quarta-feira, 21 de novembro de 2007



21 de novembro de 2007
N° 15425 - martha medeiros


O momento da gaita

Estava ouvindo rádio no carro, iniciando uma viagem para o litoral, quando entrou uma música dos Engenheiros do Havaí gravada ao vivo em algum show. Humberto Gessinger cantava numa boa, quando, no meio da canção, ele começou a tocar gaita-de-boca. A platéia veio abaixo.

Ainda na freeway, entrou uma música do Nenhum de Nós. Mesma coisa: durante um show ao vivo, o Thedy puxou uma gaitinha e o povo delirou.

Alguns quilômetros depois, já na Estrada do Mar, foi a vez de Neil Young invadir meu carro pelo rádio numa gravação ao vivo de Hey, Hey, My, My: na hora da gaita, comoção, assovios, bateção de pés, urros.

Quando eu estava quase chegando ao meu destino, a rádio mal pegando, ainda deu pra escutar Stevie Wonder com sua eletrizante Isnt She Lovely num show ao vivo em Madri e, claro, levando a galera ao êxtase na hora da gaita.

Sei que não é uma questão existencial profunda, mas fiquei me perguntando: que diabo de fascínio tem essa gaita-de-boca?

Minha primeira teoria: o "momento da gaita" emociona porque ela nos remete à infância. Todos nós já tivemos um violãozinho de plástico, um pianinho de brinquedo, mas a gaita sempre foi de verdade. Eu, ao menos, tive uma. Não sabia tocar, mas tentava, e a tentativa me fazia sentir como uma estrela pop. Eu brincava de Bob Dylan.

Depois pensei que esse delírio na hora da gaita talvez tenha a ver com sexo. O cara põe os lábios na embocadura do instrumento, tapa com as mãos em concha e fica ali fazendo sabe-se lá o que escondido.

Por fim, cheguei a uma terceira teoria: a gaita libera nosso lado caipira. Eta, trem bão. Podemos estar escutando rock, blues, jazz, qualquer coisa assim sofisticada, mas em algum momento há uma homenagem ao folclore e à música country, e ambas nos remetem ao campo, a uma vida mais simples. Soprar uma gaita seria mais ou menos como mastigar um capim com um chapéu de palha na cabeça.

Pois domingo último, logo que retornei do litoral, mas ainda "viajando" nessas idéias, fui assistir ao Magic Slim no Abbey Road, em Porto Alegre. Durante todo o show eu pensava: quando será a hora da gaita? Pô, blues sem gaita, inconcebível.

Mas não teve gaita. E minha tese foi por água abaixo: o público veio abaixo foi com os solos de guitarra. Aplausos, urros, bateção de pés. Crianças, não éramos. Caipiras, tampouco. Com a guitarra gemendo, restou a teoria do sexo.

Uma ótima quarta-feira Dia Internacional do sofá para todos nós.

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