sábado, 27 de novembro de 2021


27 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Quero ser Tex Willer

Uma vez, um medicamento que eu tomava fez as minhas sobrancelhas mudarem de cor. Elas sempre foram pretas, ou quase pretas, sobrancelhas fortes, tão densas que minha madrinha Sônia às vezes insistia em eliminar a junção delas com uma pinça. Hoje, aquela ponte entre as duas sobrancelhas não existe mais. Minha madrinha fez um bom trabalho.

Eu tinha, e tenho ainda, o hábito de erguer as sobrancelhas. Às vezes uma única, a esquerda. Achava engraçado. Faço tanto isso que fiquei com um sulco no meio da testa, uma rugona profunda, que deriva para a direita, como se fosse a curva de um rio. Minha mãe diz:

- Por que tu não faz um botox?

Eu: - Nunca! NUNCA! Um homem tem de envelhecer com alguma dignidade.

Não é preconceito, entende? É que não combina com a minha personalidade. Você precisa manter coerência na sua vida. É por isso que não pedia o chocolate Lollo no bar da redação da Zero Hora. Ficava imaginando a cena: eu chegando ao bar, fincando o cotovelo no balcão e rosnando:

- Me dá um Lollo!

Não, não, esse não sou eu. Nada contra o chocolate Lollo nem contra seus apreciadores, mas o que quero, ao entrar num bar, é fazer como faziam Tex Willer e Kit Carson depois de irromper num saloon do Texas. E ordenar:

- Estalajadeiro! Me veja uma boa bisteca e uma montanha de batatas fritas! E, para tirar a poeira da garganta, uma grande caneca de cerveja!

É o que vou comer todo este fim de semana, por Manitu!

O que estou dizendo é que você faz uma imagem de si mesmo, baseada na sua própria história, e você só conseguirá ser íntegro se não macular essa imagem. Que imagem é essa? Depende de você. Você se sente autêntico usando calças legging cor de abóbora? Pois use! O que não pode é você fazer algo em confronto com a sua autoimagem. Aí você fratura a sua personalidade, fica cheio de problemas e vai gastar uma fortuna com psicanalistas.

Acontece que, bem, as minhas sobrancelhas mudaram de cor. Clarearam, ficaram loiras. É óbvio que isso não iria me causar trauma algum, era algo fora do meu controle, mas eu detestava aquelas sobrancelhas pálidas. Não era eu, compreende? Não era eu!

Evitava me mirar no espelho, quando estava com sobrancelhas alouradas. Não por vaidade, juro. É que eu parecia outra pessoa. Mas, tudo bem, fui em frente, tentando não pensar muito naquilo, até que, um dia, elas começaram a pretear de novo, para júbilo meu. Não voltaram a ser negras como eram, mas pelo menos não estavam mais loiras.

Pensei muito nisso, nesta semana, porque, no Timeline, da Gaúcha, falamos sobre mulheres que perdem os cabelos no tratamento contra o câncer. Compreendo o sofrimento delas. Imagine uma mulher que cultiva com tanta dedicação aquelas melenas que lhe descem quase até o meio das costas, ela passa cremes, ela leva duas horas no banho, e depois tem de se ver careca. É uma dor. Admiro quem faz o gesto singelo de doar cabelo a fim de que sejam confeccionadas perucas para mulheres em quimioterapia. É um grande bem que essas pessoas fazem.

Você tem de se esforçar para preservar sua autoimagem, mesmo que ela seja o reflexo de um personagem idealizado. Lembro sempre do Bukowski. Uma vez, ele estava discutindo com uma namorada e ela disse algo que o ofendeu. Ele gritou:

- Como você pode dizer isso? Eu sou Bandini! Eu sou Arturo Bandini!

Referia-se ao imortal protagonista dos romances de John Fante. Bukowski queria ser Bandini. Eu, Tex Willer. Assim neste final de semana beberei um bom uísque de milho e comerei bistecas com uma montanha de batatas fritas. Cáspite! Preparem-se, estalajadeiros!

DAVID COIMBRA

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