sábado, 27 de abril de 2019



27 DE ABRIL DE 2019
DAVID COIMBRA

É sempre agora

A Marcha talvez seja o romance menos conhecido de E.L. Doctorow. Ele é autor de pelo menos dois clássicos: Ragtime e Billy Bathgate. São livros tão bons, que lamento já tê-los lido. Se você não leu, sorte sua. Vá agora a uma livraria, compre os dois, vá para casa, abra um malbec e se delicie com um fim de semana perfeito.

Você não terá menos prazer ao ler A Marcha. É um belo romance. Conta a história da campanha na qual o general Sherman finalmente derrota o Exército Confederado na Guerra Civil Americana e, na prática, funda os Estados Unidos modernos.

A tática de Sherman para vencer a guerra despertou grande controvérsia e revolta. Porque seus exércitos não se limitaram a bater os inimigos no campo de batalha. Os soldados invadiam as cidades, pilhavam as casas e depois as incendiavam. As plantações eram destruídas, as fábricas eram postas abaixo, os trilhos dos trens eram arrancados, deitados ao fogo e depois entortados para que não pudessem mais ser aproveitados. Os homens de Sherman eram como gafanhotos: nada restava à sua passagem.

Mas, enquanto passavam de fazenda em fazenda, de cidade em cidade, os exércitos de Sherman iam libertando os escravos que faziam a grandeza do Sul. A descrição de Doctorow é impressionante: homens, mulheres e crianças que a vida toda tinham sido tratados como gado de repente se viam livres, donos do próprio destino. Porém, sem lugar para ir e sem ter como se sustentar, o que eles fariam? Doctorow conta esse drama.

Conta, também, os dramas de soldados dos dois lados. Um deles chama-se Albion Simms, vítima de uma explosão que faz um pino de aço penetrar em seu crânio. Apesar disso, Albion continua vivo e com todos os reflexos perfeitos. Seu cérebro, no entanto, começa a se esvaziar lentamente, como se estivesse se esvaindo pelo ferimento. Albion vai perdendo a memória. Primeiro, as mais remotas. Depois, as recentes.

O médico do regimento, Wrede Sartorius, vê no caso a possibilidade única de estudar o funcionamento do cérebro humano. Ele sabe que o soldado irá sofrer, mas o mantém amarrado a uma cadeira para poder observá-lo. Albion pede que ele desate as correias que o prendem para poder se matar, mas o médico não o atende. Desesperado, o soldado repete, às lágrimas:

- É sempre agora! É sempre agora!

Foi essa frase que me impactou. Porque, se formos pensar no futuro, o que aconteceu com o soldado não é diferente do que o que acontece com todos nós: para nós também é sempre agora. O futuro é um lugar que não existe. Você planeja chegar lá e nunca chega: é sempre agora.

A diferença é que o soldado não tem passado, e isso é insuportável.

Tudo o que você faz, faz olhando para trás. É com base na experiência que você toma atitudes pensando no futuro. Donde, a suprema relevância do passado.

O passado não é só uma coleção de fatos antigos, que não se repetirão. O passado é um patrimônio. É como se fosse uma caderneta de poupança, onde você guarda recursos para usar quando houver necessidade. Por isso, é importante saber construir o passado. É o que você está fazendo exatamente agora. É o que faz todos os dias.

Chegará um momento em que você abrirá a conta do passado a fim de procurar pessoas e experiências para ajudá-lo, para consolá-lo ou para alegrá-lo. Se você tiver armazenado dias ruins e relações ruins, o seu depósito será inútil. Mas, quando você termina o dia e pensa "esse foi um dia bom", significa que você depositou algo de positivo na sua conta. Mais tarde, essa poupança irá socorrê-lo.

Ter um bom passado de estoque é o que existe de mais seguro para um bom futuro. E o melhor: você pode usar sempre, não vai gastar nunca. Um punhado de dias bons vale mais do que um punhado de dólares, milhares de dias bons são uma fortuna. Quem sabe poupar tem.

DAVID COIMBRA

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