terça-feira, 9 de outubro de 2007



09 de outubro de 2007
N° 15382 - Liberato Vieira da Cunha


Das águas transparentes

Há certos desafios em minha vida que duvido ter enfrentado. Não falo aqui dessas tormentas que abalam as raízes de qualquer existência sobre a Terra. Trato de coisas mais banais.

Nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro dos anos de 62/63, saltava da cama antes das cinco da matina, tomava um banho frio e me entregava então a todos os mistérios do latim, do português e do francês, sem esquecer a filosofia.

Poderia estar em Capão, em Torres ou no Cassino, em qualquer paisagem que me recordasse que eu era um garoto de 17 anos.

Ao invés disso me aprisionava em Porto Alegre, via o dia ir nascendo por entre trechos de Cícero, versos de Camões, incursões a Racine, mergulhos no rio sem reprise de Heráclito.

Sabia absolutamente tudo o que pudessem me perguntar no vestibular de Direito da Universidade Federal. Mas não me contentava com todas essas toneladas de conhecimento.

Às oito e meia da manhã freqüentava um cursinho instalado no edifício do Krahe. Encontrei ali amigos para toda a vida e me enamorei de duas ou três deusas que infelizmente não flertavam com a minha timidez.

Quando chegaram os exames, percebi que poderia ter tirado o primeiro lugar. Não tirei, por um detalhe. É que na prova escrita de latim acertei todas as questões, mas esqueci de escandir duas frases que abriam o teste, tão seguro me achava da sabedoria reunida em tantas madrugadas.

Sexta-feira passada se comemoraram 40 anos de formatura de minha turma de Direito. Foi tudo algo solene, sem faltar a inauguração de uma placa na faculdade da Avenida João Pessoa. Eu, contudo, me lembrei de mim.

E, evocando uma das deusas do cursinho do Krahe, fiquei pensando se, em vez de tantas madrugadas, não teria disposto melhor de meu tempo levando-a a imergir nas águas transparentes do litoral de Torres.

Uma feliz terça-feira - Aproveite o dia

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