegâncias e palhaçadas. O ideal seria que vivêssemos no melhor dos mundos, mas pra isso Deus teria que começar o trabalho dele do zero.

Como eu duvido que ele ponha a mão nessa maçaroca de novo, nós mesmos é que temos que aprender a brigar pelo que é sério, e não gastar nossa cólera por causa de algumas piadas ruins, sejam elas protagonizadas por um senador meio crianção ou por uma participante de um programa de amenidades.

Tem gente que se sente insultada até pela felicidade dos outros, não tem? Então cuidado. Mantenhamos nosso direito à crítica, mas controlemos a paranoia.

Uma linda quarta-feira para você.

terça-feira, 20 de outubro de 2009



20 de outubro de 2009 | N° 16130AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Em preto e branco

Há um aroma que tem o poder de me devolver instantaneamente à infância. É o cheiro de livros novos. No mês de março dos longínquos Anos Dourados, você passava em seu colégio e lhe davam uma lista de tudo o que iria precisar para voltar à sala de aula.

Então era só ir à Rua da Praia e passar na Companhia Editora Nacional ou na Globo e aprovisionar-se de lápis, caneta, tesoura, cartolina, e naturalmente de todos os compêndios que seu curso iria exigir.

Tudo recendia a novo, mas nada tanto quanto os volumes zero quilômetro de português, matemática, história ou geografia. Sinto agora, neste momento em que escrevo, a fragrância daquelas capas virgens, que iriam me acompanhar por todo o ano escolar. E é claro que me bate também uma saudade de idades a que nunca mais voltarei.

Me lembro disso porque acabo de ler na Veja que o Brasil está na rota do Kindle. Não se trata de nenhum bombom, mas de um e-reader, ou leitor eletrônico, um prodígio de 585 dólares, que se conecta à rede de telefonia celular de uma imensa estante digital, aí incluído o último romance de Dan Brown.

Os consumidores potenciais desse lançamento da Amazon são 90 milhões de pessoas. A meta é óbvia: oferecer um sucedâneo ao livro.

É a própria revista aliás que descreve magistralmente este último produto. É um objeto impresso em papel. Funciona sem bateria, dispensa o manual do usuário, suporta quedas, é barato e pode ser substituído a um custo mínimo.

É, portanto, uma invenção tecnologicamente perfeita. Não por acaso, atravessou mais de 500 anos como o mais simples e prático instrumento para o registro e a transmissão de ideias. Ao que acrescentaria eu que igualmente para a comunicação de sentimentos, desejos e abstrações.

O Kindle, cujo nome deriva dos verbos acender e iluminar, em inglês, passará, além do Brasil, a ser comercializado em 99 países. Só nos Estados Unidos, já vendeu mais de um milhão de unidades.

É um portento. Espelha uma civilização movida a bits e bytes. E no entanto os e-readers só decolaram depois que conseguiram imitar, eletronicamente, a impressão tradicional, feita no papel. A tela dos leitores é formada por milhares de pequenas cápsulas com pigmentos claros e escuros. No total, há 16 tons de cinza.

Já não sei quanto a outras cores. Pois um simples livro daqueles comprados no começo do ano podia ser preto e branco.

Mas nele cabia toda a sabedoria do universo.

Bem de volta ao nosso aqui e agora. Que a terça-feira seja ótima para quem trabalha e para quem está de folga.

sábado, 10 de outubro de 2009



Sua majestade, a criança

Tem se falado muito na falta de limites das crianças de hoje. A garotada manda e desmanda nos pais e estes, sentindo-se culpados pelo pouco tempo que ficam em casa, aceitam a troca de hierarquia – hoje os adultos é que recebem ordens e reprimendas, e não demora serão colocados de castigo.

Segundo os pedagogos, precisamos voltar a dizer não para a pirralhada. É a ausência do não que faz com que meninas saiam de madrugada sem avisar para onde estão indo, garotos peguem o carro do pai sem ter habilitação e todos sejam estimulados a consumir descontroladamente, a não dar explicações e a viver sem custódia. Mas onde encontrar energia para discutir com filho?

Pai e mãe se jogam no sofá e pensam: “Façam o que bem entender, desde que nos deixem quietos vendo a novela”.

Alguns adultos defendem-se dizendo que é impossível dar limites, vigiar e orientar, tendo que sair de manhã para o batente e voltar à noite demolidos pelo cansaço. Compreendo, é complicado mesmo.

Se existe uma liberalidade e agressividade maior hoje entre as crianças, é claro que o fato de as mulheres terem entrado no mercado de trabalho e deixado em aberto o posto de rainhas do lar tem algo a ver com isso. Mas nem me passa pela cabeça estimular um meia-volta, volver. A sociedade avançou com a participação das mulheres e esse é um caminho sem retorno. O que compromete o destino de uma criança é não ter sido amada. E muitas não foram, mesmo com os pais por perto.

A falta de amor é a origem de grande parte das neuroses, psicoses e desvios de conduta. Uma criança que não se sentiu amada pode cometer erros de avaliação sobre si própria e cometer desvarios para alcançar uma autoestima que está sempre fora de alcance.

Não adianta o pai e a mãe passarem a mão na cabeça do filhote de vez em quando e repetir um “eu te amo” automático. A criança precisa se sentir amada de verdade, e as demonstrações não se dão apenas com beijos e abraços, e tampouco com proibições sem justa causa.

O “não deixo, não pode” tem que ser argumentado. “Não deixo e não pode porque....” Tem que gastar o latim. Explicar. E prestar atenção no filho, controlar seus hábitos, perceber seus silêncios, demonstrar interesse pelo que ele faz, pelo que ele pensa, quem são seus amigos, quais suas aptidões, do que ele se ressente, o que está calando, por que está chorando, se sua rebeldia é uma maneira de pedir socorro, se está precisando conversar, se o que tem sentido é demasiado pesado pra ele, se precisa repartir suas dores, se está sendo bem acolhido pela escola,

se não estão exigindo dele mais do que ele pode dar, se não foram transferidas responsabilidades para ele que são incompatíveis com sua idade, se há como entender e aceitar seus desejos, se ele está arriscando a própria vida e precisa de freio, se estamos deixando ele sonhar alto demais, se estamos induzindo que ele sonhe de menos, se ele está recebendo os estímulos certos ou desenvolvendo preconceitos generalizados.

Dá uma trabalheira, mas isso é amar.

Algumas crianças são criadas por empregadas, ou seja, são terceirizadas e depois o psiquiatra que junte os cacos. Com amor, ao contrário, toda criança sente-se ilustríssima, majestade, vossa excelência, sem fazer mau uso do cargo.

Será confiante e segura como um rei, não se violentará para agradar os outros (usando drogas ou imitando o que os outros fazem para ser aceita num grupo). Será o que é, afinada com o próprio eixo. E se transformará num adulto bem resolvido, porque a lembrança da infância terá deixado nela a dimensão da importância que ela tem.

Bem a viagem pela TAP ainda é muito gostosa, haja vista a janta que servem com vários cardápios ainda para escolher, bem como o café da manhã. As colinas de Lisboa continuam as mesmas e hoje a gente foi rever a do Castelo de São Jorge.

Enquanto os meninos/meninas sairam para bebemorar nos barzinhos aqui do Bairro do Chiado eu estou a postar para voces. Um bom domingo e um ótimo início de semana.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009



07 de outubro de 2009 | N° 16117
MARTHA MEDEIROS


O direito ao sumiço, parte 2

Em janeiro de 2008 publiquei uma crônica chamada “O direito ao sumiço”, onde eu falava sobre pessoas que viajam, mas são incentivadas a mandar notícias a todo instante, seja por e-mail, MSN, Skype ou o que for. Uma ansiedade que não havia antes: quando alguém embarcava pra longe, no máximo enviava uma carta, ou um cartão-postal, telefonava de vez em quando, mas ainda conseguia se sentir livre e sozinho, distante de todos e mais próximo de si mesmo.

Hoje, com toda a parafernália tecnológica à disposição, você não consegue desaparecer: é facilmente acessado, esteja no continente que estiver. Vantagem para quem ficou e sente saudade, mas o viajante que não se desconecta perde uma rara oportunidade de levar a cabo a frase que tantas vezes é dita quando estamos sobrecarregados: “Que vontade de dar uma sumida”.

Isso me veio à mente quando li as notícias sobre esse estranho caso da France Telecom. No espaço de um ano e meio, 24 funcionários da empresa se suicidaram, sem contar os 13 que tentaram se matar e não obtiveram sucesso – acho que sucesso não é a palavra mais adequada pra situação, mas enfim.

Eu não conheço os pormenores do assunto, mas me chamou a atenção o fato de a morte desses funcionários estar vinculada às condições de trabalho: todos se sentiam demasiadamente pressionados. Até aí, não vejo justificativa pra dar fim à vida, a pressão faz parte do meio corporativo em qualquer lugar do planeta, mas há um ponto que merece ponderação: a avalanche de mensagens que lotavam seus computadores e blackberry foi relacionada ao profundo estresse que os acometia.

Faz sentido. Algumas pessoas não conseguem mais distinguir o que é vida pessoal e o que é vida profissional. Estão permanentemente conectadas com os outros, a ponto de perder a conexão consigo próprias.

O blackberry, por exemplo (eu sei que ele já está obsoleto, mas eu também estou, conformem-se), me parece infernal: sei de gente que acorda de madrugada para checar e-mails, numa atitude totalmente compulsiva e insana. As pessoas se sentem agoniadas quando ficam fora de alcance.

É como se o isolamento, o silêncio e a privacidade expatriassem a criatura, a impedissem de estar em meio aos acontecimentos. É uma inversão total de percepção: só nos sentimos vivos quando acionados pelos que estão de fora. Parece até que dentro de nós não acontece nada, não há nenhuma novidade a descobrir.

Óbvio que deve haver outros motivos para a onda de suicídios dos funcionários da France Telecom, mas esse vício de ficar conectado 24 horas, seja por mania ou por exigência profissional, merece uma reflexão.

Não podemos perder nosso direito ao sumiço, de dar aquela escapada saudável, que pode acontecer tanto numa viagem como aqui, no dia a dia, bastando pra isso não acessar a internet, desligar o celular e curtir a tão necessária companhia de si mesmo.

Do contrário, vão pipocar mais casos de gente que surta e acaba saltando da ponte como única alternativa de dar uma sumida.

Uma excelente quarta-feira para todos nós. Aproveite o dia.

sábado, 3 de outubro de 2009



04 de outubro de 2009
N° 16114 - MARTHA MEDEIROS


Amigo de si mesmo

Em seu recém-lançado livro Quem Pensas Tu que Eu Sou?, o psicanalista Abrão Slavutsky reflete sobre a necessidade de conquistar o reconhecimento alheio para que possamos desenvolver nossa autoestima.

Mas como sermos percebidos generosamente pelo olhar dos outros? Os ensaios que compõem o livro percorrem vários caminhos para encontrar essa resposta, em capítulos com títulos instigantes como Se o Cigarro de García Márquez Falasse, Somos Todos Estranhos ou A Crueldade é Humana.

Mas já no prólogo o autor oferece a primeira pílula de sabedoria. Ele reproduz uma questão levantada e respondida pelo filósofo Sêneca: “Perguntas-me qual foi meu maior progresso? Comecei a ser amigo de mim mesmo”.

Como sempre, nosso bem-estar emocional é alcançado com soluções simples, mas poucos levam isso em conta, já que a simplicidade nunca teve muito cartaz entre os que apreciam uma complicaçãozinha. Acreditando que a vida é mais rica no conflito, acabam dispensando esse pó de pirilimpimpim.

Para ser amigo de si mesmo é preciso estar atento a algumas condições do espírito. A primeira aliada da camaradagem é a humildade. Jamais seremos amigos de nós mesmos se continuarmos a interpretar o papel de Hércules ou de qualquer super-herói invencível.

Encare-se no espelho e pergunte: quem eu penso que sou? E chore, porque você é fraco, erra, se engana, explode, faz bobagem. E aí enxugue as lágrimas e perdoe-se, que é o que bons amigos fazem: perdoam.

Ser amigo de si mesmo passa também pelo bom humor. Como ainda há quem não entenda que sem humor não existe chance de sobrevivência? Já martelei muito nesse assunto, então vou usar as palavras de Abrão Slavutsky: “Para atingir a verdade, é preciso superar a seriedade da certeza”.

É uma frase genial. O bem-humorado respeita as certezas, mas as transcende. Só assim o sujeito passa a se divertir com o imponderável da vida e a tolerar suas dificuldades.

Amigar-se consigo também passa pelo que muitos chamam de egoísmo, mas será? Se você faz algo de bom para si próprio estará automaticamente fazendo mal para os outros? Ora. Faça o bem para si e acredite: ninguém vai se chatear com isso.

Negue-se a participar de coisas em que não acredita ou que simplesmente o aborrecem. Presenteie-se com boa música, bons livros e boas conversas. Não troque sua paz por encenação. Não faça nada que o desagrade só para agradar aos outros. Mas seja gentil e educado, isso reforça laços, está incluído no projeto “ser amigo de si mesmo”.

Por fim, pare de pensar. É o melhor conselho que um amigo pode dar a outro: pare de fazer fantasias, sentir-se perseguido, neurotizar relações, comprar briga por besteira, maximizar pequenas chatices, estender discussões, buscar no passado as justificativas para ser do jeito que é, fazendo a linha “sou rebelde porque o mundo quis assim”. Sem essa. O mundo nem estava prestando atenção em você, acorde. Salve-se dos seus traumas de infância.

Quem não consegue sozinho, deve acudir-se com um terapeuta. Só não pode esquecer: sem amizade por si próprio, nunca haverá progresso possível, como bem escreveu Sêneca cerca de 2.000 anos atrás. Permanecerá enredado em suas próprias angústias e sendo nada menos que seu pior inimigo.

Um lindo domingo especialmente para você.

Isabela Boscov - divulgação - GLÓRIA FEITA DE SANGUE

Tarantino na idade da razão



Em Bastardos Inglórios, uma unidade voluntária de soldados judeus espalha o pânico entre os nazistas na França ocupada. É uma fantasia típica de Quentin Tarantino - mas, da escrita soberba à escolha dos atores excelentes, denota o avanço notável do diretor rumo à maturidade pessoal e artística

Eli Roth, como "O Urso Judeu", e Brad Pitt, como Aldo "O Apache" Raine, dois dos bastardos inglórios: sotaque caipira e nazistas escalpelados para desestabilizar a França sob domínio alemão

Em 1941, diante de uma pequena casa de fazenda, em algum lugar montanhoso da França, o sol brilha, os sinos das vacas são ouvidos ao longe e o pai corta lenha, enquanto a filha pendura a roupa no varal. Pelo lado do lençol que se levanta com o vento, porém, ela vê um grupo de soldados vindo pela estrada, e imediatamente esse quadro tão pitoresco de rusticidade ganha um caráter diverso.

Em vez da paz rural, o que se percebe agora é o isolamento da casa e quanto o pai e suas três filhas estão indefesos ali. Ajuda muito que a trilha escolhida para a cena seja um trecho original de Ennio Morricone para os faroestes-espaguete de Sergio Leone, capaz de anunciar como nenhuma outra coisa jamais composta para o cinema a solidão e o perigo.

Mas os enquadramentos exímios e o tempo impecável em que transcorre essa sequência de abertura de Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, Estados Unidos/Alemanha, 2009), que estreia no país na próxima sexta-feira, são obra e graça de Quentin Tarantino - tanto eles como a destreza com que o fazendeiro francês e o tenente-coronel alemão Hans Landa, que acabou de chegar com seus soldados, vão descrever círculos um em torno do outro, num enfrentamento que tem como objeto o paradeiro de uma família judia, e em que as armas serão um copo de leite, dois cachimbos, as três meninas e o domínio de ambos os personagens do inglês e do francês.

Na maneira como Tarantino retrai e prolonga o tempo previsto para chegar ao desfecho, essa abertura é eletrizante. E ilustra também a distância que o diretor vem percorrendo rumo à maturidade, em um caminho já indicado na segunda parte de Kill Bill.

Tarantino é capaz, agora, de imaginar não só um jogo entre dois personagens, mas um porquê para ele que vá além de suas contingências narrativas. Consegue ouvir a beleza de um diálogo travado, não meramente disparado. E aprendeu a apreciar a utilidade emocional da pausa e dos pequenos milagres que os bons atores podem proporcionar.

O pouco conhecido Denis Menochet, que interpreta o fazendeiro, é excelente, e com cada pequeno gesto acumula mais algum dado sobre a vida e o passado de seu personagem, ainda que nem uma palavra se diga sobre eles. E o ainda menos conhecido Christoph Waltz, que faz o nazista, é espetacular: um ator de precisão absoluta, que rouba o filme com a anuên-cia do diretor - e dos outros atores, igualmente galvanizados por sua performance.

O tenente-coronel Hans Landa, assim, será ainda mais essencial para o filme do que os próprios bastardos inglórios - uma unidade especial de soldados judeus voluntários, que penetram na França ocupada para assassinar nazistas com selvageria e dessa forma espalhar o pânico.

Liderados pelo tenente Aldo "O Apache" Raine (Brad Pitt), um matuto do Tennessee com um sotaque caipira mais espesso que melaço e o hábito de escalpelar suas vítimas, os bastardos são uma criação típica de Tarantino (que, claro, não deixou de ser ele mesmo): um grupo de homens que se comunicam por meio de frases de efeito - bom efeito, aliás - e se dedicam à violência com prazer, sem pesar nem drama de consciência.

Quando eles estão em cena, o filme adquire continuidade com os outros do diretor em tema, estilo e volume bruto de sangue. Quando não, Bastardos Inglórios assinala uma espécie de ruptura.

Em um processo análogo ao do canadense David Cronenberg, que depois de explorar a fundo as possibilidades da escatologia se renovou com o classicismo de Marcas da Violência e Senhores do Crime,

Tarantino estuda aqui as propriedades desestabilizadoras da elegância. Cada ato do filme agrupa um determinado número de personagens em um cenário delimitado - uma taverna, um cinema, uma mesa de restaurante. Todos tratam de alguém dissimulando e correndo grande risco; mas os duelos são travados por meio de insinuações.

Assim, a estrela de cinema e agente dupla Bridget von Hammersmark (a alemã Diane Kruger, que depois de quase afundar com Troia hoje só faz brilhar) tem de colocar aliados e alemães em volta de uma rodada de bebidas sem que ninguém se traia, e de forma a que aquilo que tem de ser descoberto o seja.

A judia disfarçada Shosanna (Mélanie Laurent), por sua vez, tem de repudiar as atenções insistentes de um herói de guerra nazista (Daniel Brühl) sem antagonizá-lo - e ambas, em momentos diversos, terão de sobreviver aos ataques de cordialidade, efusão e malevolência do tenente-coronel Landa. Tão fabulosa é a escrita dessas cenas que a mera menção a um copo de leite causa uma vertigem de medo.

Bastardos Inglórios, contudo, não é um filme sobre a II Guerra. Não é nem mesmo uma história fantasiosa passada na II Guerra, já que trata de dois complôs paralelos para pulverizar, literalmente, o alto-comando nazista.

É um filme passado em todos os outros filmes já feitos sobre o tema, com vários elementos dos noir dos anos 30 e dos faroestes de John Ford e Sergio Leo-ne acrescidos à sua encenação.

É um filme que pertence só à história do cinema, não à outra, a mais ampla. Mas, como no segundo Kill Bill, Tarantino mostra que descobriu a existência de outro mundo para além desse território imaginário - e que entendeu que, quanto mais se alimentar dele, mais verossímil e envolvente será sua fantasia.

Lya Luft

Contraponto: deixar desabrochar

"Tive um filho, tenho um aluno, e agora? Agora é plantar os pés no chão, deixar a alma um pouco solta e, como diziam os avisos nos trilhos de trem de minha cidadezinha natal: parar, olhar, escutar"

Na coluna passada escrevi sobre educação e autoridade, dois temas complicados nos nossos dias de bagunça generalizada. Hoje falo sobre seu contraponto, o que me ensinou um velho mestre sábio sobre educação: "Família e escola fazem muito, se não estorvam. Deixem as crianças e os jovens desabrochar".

Na primeira vez em que escutei a frase fiquei um pouco chocada. Se já naquele tempo, eu ainda universitária, questionávamos a frouxa autoridade em casa e na escola, que deixava a meninada perdidona e sem limites, como entender aquela afirmação de quem entendia mais do que a maioria de nós sobre ensino, educação e o resto?

O tempo e a experiência foram mostrando um pouco do mistério: é preciso juntar tudo isso, bater no liquidificador da experiência, tentativa e erro, alegria e desespero de quem lida com esses assuntos na prática e na teoria, e ver no que dá.

Pois para lidar com gente não há garantia nem receitas, por mais que sejam vendidas ou espalhadas gratuitamente por aí em abundância: como conseguir parceiro, como segurar seu homem, como enlouquecer sua amante, como ficar rico sem esforço, como ter sucesso, como ser feliz em dez lições a preços módicos.

A questão é como dosar autoridade e liberdade, para que crianças e jovens cresçam. Ou melhor: para que a gente também continue crescendo, pois sou dos que acreditam que viver não é deteriorar-se, mas se expandir.

E quando o corpo parece encolher, murchar, envelhecer – é bom usar as palavras certas, pois às vezes os eufemismos soam ofensivos – a alma tem de continuar crescendo. Alma, psique, mente, não importa o conceito científico, moral, espiritual, que lhe queiram dar.

Mas volto ao desabrochar de crianças e adolescentes: se alguém tem perto de si um desses belos, estimulantes, atordoantes exemplares humanos, comece a observar: encante-se, assuste-se, trate de se descabelar e maravilhar. E vai lentamente entender a frase do velho mestre, quando dizia que família e escola não devem estorvar.

É preciso olhar, tentar entender um pouco, e respeitar. Amparando quando for preciso, botando limites para que as capacidades, talentos e dificuldades do outro não transbordem tornando-se prejudiciais; estimulando sem interferir gravemente, e admirando-se de como, igual a uma planta ou pássaro, um peixe no mais remoto fundo de oceano, a criança observa, pensa, e precisa se desenvolver.

O susto de quem tem a responsabilidade de cuidar (porque, repito interminavelmente, quem ama cuida) não é pequeno.

Tive um filho, tenho um aluno, e agora? Agora é plantar os pés no chão, deixar a alma um pouco solta e, como diziam os avisos nos trilhos de trem de minha cidadezinha natal: parar, olhar, escutar. Mais que isso, pensar.

Falar assim é fácil, escrever mais ainda, dirão. É verdade. Mas se formos menos desligados e mais atentos, mais firmes mas menos rígidos, mais amorosos e mais exigentes neste universo contraditório que todos somos, e mais respeitosos, veremos milagres. E atenção: dizendo "respeitosos" não digo "encolhidos, humildes, suportando todas as más-criações e maluquices", mas sendo ativamente tranquilos.

Claro que para isso precisamos ser, se pais, razoavelmente estruturados emocionalmente, pois se formos destrambelhados demais poderemos perturbar as crianças. Professores, temos de ser bem pagos, com excelentes escolas – ou vamos mendigar a esmola de condições mínimas para trabalhar.

Embora os personagens de minhas ficções sejam neuróticos e sofridos, minhas crônicas nem sempre sejam otimistas, acredito que a gente sempre pode repensar a vida e todas as coisas que nela causam tamanho susto e tanto prazer, para sentir que afinal vale a pena.

Educar e ensinar não deveria ser razão de tanto conflito, com tão melancólicos resultados como os que muitas vezes se veem por aí. Deveria ser motivo de interesse, adrenalina boa, entusiasmo – ainda que passando por muitos fracassos e frustrações – porque, afinal, somos todos apenas humanos tentando entender o mundo de Deus e as humanas trapalhadas.

Danilo Venticinque

O melhor lugar para reclamar da vida

Com mensagens curtas e anônimas, sites de desabafo fazem sucesso e inspiram até seriado de TV

Reclamar da vida em redes sociais é uma tática infalível para ser ignorado, perder seguidores ou receber respostas atravessadas. No Twitter, esse tipo de desabafo é tão mal visto que ganhou até uma palavra-chave (hashtag) – o infame #mimimi, normalmente precedido de um comentário sarcástico sobre as reclamações do usuário.

O resultado é que, para não se exporem ao julgamento dos implacáveis amigos virtuais, internautas recorrem a esconderijos onde dividem queixas, confusões e até vitórias insignificantes do dia-a-dia: os sites anônimos de desabafo.

Nos Estados Unidos, o exemplo mais recente desse fenômeno é o site Texts from last night (“mensagens da noite passada”), que recebe os visitantes com a seguinte frase: “Lembra aquela mensagem que você não deveria ter mandado ontem à noite? Nós lembramos”. Com esse slogan, um design quase precário e colaborações constantes de usuários, a página se tornou uma das maiores sensações da internet em 2009.

A ideia é simples: reunir desabafos ou mensagens embaraçosas de internautas anônimos, identificados apenas pelo código de região de seus celulares. O serviço, lançado em fevereiro, logo atingiu uma média diária de 4 milhões de acessos. Sociólogos chegaram a chamá-lo de “um documento vivo sobre o cotidiano dos jovens em 2009”. A popularidade chamou a atenção do canal de televisão Fox, que recentemente assinou um contrato para produzir um seriado sobre os depoimentos.

A história de sucesso é semelhante à do primeiro grande site do gênero: o F my life (“F... minha vida”), criado em 2008 por uma dupla de franceses. As histórias enviadas por usuários deram origem a um livro, que chegou no início do ano às livrarias da França e dos Estados Unidos. O serviço inspirou outros sites com o mesmo formato, como o My life is average (“minha vida é mediana”), para internautas com vidas sem graça, e o It made my day (algo como “ganhei o dia”), para comemorar pequenas conquistas do cotidiano.

No Brasil, o posto é ocupado pelo sugestivo Vida de merda, que recebe atualizações diárias e é integrado a outras redes sociais, como Twitter e Facebook. Nada mais conveniente para quem quer reclamar da vida anonimamente, sem se arriscar a perder amigos virtuais. Sem saber quem é o autor da história, eles podem rir sem culpa dos infortúnios alheios – o que, por si só, já seria motivo para outra reclamação.

A seguir, confira alguns dos melhores depoimentos (publicáveis) enviados para os sites:

Alguns desabafos de internautas:

Vida de merda

"Hoje, depois de terminar com o idiota do meu namorado por ele ficar atirando com arma de paintball no meu cachorro, ELE me chamou de infantil. Minha mãe concordou."

"Hoje minha namorada pegou minhas senhas do Gmail e MSN ‘só para olhar’. Peguei as dela também. Ela roubou minhas senhas, mudou as dela e, quando fui pedir satisfação, ela disse: 'vou ficar com seu Orkut, Gmail e MSN por 2 meses só para averiguar, depois devolvo. Os emails importantes te encaminho para o Yahoo’."

"Hoje fui até meu apartamento para ver se o gesseiro havia feito o serviço direito. Chegando lá, a parede que ele havia subido estava completamente fora de esquadro, ou seja, torta. Quando reclamei, ele retrucou dizendo que meu apartamento é que estava torto. "
Texts from last night

"Acho que o meu eu bêbado está dizendo alguma coisa para o meu eu de ressaca... Só preciso decifrar o código"

"Às vezes me sinto tão sozinho que programo o despertador do celular para tocar a cada 5 minutos e imagino que estão me mandando mensagens."
F my life

"Hoje minha namorada terminou comigo dizendo que queria alguém mais parecido com o Edward. Eu perguntei quem era Edward e ela me mostrou um exemplar de Crepúsculo. Ela estava falando de um vampiro fictício."

"Hoje recebi meu passaporte pelo correio. Eles erraram minha data de nascimento. Peguei a certidão de nascimento que eu tinha enviado junto com os formulários e descobri que meus pais comemoram meu aniversário no dia errado há 16 anos."

"Hoje meu noivo terminou comigo por uma mensagem no MySpace. Nós estávamos no mesmo apartamento."
My life is average

"Hoje, no jantar, minha mãe perguntou quantos filhos minha irmã queria ter. Ela respondeu: 'Eu quero 22, cada um com um pai diferente para eu ganhar mais com a pensão’. Minha irmã está proibida de sair de casa para sempre."

"Hoje fui tomar uma ducha e, no meio do banho, senti uma coisa estranha embaixo dos meus pés. Olhei para baixo e vi que ainda estava de meias."
It made my day

"Hoje vi um pombo defecando em outro pombo. Justiça."

"Minha esposa me deu um relógio horrível de aniversário de casamento porque não gostava do que eu costumava usar. Ela insistiu para eu usar o novo e hoje, quando eu finalmente concordei, fui assaltado. Levaram só o relógio."


Sim, nós podemos Ruth de Aquino

RUTH DE AQUINO

O Rio amanheceu cantando. Toda a cidade amanheceu em flor. E os namorados vêm pra rua em bando porque a primavera é a estação do amor. Rio, das noites estreladas e praias azuis. Rio, das manhãs prateadas, das morenas queimadas, ao brilho do sol. Rio, és cidade-desejo, tens a ardência de um beijo em cada arrebol! A composição é de Braguinha (João de Barro) e foi gravada por Carmen Miranda, em 1934. Faz 75 anos. Na sexta-feira, o Rio amanheceu assim.

Só é preciso traduzir “arrebol”: alvorada ou crepúsculo avermelhado. De resto, a letra de Braguinha é atual. Continua sendo verdade. Uma verdade parcial, vista de cima, mas absoluta: não há no mundo natureza mais fotogênica num centro urbano do que a carioca. O Rio sempre foi um destino de sonho. Porque é bonita demais, que me perdoem as feias. É uma cidade exibida que convida ao namoro e ao voyeurismo.

Brasileiros de todos os sotaques se emocionaram ao ver na televisão as imagens do Rio de Janeiro em Copenhague, Dinamarca. Foi um exercício de sedução para sediar as Olimpíadas de 2016.

Esse amor pela cidade em que nascemos e crescemos é diretamente proporcional a nossa indignação com os sucessivos governos que vinham destruindo criminosamente o Rio e sua vocação para a alegria, o turismo e o prazer. Vocação que resiste a todos os ex-prefeitos omissos, a todas as ex-picuinhas com presidentes. Senão, como explicar que uma pesquisa com 10 mil pessoas em 20 países, feita pela revista Forbes, tenha acabado de eleger o Rio como “a cidade mais feliz do mundo”?

Na fria Copenhague, um dos pontos mais altos da apresentação foi o discurso do presidente Lula. Não vou repisar a paixão, porque isso Lula tem de sobra. E todos os passionais às vezes pisam na bola. Lula foi profissional.

Treinado como um atleta para subir ao pódio e ganhar o ouro. Sua emoção estava na dose certa da sinceridade e propriedade dos argumentos, sem cacoetes de improviso. Não apelou para gracinhas dúbias. Não mencionou o Corinthians. Não recorreu a olhares, gestos e bocas. Não tropeçou, não cometeu gafes, e falou de multiculturalismo.

Brasileiros de todos os sotaques se emocionaram com a escolha do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016

“Com muito orgulho, represento aqui as esperanças e os sonhos de mais de 190 milhões de brasileiros. Somos um povo apaixonado pelo esporte. Olhando para os cinco aros olímpicos, vejo neles o meu país. Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado”, disse.

Foi o Lula no auge do charme e carisma, com um toque de sobriedade que lhe caiu muito bem, uma sobriedade escassa na América do Sul. Lula não foi frio e formal como o presidente americano Barack Obama – que ficou cinco horas na Dinamarca e se mandou sem ouvir a votação. Nem apelou para sua infância, como fez Michelle, a primeira-dama, numa fala mais triste e particular do que a ocasião pedia. Lula não personalizou.

Falou em nome do Brasil, da América do Sul e desafiou o Comitê Olímpico Internacional a ousar. A apostar no diferente. A acreditar na transformação de uma cidade pelo esporte. Lula foi “o cara”: “Chegou nossa hora. Entre as dez economias do mundo, somos o único país que nunca recebeu os Jogos. Essa decisão abrirá uma nova fronteira”.

Sei que os céticos enxergam os interesses políticos por trás. E que os pessimistas chegaram a torcer contra a candidatura do Rio. Foram poucos. A adesão do povo brasileiro foi impressionante: 85% queriam muito.

Claro que vamos cobrar o cumprimento de promessas. O não desvio de dinheiro público. Estamos cansados de testemunhar falcatruas. Chega de projetos megalomaníacos que enchem os bolsos de políticos e são inúteis para a população.

Não queremos pouco. Queremos uma transformação radical como a de Barcelona. O Rio pode enfim dar uma virada se houver planejamento e responsabilidade. No transporte, na segurança, na urbanização de algumas favelas e na remoção de outras, no meio ambiente, na infraestrutura, na saúde, no respeito à infância, na educação e cidadania. Esperamos que um dia o choque de ordem se torne redundante. Sim, nós podemos.


03 de outubro de 2009 | N° 16113
NILSON SOUZA


O profeta Gentileza

Já estava com meu texto pronto para esta crônica semanal quando li no blog da colega Rosane Tremea (Recortes de Viagem, em zerohora.com) um relato tão bonito e sensível, que pedi sua permissão para reproduzi-lo para os leitores de nossa edição impressa e para quem me acompanha pela internet. Sob o título “Gentileza na cidade”, ela contou como foi o seu sábado em Porto Alegre – e iluminou a semana dos seus leitores. Espero que os meus também façam bom proveito da mensagem:

Pode ser o espírito desarmado do sábado de folga e de sol. Ou pode ser simplesmente nossa desatenção diante do que é simples. E bonito. E importante. No sábado de folga e de sol, o Profeta Gentileza parecia ter baixado na cidade.

Sorria a ascensorista da Casa de Cultura Mario Quintana. Sorria a gerente do restaurante que lamentava não haver lugar para quem não havia feito reserva. Sorria a garçonete que sugeria mudar a sobremesa, por que aquela demorava muito, e hoje todos têm pressa.

Sorria a moça detrás do balcão da loja de R$ 1,99, que vendia flores de plástico como se fossem orquídeas raras. E tinha o cabelo bonito, mechado e bem cuidado. E maquiagem leve e de bom gosto. E, por trás do balcão, sentava numa cadeira de rodas, as mãos retorcidas por uma doença que não ousamos perguntar qual era. E a gentileza não diminuiu após nosso olhar de surpresa, não de piedade.

O sábado não parecia prenunciar o domingo de vento e chuva e destruição. O sábado era de sol, de primavera. O sábado era de gentileza em todo lugar. Por que o mundo não é cor-de-rosa, todos sabemos, mas pode ser bem melhor.

Na igreja, no sábado de sol, a gentileza com a curiosidade das passantes que queriam saber o porquê de todas aquelas flores, e frutas, e símbolos, todos diferentes.

Era o Festival das Flores, uma tradição surgida no século 19 nas igrejas anglicanas da Inglaterra e da Escócia, celebrando nas áreas rurais o início da primavera.

Uma tradição seguida hoje nas igrejas anglicanas do mundo todo, incluindo as de Porto Alegre, como na Catedral da Santíssima Trindade, na Rua da Praia. A explicação toda veio com paciência e gentileza. E rendeu, como sempre, fotos.

E pra encerrar este post, escrito simplesmente num dia em que a gentileza estava no ar, e pra começar a semana, um trecho de um poema do profeta Gentileza:

“Esse dia lindo,

essa luz que está em cima de nós, a nossa vida,

ou seja, vem do mundo, é de graça,

é Deus nosso Pai que dá.”

Boa semana.