segunda-feira, 5 de janeiro de 2009



05 de janeiro de 2009
N° 15839 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um caso de autoestima

Uma das mais ilustres veranistas da atual temporada do litoral mudou de nome da noite para o dia. Falo da coruja Zoia, que em pleno Réveillon perdeu o acento agudo, passando a chamar-se Zoia. A culpada foi a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa, mal-humorada senhora que causou outros estragos no idioma em que navegamos.

O acordo, firmado entre o Brasil e as outras sete nações da mesma fala, provocou mais vítimas inocentes. Embora as mudanças só devam atingir algo como 0,5% das palavras empregadas em Pindorama, há algumas que me provocam a mais sentida consternação.

O trema, por exemplo, morreu sem choro nem vela, sem uma fita amarela. Ou você acha que dizer tranquilo, que significa de ânimo calmo, de natureza serena, sem receio, confiante, vai representar a mesma coisa que tranquilo, feia palavrinha decepada do duplo e clássico sinal?

E as palavras compostas, quem vai reconhecê-las? Tomem para-quedas. O sentido não pode ser mais claro. Significa frear a queda, o que vale tanto para tempos de paz como de guerra. Já paraquedas parece o título de alguma receita destinada a quem quer consertar as costelas.

Peguem circunavegação. Parece evidente que foi a viagem que Fernão de Magalhães fez, tirando todas as dúvidas de quem ainda suspeitava de que a Terra era redonda, ou quase. Agora, escolham circum-navegação, que é como ficou decretado, e será difícil não pensar numa regata ao redor do um circo.

O velho prédio da Assembleia, aqui na Rua Duque, que será reinaugurado ao que anunciam neste janeiro, terá de providenciar nova placa, pois perdeu o acento. De igual acidente sofrerão a Coreia, a ideia, e a paranoia. A jiboia, a odisseia e a tramoia padecerão do mesmo mal.

Mas enquanto aqui refletimos, os portugueses continuarão a reflectir: é a tal de informação fonética. Outras informações menos técnicas têm o timbre da máquina registradora.

Os dicionários precisarão ser atualizados e calcula-se que milhões de exemplares de livros didáticos deverão receber reedições. O mesmo vale para as obras que nós compramos por prazer.

No fundo tudo será uma questão de auto-estima, ou de autoestima, segundo os mandamentos da grafia única e dos caprichos das Academias de Letras.

Aproveite a segunda-feira e tenha uma excelente semana.

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