domingo, 19 de maio de 2019


18 DE MAIO DE 2019
CARPINEJAR

Tá ocupado!

Na infância, havia o telefone fixo em casa, com a extensão no quarto dos pais. Não existia celular e computador. Representava o único jeito de contato com os amigos. Fazia-se fila e escala de horários para usá-lo.

Evidente que ficávamos furiosos com a irmã mais velha, Carla, que não respeitava os acordos e se alongava em bem-me-quer e mal-me-quer com o namoradinho da escola. Não desligava de imediato. Ameaçava se despedir e retomava a conversa do nada, depois do tchau, com alguma fofoca ou novidade.

O telefone tornava-se pivô da tensão familiar, já que os negócios e trabalhos paterno e materno tinham a preferência sobre as nossas amenidades adolescentes. Não foi uma vez que escutei o sermão: "Ligação é só para urgências e dar recado rápido".

As enrolações geravam a maior parte das discussões na mesa. Quando a irmã se declarava infinitamente nos seus interurbanos, enrolando o fio nos dedos como se fossem os seus próprios cachos, os adultos de casa apareciam discando o aparelho lá do cômodo de cima, constrangendo e forçando imediatamente a liberação. Ela reagia com gritos: tá ocupado!

Tentar fazer uma ligação enquanto alguém falava demais era uma forma de intimação: mais contundente que pedidos educados para desocupar o número.

Todos os filhos foram vítimas da levantada de gancho dos pais, nossos censores domésticos. Silenciosamente, com mãos de pluma, seguravam o fone para ouvir o que estávamos aprontando. Os ruídos atrapalhavam a nossa identificação. Precisávamos de muita atenção ou a sorte de uma tosse ou de um pigarro.

Aquilo nos irritava profundamente: sentíamo-nos pressionados, fiscalizados, julgados. Óbvio que os dois negavam até a morte. Corríamos para fazer o flagrante e eles já se encontravam disfarçados com novas ocupações. Espumávamos de ódio da dissimulação, jamais confessaram os seus crimes de espionagem.

Hoje, estranhamente (a saudade é estranha mesmo), quando converso no telefone, eu torço para que os meus pais estejam ainda escutando no outro lado da linha, sabendo de mim, cuidando de mim, interessados em mim, preocupados comigo, daí não me vejo sozinho para decidir a minha vida. De arapongas, eles se transformaram em anjos da minha voz. Meu coração nunca estará ocupado para eles.

CARPINEJAR

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