quinta-feira, 22 de novembro de 2007



22 de novembro de 2007
N° 15426 - Nilson Souza


O dedo do rei

O incidente entre o rei da Espanha e o presidente da Venezuela dividiu o mundo novamente, como nos tempos do Muro de Berlim.

Ainda sob o eco do desabafo real, intelectuais, políticos e cidadãos de todos os hemisférios lançaram-se a um debate apaixonado, alguns tomando o partido do nobre europeu, outros cerrando fileira ao lado do índio sul-americano.

Virou uma disputa ideológica como há muito não se via. Outro dia, dois jovens se cruzaram na Redenção e um deles gritou para o outro:

- Estás com o rei ou com Chávez?

A pergunta envolve mais do que uma simples preferência pessoal e não deixa margem para neutralidade. Na Guerra Fria de rótulos ideológicos, o rei encarna o capitalismo, a opressão e o autoritarismo de direita, enquanto seu oponente é visto como representante do socialismo, da rebeldia e também do autoritarismo, só que de esquerda.

Não há como ficar na linha do Equador deste mundo redividido, até mesmo porque o fanatismo reduz o debate à frase bíblica: "Quem não está comigo está contra mim".

A propósito, Deus estará com o rei ou com Chávez? Ele não erra.

Outro dia li uma história exemplar sobre isso. Havia um rei que não acreditava na bondade de Deus, mas tinha um ajudante-de-ordens extremamente crente, que vivia a alertá-lo:

- Tudo o que Deus faz é perfeito, ele nunca erra.

Um dia, o rei e seu súdito foram caçar. Encontraram um urso feroz, que decepou o dedo mínimo da mão real antes de ser morto pelo fiel serviçal. Em vez de agradecer, o monarca ficou indignado e reclamou:

- E o seu Deus? Se ele fosse bom, eu não teria perdido o meu dedo.

Como o servo respondeu que Deus jamais cometia erros, o rei ficou mais irritado ainda e mandou colocá-lo na cadeia.

Passados alguns dias, o soberano saiu para caçar de novo, sozinho, e voltou a se dar mal. Foi capturado por índios adeptos de sacrifícios humanos. Quando a fogueira já estava pronta, o sacerdote indígena examinou o prisioneiro e exclamou:

- Este homem não pode ser sacrificado, pois é defeituoso. Falta-lhe um dedo. Soltem-no.

Feliz da vida, o rei voltou para o palácio, mandou libertar o súdito e recebeu-o com um abraço:

- Meu caro, Deus foi realmente bom comigo! Escapei da morte justamente porque não tinha um dos dedos. Mas ainda tenho uma grande dúvida: se Deus é tão bom, por que permitiu que você fosse preso da maneira como foi? Logo você, que tanto o defendeu?

O servo sorriu e disse:

- Meu rei, se eu estivesse junto contigo nessa caçada, certamente seria sacrificado em teu lugar, pois não me falta dedo algum!

A história termina aí. Sem analogias com o rei sem dedo, por favor, pois não quero começar outra polêmica apaixonada.

Uma excelente quinta-feira para todos nós.

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