sábado, 17 de janeiro de 2009



17 de janeiro de 2009
N° 15851 - NILSON SOUZA


Alexsandro

O menino deveria ter sete ou oito anos, estava ranhento naquele dia e faltava-lhe pelo menos um dente da frente. Ainda me lembro bem daquele sorriso capenga e do comentário que me fez, cheio de orgulho, enquanto me mostrava uma carta de baralho.

– Olha só a letra do meu nome! – falou, exibindo-me um ás de copas.

Levava no peito um crachá, caprichosamente desenhado com letra de professora e caneta hidrocor, que não deixava dúvidas sobre seu nome: “Alexsandro”.

O crachá, as cartas e até a merenda escolar faziam parte do processo de alfabetização daquela turma da escola pública que eu visitava na condição de repórter de uma revista especializada em educação.

As cartas, num primeiro momento, pareceram-me uma extravagância, pois pensei que poderiam estimular as crianças ao jogo. Mas a professora me explicou, pacientemente, que usava o baralho porque era um elemento da vida real daqueles meninos e meninas de periferia. A maioria deles nunca tinha visto um livro em casa, mas as cartas eram objetos bem conhecidos.

O estalo de Alexsandro não deixava dúvidas. Ele ficou muito feliz em constatar que a primeira letra do nome escrito em seu crachá era aquele ás. Provavelmente, nunca mais iria esquecer aquilo. Estava iniciando – e bem – seu processo de alfabetização.

Mas o importante, para mim, foi ter conhecido aquela professora que se esforçava para ensinar crianças praticamente condenadas a não aprender. Aqueles alexsandros, que recebiam nomes estrambóticos de seus pais iletrados simplesmente porque eles achavam bonito o som das palavras – ninguém simboliza tão bem esta aberração quanto o folclórico jogador Odivan –, dificilmente se interessariam pela leitura e pela escrita se não encontrassem mestras compreensivas e atiladas como aquela.

Para justificar sua orientação construtivista, de partir do universo dos alunos para conquistá-los, ela citou Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura das palavras”.

Na ocasião, e lá se vão mais de 15 anos, fiquei muito impressionado com o conhecimento daquela alfabetizadora, que procurava ir além das cartilhas e buscar um caminho realmente suave para resgatar crianças excluídas do mundo das letras.

Desde então, sucessivas experiências pedagógicas têm sido feitas no ensino do Estado e nossas crianças parecem estar regredindo. Por isso, está em curso uma nova revolução na educação pública do Rio Grande do Sul.

Espero que os bons professores sejam reconhecidos e valorizados.

Mas espero, acima de tudo, que as autoridades e os trabalhadores em educação, que é a forma como gostam de ser chamados, não se esqueçam dos alexsandros.

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