quarta-feira, 1 de outubro de 2008



01 de outubro de 2008
N° 15745- MARTHA MEDEIROS


O submundo

No meio do filme, duas senhoras levantaram e deixaram a sala. Resolveram ir embora. Pena. A gente nunca entende quando alguém não gosta de algo que a gente adora, e eu estava adorando Linha de Passe.

Algumas pessoas rejeitam filmes em que não há nenhum ator famoso ou que só mostrem locais feios e pobres. É exatamente o caso do mais recente filme de Walter Salles e Daniela Thomas, cuja história se passa numa periferia de São Paulo e cujo único ator vagamente conhecido é Vinicius Oliveira, o garoto que contracenou com Fernanda Montenegro em Central do Brasil, e que hoje é um homem feito.

A atriz principal do filme é a nada glamurosa, porém extraordinária Sandra Corveloni, que só saiu do anonimato depois que ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, desbancando Julianne Moore e Angelina Jolie.

Filme sem uma estética global, sem Zona Sul? Rapidamente lembramos de Cidade de Deus ou Tropa de Elite, dois filmes eletrizantes que nos deixaram sem fala em algumas cenas.

Nos instantes iniciais de Linha de Passe, eu esperava a qualquer momento uma cena de extrema violência, condicionada a pensar que periferia brasileira é sinônimo de submundo, lugar onde agem os criminosos. Que disparate.

Em Linha de Passe não há submundo: há o mundo. E, nele, uma família de quatro irmãos criados por uma mãe que é empregada doméstica e está grávida do quinto filho, de pai desconhecido. Todos ferrados, lógico.

Um dos filhos quer ser jogador de futebol, única via para ser “alguém”. O outro procura um rumo numa igreja evangélica.

O outro é motoboy. O menorzinho é obcecado em conhecer o pai: só sabe que ele é motorista de ônibus. E a mãe, com seu barrigão, está prestes a perder o emprego, já que não tem carteira assinada.

Ninguém é mau, ninguém é anjo: são criaturas reais. Cada um se movimenta de acordo com as oportunidades que aparecem. Todos se deixam levar por grandezas e fraquezas.

Não há degradação de valores nem superexposição de violência e de sexo para retratar a realidade de quem vive à margem. Simplesmente mostra cada um defendendo o seu. Todos errando e acertando – no caso do filme, errando mais por ingenuidade e desespero do que por mau-caratismo.

Isso é importante, pois costumamos julgar muito rápido quem está no desvio. Palavras como malandro, vagabundo ou ordinária saem de nossas bocas de forma rápida e implacável, como se a vida não fosse uma soma de fatores que nos levam a fazer escolhas boas e outras nem tanto.

O futebol está presente no filme o tempo todo. A analogia funciona. Aqui fora, prestamos atenção apenas nos titulares, sem perceber o povaréu que fica no banco, aguardando ser chamado nem que seja para jogar os minutos finais do segundo tempo e tentar virar o jogo da própria vida.

No entanto, essa maioria continuará se ferrando por absoluta falta de chance. Não há submundo algum.

Há o mundo verdadeiro de Linha de Passe, que não apresenta uma saída redentora nem um desfecho trágico. As duas senhoras que saíram no meio do filme, afinal, não perderam tanto: essa é mesmo uma história que não tem fim.

Aproveite a quarta-feira - Brinque, namore, use as prerrogativas do Dia Internacional do sofá

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