sábado, 2 de janeiro de 2010



Dinheiro? Para quê?

O irlandês Mark Boyle viveu um ano sem um tostão para convencer o mundo de que dinheiro é bobagem

RODRIGO TURRER - Matt Cardy - SOLITÁRIO

Mark Boyle na Inglaterra, nos primeiros passos para viver um ano sem dinheiro. “É possível o mundo viver assim”, diz

O irlandês Mark Boyle quer convencer o mundo de que o dinheiro é supérfluo. Há quase um ano traçou um plano mirabolante para erradicar o dinheiro dos bolsos de todos. Para dar o exemplo, se desfez de seus bens e foi morar em um trailer, nas cercanias de uma fazenda de alimentos orgânicos em Bristol, na Inglaterra.

Pegou meia dúzia de roupas e uma bicicleta. Dos bens manteve o celular, que só recebe chamadas, e o laptop, ambos alimentados por energia solar. Improvisou um fogão a lenha, em que cozinha o que planta, um chuveiro com painel solar e uma escova de dentes feita de conchas e sementes de erva-doce. Seu banheiro é um buraco no chão; o papel higiênico, jornais velhos ou plantas anatomicamente adequadas.

Boyle afirma ter encontrado o sentido de sua vida na faculdade de economia, por volta de 2001, graças ao filme biografia Gandhi, sobre o líder pacifista indiano. “O chapa da tanga me ensinou uma lição gigante: seja a mudança que você quer ver no mundo.” Ainda recém-formado, Boyle não tinha ideia de qual mudança desejava ser. Resolveu ganhar dinheiro – de modo ecologicamente ético, claro.

Abriu uma empresa de comércio de alimentos orgânicos. Apesar do relativo sucesso, continuava insatisfeito. “Eu me dei conta de que nem mesmo negócios sustentáveis conseguem mudar as coisas.” O que seria suficiente? “Em vez de diagnosticar as doenças do mundo e protestar contra elas, pensei em me tornar um homeopata social, com tratamentos longos”, diz Boyle.

Sua primeira medida foi trocar o nome de batismo Mark Boyle por Saoirse – pronuncia-se “Sir-chu”, palavra em gaélico para “liberdade”. Em seguida criou uma comunidade virtual para “troca de conhecimentos solidários”, o Freeconomy (justfortheloveofit.org). Lá as pessoas podem se filiar, declarar suas habilidades – de cortes de cabelo a reparos na casa – e doá-las a quem precisar.

A ideia ainda não entusiasmou muita gente. Em quase dois anos, 14.382 pessoas de 118 países se inscreveram no Freeconomy, menos de 123 engajados por país.
“A raiz da insegurança e do medo do mundo é o dinheiro. O que aconteceria se me livrasse dele?”

Para divulgar sua iniciativa, Boyle – ou Saoirse – conta que começou uma peregrinação até a terra de seu mentor, Gandhi. A pé. Mil dias de caminhada a partir da Inglaterra, passando por França, Itália, Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bulgária, Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão e Índia.

O projeto começou em março de 2008 e foi abortado em abril, por problemas linguísticos, segundo ele. “Os franceses me disseram que não ajudariam ninguém que não falasse francês...”, afirma Boyle, que só fala inglês e arranha espanhol.

No caminho de volta, Boyle teve seu derradeiro lampejo: “A raiz de toda a insegurança e medo do mundo é o dinheiro. O que aconteceria se me livrasse dele?”. Em dezembro do ano passado, ele pôs em prática o plano de erradicar o dinheiro da humanidade.

“Nos próximos 20 anos, as pessoas terão de repensar a forma como vivem, consomem e desperdiçam”, afirma Boyle. “Meu plano é mostrar que é compensador e podemos construir uma comunidade sem dinheiro.”

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