sábado, 30 de março de 2024


30 DE MARÇO DE 2024
FLÁVIO TAVARES

O DIA DA MENTIRA

O golpe militar de 1964 completa 60 anos dia 1º de abril, mas é impossível esquecer suas nefastas consequências - das prisões em massa à tortura como método de interrogatório ou o controle da imprensa.

Em Brasília, como jornalista, acompanhei os passos do golpe que nos levou a 21 anos de ditadura. Guardo detalhes da sessão de menos de 10 minutos em que o senador-presidente do Congresso, (sem qualquer debate) declarou "acéfala" a Presidência da República, após ler uma carta em que o presidente João Goulart informava que instalaria o governo federal em Porto Alegre "devido aos acontecimentos militares".

Aquela madrugada de 1º de abril buscava dar um tom "legal" ao movimento golpista deflagrado em Minas Gerais em 31 de março. Os golpistas protestavam contra as "reformas de base" (em especial contra as reformas agrária e financeira) tentadas pelo governo. Antes, em São Paulo, a marcha com Deus pela família e a liberdade reuniu milhares de pessoas em desfile contra o governo. A pregação do padre irlandês-americano Patrick Peyton, vindo ao Brasil para preparar a "marcha", já mostrava o oculto dedo estrangeiro.

Anos após o golpe, a historiadora Phillys Parker descobriu nos arquivos da CIA e do State Department a Operação Brother Sam sobre a participação militar americana no Brasil. Em 1964, plena Guerra Fria, a paranoia do anticomunismo dominava os EUA.

Não repetirei a documentação que compõem meu livro 1964 - o Golpe, mas lembro um detalhe que define a raiz do movimento golpista. A esquadra americana partiu da base naval de Norfolk rumo a Santos, com o porta-aviões Forrestal à frente, para intervir no Brasil. Em 2 de abril, recebeu ordem de voltar, pois João Goulart desistira de qualquer resistência.

Tempos antes do golpe, o embaixador Lincoln Gordon logrou trocar o adido militar no Brasil pelo coronel Vernon Walters, que fora o oficial de enlace dos EUA com o Exército do Brasil na guerra na Itália. Lá, Walters se fez íntimo do então major Castelo Branco, seu colega de posto no lado brasileiro. Castelo foi o primeiro ditador.

O dia da mentira virou pesadelo de 21 anos.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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