domingo, 19 de maio de 2019



18 DE MAIO DE 2019
LYA LUFT

Antes que o mundo acabe

Qualquer coisa muito nova, diferente, e minha avó Olga, mãe de meu pai, exclamava: "O mundo vai acabar".

A gente adorava aquela avó baixinha, gordinha, os olhos mais azuis deste mundo, e a bondade mais bondosa também. Eu achava maravilhoso meu pai ter mãe, e não me cansavam as histórias que ela contava da infância dele. Mais ainda, da própria infância dela - e a gente abusava da paciência dela, vó, conta de novo de quando você subiu na goiabeira e caiu e quebrou o braço.

Vó subindo em goiabeira era uma loucura. Naturalmente a bondosíssima dona Olga repetia mais uma vez, e mais outra, e se divertia com nosso deslumbramento.

Não sei se perdemos menos do que devíamos a capacidade infantil de acreditar, de nos iludir. Ou será que estamos sarcásticos e céticos, e só eu não vi direito? Estamos num momento esquisito, não só aqui, mas no mundo todo. Trump, Teresa May, Guaidó e Maduro, Irã, Iraque, Síria, escolas e estudantes, professores e reitores, garis e médicos, advogados e donas de casa (isso ainda existe?), todo mundo inquieto, um pouco amedrontado, sacudindo a cabeça, o mundo não tem jeito mesmo. O ser humano não tem jeito. O Brasil não tem jeito.

E alguém há muitos anos, quando eu fazia essas argumentações meio desesperadas, me disse com simplicidade dos sábios essa coisa definitiva:

"Ora, esse é o jeito do mundo, das pessoas, do país. E ponto final". O resto é arrancar os cabelos para nada. Aceitar sem aceitar, procurar não bater a cabeça demais na parede, ou o mundo continua e nós temos de ir para alguma emergência... onde talvez não tenham mertiolate nem band-aid. Então melhor ficar meio quieto, sem ignorar, sem se alienar demais.

Porque anda difícil mesmo. Porque o pão nosso de cada dia, a escola das crianças, o juro, o ar impuro, o mar desolado onde querem botar terminais de petroleiros, tudo parece esquisito. Como a maior parte das explicações de um lado e de outro.

Não acho que o mundo vá acabar... agora. Não ainda. Pois quero poder segurar bisnetos, por gentileza: não precocemente, não já, mas um dia. Mas que está chato, repetitivo, como nós em nossas queixas e receios, ah isso está. E sem jeito de mudar.

Então pelo menos, depois dos dias de chuva que eu amo especialmente, agora mesmo o sol rompe um nevoeiro fraco aqui no parque à minha frente, e levantei cedo, com frio, para vir ao computador fazer uma coisa importante (para mim, importante): a ultimíssima revisão do meu novo livro, As Coisas Humanas, textos avulsos que devem aparecer na minha editora Record no próximo semestre.

E sentada aqui no meu pequeno escritório, o dia mal nascendo, balancei a cabeça rindo sozinha: Só eu mesma, escrever a esta hora, em lugar de ficar na cama quentinha.

Mas escrever, para os doidos como eu, é o melhor remédio e a maior aventura. O problema é botar o ponto final, pois um livro é, como a análise de Freud, terminável e... interminável. Mas que seja antes que o mundo acabe.

LYA LUFT

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