sábado, 7 de março de 2009


Alexandre Mansur e Francine Lima

A relação entre as crianças e o aparelho celular

Metade das crianças paulistas de 6 a 9 anos diz que já tem seu celular. Como elas se comunicam

NO INÍCIO, ERA A SEGURANÇA

Thomas, de 9 anos, e Sabrina, de 8. A mãe deu a eles os aparelhos para controlar a perua escolar. Em pouco tempo, passaram a usá-los o dia todoA nova geração de crianças mergulha no universo da alta conectividade cada vez mais cedo.

Uma pesquisa inédita entre estudantes paulistas sugere que 80% dos alunos de 10 a 18 anos já têm o próprio celular. Cerca de 45% deles afirmam que ganharam o aparelho antes dos 9 anos. E a precocidade está aumentando. Quando os pesquisadores ouviram as crianças que têm entre 6 e 9 anos hoje, 51% delas disseram que tinham celular próprio.

Nessa faixa etária, boa parte das crianças ainda nem aprendeu a ler e escrever direito. O estudo foi feito entre alunos de escolas públicas e privadas de 13 cidades do Estado, inclusive a capital, pelo Programa EducaRede da Fundação Telefônica e pela Universidade de Navarra, da Espanha.

Os números podem ter algum exagero. Os pesquisadores perguntaram apenas aos estudantes, e não checaram com os pais a posse do aparelho. Algumas crianças podem ter entendido como seu um celular que, na verdade, é da mãe, do pai ou de um irmão mais velho.

Outras podem ter mentido. No entanto, o dado bate com outros levantamentos feitos com adolescentes no Brasil. Um estudo feito pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil em 2007 mostrava que 35% das crianças de 10 a 15 anos já tinham celular próprio.

Era de esperar que a proporção aumentasse. Além disso, a febre do celular entre as crianças brasileiras parece se inserir em uma tendência global. Nos Estados Unidos, 57% das crianças chegam aos 13 anos com um celular. E 91% das meninas de 17 já têm o seu. Na Espanha, 65% dos pré-adolescentes entre 10 e 12 anos ganharam um.

O avanço deverá aumentar, com ofertas especiais para esse público precoce. Operadoras nos EUA vendem aparelhos para crianças a partir de 4 anos de idade. São telefones que não permitem a discagem livre.

Têm apenas alguns botões, que ligam para números prefixados, como o da mãe ou do pai. No Reino Unido, a empresa Communic8 teve de parar de vender o modelo infantil MyMo, diante de protestos de que os celulares não fariam bem para crianças tão novas.

Algumas descobertas da pesquisa da Telefônica no Brasil dão margem a preocupações quanto ao abuso da tecnologia. O primeiro receio é de que o aparelho gere uma relação de dependência.

Pelo levantamento da Telefônica, entre os jovens de 10 a 18 anos, 43% dizem que deixam o celular ligado na sala de aula. Se tivessem de escolher entre o celular e a televisão, as meninas optariam pelo primeiro. Não à toa, 16% dos meninos e 10% das meninas dizem conhecer alguém viciado em celular.

O segundo temor dos pais é o uso indevido do aparelho. Segundo a pesquisa, metade das meninas recebeu ligação de desconhecidos e um em cada dez meninos já recebeu conteúdo obsceno ou pornográfico pelo telefone. Além disso, 11% dos meninos e 9% das meninas já usaram o aparelho para ofender alguém. Um em cada dez deles diz ter sido prejudicado por meio do celular.

Esse é o temor de Adriana de Urbano Menezes, de São Paulo, que deu celulares aos filhos Thomas e Sabrina quando tinham 8 e 7 anos, respectivamente. O aparelho era uma questão de segurança.

“A perua da escola atrasava ou falhava, e eu precisava ter uma forma de comunicação com eles”, diz. De lá para cá, Thomas, hoje com 9 anos, e Sabrina, com 8, usam seus aparelhos para se comunicar com a família e alguns amigos. Até mesmo quando estão em casa, do lado do telefone fixo. Thomas é quem mais explora o uso do celular.

Carrega a bateria com o aparelho debaixo do travesseiro, usa o telefone como despertador e relógio, armazena na agenda o número de todo mundo que encontra, manda mensagem de texto para a mãe (certa vez, mandou um “mãe, pega uma toalha, que eu esqueci”), telefona da festinha de aniversário pedindo que o busquem, ouve rádio com fone de ouvido (para abafar a música que vem do quarto da irmã) e só não baixa novos jogos porque a mãe não deixa.

Adriana teme deixar o aparelho sem limites na mão das crianças. Receia que isso dê margem a invasão de privacidade. Por isso, comprou modelos sem câmera para os filhos. “Em casa, Thomas pega meu celular e faz vídeo de tudo”, diz Adriana. “Se eu deixasse um desses na mão dele, imagino se não me gravaria no banho.”

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