sábado, 27 de abril de 2019


27 DE ABRIL DE 2019
MÁRIO CORSO

Por que não se produzem mais gênios?

A chamada da matéria era boa. Colocava a questão: com tanto acesso à informação, por que não se produzem mais gênios? Mas o artigo era fraco, considerações óbvias sobre como a internet é útil mas nos faz perder tempo.

Mas serviu para matutar uma outra resposta. Esta minha tese devo a um livro: As duas Culturas e uma Segunda Leitura, de C. P. Snow. Trata-se da transcrição de uma polêmica conferência em Cambridge de 1959.

Snow era um intelectual hoje raro, ao mesmo tempo físico e escritor. Portanto, estava dos dois lados do que ele chamou de "duas culturas". Referia-se a essa distinção tola que se faz sobre alguém ser de exatas ou de humanas. Como se houvesse naturalidade na oposição dessas duas formas de pensar. A palestra que originou o livro era uma reflexão sobre como essa divisão ganhava forma, ou seja, nem sempre foi assim, tornando- se uma tragédia para o conhecimento e um empobrecimento dos dois campos.

Segundo ele, criaram-se duas tribos rivais que pouco conversam e produzem mais atritos do que pontes. O mundo é um só. Nós, para facilitar o entendimento, o fatiamos com divisões arbitrárias. O equívoco é supor que as divisões acadêmicas sejam, por si só, uma verdade, e não a história das investigações que cercaram determinado objeto.

Voltando ao ponto, por que não temos novos Leonardos da Vinci? Uma das razões é essa tosca maneira de encarar o saber, que está no fundo da nossa maneira de pensar. Produzimos intelectuais amputados pela insistência na monomania temática.

Um exemplo, se uma criança mostrar aptidão para matemática, vamos enchê-la de mais matemática e esperar desempenhos brilhantes apenas nisso. Quando o ideal seria desafiá-la naquilo que ela ainda não tem. E nem digo da obviedade de acrescentar conteúdos de humanidades, acredito que ela deva praticar esporte, dançar, tocar um instrumento. Existe uma inteligência corporal motora e sensorial a ser desenvolvida, que tem reflexos na inteligência final do sujeito. O cérebro também é um só, e se nutre das várias experiências às quais foi submetido. A educação integrada o fará melhor matemático.

Não produzimos mais gênios porque treinamos sujeitos unidimensionais, fadados apenas a uma via do saber, como se fosse o melhor destino de sua aptidão, privando-o de unir os pontos desconexos da totalidade. Esse pensador monotemático não experimentará a humildade ao se defrontar com a dificuldade dos campos que não domina. Nesse caso, o dom recebido, ao invés de florescer numa personalidade complexa, pela hipertrofia, estreitará seu horizonte. Confundimos obsessões com genialidade.

Nossos heróis do Renascimento, como Leonardo, não faziam fronteiras, nem diferença de valor, entre a arte e a ciência. Exatamente por isso foram o que foram.

MÁRIO CORSO

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