sábado, 30 de setembro de 2023


30 DE SETEMBRO DE 2023
J.J. CAMARGO

PREVENÇÃO DO REMORSO

"Muitas noites não consigo dormir de remorso das coisas que não fiz." (Mario Quintana)

Como de hábito, não valorizamos o que temos, até que nos falte, e desperdiçamos um tempo irresgatável, sem perceber que estamos armazenando remorso para pesar no futuro, depois que os amados se forem e a saudade bater, incômoda e inútil.

Cada vez que ouço alguém dizer que não passa um dia sem lembrar do seu pai ou sua mãe, só não pergunto para não roçar na ferida se essa necessidade afetiva significava uma chamada por dia, enquanto eles ainda estavam por aqui.

Provavelmente não, afinal estamos tão atabalhoados e além do mais sobram tantas desculpas, porque passaremos juntos o próximo fim de semana (ou será no feriado?). Melhor deixar pra lá, de qualquer modo, adiante teremos tempo de sobra para atualizarmos o papo. E assim, de transferência em transferência, vamos gastando um tempo de convívio que não temos a menor noção do quanto será.

Com muita frequência, comento com os alunos da faculdade que uma condição perigosa do tempo maravilhoso que significa a planície dos 20 anos é a ameaça de que a crise de autossuficiência exacerbada que caracteriza essa idade mantenha-os afastados de suas famílias. Na verdade, um grande indício da chegada da maturidade é a percepção de que, de repente, estamos carentes daquele cuidado que nos pareceu sufocante na adolescência. Não há nada de errado nesta sequência, mas há um risco, sim: o de que a descoberta do amadurecimento só ocorra depois que os avós já se foram.

Acho que nós, como guias circunstanciais da juventude posta aos nossos cuidados, temos obrigação de alertá-los do quanto é injusto que, por pura distração, percamos um convívio tão rico e carinhoso. A julgar pelo brilho dos olhos e os agradecimentos reiterados, esse comentário, de aparência despretensiosa, mexe muito com eles, e eu tenho me sentido bem ao admitir silenciosamente que possa estar despertando verdades adormecidas à espera de um grito de alerta.

O problema é que a juventude entorpece a noção do tempo.

Mas então passam as décadas, e um dia descobrimo-nos confortáveis na fila de "prioridades por lei" para embarque no aeroporto. Se houver isenção para julgar as nossas desídias, teremos que assumir o completo despreparo para encarar a finitude, nossa e dos nossos queridos. Simplesmente porque sempre nos parecerá menos mórbida a negação.

Uma pesquisa instigante, comandada por um psicólogo espanhol (Rafael Santandreu), foi baseada na observação de que a valorização teórica da nossa dependência afetiva não combina como nossas atitudes porque, segundo ele, nosso cérebro está programado para não pensarmos no tempo que nos resta, o que nos induz a acreditar que sempre teremos outras oportunidades.

Usando critérios estatísticos, baseados na idade de cada par estudado, no número de vezes que se visitam e na duração desses encontros, foi possível projetar o tempo que eles teriam para passar com seus entes queridos.

Os amigos estudados confessaram que esperavam conviver muitos anos, e a informação de que esse tempo se contava em poucas semanas e, em alguns casos, não mais do que dias, gerou uma comoção.

Igualmente chocante foi a estimativa de que os sobreviventes dos próximos 40 anos gastarão 520 dias vendo séries, oito anos assistindo à televisão e 10 anos explorando a internet.

Validados estes números, com grande chance de terem sido subestimados, o futuro determinará, inapelavelmente, a substituição da saudade pelo remorso.

J.J. CAMARGO

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