sábado, 4 de outubro de 2008



04 de outubro de 2008
N° 15748 - CLÁUDIA LAITANO


Queda que os eleitores têm para os tolos

Entre os muitos lançamentos e relançamentos que aproveitam a renovada atenção dos leitores para a obra de Machado de Assis neste ano de centenário, um livrinho que se lê no Brique, entre um gole de chimarrão e um abanico para os conhecidos, guarda algumas reflexões que podem ser especialmente úteis neste fim de semana – tanto para mulheres que estão selecionando pretendentes quanto para os eleitores que ainda não escolheram seus candidatos.

Trata-se de Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, pequeno ensaio satírico que tem sido objeto de uma animada polêmica entre machadianos desde que foi publicado, em 1861, quando Machado tinha apenas 22 anos.

A dúvida diz respeito à autoria do texto: seria realmente uma tradução, como aparecia na folha de rosto da primeira edição, sem o nome de um autor, ou um texto original do suposto tradutor – então ainda um jovenzinho com mais talento do que fama?

Hoje, parece não haver mais dúvida: o ensaio é mesmo uma tradução do texto de um belga chamado Victor Hénaux, como comprova a edição bilíngüe lançada agora pela editora Unicamp (que, obviamente, coloca o nome do tradutor famoso bem grande na capa, enquanto o do autor desconhecido aparece no pé, em letras miúdas).

Traduções sem a identificação da autoria original eram comuns na época, e como o escritor belga não conquistou um décimo da fama do seu tradutor brasileiro, estava aberto o caminho para a confusão.

Esclarecida a questão da autoria, permanece a polêmica em torno do conteúdo. Como o próprio autor reconhece na primeira página do ensaio, falar do amor das mulheres pelos tolos é arriscar-se a comprar briga com a maioria de um e de outro sexo.

O título, abertamente misógino na superfície, na verdade obriga o leitor do sexo masculino a encaixar-se em uma de duas posições igualmente pouco confortáveis: fracassado nas lides amorosas, porém sábio, ou partido disputadíssimo, ainda que rematado bobalhão.

Aos que não titubeariam em bandear-se para o segundo time, se tivessem escolha, o autor adverte: “A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino. O tolo não se faz, nasce feito”.

É preciso esclarecer que “tolo”, para Hénaux/Machado, opõe-se a “homem de espírito”. Em uma versão contemporânea, a tradução mais aproximada do sentido original do texto talvez fosse a dupla canalha/homem sincero.

A bronca do autor não é com os parvos, como o título provocador parece sugerir, mas com os homens que não levam nem a mulher nem o amor a sério – e também, evidentemente, com as moças que caem na conversa fiada do galanteador.

O homem de espírito ama muito e para sempre. O tolo desfaz-se das amantes sem pena nem esforço. O homem de espírito fala a verdade, sem calcular o efeito que ela possa ter. O tolo mente, finge, dissimula – e o remorso nunca o atormenta.

Políticos, como os amantes, podem ser “tolos” ou “homens de espírito”. Distinguir um do outro nem sempre é fácil – e mesmo se os desonestos trouxessem no pescoço uma plaqueta advertindo “não pretendo fazer nada disso que estou prometendo” ainda haveria quem se deixasse seduzir pela fala envolvente, pelas promessas mirabolantes, pelas maneiras gentis.

Pois o eleitor descuidado corre o risco de agir exatamente como uma donzela ingênua do século 19. Para continuar acreditando na política, é preciso saber encontrar os homens e mulheres de espírito em meio a todos os outros – eis nossa missão, nada simples, na votação de amanhã.

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