segunda-feira, 12 de janeiro de 2009



12 de janeiro de 2009 | N° 15846
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Uma espécie de refúgio

Uma leitora me pergunta, com esse jeito de provocar de que só as mulheres são capazes, por que num mundo sitiado de insegurança, dilacerado por guerras, destroçado pelo terror eu perco tempo com pequenos flagrantes do cotidiano, mínimas ruas e jardins, mais a onipresente cidade de Cachoeira.

Acho que por uma espécie de refúgio, L. É bom de vez em quando exilar-se da realidade nesse território que atende por paz interior. É bom abrigar-se da parte torta do universo em outro universo, o que atende por serenidade. É bom recolher-se das pequenas e grandes catástrofes do dia-a-dia buscando esconderijo na tranquilidade de espírito.

Assim como não desconheço as tragédias deste inquieto planeta sem juízo, tenho imenso apreço pelos incidentes e lugares de que também se compõe a existência.

Considera as mínimas ruas e jardins, L. Aqui perto de casa sobrevive um parque em ruínas, legado de passadas eras de fama, alegria e fortuna. Para o comum dos mortais, aquele espaço devastado nada mais é do que um trecho esquecido do Centro. Já eu, que sou incomum por amar a vida, vejo ali toda uma longa saga de encontros, agonias e êxtases.

Também não consigo mostrar-me alheio à poesia das travessas da minha vizinhança. Não longe daqui, L., começa a Cidade Baixa e há nesses domínios trechos em que velhas casas se apoiam umas nas outras, assim como quem tem frio e sonha.

Não consigo me distanciar da poderosa dimensão humana de meias-águas e sobrados que esqueceram de dobrar-se à trajetória das idades e vivem de respirar suas memórias.

E há Cachoeira. Cachoeira é a primeira imagem de minha circunstância, é o prólogo e o índice de minha caminhada sobre a Terra, é a rosa-dos-ventos de minha jornada rumo a todos os horizontes, à paz e ao esquecimento.

Entendes agora, L., por que o mundo pode caber inteiro em flagrantes do cotidiano, em mínimas ruas e jardins e na terra em que nasci? É porque, um pouco à maneira de Pessoa, nada é trivial quando a alma é importante.

Aproveite o dia - Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.

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