terça-feira, 8 de setembro de 2009



08 de setembro de 2009
N° 16088 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


A Casa do Povo

Em uma tarde fria de setembro, mês que então caía no inverno, minha mãe e eu, transidos pelos ventos glaciais imigrados ou da Antártica ou dos Andes, caminhávamos apressados pela Rua Duque em direção à parada do bonde. Ao cruzarmos por umas portas e janelas em arco, ela me informou:

– É aí que trabalha teu pai.

– Aí que ele faz discursos? – perguntei, contemplando o prédio que me pareceu enorme.

– Isso.

– Então, quem sabe, a gente dá uma olhada?

Minha mãe atendeu com um sorriso o pedido do garoto de seis anos e, por uma dessas incríveis coincidências, meu pai ocupava de momento a tribuna, numa oração que calava os apartes e era o oposto de seus modos tranquilos e cordiais.

Não sei do que tratava, mas guardei de sua voz, silenciando as outras vozes, uma impressão inapagável de fortaleza e convicção.

Habituei-me depois a frequentar o casarão da Assembleia, vizinho do Palácio, levado pela mão amiga de meu pai. Conservo uma viva lembrança daqueles debates, ora acesos, ora timbrados de ironia, com que os deputados do tempo, cultivando uma eloquência herdada de um João Neves da Fontoura, tratavam de salvar o Rio Grande, o país e o mundo. Depois, o sóbrio edifício transformou-se numa sóbria repartição burocrática do governo lindeiro.

Acompanho agora os esforços para devolver-lhe a importância ancestral. Será essa uma complexa tarefa. Não duvido contudo que o resgate será fiel ao passado e que os visitantes saberão imaginar talvez a esplêndida figura de Rodrigo Cambará, renascido das páginas de Erico Verissimo, rompendo espetacularmente com Borges, numa retórica fulgurante que à noite lhe valeu os favores da mais bela das deusas do Clube dos Caçadores.

Percebo que misturo política com literatura. Não serão porém vagamente aparentadas? O melhor dos discursos já escritos não será acaso o de William Shakespeare – o que repete a espaços a dúbia afirmativa segundo a qual “Brutus é um homem honrado”?

Voltando ao presente, será um gesto histórico a devolução à cidade de sua Assembleia, casualmente sua construção mais antiga. Peço apenas que não a chamem de Casa Rosada, como ouço às vezes. A Casa Rosada é outra, fica em Buenos Aires.

Chamem apenas a Assembleia da Rua Duque de a Casa do Povo. Nunca foi diferente a tradição de sua legenda imemorial.

Ainda que com chuvas e temporais, conforme a previsão do tempo, possamos todos ter um bom dia. Para quem está de folga uma ótima folga hoje.

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