08
de maio de 2013 | N° 17426
ARTIGOS
- Afif Simões Neto*
Um batalhão de jovens interditados
Sou
juiz de Direito em uma das Varas de Família e Sucessões de Santa Maria. São
duas ao todo. Na que trabalho, devem circular perto de 3 mil processos. Desses,
uns 200 são de interdição. Para quem não sabe, alguém é interditado quando, com
mais de 18 anos, perdeu a capacidade mental para a prática de atos da vida
civil, por qualquer um dos motivos indicados pela lei.
Decretada
a interdição, será nomeado curador para a proteção da pessoa e dos bens do
interdito, que, por exemplo, não pode casar-se, assinar contratos, abrir uma
conta bancária, uma sapataria, comprar uma bicicleta nem que seja. Nenhum
documento assinado por ele tem validade. Vira uma coisa, pois não tem vontade
própria, dependendo exclusivamente do que os outros possam fazer por ele.
Realizo
as audiências de interdição em uma quarta-feira do mês, à tarde. São sempre
mais de 12 processos pautados. Pois bem: dois deles, dando de barato, dizem
respeito a jovens, com até 30 anos ou um pouco mais.
Quando
algum laudo médico acompanha a petição inicial, é certo que o CID aponta a
esquizofrenia como causa para interditar, e mais certo ainda que todos eles –
eu disse todos – confessam ao juiz que passaram a consumir maconha ainda na
idade juvenil. O pontapé inicial da desdita foi dado, invariavelmente, pelo
“inofensivo baseado” fumado na saída do colégio ou nas festinhas da turma.
Claro
que indivíduos que já sofrem de esquizofrenia e apresentam histórico pessoal de
consumo da erva ou outras substâncias demonstram um início mais precoce da
doença do que aqueles esquizofrênicos que nunca usaram maconha ou outras
drogas. Mas o que quero relatar aqui é que passou a me assustar, analisando os
processos de interdição de pessoas jovens, a relação “consumo de maconha –
esquizofrenia”.
Pelo
que dá para ver, o uso regular da Cannabis sativa apresenta um risco potencial
para o desenvolvimento de transtornos esquizofrênicos, e esse risco está
diretamente relacionado com a utilização contínua do entorpecente de forma
precoce. Assim, é lógico, é evidente, salta aos olhos, que a redução do uso da
maconha entre os jovens poderia colaborar efetivamente na prevenção de futuros
casos de esquizofrenia.
Mas
aí, o que se vê, ao invés de campanhas nacionais agressivas para alertar dos
riscos do consumo, são notáveis de academia – que da missa não sabem a metade –
apresentando proposta para alterar o Código Penal, a fim de que a maconha seja
legalizada, sob o fundamento de que sua utilização seria reduzida e que
eliminaria a ação dos traficantes.
Acontece
que o traficante também vende crack, cocaína, heroína, ecstasy e outros tipos
de drogas. Além disso, em países como Holanda, que liberaram o “bagulho”, foi
comprovado que em nada diminuiu o consumo. A maconha é nociva, sim, e é a porta
de entrada para uso de outras drogas, ou vocês conhecem algum craqueiro, já na
finaleira da vida, que não tenha sido maconheiro antes?
Pena
que as ações em Vara de Família corram em segredo de Justiça. Se não fosse
assim, gostaria muito de convidar essa gente liberal, que acha o máximo liberar
maconha para adolescentes, para dar uma passadinha, sem compromisso, numa
quarta-feira à tarde, na 2ª Vara de Família de Santa Maria.
Talvez
o desespero de um pai, de uma mãe, pedindo ao juiz, pelo amor de Deus, que
interdite o seu filho amado, que mais parece um zumbi fuçado pela maconha,
pudesse trazê-los à realidade.
*JUIZ
DE DIREITO
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